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RECEPTAÇÃO
CO-AUTORIA
Sumário
A co-autoria pressupõe não apenas a execução conjunta do facto ilícito típico, mas também uma decisão conjunta.
Texto Integral
Acordam, em audiência, na 4.ª sec. (2.ª sec. criminal) do Tribunal da Relação do Porto:
No Tribunal Judicial de Amarante, entre outros arguidos que se conformaram com a decisão, foram os arguidos B………. e C………., ambos devidamente identificados nos autos a fls. 507, condenados pela prática de um crime de receptação p.p. nos termos do art. 231.º, n.º1, do Código Penal, nas penas de multa de, respectivamente, 200 dias, à razão diária de €4,00, e 150 dias, à razão diária de €3,50.
O primeiro arguido foi ainda condenado pela prática de um crime de detenção ilegal de arma de fogo p.p. nos termos do art. 6.º, n.º 1, da Lei n.º 22/97, de 27/06, na pena de 120 dias de multa, à razão diária de €4,00 e, em cúmulo jurídico de ambas as penas parcelares, na pena única de 260 dias de multa, à indicada razão diária.
Inconformados com a decisão, dela interpuseram recurso os arguidos B………. e C………., de cuja motivação extraíram as seguintes conclusões:
1 – O arguido B………. não obteve para si qualquer vantagem patrimonial com a compra da arma, uma vez que essa arma serviria como garantia do empréstimo que fez ao arguido D………., do montante em dinheiro que pretendia receber, o que não lhe aporta qualquer acréscimo patrimonial.
2 – Não havendo portanto vantagem patrimonial do arguido com a realização de tal negócio, impondo-se assim, que o mesmo fosse por tal absolvido.
3 – De todo o modo, o arguido não era conhecedor da forma como o arguido, D………., adquiriu tal arma, nem tal se encontra demonstrado, senão e apenas, no que concerne ao momento da devolução.
4 – O Tribunal não apurou se aquando da entrega da arma por parte do arguido D………. ao ora recorrente, este tinha ou não conhecimento da proveniência ilícita daquela.
5 – O mesmo se dirá em relação à ora recorrente, C………., ou seja, não houve por parte da mesma qualquer vantagem patrimonial, nem para si, nem para terceiros.
6 – Acresce que, aquando da entrega da arma ao arguido, B……….l, a arguida C………. não conhecia a forma pela qual o mesmo a havia adquirido, nem tal se apurou, pelo que não poderá a mesma ser condenada pela prática de um crime de receptação previsto e punido pelo art. 231.º, n.º1, do Código Penal.
7 – Nem tampouco apurou se o arguido B………. transmitiu à arguida C………. a notícia posterior que recebera do arguido D………. de que o dono da arma (facto novo) viria buscá-la.
8 – Tanto o arguido B………., como a arguida C………., não obtiveram qualquer vantagem patrimonial com o suposto negócio, e como tal vê-se prejudicada a condenação dos mesmos por este tipo legal de crime.
9 – Ao que acresce o facto de os ora recorrentes não terem conhecimento da proveniência da arma, ou seja, aquando da entrega da arma não tinham conhecimento da proveniência ilícita da arma, pelo que se impõe a sua absolvição.
10 – Por outro lado, é bom de ver que o tribunal se equivocou quando entendeu uma simples guarda em garantia como sinónimo de transmissão.
11 – E que também se equivocou, quando confundiu entrega a legítimo dono posteriormente conhecido com nova transmissão.
12 – Não está pois, e em consequência, preenchida a condição objectiva de punibilidade referente à transmissão que o tribunal, por erro, deu por assente.
13 – Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto no art. 231.º, n.º1, do Código Penal.
X X X
Terminaram pedindo a revogação da sentença recorrida e a sua absolvição da acusação quanto aos crimes por que foram condenados.
X X X
Na 1.ª instância respondeu o M.º P.º pronunciando-se pelo não provimento do recurso.
Neste tribunal o Exmo. Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento na parte referente ao arguido e que merece parcial provimento na parte referente à arguida, devendo esta ser condenada a título de cúmplice e não como autora material do crime de receptação.
X X X
Cumprido o disposto no n.º2 do art. 417.º do C. P. Penal, nenhuma resposta foi trazida ao processo.
Foram colhidos os vistos legais.
Procedeu-se à audiência de julgamento de harmonia com o formalismo legal, como consta da respectiva acta.
Cumpre decidir.
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Na audiência de julgamento da 1.ª instância procedeu-se à documentação da prova ali oralmente produzida, pelo que, nos termos dos arts. 364.º, n.º1, e 428.º, n.º2, ambos do C. P. Penal, na redacção então em vigor, este tribunal conhece de facto e de direito.
X X X
Tendo em conta as conclusões da motivação do recurso e que estas delimitam o seu objecto, temos que a única questão suscitada pelos arguidos a merecer apreciação diz respeito ao enquadramento jurídico-penal da matéria de facto provada quanto ao crime de receptação por que cada um deles foi condenado, defendendo que a mesma não preenche os elementos constitutivos do respectivo tipo legal.
É a seguinte a matéria de facto provada constante da sentença recorrida, que se transcreve apenas na parte que interessa a esta decisão:
A)
No dia 01.08.2004, entre as 12.00 e as 17.00 horas, os 1º e 2° arguidos, E………. e F………. passaram junto ao G………., na estrada nacional n.º .., ………., freguesia de ………., área deste concelho e comarca de Amarante, e, ali estacionado, depararam com o automóvel ligeiro de passageiros da marca Mercedes Benz, modelo ………., de que é dono H………., mas que nessa ocasião estava na posse de I………. .
