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REGISTO CRIMINAL
AQUISIÇÃO DE NACIONALIDADE
Sumário
Uma interpretação conforme a unidade do sistema jurídico e a letra da Lei leva-nos a entender, não só que deve ser aceite o pedido e deferido o cancelamento provisório do registo criminal para obtenção da nacionalidade portuguesa desde que comprovados os pressupostos do artigo 12º da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio, como deverá ser ponderada a relevância da reabilitação do ex-condenado no momento em que a entidade competente tiver de apreciar e decidir sobre pedido de aquisição de nacionalidade portuguesa por naturalização.
Texto Integral
Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Lisboa,
1. A Exm.ª juíza do Tribunal de Execução das Penas de Lisboa (J4) proferiu a seguinte sentença em 30-11-2017 (transcrição):
“Relatório
DC..., solteiro, nascido a 18.11.19.., filho de A… e de I... residente na Rua I..., n.º ..., r/c Dt., veio requerer a reabilitação judicial com vista à obtenção de certificado de registo criminal para efeitos de concessão da nacionalidade portuguesa.
Juntou certificado de registo criminal e documentos.
O Ministério Público emitiu parecer, no sentido de ser indeferido o requerido.
Cumpre apreciar e decidir, uma vez que nada obsta.
Fundamentação
De facto:
1. O requerente foi condenado, por decisão transitada em julgado na data de 10.5.2012, no âmbito do processo n.º 1265/09.8PCCSC, por factos cometidos a 8.10.2009, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada na pena de 4 meses de prisão suspensa por um ano, declarada extinta na data de 10.5.2013.
2. O requerente é nacional da República da Guiné- Bissau;
3. Reside há cerca de 10 anos em Portugal.
4. Tem título de residência em Portugal válido.
5. Actualmente na Rua I..., n.º ..., r/c Dt., Alcabideche.
6. Trabalha actualmente como vigilante para uma empresa privada, auferindo € 651,56 mensais.
7. É atleta federado de alta competição.
8. Vive com o irmão e respectiva família.
9. O agregado possui uma imagem positiva.
10. Não tem processos-crime pendentes.
De direito
Dispõe o artº229º,nº1 do CEPMPL que “Para fins de emprego, público ou privado, de exercício de profissão ou actividade cujo exercício dependa de título público, de autorização ou homologação da autoridade pública, ou para quaisquer outros fins legalmente permitidos, pode ser requerido o cancelamento, total ou parcial, de decisões que devessem constar de certificados de registo criminal emitidos para aqueles fins.”
Nos termos do disposto no artº10º,nºs 5 e 6 da lei 37/2015, de 5.5:
5. Sem prejuízo do disposto no número seguinte, os certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para fins de emprego, público ou privado, ou para o exercício de profissão ou actividade em Portugal, devem conter apenas: a) As decisões de tribunais portugueses que decretem a demissão da função pública, proíbam o exercício de função pública, profissão ou actividade ou interditem esse exercício; b) As decisões que sejam consequência, complemento ou execução das indicadas na alínea anterior e não tenham como efeito o cancelamento do registo; c) As decisões com o conteúdo aludido nas alíneas a) e b) proferidas por tribunais de outro Estado membro ou de Estados terceiros, comunicadas pelas respectivas autoridades centrais, sem as reservas legalmente admissíveis.
6 - Os certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para exercício de qualquer profissão ou actividade para cujo exercício seja legalmente exigida a ausência, total ou parcial, de antecedentes criminais ou a avaliação da idoneidade da pessoa, ou que sejam requeridos para qualquer outra finalidade, contêm todas as decisões de tribunais portugueses vigentes, com excepção das decisões canceladas provisoriamente nos termos do artigo 12.º ou que não devam ser transcritas nos termos do artigo 13.º, bem como a revogação, a anulação ou a extinção da decisão de cancelamento, e ainda as decisões proferidas por tribunais de outro Estado membro ou de Estados terceiros, nas mesmas condições, devendo o requerente especificar a profissão ou actividade a exercer ou a outra finalidade para que o certificado é requerido.
Nos termos do disposto no artigo 12º da Lei nº 37/2015, de 5.05, o Tribunal de Execução de Penas poderá determinar o cancelamento das decisões constantes do registo criminal, quando:
já tenham sido extintas as penas aplicadas;
o interessado haja assumido bom comportamento social;
se mostre cumprida a obrigação de indemnizar o ofendido;
***
Do teor da certidão junta aos autos e do CRC, resulta que as penas se mostram extintas.
