Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
EXONERAÇÃO DE ADMINISTRADOR DE CONDOMÍNIO
Sumário
I– A ação de exoneração do Administrador de Condomínio na propriedade horizontal não visa exonerar o órgão administrador, mas as concretas pessoas que ocupam esse cargo.
II– A prática de irregularidades e ou a negligência/dolo relevantes para a exoneração do administrador do condomínio, tem de verificar-se na pessoa que nesse momento exerce o cargo, já que são essas irregularidades que vão determinar o seu afastamento e a substituição por outro, nomeado pela Assembleia do Condomínio!
III– Na verdade, o tribunal tem que conhecer os concretos atos do administrador que esteja a exercer funções de forma a aferir se o mesmo praticou atos ilícitos, violadores das suas obrigações legais e contratuais, e culposos, em termos do dolo e negligência.
IV– Incumbe ao Autor o ónus de alegar a pessoa ou as pessoas que, em concreto, exercem essa função no período reportado e bem assim os atos concretos realizados por essas ou essas pessoas, passiveis de determinar a sua exoneração.
V– Não há uma espécie de culpa coletiva do órgão administrador, uma vez que não é o órgão que é exonerado, mas o seu titular.
SUMÁRIO: (da responsabilidade da relatora)
Texto Integral
Acordam os Juízes da 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.
RELATÓRIO:
A, intentou a presente ação, que denominou de Exoneração / Nomeação de Administrador, contra ADMINISTRADOR DE CONDOMÍNIO DO PRÉDIO B.
Pedindo que a requerida seja exonerada das suas funções ou, em alternativa, ser nomeado administrador idóneo.
Alega para o efeito que é proprietária da fração autónoma com a letra G no prédio constituído em propriedade horizontal sito na Rua S e que o condomínio nunca procedeu a obras de reparação das deficiências existentes no telhado do prédio, causando prejuízos na fração da requerente.
A requerente intentou ação judicial em tribunal em que obteve sentença de condenação na execução das obras, que não foi cumprida voluntariamente pela requerida, obrigando-a a intentar ação executiva, que está em curso.
A requerida não realizou os atos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns. Além do mais, a requerente não assiste a reuniões de condomínio desde o ano de 2011 e a administração não lhe facultou as atas da Assembleia que solicitou nem obteve resposta às múltiplas cartas e comunicações nem recebeu ou foram afixadas convocatórias de reuniões.
Deste modo, a requerida praticou irregularidades e agiu com negligência.
Conclui pedindo a exoneração judicial da Requerida ou, em alternativa, a nomeação de administrador idóneo, nos termos do nº3 do art.1435º do Código Civil. *
A 1 de Fevereiro de 2016 foi proferido despacho judicial que considerou ilegal a cumulação de pedidos formulados pela autora, pelo que a convidou a indicar o pedido que pretendia ver apreciado, aperfeiçoando os termos da petição, indicando a forma de processo e a causa de pedir que pretende ver atendida.
Em resposta, a autora veio alegar que quatro condóminos têm exercido em regime de rotatividade anual o cargo de administrador, ignorando quem exerce atualmente o cargo, o que não consegue apurar, mais reiterando a exoneração. *
Por despacho de 25-02-2016, o tribunal considerou suprida a irregularidade, prosseguindo o processo como ação especial de exoneração de administrador de propriedade horizontal, nos termos do artigo 1056.º do Código Civil.
Seguidamente, o tribunal proferiu despacho no sentido de que a exoneração é de pessoas concretas, pelo que a autora deve indicar as pessoas concretas que pretende ver exoneradas, convidando a autora, sob pena de absolvição da instância, a indicar as pessoas contra quem intenta a ação.
A autora veio então indicar que os administradores são J, P e M. * Após citação, não tendo havido contestação, foi proferida despacho a julgar os factos alegados pela autora.
Contudo, em despacho de 27-09-2016, o tribunal decidiu que se ressalva do efeito de revelia operante a qualidade de administrador de condomínio, pelo que deve ser junta ata a nomear os requeridos como tal.