Por se dedicarem à prática de furtos, logo o E………. e o F………. trataram de quebrar o vidro da porta da frente do lado do passageiro com uma vela de ignição que o primeiro arremessou.
Passaram revista ao interior do veículo, com vista a apropriarem-se de quaisquer bens que aí se encontrassem.
Assim, do interior do veículo subtraíram ao seu legítimo dono, o ofendido I………., os seguintes bens:
1. Um revólver da marca Taurus, modelo ………., de calibre 32, com o n.º ………. – Made in ………., municiado com 5 balas, com cano estriado e comprimento de 7,5 centímetros e tambor com capacidade para 6 munições e ponto de mira cromado/preto e vermelho e o respectivo coldre, de cor preta, marca Sickinger, avaliados, respectivamente, em 600€ e 60€;
2. Um telemóvel da marca Nokia, modelo ….;
3. Uma máquina fotográfica da marca Olimpus, com o n.º ……., de cor cinzenta, e respectiva bolsa de marca Yashica, com o valor declarado de 300€;
4. Um telemóvel da marca Nokia, modelo ….;
5. Um telemóvel da marca Nokia, modelo …./…. .;
6. Uma carteira de senhora com 250€00 e alguns cheques do J………. .
De posse destes bens, os arguidos decidiram que o E………. ficaria com os descritos em 2 e 5 e o F………. com os bens descritos em 3 e 4. A quantia em dinheiro repartiram-na em partes iguais e desfizeram-se da carteira com os documentos e os cheques.
Quanto ao revólver resolveram vendê-lo e, por isso, esconderam-no no K………. desta cidade, onde se vieram a encontrar pouco depois.
Até ao K………., o arguido E………. levou consigo o revólver, tendo-o exibido à 8ª arguida, L………., conforme descrito abaixo, em G).
Posteriormente, o 2° arguido F………. esteve de posse da arma, que entregou ao 3° arguido D………., conforme o descrito em B).
Os arguidos E………. e F………. agiram com o propósito de integrar no seu património, como sucedeu, aqueles descritos bens e dinheiro.
Sabiam que sobre tais objectos e dinheiro não detinham qualquer direito e que actuavam contra a vontade do dono.
Agiram, na descrita conduta, em comunhão de esforços para execução do plano que gizaram e levaram-no a cabo no momento em que viram o automóvel.
Ambos conheciam as características da arma de fogo, consistente no seu elevado poder destrutivo dos tecidos humanos, susceptível de matar se disparada contra o corpo de uma pessoa e sabiam que não lhes era lícito detê-la, como fizeram nas ocasiões em que a tiveram consigo ou sob a sua posse, escondida no K………., e que para tal, necessitavam de estar autorizados mediante a competente licença de uso e porte de arma de defesa, que só é atribuída a cidadãos considerados idóneos e de conduta exemplar.
B)
Um ou dois dias depois, pelas 21.00 horas, o arguido F………. telefonou ao 3° arguido, D………., a propor-lhe que lhe comprasse o revólver Taurus.
De imediato e conforme o combinado seguiram juntos de automóvel ao K……….. onde o F………. entregou ao D………. o revólver.
Esta entrega foi feita à consignação, já que o F………. incumbiu o D……… de vender o revólver pelo melhor preço que conseguisse, referindo-lhe tratar-se de uma arma rentável e vendável, como de facto o é, por não se tratar de arma adaptada de alarme para fogo real.
O 3° arguido D………. sabia perfeitamente da proveniência ilícita da arma por o arguido F………. lhe ter revelado que era parte do produto do crime que praticara no interior de um Mercedes.
Apesar deste conhecimento, o arguido D………. quis e aceitou negociar a venda da arma, com o fito de conseguir um imediato ganho em dinheiro. Conhecia as características da arma de fogo, o seu poder letal se disparada contra o corpo de uma pessoa, bem como a necessidade legal de ser detentor de licença de uso e porte de arma de defesa e de a mesma se encontrar registada e manifestada a favor de quem lha transmitisse.
Sabia, ainda, que não lhe era lícito entregá-la ao arguido B………. como fez, nas condições abaixo descritas, em C).
C)
E logo o arguido D………., porque queria dinheiro, ligou ao 4º arguido, B………., a quem lhe ofereceu a possibilidade de comprar a arma pela quantia de 250,00 € porque estava necessitado de dinheiro, ao que este propôs receber a arma como garantia do empréstimo que lhe faria desse montante, negócio que se veio a concretizar em local não apurado.
Conhecia o arguido B………. as características da arma de fogo, o seu poder de matar se disparada contra uma pessoa, a necessidade de possuir licença de uso e porte de arma, que só é atribuída a pessoas consideradas capazes para tal pelas entidades competentes, bem assim, que é imprescindível registo da mesma e a posse do livrete de manifesto, que a deve acompanhar, mas, ainda assim, na falta de tudo isto, não se coibiu de a receber.
D)
No dia 12.08.04, na sequência de investigações que fez, o ofendido veio a apurar que o revólver teria estado na posse do 3° arguido, D………. .
Contactado pelo ofendido, o D………. afirmou-lhe poder recuperar o revólver contra o pagamento da quantia de 250,00 €, a que aquele acedeu.
Com efeito, encontrando-se o revólver registado e manifestado a seu favor, o ofendido I………., ante a proposta do arguido D………., de lhe recuperar a arma mediante o pagamento daquela quantia, acedeu à pretensão.
O arguido D………. sabia que ao propor a entrega da arma ao ofendido contra a entrega da dita quantia de dinheiro, que se destinava ao arguido B………., abusava da situação do ofendido, já que pensou que ele se determinasse a ceder, como fez a fim de recuperar o objecto furtado.