Sobre o requerente não recaiu a obrigação de indemnizar.
O requerente não praticou novos factos com relevo criminal, sendo os únicos factos ilícitos conhecidos datados de 2009 e mostra-se devidamente inserido na sociedade, trabalhando regularmente.
Ao contrário do que já decidimos e que constitui a posição do MºPº, entendemos actualmente que nada obsta ao cancelamento provisório do registo criminal para efeitos da obtenção da nacionalidade portuguesa.
Com efeito, para aferirmos dos requisitos para a obtenção da nacionalidade temos apenas que considerar o disposto nos arts. 12º da Lei 37/2015, de 5/5 e o disposto no art. 229º do CEPMPL, isto porque a lei da nacionalidade, Lei 37/81, de 3/10, não impõe qualquer restrição ou impedimento ao cancelamento provisório do registo criminal como faz a Lei 113/2009, de 17/9 (relativamente a protecção de menores.
A concessão da liberdade condicional e a verificação do preenchimento das condições coloca-se em momento posterior e não é da competência do TEP. Ao TEP cumpre aferir se o pedido de cancelamento foi feito de acordo com os requisitos legais, sendo admissível o cancelamento para qualquer outra finalidade para além das previstas nas alíneas a) a c) do art. 10º n.º 6, da Lei 37/2015, de 5/5, desde que tenham sido declaradas extintas as penas aplicadas, o interessado se tiver comportado de forma que seja razoável supor encontrar-se adaptado e haja cumprido a obrigação de indemnizar o ofendido. Neste sentido Ac. TRL de 27.9.2016 in www. dgsi.pt.
Conclui-se, pois, que a pena aplicada produziu a sua função, uma vez que não é conhecido actualmente qualquer facto em desabono do requerente.
Da ficha policial do requerente, solicitada à PJ, e da informação policial solicitada à PSP da área da sua residência, e não consta registo de outros processos contra o requerente.
Verifica-se, assim, que se o requerente tem condições para beneficiar da reabilitação judicial, embora tenha sido condenado pela prática de crimes abstractamente punível com pena de prisão até 4 anos. Entendemos, tal como expusemos supra que esse facto não afasta a possibilidade do cancelamento provisório do registo criminal.
Por isso, mostram-se reunidos os requisitos legais necessários ao deferimento do requerido.
Decisão
Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, concedo ao requerente DC... a reabilitação judicial e, em consequência, determino o cancelamento provisório do registo criminal da decisão supra referida.
Notifique e comunique.”
O Ministério Público, por intermédio da Exm.ª Procuradora da República junto do Tribunal de Execução das Penas de Lisboa, interpôs recurso e das motivações extraiu as seguintes conclusões (transcrição) :
a) O requerente DC... vem solicitar a reabilitação judicial/ cancelamento provisório do registo criminal para efeitos de obtenção pelo mesmo de nacionalidade portuguesa.
b) Resulta do seu CRC uma condenação por decisão transitada em julgado na data de 10.5.2012, no âmbito do processo n.° 1265/09.8PCCSC, por factos cometidos a 8.10.2009, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, na pena de 4 meses de prisão, suspensa por 1 ano, declarada extinta (conferir ainda a certidão extraída desse processo e junta a fls. 6 a 14).
c) A Lei da Nacionalidade - Lei n°37/81, de 3.10., com as alterações da Lei n°25/94, de 19.08, DL n°322-A/2004, de 14.12., Lei n°172004, de 15.01 e Lei n°2/2006, de 17.04 - no seu art°6°, n°l, faz referência a um certo número de requisitos que, devem estar cumulativamente preenchidos para que um cidadão estrangeiro possa obter a nacionalidade portuguesa, mormente, o requisito previsto na sua al.d) que determina Não terem sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa”.
d) Ora, tal como resulta do CRC do requerente, e como acima referimos, o mesmo sofreu uma condenação no processo n.° 1265/09.8PCCSC, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos art°s 145°,n°s 1, al.a) e 2 e 132, al.l) do C.P., o qual é punível com pena de prisão, até 4 anos (conferir ainda a certidão extraída desse processo e junta a fls. 6 a 13).
e) Tal crime não é punível com pena inferior a 3 anos de prisão, pelo que não se verifica o requisito legal que permite a um cidadão estrangeiro obter a nacionalidade portuguesa, previsto na al.d) do n°l do art°6° da Lei da Nacionalidade e, como tal emitimos parecer desfavorável ao pedido formulado pelo requerente.