Uma vez que a autora declarou não ter em sua posse esse documento, os requeridos juntaram ata de condomínio onde consta como administrador C. *
Foi proferida sentença que decidiu julgar a presente ação totalmente improcedente, por não provada. *
Inconformada com o teor da sentença, dela interpôs recurso a Autora, concluindo da forma seguinte: 1ª.- O Tribunal a quo, decidiu que “não estão provados factos que justifiquem a exoneração de J, P e M de administradores de condomínio”, e ainda que não está provada a sua qualidade de administradores, julgando assim a ação totalmente improcedente, por não provada. 2ª.- Discorda-se da decisão supra, que ora se impugna. 3ª.- Com efeito, a Ré praticou atos irregulares e negligentes que justificam a sua destituição, nomeadamente não informar a A. e vedar-lhe o acesso a documentos do condomínio, não lhe facultar Atas, não realizar actos conservatórios de direitos relativos a bens comuns. 4ª.- A sentença refere que “a ação de destituição não visa exonerar o órgão administrador mas as concretas pessoas que ocupam esse cargo”, 5ª.- Contudo, o Tribunal a quo incumpriu o princípio da atividade inquisitória previsto no nº 2 do art. 986º do NCPC, tendo apreciado apenas o que os interessados ofereceram, não trazendo mais para o processo pela sua própria atividade. 6ª.- O Tribunal a quo valorou ainda uma Ata datada de 2011 sem investigar diligentemente quem à data ocupava o cargo de administrador. Conclui no sentido de que deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que julgue a presente ação com respeito pelo princípio do inquisitório. *
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. *
QUESTÃO A DECIDIR.
-Da Impugnação da decisão de Facto.
-Da verificação dos pressupostos da destituição do administrador de condomínio. *
–FUNDAMENTAÇÃO:
-DE FACTO
-FACTOS PROVADOS 1.– A autora é proprietária da fração autónoma designada com a letra G correspondente ao sótão direito, destinado a habitação, no prédio constituído em propriedade horizontal sito na Rua S; 2.– Ocorreram infiltrações no telhado do prédio, que causaram prejuízos na fração da requerente, não tendo o condomínio procedido a obras de reparação das deficiências; 3.– A requerente intentou ação judicial em tribunal contra o condomínio em que obteve sentença de condenação na execução das obras, que não foi cumprida voluntariamente pela requerida, obrigando-a a intentar ação executiva, que está em curso; 4.– A requerente não assiste a reuniões de condomínio desde o ano de 2011 e a administração não lhe facultou as atas da Assembleia que solicitou nem obteve resposta à cartas e comunicações nem recebeu ou foram afixadas convocatórias de reuniões. *
FACTOS NÃO PROVADOS 1.– O condomínio do prédio referido em 1) é administrado por J, P ou M. * MOTIVAÇÃO. Nos termos dos artigos 567.º do Código de Processo Civil, mostram-se confessados os factos articulados pelo autor. Há, contudo, factos que têm de ser provados por documento, nomeadamente a qualidade de administrador de condomínio. Neste aspeto, foram juntas ao processo atas de administração de condomínio (cfr. fls. 106 e ss.), onde constata a deliberação da Assembleia de Condóminos a nomear administrador C, pelo que não se mostra demonstrado que se tratem das pessoas indicadas pela autora. Deste modo, este facto tem de ser dado como não provado. * DE DIREITO:
DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO: Insurge-se a recorrente contra a decisão de facto ao considerar que o Tribunal a quo valorou ainda Ata datada de 2011 sem investigar diligentemente quem à data ocupava o cargo de administrador. A Apelante incorre num erro manifesto. Ao propor a ação pretendo obter o efeito jurídico consistente na exoneração do administrador, é elementar indicar quem é a pessoa do Administrador. E se não sabe quem é essa pessoa, é porque não vai às reuniões de Condomínio desde 2011, como a própria alega. Seria muito simples obter a indicação que pretendia para a configuração da causa de pedir, sendo que é à Autora que incumbe o ónus de Alegação e prova dos factos que alega, nos termos do art.342º, nº1, do Código Civil. Bastava ir às reuniões de Condomínio. É que, se lermos a Atas juntas aos autos, o que se verifica, é que a Autora deixou de ir às reuniões e tinha uma divida ao condomínio no valor de 620 Euros, relativas ao 2º semestre de 2002, até Dezembro de 2010, como se pode ver da ata nº2., sendo referido que após o prazo de 30 dias se não houvesse entendimento, a Assembleia decidia meter o caso em tribunal. E se lermos a Ata nº6, datada de Junho de 2011, junta pelos Requeridos a pedido do tribunal com vista à identificação do administrador, o que ai consta, é que existe uma deliberação no sentido de o Administrador e outro Condómino irem aos Julgados de Paz para resolver o problema da D. A, por falta de pagamento de condomínio, falta de comparência nas reuniões e como fazê-la pagar as obras nas partes comuns a realizar. Só por má-fé se pode vir agora alegar que o tribunal não exerceu o poder inquisitório para aferir quem são os administradores, quando todas as oportunidades foram dadas à Autora de aperfeiçoar os articulados, foram feitas diligências pelo Tribunal para averiguação da identificação da pessoa do administrador. Que mais seria exigível? O processo de jurisdição voluntária não significa a morte do princípio do dispositivo. E no caso, entende-se que o tribunal fez todas as diligências que o caso impunha. Aliás, o que se verifica é que, nas datas correspondentes às Atas juntas aos autos, a Autora não foi às reuniões porque não quis, quiçá porque tinha elevados valores de prestações de condomínio em atraso. Claro que isto não colide com o seu direito à reparação do telhado. Mas essas questão corre seus termos num outro processo, que não este. Sendo assim, nada mais tinha o tribunal que investigar, carecendo em absoluto de razão o recurso no que concerne à impugnação da decisão de facto, que se mantém na íntegra. *
