ARGUIÇÃO DA NULIDADE DA SENTENÇA
PROCESSO DE TRABALHO
FALTA DE CONTESTAÇÃO
Sumário

I- No âmbito do ordenamento processual laboral, a nulidade da sentença tem de ser arguida expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso dirigido ao juiz do tribunal onde a decisão foi proferida
II- Em ação declarativa emergente de contrato de trabalho, sob a forma de processo comum, tendo transitado em julgado o despacho que considerou sem efeito a contestação apresentada, bem andou o tribunal de 1.ª instância ao aplicar o preceituado no artigo 57.º do Código de Processo do Trabalho.
(Sumário da relatora)

Texto Integral

P.639/17.5T8EVR.E1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]

1. Relatório
BB intentou ação declarativa emergente de contrato de trabalho, sob a forma de processo comum, contra CC, Lda. e DD, Lda., pedindo a condenação das Rés a pagarem-lhe a quantia de € 38.512,50,
Na petição inicial, a Autora articulou os factos que alicerçam a pretensão deduzida.
Em 22/5/2017, realizou-se a audiência de partes, na qual estiveram presentes a Autora, acompanhada do seu mandatário, e o representante das Rés, EE.
Frustrada a tentativa de conciliação encetada na diligência, foi proferido despacho a ordenar que os autos aguardassem o decurso do prazo da contestação e foi designada data para a audiência de discussão e julgamento.
Em 1/6/2017, pelas 23h02, deu entrada, via Citius, a contestação, assinada pela “Advogada com substabelecimento”, Dr.ª FF que é identificada como “Mandatário Subscritor”, embora a peça processual seja apresentada em folha com o cabeçalho identificativo da Dr.ª GG - Advogada.
No aludido articulado, refere-se que se apresenta uma procuração e protesta-se juntar substabelecimento da mandatária Dr.ª GG.
No requerimento que deu entrada em tribunal em 7/6/2017, visando a junção de documentos que não foi possível juntar com a contestação, reafirma-se que se protesta juntar substabelecimento da mandatária Dr.ª GG.
Por despacho de 8/9/2017 é ordenada a notificação das Rés para, em 10 dias, juntarem aos autos o substabelecimento em falta, fazendo-se referência ao artigo 48.º do Código de Processo Civil.
Tal despacho foi notificado ao mandatário da Autora e à mandatária subscritora da contestação – Dr.ª FF.
Em 2/10/2017, foi proferido despacho com o seguinte teor:
«As Rés apesar de regularmente notificadas não vieram dentro do prazo que lhes foi fixado juntar o substabelecimento a favor da ilustre advogada subscritora da contestação, pelo eu fica sem efeito tudo, o praticado pela mandatária, artº. 48º nº 2 do C.P.C.
Custas do incidente pela mandatária subscritora da contestação.
Notifique e após trânsito abra de novo conclusão nos autos para proferir decisão de mérito face à não contestação das Rés.»
Em 9/10/2017, é apresentado requerimento subscrito pela referida mandatária – Dr.ª FF - contendo uma declaração de ratificação de tudo o que por si foi processado, desde a contestação, emitida pelas Rés, e uma procuração forense emitida pela 1.ª Ré, com data de 9/10/2017, a favor da advogada. A secretaria consignou na face do requerimento que não foi possível imprimir a procuração emitida pela 2.ª Ré.
Interposto recurso do despacho datado de 2/10/2017, o mesmo não foi admitido por extemporaneidade.
O despacho que rejeitou o recurso foi dado a conhecer às partes, por notificação elaborada em 27/10/2017.
Não foi apresentada reclamação deste despacho.
Em 15/11/2017, foi proferida sentença que considerou confessados os factos articulados pela Autora, ao abrigo do artigo 57.º do Código de Processo do Trabalho, por não ter sido apresentada contestação e condenou as rés a pagarem solidariamente à Autora a quantia global de € 38.512,50, correspondente a diferenças salariais, de subsídios e diuturnidades dos anos de 2006 a 31 de janeiro de 2017, subsídio de férias vencidas em 1/1/2017, e proporcionais (1/12) de férias, subsídio de férias e de natal do ano da cessação do contrato.
Não se conformando com esta decisão, vieram as Rés interpor recurso da mesma, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:
«Consideramos que andou mal o Douto Tribunal quando decidiu:
 Que a mandatária das Rés – Dra. FF – carece de substabelecimento para ter legitimidade processual;
 Que as Rés não contestaram – facto que contradiz o reconhecido no Douto Despacho de 25-10-2017;
 Que as Rés foram notificadas, quando a notificação foi feita efetivamente à sua mandatária cuja legitimidade afinal era questionada de tal modo que a falta de junção de substabelecimento teve como consequência a não aceitação da Contestação apresentada por ela.
 Que a consequência para a ausência de Contestação seria a confissão dos factos alegados pela Autora e a consequente condenação das Rés.
Do Direito aplicado
A) Consequências da não junção do substabelecimento
A não junção de Substabelecimento não pode ser consubstanciada como ausência de legitimidade da intervenção processual da ora Mandatária das Recorrentes, mas tão só como não junção do documento comprovativo dessa legitimidade.