f) No entanto, os autos prosseguiram com a solicitação de informação à DGRSP com vista a aferir da verificação ou não do requisito previsto na al.b) do art°12° da Lei 37/2015, de 5.5, com a consequente prolação da decisão ora recorrida que deferiu o pedido de cancelamento provisório do registo criminal do requerente, fundando-se no entendimento de que, para se aferir dos requisitos para a obtenção da nacionalidade temos apenas que considerar o disposto no art°12° da Lei n° 37/2015, de 5.5, ou seja: a)já tenham sido extintas as penas aplicadas; b) que o interessado haja assumido bom comportamento social; c) que se mostre cumprida a obrigação de indemnizar o ofendido, conjugado com os n°s 5 e 6 do art°10° da mesma Lei, e o disposto no art°229° do CEPMPL, uma vez que a lei da nacionalidade não impõe qualquer restrição ou impedimento ao cancelamento provisório do registo criminal, como faz a Lei 113/2009, de 17/9 (relativamente à proteção de menores).
g) Discordamos desta interpretação, desde logo, porque a jurisprudência administrativa aponta no sentido de que o legislador, para efeitos de concessão da nacionalidade, por naturalização, definiu como pressuposto a não condenação pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, independentemente da pena concretamente aplicada.
h) Repare-se que o direito à nacionalidade a conferir a cidadãos estrangeiros, face ao ordenamento jurídico vigente, só pode ser concedido se estes, entre outros requisitos legais, revelarem ausência de antecedentes criminais, no quadro do patamar já referido, o que se justifica em face das necessidades de segurança interna do Estado.
i) Tais necessidades foram consideradas à data da publicação da Lei da Nacionalidade e alterações posteriores, sendo hoje em dia particularmente prementes, em face dos graves eventos históricos vividos, quer na Europa, que a nível mundial.
j) E registe-se ainda que, apesar de a Lei da Nacionalidade já ter sofrido alterações, de numa delas resultou uma alteração (permitindo, por exemplo, a naturalização de condenados com pena igual ou superior a 3 anos) ou eliminação do requisito previsto na al.d) do n°l do seu art°6°., o que demostra o seu relevo e necessidade de ser atendido aquando da apreciação do pedido de cancelamento provisório do registo criminal.
l) Outra interpretação levaria a que o julgador pudesse pôr em causa, por via do cancelamento provisório do registo criminal de um cidadão, a salvaguarda da segurança interna, extravasando a sua função, que é a de salvaguarda dos direitos, liberdades e garantia de todos os cidadãos.
m) O cancelamento provisório do registo criminal, de condenações como a do requerente no processo acima referido, para efeitos de trabalho, face ao quadro vigente atual, e uma vez observados os requisitos previstos no art°12° da Lei 37/2015, de 5.5., é legalmente possível, tal como resulta ainda dos n°s 5 e 6 do art°10° do mesmo diploma legal, podendo o mesmo levar uma vida normal integrado na sociedade portuguesa, como tudo indica que leva.
n) Situação diferente é pretender alcançar o direito à nacionalidade, por via da naturalização, mediante o cancelamento provisório do registo criminal, o qual lhe está vedado, pelo menos até ao cancelamento definitivo do registo criminal, nos termos do art° 11º da Lei n°37/2015, de 5.5.
o) As normas jurídicas devem ser interpretadas de forma articulada, de modo a respeitar a unidade do sistema jurídico, sob pena de quebra dessa unidade.
p) Como tal, as disposições legais - art°10° e 12° - Lei n°37/2015, de 5.5., o art°229° do CEPMPL e o art°6° da Lei da Nacionalidade - devem ser interpretados de forma harmoniosa, não se podendo fazer prevalecer as duas primeiras sobre a última, como o fez a decisão recorrida, quando todas têm o mesmo valor, sob pena de violação dos n°s 1 e 3 do art°9° do C.C.
q) Como interpretar a remissão que o art°12° da Lei n°37/2015, de 5.5. faz para os n°s 5 e 6 do seu art°10°, deve ser interpretada no sentido de que a expressão referida no n°6 “para qualquer outra finalidade” ?
r) A interpretação do sentido e abrangência da expressão “qualquer outra finalidade” tem de ser contextualizada, face à sua inserção normativa. E essa inserção normativa situa-se no âmbito da obtenção de certificados de registo criminal para exercício de atividades - e não para aquisição de direitos - sejam elas de que natureza forem.