Actuou o arguido D………. com intenção de conseguir um ganho pecuniário para si e para o arguido B………., bem sabendo que era ilegítimo, já que duplamente à custa do património do ofendido.
O arguido só não conseguiu levar por diante os seus descritos intentos por circunstâncias que não dominou e que lhe foram impostas contra a sua vontade.
Com efeito, o ofendido, por precaução, decidiu-se a relatar estes factos à Guarda Nacional Republicana de Amarante, cujos investigadores do NIC – Núcleo de Investigação CriminaI, montaram uma operação de vigilância, com seguimento do veículo do ofendido.
E)
Assim, no dia 12.08.04, pelas 17.00 horas, o ofendido deslocou-se de automóvel à cidade da ………., onde o arguido D………. ficara de o esperar. Seguiu com o D………. até ao ………., ………., ………., segundo percurso que este lhe indicou.
Aqui, num lugar não residencial, encontrava-se estacionado o veículo da marca Mercedes Benz, modelo ………., com a matrícula ..-..-MP, conduzido pelo arguido B………., o qual foi previamente contactado pelo arguido D………., acompanhado da 5ª arguida C………., e da irmã desta, a 6ª arguida, M………. .
A arguida C………., antes da chegada do ofendido, tratou de esconder o revólver na valeta junto à estrada, por forma a evitar serem surpreendidos na sua posse, caso as autoridades policiais acompanhassem o ofendido.
Assim, após diálogo entre os arguidos D………. e B………., o ofendido dirigiu-se à arguida C………. e pediu-lhe que lhe entregasse a arma, ao que esta lhe respondeu que só o fariam contra a entrega do dinheiro. Deste modo, o ofendido entregou a quantia de 250,00€ em duas notas de 100,00€ e uma de 50,00€, que ficou na posse do arguido B………. .
Pelo menos aquando do contacto do arguido D………. com o arguido B………., em que aquele lhe esclareceu que seria feita a venda ao dono da arma e que este a deveria transportar para o local, ficou o arguido B………. conhecedor que a arma estava na posse do arguido D………. por via de um crime, tivesse sido ele ou outro a praticá-lo. Não obstante esse conhecimento, manteve-a à sua guarda e acedeu ao encontro com vista a entregar a arma ao ofendido mediante o pagamento por este de uma quantia monetária.
A arguida C………. conhecia as características da arma de fogo, nomeadamente que se trata de engenho capaz de matar seres humanos, cuja posse, uso ou detenção só pode ser feito por quem possua o competente licenciamento e manifesto a seu favor.
Sabia a arguida C………. que a arma estava na posse do arguido B………. em consequência de, pelo menos, uma transmissão ilegal e que a mesma tinha sido furtada, mas, ainda assim, dispôs-se a ajudá-lo a obter a relatada quantia de 250,00€, acompanhando-o àquele local e assegurando-se que aquele fito era conseguido, contribuindo para uma nova transmissão.
Os arguidos E………., F………., D………., B………., C………., N………. e L………., em todas as respectivas descritas condutas que levaram a cabo, agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que eram proibidas e punidas criminalmente.
O arguido B………. exerce a profissão de calceteiro, auferindo, em média, € 400,00 por mês, a que acresce um máximo de € 150,00 mensais por biscates ocasionais. Tem uma filha menor à qual paga uma pensão de alimentos de € 100,00 mensais. Vive em união de facto em casa da companheira.
Foi condenado em 70 dias de multa à taxa diária de 600$00 pela prática, em 27-05-2004, de um crime de falsificação de documento.
A arguida C………. é divorciada, doméstica e tem 3 filhos menores a cargo. Recebe € 462,00 por mês de abono, € 270,00 a título de pensão de alimentos dos filhos e € 320,00 de pensão para cuidar deles por padecerem de doença de cariz diabético. Paga € 120,00 por mês ao Banco para amortização de empréstimo para aquisição de casa própria.
Não tem antecedentes criminais.
X X X
Na sentença recorrida foi o enquadramento jurídico-penal dos factos imputados aos arguidos recorrentes feito nos termos que se passam a reproduzir apenas na parte que interessa à decisão do recurso:
ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL DOS FACTOS
Faremos uma incursão pelos tipos legais de crime em causa nos autos para, posteriormente, num segundo momento, aferirmos da verificação ou não dos seus elementos em cada um dos momentos referidos supra e em relação a cada um dos arguidos.
* Do crime de furto
Dispõe o artigo 203º, n.º 1 do Código Penal: “Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.”
O bem jurídico protegido por esta incriminação deve ver-se como “a especial relação de facto sobre a coisa – poder de facto sobre a coisa -, tutelando-se, dessa maneira, a detenção ou mera posse como disponibilidade material da coisa; como disponibilidade da fruição das utilidades da coisa com um mínimo de representação jurídica” – José de Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, Coimbra Editora, pág. 30.
São elementos objectivos deste tipo de ilícito, como se retira da própria letra do preceito, (1) a subtracção de (2) coisa (3) móvel (4) alheia (5) com valor patrimonial.
A nível subjectivo, exige, além do dolo geral do agente, uma ilegítima intenção de apropriação configurada como um dolo específico, “que se preenche com a intenção de o agente, contra a vontade do proprietário ou detentor da coisa furtada, se passar a comportar relativamente a ela animo sibi rem habendi, integrando-a na sua esfera patrimonial ou na de outrem” – M. Maia Gonçalves, Código Penal Português Anotado e Comentado, 13ª Edição – 1999, Almedina, pág. 632.