Efetivamente, como refere Castro Mendes (Direito Processual Civil, II, pág. 141),
- “0 mandato judicial é o ato através do qual se conferem ao mandatário poderes para representar a parte em todos os atos do processo (cfr. art. 36.º do CPC), podendo este ser conferido por instrumento público ou documento particular ou mesmo por declaração verbal da parte no auto de qualquer diligência processual (art. 35º do CPC), incluindo o de substabelecer o mandato.”.
- “Com o substabelecimento o mandatário está a investir uma outra pessoa, igualmente habilitada, nos poderes de representação forense da parte e no dever de os exercer, podendo este, à semelhança do mandato judicial, ser conferido por instrumento público ou documento particular ou
mesmo declaração verbal. “
A verdade é que existe um substabelecimento de facto, o qual nunca foi questionado pelo Tribunal que sempre reconheceu a legitimidade da ora Mandatária e os atos por si praticados no Processo.
Não pode ser atribuída a tal ausência, a tal falta, uma consequência como a pretendida - a de não se ter contestado os factos -, consequência contraditada pelo Despacho de 25-10-2017 que admite expressamente a ratificação da Contestação e de todos os atos processuais, e a junção das Procurações a favor da ora mandatária.
Nesse sentido, vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido no Processo n.º 0825437, datado de 15-07-2009.
De facto, o documento de substabelecimento (que se reconhece não ter sido junto por lapso que se assume e lamenta), apenas formaliza os poderes conferidos à ora Mandatária para em nome, representação e no interesse das Rés intervir processualmente no processo (cfr. Ac. do STJ de 16/04/96, in C.J. - Acs. STJ, 1996, T. 2, pág. 22).
B) Legitimidade material da Mandatária
A ora Mandatária tem assumido desde o momento da apresentação da Contestação até agora o papel de legal Mandatária das Rés, papel reconhecido desde o início pelo Meritíssimo Juiz que tem feito todas as notificações na pessoa da ora Mandatária.
Por outro lado, nunca foi reconhecido qualquer poder de mandato à primeira Mandatária – Dra. GG – porquanto esta nunca chegou sequer a ser notificada para juntar substabelecimento, facto que atesta o não reconhecimento de tal posição formal.
C) Consequências da ratificação da Contestação
A ratificação expressa da Contestação e de todos os atos processuais bem como a junção de Procuração, cuja junção foi deferida pelo despacho de 25-10--2017, reconhece validade à Contestação apresentada, não podendo pois ser a mesma dada por não feita, não aceite, e desentranhada, como se as Rés não existissem no Processo.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente Recurso, revogando-se a Sentença aqui recorrida, devendo realizar-se Audiência de Discussão e Julgamento para discussão dos factos controversos e posteriormente proferida Sentença em conformidade com a prova produzida no exercício do direito de defesa das Rés, assim se fazendo a desejada JUSTIÇA!»
Não foram apresentadas contra-alegações.
Tendo o tribunal de 1.ª instância admitido o recurso e fixado à ação o valor de € 38.512,50, o processo subiu ao Tribunal da Relação. Foi observado o preceituado no n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, propugnando pela improcedência do recurso.
Não foi oferecida resposta ao parecer.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, as questões suscitadas no recurso são:
1.ª Nulidade da sentença[2].
2.ª Saber se havia fundamento legal para proferir a sentença recorrida.
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III. Matéria de Facto
A matéria de facto a atender é a que consta do relatório supra, para a qual remetemos, sem necessidade da sua repetição.
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IV. Nulidade da sentença
Nas alegações do recurso, as apelantes arguiram a nulidade da sentença, com fundamento na existência de contradição insanável com o despacho proferido em 25/10/2017, aí desenvolvendo os seus argumentos. Nas conclusões do recurso, inserem algumas afirmações relativas à considerada contradição. Embora, com dúvidas, admite-se que a arguição da nulidade da sentença constitui questão suscitada no recurso.
No processo laboral, porém, o regime de arguição de nulidades da sentença diverge do regime geral adotado nos recursos cíveis.
No ordenamento processual-laboral existe uma norma específica que exige que a arguição de nulidades seja feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso (cfr. artigo 77.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Na base de tal dispositivo legal estão os princípios de economia e celeridade processuais subjacentes às leis reguladoras do processo de trabalho. Visa-se dar ao tribunal que proferiu a sentença a possibilidade de suprir as nulidades de que a mesma eventualmente enferme antes de mandar subir o recurso. Para que tal faculdade possa ser exercida, é necessário que a arguição da nulidade seja feita na parte do requerimento que é dirigido ao juiz do tribunal onde a decisão foi proferida.