s) O n°5 do art°10° refere “para fins de emprego, público ou privado, ou para o exercício de profissão ou actividade em Portugal”, sendo certo que o n°6 retoma a tónica da actividade laboral, aparecendo a expressão “qualquer outra finalidade” no segmento da “avaliação da idoneidade”.
t) Assim, a expressão “qualquer outra finalidade” surge, na economia do texto, como qualquer outro desiderato que se mostre correlacionado (embora não expressamente mencionado, mas englobável nas definições imediatamente anteriores) com os fins de emprego ou de exercício de qualquer outra actividade de natureza similar.
u) Num contexto em que se faz expressa referência a “exercício” e “actividade”, não se pode entender que “qualquer outra finalidade” saia desta conjuntura, abrangendo a noção de “aquisição de um direito”, pois a inserção normativa não permite tal alargamento interpretativo.
v) A decisão ora recorrida incorreu em violação do disposto nos art°s 9°,n°s 1 e 3 do C.C., 229°, n° l e 230° do CEPMPL, 6°,n°l, al.d) e 9o. al.b) da Lei da Nacionalidade - Lei 37/81, de 3.10, com as alterações da Lei n°25/94, de 19.08, DL n°322-A/2004, de 14.12., Lei n°172004, de 15.01 e Lei n°2/2006, de 17.04 - 10°, n°s 5 e 6 e 12° da Lei 37/15, de 5.5.
x) Nesta conformidade, deve dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, e determinando-se a sua substituição por outra que indefira o cancelamento do registo provisório do registo criminal, para fins de obtenção da nacionalidade portuguesa da decisão judicial condenatória proferida no processo n.° 1265/09.8PCCSC.”
O recurso foi admitido por despacho de 20-12-2017.
Recebido o processo neste Tribunal da Relação de Lisboa em 9 de Fevereiro de 2018 e distribuído a 19 de Fevereiro de 2018, o Ministério Público, aqui representado pela Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta, exarou fundamentado parecer concluindo que o recurso interposto pelo Ministério Público, não merece provimento.
Realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
2. O requerente DC... formulou pretensão de cancelamento provisório do registo criminal com vista a posterior requerimento de concessão de nacionalidade portuguesa.
No entendimento da magistrada do Ministério Público recorrente, resulta da interpretação conjugada das normas jurídicas aplicáveis que não é permitido o cancelamento provisório do registo criminal de sentença condenatória por crime punível com pena superior a três anos de prisão se requerido para efeito de eventual aquisição de nacionalidade portuguesa por naturalização.
Não lhe assiste razão, como também reconhece a magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal da Relação.
A reabilitação judicial e a aquisição de nacionalidade são realidades distintas, de competência de diferentes entidades e que evidentemente obedecem a pressupostos que não se excluem, nem se confundem.
A reabilitação é um direito subjectivo de todo o ex-condenado já efectivamente ressocializado (vide Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Lisboa, 1993, p. 655).
A norma constante do artigo 229º n.º 1 do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro (CEPMPL) permite que seja requerida a reabilitação judicial ou seja, o cancelamento provisório do registo criminal para fins de emprego, público ou privado, de exercício de profissão ou actividade cujo exercício dependa de título público, de autorização ou homologação da autoridade pública, ou para quaisquer outros fins legalmente permitidos.
Salvo melhor entendimento, o pedido de aquisição de nacionalidade portuguesa por naturalização não deixa de se conter na expressão genérica da última parte do citado preceito do CEPMPL e inexiste disposição expressa (designadamente na Lei n.º 113/2009, de 17 de Setembro) que afaste a possibilidade de a entidade competente determinar o cancelamento provisório do registo que seja requerido com o fim de o requerente vir a obter a naturalização como como cidadão nacional português.
A competência para o efeito pertence ao Tribunal de Execução das Penas (artigo 114º n.º 3, alínea w) da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto) e o deferimento da pretensão exige a concorrência três requisitos: que tenham sido extintas as penas aplicadas, que o interessado se tenha comportado de forma que seja razoável supor encontrar-se readaptado; e que haja cumprido a obrigação de indemnizar o ofendido (artigo 12º da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio, Lei da Identificação Criminal)
Concomitantemente, os requisitos e procedimentos necessários para que o governo conceda a nacionalidade portuguesa por naturalização constam na Lei da Nacionalidade (Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro) e no Regulamento da Nacionalidade Portuguesa (Decreto-Lei nº 237-A/2006, de 14 de Dezembro) e entre esses requisitos, a lei inclui a ausência de condenação pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa (artigo 6º, n.º 1 alínea c) da LN e artigo 19º do RGNP).