O crime consuma-se quando o agente tira ou subtrai a coisa da posse do dono contra a vontade deste e a coloca na sua própria posse, ou seja, logo que a coisa subtraída passa da esfera do poder do seu detentor para a do poder do agente (crime de execução instantânea). "Tal consumação é a formal ou jurídica, não dependendo de o seu autor haver conseguido o seu desiderato, pois tão somente supõe que se realizem todos os elementos constitutivos do tipo (não sendo necessário que o agente tenha o objecto em pleno sossego ou em estado de tranquilidade) – Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24-10-2001, www. dgsi.pt, Processo 0110788, N.º Convencional JTRP00033015, última consulta em 29-11-2005.
Assim, para a consumação deste crime basta que 1) o sujeito passivo se veja privado do domínio de facto sobre a coisa e 2) que o agente tenha adquirido um pleno e autónomo domínio sobre a coisa, o que será acompanhado do respectivo elemento subjectivo.
* Do crime de receptação
Preceitua o n.º 1 do artigo 231º do Código Penal: “Quem, com intenção de obter, para si ou para outra pessoa, vantagem patrimonial, dissimular coisa que foi obtida por outrem mediante facto ilícito típico contra o património, a receber em penhor, a adquirir por qualquer título, a detiver, conservar, transmitir ou contribuir para a transmitir, ou de qualquer forma assegurar, para si ou para outra pessoa, a sua posse, é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias”.
E o n.º 2: “Quem, sem previamente se ter assegurado da sua legítima proveniência adquirir ou receber, a qualquer título, coisa que, pela sua qualidade ou pela condição de quem lhe oferece, ou pelo montante do preço proposto, faz razoavelmente suspeitar que provém de facto ilícito típico contra o património, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 120 dias”.
“A norma imposta no n.° 1 contém o tipo fundamental da receptação, que consiste em o agente estabelecer, através das várias modalidades de acção descritas, uma relação patrimonial com uma coisa obtida por outrem mediante um facto criminalmente ilícito contra o património, sendo a conduta guiada pela intenção de alcançar, para si ou para terceiro, uma vantagem patrimonial. O conteúdo do ilícito reside, pois, na perpetuação de uma situação patrimonial antijurídica” – Pedro Caeiro, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, p. 475.
Quanto ao n.º 2, o legislador visou aqui punir “aquele que adquire ou recebe uma coisa que, por força de certas características (qualidade, preço ou condição do transmitente), faz razoavelmente suspeitar de que provém de facto ilícito típico contra o património, sempre que o agente, nessas circunstâncias, não se tenha assegurado da legítima proveniência da coisa” – autor e obra citados, pág. 486.
A nível subjectivo, ambos os dispositivos exigem o dolo do agente, mas enquanto o n.° 1 do art. 231° exige um dolo específico relativamente à proveniência da coisa, no sentido de o agente saber que a coisa provém de um facto ilícito contra o património, e à intenção de obter uma vantagem patrimonial para si ou para terceiros, no n.º 2 o agente admite a possibilidade de a coisa ter tal origem e conforma-se com ela, não se assegurando da sua proveniência legítima.
Após exclusão da punição pelo n.º 1, e relativamente à previsão do n.º 2, há que verificar, em cada caso, e em primeiro lugar, se as qualidades dos objectos em causa e as circunstâncias que rodearam a sua aquisição pelos arguidos foram de molde a fazer razoavelmente suspeitar a sua proveniência ilegítima e, em caso afirmativo, se o arguido cumpriu o seu dever de informação quanto à proveniência.
Apreciemos então a conduta de cada um dos arguidos: Da actuação do arguido B……….
Relativamente ao crime de receptação, dos factos provados resulta que este arguido, quando contactado pelo arguido D………. para combinar o encontro com o ofendido, ficou, pelo menos nesse momento, conhecedor da proveniência ilícita da arma que detinha e, apesar deste conhecimento, nada fez para evitar uma nova transmissão da mesma ou para a entregar às autoridades, antes contribuiu para tal conforme E), mantendo-a na sua posse com o fito de obter para si uma vantagem patrimonial, o que não foi conseguido por circunstâncias que lhe foram alheias. Estes factos são indubitavelmente enquadráveis no n.º 1 do artigo 231º do Código Penal.
* Da actuação da arguida C……….
Sabia a arguida que a arma estava na posse do arguido B………. em consequência de, pelo menos, uma transmissão ilegal e que a mesma tinha sido furtada, mas, ainda assim, dispôs-se a ajudá-lo a obter a quantia de 250,00€ ao seu legítimo dono, acompanhando-o ao local combinado e assegurando-se que aquele fito era conseguido, no qual interveio directamente ao dizer ao ofendido que só lhe entregariam a arma contra a entrega do dinheiro, contribuindo para uma nova transmissão.
Face a esta conduta, dúvidas não subsistem do cometimento pela arguida do crime de receptação previsto no artigo 231º, n.º 1 do Código Penal, tendo agido com intenção de alcançar uma vantagem patrimonial para o arguido B………., sabendo que a sua conduta era proibida por lei.
Apesar de ter conhecimento sobre as características da arma e a proibição da sua detenção sem licença, e de a ter detido pessoalmente quando a foi colocar na valeta da estrada, não foi acusada pelo tipo legal da detenção ilegal de arma de fogo, pelo que não poderá ser punida.
X X X
Delimitando as conclusões tiradas pelos arguidos B………. e C………. das suas alegações o objecto do presente recurso, importa agora, a partir delas, determinar o destino que merece a pretensão por eles aqui formulada.