Nos casos em que o recorrente não respeita o formalismo exigido pelo artigo 77.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, a jurisprudência dos tribunais superiores, tem entendido que a arguição da nulidade se mostra intempestiva ou extemporânea, pelo que o tribunal ad quem não deve conhecer de tal nulidade. Veja-se a título de exemplo: Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20/9/2006, P.06S574; de 5/7/2007, P. 06S4283; de 10/10/2007, P. 07S048; de 22/2/2017, P. 5384/15.3T8GMR.G1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Este tem sido, igualmente, o entendimento adotado por este tribunal.
No caso vertente, não foi apresentado qualquer requerimento dirigido ao tribunal de 1.ª instância com a arguição da nulidade da sentença.
Deste modo, não tendo sido observado o estatuído pelo artigo 77.º, n.º 1 do Código de Processo de Trabalho, há que considerar que a suscitada nulidade foi arguida intempestivamente, pelo quer não se apreciará a mesma.
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V. Enquadramento jurídico
Na sentença recorrida, considerou-se que as Rés não haviam contestado e, ao abrigo do artigo 57.º do Código de Processo do Trabalho, julgaram-se confessados os factos articulados pela Autora, tendo o tribunal de 1.ª instância aderido ao alegado pela Autora e, consequentemente, condenou as Rés no pedido formulado.
Os elementos factuais processuais evidenciam que não obstante as Rés tenham apresentado uma contestação, em 1/6/2017, a junção de tal peça processual foi considerada sem efeito por despacho proferido em 2/10/2017.
Este despacho transitou em julgado, uma vez que as Rés recorreram do mesmo e o despacho que rejeitou o recurso, por extemporaneidade, foi notificado às partes, nos termos previstos pelo n.º 1 do artigo 247.º do Código de Processo Civil, sem qualquer reação processual a tal notificação, designadamente sem apresentação de reclamação do despacho que rejeitou o recurso.
As apelantes conformaram-se com o decidido e não podem agora, por via do presente recurso, “atacar” uma decisão já transitada.
Assim, a contestação que havia sido apresentada ficou desconsiderada para efeitos processuais, o que equivale, a uma situação de falta de apresentação da contestação.
E, nos termos previstos artigo 57.º do Código de Processo do Trabalho, se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se regularmente citado na sua própria pessoa, ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor e é logo proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito (n.º 1). Se a causa se revestir de manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida de identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado; se os factos confessados conduzirem à procedência da ação, a fundamentação pode ser feita mediante simples adesão ao alegado pelo autor (n.º2).
Ora, perante a revelia das Rés (recorda-se que a contestação apresentada foi considerada sem efeito) e tendo o seu legal representante sido regularmente citado na sua própria pessoa para contestar no prazo legal, bem andou o tribunal de 1.ª instância ao aplicar o preceituado no artigo 57.º do Código de Processo do Trabalho.
E, tendo os factos articulados pela Autora sido considerados confessados, não havia razão para se realizar a audiência de discussão e julgamento, pois inexistiam factos controvertidos dependentes de produção de prova.
Os factos considerados assentes não foram impugnados em sede de recurso, nos termos previstos pelo artigo 640.º do Código de Processo Civil e a solução de direito que, por adesão à fundamentação da Autora, foi sustentada, também não se mostra impugnada.
Acresce que não se verificou no processo qualquer violação do princípio do contraditório e do direito de defesa das apelantes, uma vez que foi facultada às Rés a possibilidade de contestarem validamente a ação.
Destarte, a sentença recorrida tem fundamento legal, foi bem proferida face à tramitação processual e não merece qualquer censura.
A impugnação de outros despachos já transitados não pode, naturalmente, ser apreciada.
Concluindo, o recurso mostra-se improcedente.
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VI. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pelas apelantes.
Notifique.

Évora, 14 de junho de 2018
Paula do Paço (relatora)
Moisés Silva
João Luís Nunes

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[1] Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: Moisés Silva; 2.ª Adjunto: João Luís Nunes
[2] Embora, esta questão não venha expressamente arguida nas conclusões do recurso, a mesma vem invocada nas alegações do recurso e a alegada contradição insanável que a fundamenta, acaba por ser mencionada nas conclusões do recurso, daí a sua consideração como questão suscitada.