Embora a propósito de uma situação concreta de reabilitação legal ou de direito, o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 106/2016, sublinhou a necessidade de concordância prática e de ponderação conjunta das normas que definem os critérios objectivos de que depende a aquisição da nacionalidade portuguesa, por um lado, e das normas que permitem a cessação da vigência no registo criminal das decisões penais condenatórias e o seu cancelamento, por outro.
Neste âmbito, considerou o Tribunal que uma aparente contradição intrasistémica não pode deixar de ser resolvida de harmonia com a Constituição e com a jusfundamentalidade reconhecida pela mesma Lei Fundamental ao direito (fundamental) – e, sublinhe-se, integrado dos direitos, liberdades e garantias pessoais – em causa: o direito à nacionalidade portuguesa, previsto e tutelado pelo artigo 26.º, n.º 1 (e n.º 4) da Constituição.
No desenvolvimento deste raciocínio, o Tribunal Constitucional expressou o entendimento de que “as normas da Lei da Nacionalidade portuguesa e do Regulamento da Nacionalidade portuguesa ora sindicadas – que, no seu elemento literal, conferem relevância, para o efeito, automático, de impedir a aquisição nacionalidade portuguesa por efeito da vontade, a condenação penal transitada em julgado (pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos) –, carecem, sob pena de contradição, de ser interpretadas no quadro do sistema, em conformidade com a proteção conferida pela Constituição, em consonância com o Direito internacional, ao direito jusfundamental à nacionalidade. Esta interpretação deve ter em conta a ponderação efetuada pelo legislador democraticamente legitimado que não permite valorar a conduta criminosa para além dos limites decorrentes da cessação da vigência das decisões condenatórias no registo criminal e seu cancelamento e, assim, do instituto da reabilitação (legal) – assim resultando que esta última ponderação tem por efeito neutralizar a ponderação do legislador quanto ao fundamento subjacente à fixação do requisito objectivo (de verificação negativa) previsto nas normas ora sindicadas.
Por fim, o Tribunal concluiu mesmo que não se afiguraria constitucionalmente admissível uma interpretação das normas da Lei da Nacionalidade portuguesa que prevêem como pressuposto da aquisição da nacionalidade portuguesa a ausência de condenação pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, que desconsiderasse a ponderação do legislador efetuada em sede de cessação da vigência da condenação penal inscrita no registo criminal e seu cancelamento e a correspondente reabilitação legal (acórdão publicado no Diário da República n.º 62/2016, Série II de 2016-03-30, acessível in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20160106.html e em https://dre.tretas.org/dre/2550206/acordao-106-2016-de-30-de-marco
Este entendimento do Tribunal Constitucional para a reabilitação legal não deixa de ser transponível para a reabilitação judicial, hoje restringida ao cancelamento provisório do registo criminal.
Já anteriormente, o Supremo Tribunal Administrativo tinha decidido que o requisito contido na al. d) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei da Nacionalidade, relativo à aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização, deve ser conjugado com o instituto da reabilitação legal ou de direito, confirmando a aceitação da relevância da reabilitação legal ou de direito para efeitos de aquisição da nacionalidade, por ser o que corresponde à solução mais rights friendly, na medida em que é o que confere mais plenitude ao direito à aquisição da nacionalidade e ao direito à reabilitação, bem assim como ao princípio da máxima efectividade (acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21-05-2015, proc. n.º 129/15, num entendimento posteriormente retomado no acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul de 12-11-2015, proc. 12527/15 e no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15-09-2016, proc. 0392/16, todos acessíveis in www.dgsi.pt).
Na sentença recorrida, o Tribunal de Execução das Penas concluiu pela declaração judicial de reabilitação e deferiu a pretensão do ex-condenado, uma vez que se reuniam os pressupostos previstos na lei.
Uma interpretação conforme a unidade do sistema jurídico e a letra da Lei leva-nos a entender, não só que deve ser aceite o pedido e deferido o cancelamento provisório do registo criminal para obtenção da nacionalidade portuguesa desde que comprovados os pressupostos do artigo 12º da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio, como deverá ser ponderada a relevância da reabilitação do ex-condenado no momento em que a entidade competente tiver de apreciar e decidir sobre pedido de aquisição de nacionalidade portuguesa por naturalização.
Tem por isso que improceder o recurso.
3. Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso do Ministério Público e em manter a sentença recorrida.
Sem tributação por isenção do Recorrente.
Lisboa, 7 de Março de 2018.
Texto elaborado em computador e revisto pelos juízes desembargadores que o subscrevem.