Os arguidos começam (conclusões 1.ª a 7.ª e 9.ª das suas alegações) por censurar a sentença proferida nos autos, na parte em que os condenou pela prática de um crime de receptação, defendendo, por um lado, que não obtiveram qualquer vantagem patrimonial com a compra do revólver «Taurus» atrás descrito, e, por outro lado, alegando que não conheciam (especialmente a arguida C……….) a proveniência ilícita de tal arma quando o arguido D………. a entregou ao arguido B………. . Afirmam, ainda, que não obtiveram qualquer vantagem patrimonial com tal negócio, pelo que se imporia, também por aí, a sua absolvição da prática do ilícito em apreço. Finalmente, afirmam ser «bom de ver que o tribunal se equivocou quando entendeu uma simples guarda em garantia como sinónimo de transmissão» (conclusão 10.ª das alegações de recurso).
Neste ponto não se vê, porém, que exista qualquer motivo para censurar a sentença recorrida, pois que o Tribunal a quo, se bem compreendemos a sua decisão, não fundou a condenação que contra os arguidos mencionados proferiu nos factos por estes invocados nas suas alegações de recurso, ou dito de outra forma, não colocou a consumação do crime de receptação que entende terem os arguidos em apreço cometido no momento cronológico a que estes aludem nas suas alegações.
Com efeito, o que se afirma na sentença recorrida é, antes, que o arguido B……….:
«quando contactado pelo arguido D………. para combinar o encontro com o ofendido, ficou, pelo menos nesse momento, conhecedor da proveniência ilícita da arma que detinha e, apesar deste conhecimento, nada fez para evitar uma nova transmissão da mesma ou para a entregar às autoridades, antes contribuiu para tal (…), mantendo-a na sua posse com o fito de obter para si uma vantagem patrimonial, o que não foi conseguido por circunstâncias que lhe foram alheias» (sublinhados nossos),
e que a arguida C……….
«[s]abia (…) que a arma estava na posse do arguido B………. em consequência de, pelo menos, uma transmissão ilegal e que a mesma tinha sido furtada, mas, ainda assim, dispôs-se a ajudá-lo a obter a quantia de 250,00€ ao seu legítimo dono, acompanhando-o ao local combinado e assegurando-se que aquele fito era conseguido, no qual interveio directamente ao dizer ao ofendido que só lhe entregariam a arma contra a entrega do dinheiro, contribuindo para uma nova transmissão» (sublinhados nossos).
Ou seja: o Tribunal recorrido não afirma, em lugar nenhum, que os arguidos B………. e C………. cometeram o crime de receptação por que foram condenados no preciso momento em que aquele arguido entrou, pela primeira vez, na posse da arma em causa nestes autos, mas sim, que tal crime foi cometido posteriormente, quando ambos os arguidos procuraram obter do legítimo proprietário de tal revólver uma determinada quantia monetária para lho devolverem (o que constituiria uma transmissão enquadrável no tipo legal do crime de receptação, segundo o Tribunal a quo), altura em que, conhecendo a proveniência ilícita do revólver, ainda assim o mantiveram na sua posse e contribuíram para a sua (eventual) posterior transmissão.
Nesta parte, pois – ao menos com os argumentos esgrimidos pelos arguidos nas supramencionadas conclusões das suas alegações – não pode o presente recurso deixar de improceder.
Resta, então, apurar se a factualidade dada por assente sustenta ou não a condenação proferida contra os arguidos – o que os recorrentes parecem negar, quando alegam ainda, por último, que o Tribunal a quo «se equivocou, quando confundiu entrega a legítimo dono posteriormente conhecido com nova transmissão» (conclusão 11.ª das alegações de recurso).
A questão coloca-se de forma algo distinta relativamente a cada um dos arguidos B………. e C………., e por isso será analisada em separado para cada um deles.
Nos termos do preceituado no artigo 231.º, n.º 1, do Código Penal, «[q]uem, com intenção de obter, para si ou para outra pessoa, vantagem patrimonial, dissimular coisa que foi obtida por outrem mediante facto ilícito típico contra o património, a receber em penhor, a adquirir por qualquer título, a detiver, conservar, transmitir ou contribuir para a transmitir, ou de qualquer forma assegurar, para si ou para outra pessoa, a sua posse, é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias».
Como refere Pedro Caeiro em anotação a este artigo (Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo II, § 1, pág. 475-476), esta norma «contém o tipo fundamental da receptação, que consiste em o agente estabelecer, através das várias modalidades de acção descritas, uma relação patrimonial com uma coisa obtida por outrem mediante um facto criminalmente ilícito contra o património, sendo a conduta guiada pela intenção de alcançar, para si ou para terceiro, uma vantagem patrimonial. O conteúdo do ilícito reside, pois, na perpetuação de uma situação patrimonial antijurídica (…), aprofundando a lesão de que foi alvo a vítima do facto anterior (facto referencial) ao diminuir a possibilidade de restaurar a relação dela com a coisa» (ênfases omitidos).
No caso dos autos, e em face da matéria de facto dada por assente, não existem dúvidas que os arguidos B………. e C………. (embora de modo e em momentos distintos) estabeleceram uma relação (cujos precisos contornos serão discutidos de seguida) com uma coisa obtida através de um facto ilícito-típico contra o património; e, ademais, que estabeleceram (ou aproveitaram) tal relação com vista a obter, dessa forma, uma vantagem patrimonial à custa do aqui queixoso, B………, precisamente consistente na obtenção de uma quantia monetária a que, em circunstâncias normais, não teriam direito e que, de outro modo, não lograriam conseguir.
Como dissemos já, o tipo objectivo do crime de receptação p. e p. pelo n.º 1 do artigo 231.º do Código Penal, abrange um número significativo de condutas, caindo no seu âmbito a dissimulação, a recepção em penhor, a aquisição por qualquer título, a detenção, conservação ou transmissão (ou o contributo para a sua transmissão) ou o simples assegurar, para si ou para outra pessoa, a posse de coisa obtida através de facto ilícito contra o património.
No caso vertente, interessam-nos apenas duas destas modalidades da acção: a detenção/conservação da coisa, e a sua transmissão. Só quanto a elas, se bem vemos, e dada a factualidade tida como provada, interessa analisar a eventual responsabilidade criminal dos recorrentes.
A sentença recorrida, como se viu já, subsumiu a conduta dos recorrentes à modalidade típica de «transmissão» da coisa, vendo a consumação do crime de receptação por que os condenou no momento em que tentaram eles obter, do aqui queixoso, uma quantia monetária em troca da devolução da arma aqui em causa.
No entanto, parece-nos que sem razão, pois que como refere Pedro Caeiro (ob. cit., § 8, pág. 477), «não se preenche o tipo da receptação quando o proprietário que adquire a coisa é, simultaneamente, a vítima do facto referencial», ou seja, e neste caso, a vítima do furto ocorrido. Uma tal conclusão, continua o mesmo autor, é imposta pela consideração do bem jurídico protegido – um bem individual – e pela ratio da incriminação – a perpetuação de uma situação antijurídica –, pois esta conduta não ofende, antes restaura, o bem objecto de tutela» (cfr., ainda, o § 31, pág. 483).
Nesta parte, portanto, cremos que têm razão os recorrentes em censurar a decisão recorrida. Só que, e se bem vemos, a nossa análise não pode ficar por aqui, já que resta ainda verificar se a conduta dos arguidos não deverá ser subsumida, precisamente, à modalidade de detenção/conservação da arma em causa nestes autos.
Como explica Pedro Caeiro (ob. cit., § 26, pág. 482), «[a] detenção da coisa consiste em o agente dominar materialmente a coisa; a causa desse poder é irrelevante (posse formal – já que a posse causal se encontra, por definição, excluída – ou mera detenção)», e ganha autonomia, enquanto modalidade comissiva do crime de receptação «quando não se prova a aquisição da coisa ilegitimamente detida pelo agente; quando o agente recebe e passa a deter a coisa em virtude de um negócio obrigacional (…); e quando a coisa entrou licitamente na esfera de disponibilidade do agente mas se tornou, entretanto, no objecto de um crime patrimonial por parte de terceiro» (id, ib.).
Da factualidade dada como assente resulta que o arguido B………. recebeu a arma aqui em questão em garantia do pagamento, por parte do arguido D………., do montante que lhe emprestou. Recebeu-a, pois, no contexto de um negócio de natureza obrigacional, não obstante tê-lo feito sem respeitar as prescrições legais que regulam o uso e (como sucede aqui) a detenção de armas de fogo, assim passando a dispor materialmente do revólver anteriormente subtraído ao queixoso D………. . No entanto, e como pretendem aliás os recorrentes, não se tendo provado que o arguido B………. sabia que tal arma tinha sido objecto da prática de um ilícito típico contra o património, não se pode dizer que, nesse momento, cometeu ele o crime de receptação que neste processo lhe é imputado.
No entanto, flui também da matéria de facto dada por provada que, a partir do momento em que o arguido B………. soube da proveniência ilícita da arma aqui em referência não só não fez cessar o seu domínio sobre a mesma como decidiu, antes – aproveitando-se da situação em que se mostrava envolvido e explorando o interesse do aqui queixoso I………. em recuperar o revólver em apreço –, obter uma atribuição patrimonial a que bem sabia não ter qualquer direito.
Ao fazê-lo, teve o arguido B………., forçosamente, que tomar uma nova resolução volitiva, autónoma, que não se confunde com a sua decisão original de manter na sua posse o revólver «Taurus» aqui em causa: nessa oportunidade (não se tendo provado que o arguido sabia da origem da arma em apreço), nada mais fez do que ignorar (assim violando) as normas que regulam o uso e posse de armas; já com a sua segunda decisão – cronologicamente posterior – optou ele por manter a posse de tal arma, numa altura em que sabia já que a mesma tinha sido furtada (e a quem), com vista a obter uma retribuição que juridicamente lhe não cabia, com o que contribuiu, activa e decisivamente, para perpetuar a situação antijurídica em que tal objecto se encontrava.
A detenção (o controle material) que o arguido B………. manteve sobre o revólver em questão nestes autos não se perfila, pois, durante todo o período em que se prolongou, qualitativamente homogénea (do ponto de vista jurídico-penal), o que tem óbvios reflexos no tocante à possibilidade de se afirmar a existência, no caso concreto, de um concurso de infracções.
Como defendeu Eduardo Correia (A teoria do concurso em direito criminal. I – Unidade e pluralidade de infracções, pág. 91); «a possibilidade de subsunção duma relação da vida a um ou vários tipos legais de delito é, praticamente, a chave para determinar – pelo menos vistas as coisas de um certo lado – a unidade ou pluralidade de crimes em que tal relação se sintetiza ou desdobra», sendo certo que para isso «não basta (…) que uma conduta seja tipicamente antijurídica: é preciso também que ela possa ser reprovada ao seu agente, isto é, que seja culposa» (id., pág. 90). Donde, «ao lado daquele juízo que refere o comportamento humano a bens ou valores jurídico-criminais, outro juízo de valor se requer como pressuposto do crime, o qual se analisa na censura dum certo facto típico à pessoa do seu agente» (ib., págs. 91-92), sucedendo «com frequência, que o momento psicológico, correspondente à realização de uma série de actividades subsumíveis a um mesmo tipo legal, se estruture de tal sorte que esse concreto juízo concreto de reprovação tenha de ser formulado várias vezes» (ib., pág. 92), o que ocorrerá «sempre que uma pluralidade de resoluções, e de resoluções no sentido de determinações de vontade, tiver iluminado o desenvolvimento da actividade do agente» (ib., pág. 94).
Em conclusão, «se (…) diversas resoluções foram tomadas para o desenvolvimento da actividade criminosa, diversas vezes deixa a norma [jurídico-criminal] de alcançar concretamente a eficácia determinadora a que aspirava e vários serão os fundamentos para os juízos de censura em que a culpa se analisa» (ob. cit., págs. 94-95; interpolação nossa). Perguntando-se onde «encontrar então o índice da unidade ou pluralidade de determinações volitivas», concluía finalmente Eduardo Correia: «[p]or força das próprias coisas, não se oferece outro ponto de apoio utilizável senão o de considerar a forma como o acontecimento exterior se desenvolveu, olhando fundamentalmente à conexão temporal que liga os vários momentos da conduta do agente (…). Daqui resulta então que se deve considerar existente uma pluralidade de resoluções sempre que não se verifique entre as actividades do agente, uma conexão no tempo tal que, de harmonia com a experiência normal e as leis psicológicas conhecidas, se possa e deva aceitar que ele as executou a todas sem ter de renovar o respectivo processo de motivação» (cit., págs. 96-97).
Referiu-se já que, analisada a conduta do arguido B………, é possível distinguir nela (segundo «experiência normal e as leis psicológicas conhecidas», para usar as palavras de Eduardo Correia), duas resoluções volitivas que correspondem a dois processos de motivação distintos. E sendo assim, é também possível – jurídico-penalmente não pode ser de outro modo – ver no seu comportamento a prática dos dois ilícitos típicos por que aqui foi ele condenado.
Embora com fundamentos algo distintos dos invocados na decisão recorrida, portanto, a conclusão que aí se alcançou no tocante à responsabilidade jurídico-penal do arguido B………. pelos factos por que responde aqui deve manter-se.
Com o que nos resta considerar agora a responsabilidade da arguida C………. pela sua intervenção no caso dos autos.
Em face da matéria dada como assente, e tendo em mente as considerações que atrás se teceram a propósito do crime de receptação cometido pelo arguido B………., afigura-se-nos evidente que também relativamente à arguida C………. é possível concluir que terá ela cometido tal ilícito-típico. A questão que, consequentemente, se coloca é, assim, a de saber a que título o mesmo lhe deverá ser imputado.
A factualidade provada permite afastar desde logo, a nosso ver, a ideia de que os arguidos B………. e C………. actuaram paralelamente, cometendo, cada um deles, e de per se, um crime de receptação. O objecto das suas acções, bem como o objectivo por ambos prosseguido, foi o mesmo, sendo que o processo de execução dos factos em que se envolveram ambos não permite distinguir duas actuações autónomas, independentes uma da outra, antes aponta claramente para que os arguidos actuaram conjuntamente, em execução de um mesmo facto (em estrito sentido jurídico-penal).
O que cabe determinar é, então, se a arguida C………. se limitou a participar no facto praticado pelo arguido B……… (no caso, como sua cúmplice), ou se pelo contrário se pode dizer que existe uma situação de verdadeira co-autoria, de ambos, nesse mesmo facto.
Como é sabido, a jurisprudência dos nossos tribunais superiores tem-se pronunciado abundantemente no sentido de que a co-autoria pressupõe não apenas a execução conjunta do facto ilícito típico mas, igualmente, uma decisão conjunta (ou acordo) com vista à realização deste (assim, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11/02/1981, de 18/07/1984, de 10/11/1989, de 02/12/1992, de 02/03/1994, de 14/06/1995, de 28/01/1998, de 10/01/2001 e de 30/10/2002, cujos sumários podem ser encontrados na base de dados do Instituto das Tecnologias da Informação na Justiça disponível na Internet, no endereço www.dgsi.pt, sob os números de processo 036079, 037420, 040130, 045869, 043093, 047996, 97P522, 00P1914 e 02P2930, respectivamente, e os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 14/06/1995 e de 16/02/2000, cujos sumários podem ser encontrados na base de dados aludida, sob os números de processo 9540286 e 9911083).
Precisando o alcance desta exigência de uma decisão conjunta ou de um acordo para a realização conjunta do facto ilícito típico, tem sublinhado o Supremo Tribunal de Justiça que «[o] acordo pode surgir antes do começo da execução […], durante ela […] ou depois de consumada parcialmente por um dos agentes […]» (nas palavras do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/05/1989, disponível na base de dados mencionada, sob o número de processo 039969), não tendo «que ser expresso, podendo ser meramente tácito» (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/12/1996, disponível na base de dados já citada, sob o número de processo 96P758; em idêntico sentido, e na base de dados referida, podem ver-se os acórdãos do mesmo Alto Tribunal de 15/09/1993, de 23/02/1995, de 20/06/1996 e de 01/10/1997, que podem ser encontrados sob os números de processo 043643, 047073, 96P528 e 97P627, e ainda os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 06/07/1994, de 13/03/2002 e de 24/04/2002, disponíveis sob os números de processo 9451240, 0140984 e 0210233; parecendo exigir a existência de um acordo prévio, no entanto, vd. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25/02/1993 e de 20/11/1997, disponíveis sob os números de processo 043177 e 97P1043, respectivamente) demonstrado através da «existência da consciência e vontade de colaboração, aferidas à luz das regras da experiência comum» (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/09/1993, cit.).
Por outro lado, à afirmação da co-autoria é indispensável também a execução conjunta (material) dos factos que integram a previsão da norma incriminadora. A respeito dela tem esclarecido a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores que «não é indispensável que cada um dos agentes intervenha em todos os actos a praticar para a obtenção do resultado desejado e pretendido, bastando que a actuação de cada um, embora parcial, seja elemento componente do todo e indispensável à produção do resultado» (como se lê no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/07/1984, cujo sumário pode ser encontrado na base de dados mencionada, sob o número de processo 037420).
No fundo, «[c]ada autor é responsável pela totalidade do evento, pois sem a acção de cada um o evento não teria sobrevindo», e por isso se afirma, talvez de forma demasiado enfática, que «[q]uando o crime é cometido por vários arguidos é irrelevante a determinação do grau de intervenção de cada um deles na verificação do resultado» (acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12/11/1997 e de 23/02/1995, cujos sumários podem consultar-se na base de dados em referência, sob os números de processo 047217 e 97P1203, respectivamente; no mesmo sentido de que a execução conjunta não precisa abranger a totalidade dos elementos típicos do crime cometido, podem ver-se, ainda, os acórdãos do mesmo Supremo Tribunal de Justiça de 25/05/1988, de 29/11/1989, de 07/11/1990, de 20/02/1991, de 03/04/1991, de 29/01/1992, de 12/02/1992, de 15/07/1992, de 02/12/1992, de 08/07/1993, de 24/11/1993, de 02/03/1994, de 25/05/1994, de 30/06/1994, de 17/11/1994, de 22/02/1995, de 22/03/1995, de 22/11/1995, de 30/11/1995, de 08/02/1996, de 16/10/1996, de 22/05/1997, de 06/10/1999, de 11/04/2002, de 24/10/2002, de 30/10/2002, de 11/12/2003 e de 04/03/2004, cujos sumários podem ser encontrados na base de dados citada sob os números de processo 039491, 040249, 041273, 041290, 041110, 042111, 042397, 042942, 043093, 044278, 044858, 045869, 045829, 045271, 047231, 047103, 046956, 048515, 048356, 048527, 96P1447, 97P275, 99P698, 02P485, 02P3211, 02P2930, 03P3399 e 03P3364, respectivamente, e o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13/04/2005, cujo sumário pode ser encontrado no mesmo local sob o número de processo 0443166).
Da matéria de facto dada por assente – quando aferida à luz das regras da experiência comum – resulta, a nosso ver claramente, que os arguidos B……… e C………. actuaram conjuntamente e que realizaram, cada um por si, actos subsumíveis à previsão do n.º 1 do artigo 231.º do Código Penal. Só assim se explica que a arguida C………. tenha acompanhado o arguido B………. na sua empresa, e tenha, por sua iniciativa, tratado de esconder o revólver aqui em causa na valeta junto à estrada para onde tinha sido marcado encontro com o aqui queixoso I………., por forma a evitar serem surpreendidos na sua posse, caso as autoridades policiais acompanhassem o mesmo queixoso. Isto demonstra que ela sabia perfeitamente o objectivo do encontro marcado, o carácter ilícito – ou, pelo menos, não totalmente lícito – da sua conduta, e que havia aderido plenamente aos propósitos delitivos dos arguidos B………. e D………. (ainda que tal «adesão» possa ter-se verificado quando estes haviam já tomado a sua decisão de agir, pois que sempre anterior à consumação do facto), algo que mais é demonstrado pelo facto de ter participado, também activamente, nas «negociações» mantidas com o queixoso, em que, mais uma vez por sua própria iniciativa, não deixou de referir ao mencionado I………. que só lhe seria devolvido o revólver «Taurus» aqui em causa contra a entrega da quantia monetária anteriormente combinada, demonstrando assim interesse e empenho na obtenção deste resultado.
A actuação da arguida C………., pois, vai para além do mero auxílio (exterior) aos arguidos B………. e D………., para se situar no âmbito da execução de actos que, em si mesmos, seriam aptos a integrar a autoria do crime aqui em apreço.
É certo, dir-se-á, que a conduta da arguida C………. não impediria a prática do ilícito-típico ora em análise, pois que com toda a probabilidade os arguidos B………. e D………. sempre o teriam cometido por si. No entanto, tê-lo-iam necessariamente praticado de forma diferente – uma forma que, como é evidente, nos não cabe imaginar aqui –, o que tanto basta, em nossa opinião, para que se reconheça ao contributo da arguida um carácter essencial à execução do facto criminoso em apreço, a ponto de justificar a sua punição a título de co-autora do, e não meramente de cúmplice no, mesmo.
Sendo assim, responde então a arguida C………., como se disse já, pela totalidade do facto, ainda que não tenha praticado todos e cada um dos factos em que o mesmo se pode decompor.
Com o que, em conclusão, também relativamente à arguida C………., e com fundamentos algo diversos dos expendidos na douta sentença recorrida, tem o presente recurso de improceder.
X X X
Deste modo, nega-se provimento ao recurso.
Condena-se cada um dos arguidos na taxa de justiça que se fixa em 5 (cinco) UC.
X X X
Honorários legais.
Porto, 2007/11/28
David Pinto Monteiro
António Gama Ferreira Ramos
José João Teixeira Coelho Vieira
Arlindo Manuel Teixeira Pinto