–DOS PRESSUPOSTOS DA EXONERAÇÃO DO ADMINISTRADOR: Provados os factos, entende-se que se deve manter na íntegra a sentença objeto de recurso, com a qual concordamos. “O artigo 1056.º do CPC, remetendo para o artigo 1055.º do CPC, vem estabelecer uma forma de processo especial com vista a exoneração do administrador das partes comuns de prédio sujeito a propriedade horizontal, requerida por qualquer condómino, com fundamento na prática de irregularidades ou em negligência. Cumpridos os preceitos processuais relevantes, importa determinar se o administrador das partes comuns do prédio em propriedade horizontal praticou atos irregulares ou negligentes que justifiquem a sua destituição. *
A propriedade horizontal, prevista nos artigos 1414.º e ss. do Código Civil, consiste numa forma de processo especial em um edifício (ou conjunto de edifícios), dotado de estrutura unitária, é decomposto em frações autónomas, que constituem unidades independentes, as quais, no entanto, só gozam de autonomia funcional através da utilização de partes comuns do edifício, necessariamente afetas ao serviço de todas elas – assim, Abílio Neto, in Manual da Propriedade Horizontal, editora Ediforum, 3.º edição, Outubro 2006, p. 9.
Porque as frações autónomas são independentes, cada uma delas pode pertencer, em exclusivo, a um proprietário distinto, que sobre ela exercerá todos os direitos do proprietário singular, assumindo contudo a posição de comproprietários em relação às partes comuns, que estão identificadas no artigo 1421.º do Código Civil e no respetivo regulamento de condomínio.
Ao contrário da compropriedade em que a lei atribui a todos igual poder para administrar a coisa, os artigos 1430.º e ss. do Código Civil atribuem a administração das partes comuns a uma assembleia dos condóminos, que tem um papel eminentemente deliberativo, e a um administrador, que tem por missão fundamental executar as deliberações tomadas pela assembleia. Sobre as competências do administrador de condomínio, o artigo 1436.º do Código Civil atribui as seguintes, além de outras que lhe sejam atribuídas pela Assembleia.
São funções do administrador, além de outras que lhe sejam atribuídas pela assembleia: a)-Convocar a assembleia dos condóminos; b)-Elaborar o orçamento das receitas e despesas relativas a cada ano; c)-Verificar a existência do seguro contra o risco de incêndio, propondo à assembleia o montante do capital seguro; d)-Cobrar as receitas e efetuar as despesas comuns; e)-Exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas; f)-Realizar os atos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns; g)-Regular o uso das coisas comuns e a prestação dos serviços de interesse comum; h)-Executar as deliberações da assembleia; i)-Representar o conjunto dos condóminos perante as autoridades administrativas. j)-Prestar contas à assembleia; l)-Assegurar a execução do regulamento e das disposições legais e administrativas relativas ao condomínio; m)-Guardar e manter todos os documentos que digam respeito ao condomínio. O que cumpre decidir nestes autos é se o administrador de condomínio praticou atos que violem as obrigações que lhe são impostas pela lei em relação ao condomínio e aos condóminos individualmente.
Concordando-se com o decidido no tribunal de 1ª instância, dir-se-á que a ação de destituição não visa exonerar o órgão administrador mas as concretas pessoas que o ocupam esse cargo.
Por isso, a prática de irregularidades e negligência tem de se verificar na pessoa que está neste momento a exercer o cargo, pelo que são essas irregularidades que vão determinar o seu afastamento e a substituição por outro, nomeado pela Assembleia de Condomínio.
Transpondo estas regras para o caso concreto, verificamos que as pessoas que foram indicadas pela autora não são administradoras de condomínio, sendo o cargo exercido por C.
Ainda que assim não fosse, apesar de notificada para aperfeiçoar a causa várias vezes, constatamos que a autora não explicita quem era o administrador do condomínio que omitiu a execução de obras de conservação, que não realizou as obras mandadas fazer pelo tribunal ou que não facultou a informação pedida pela condómina.
Apesar do tribunal ter comunicado que a exoneração é de pessoas concretas, a autora manteve a alegação de que o condomínio nunca procedeu a obras de reparação das deficiências ali existentes (artigo 3.º da petição inicial) a requerida [administração de condomínio] não cumpriu voluntariamente a sentença condenatória referida (artigo 7.º da petição inicial), que não consegue obter resposta às cartas nem acesso às atas.
O tribunal tem de conhecer os concretos atos do administrador que esteja a exercer funções de forma a aferir se o mesmo praticou atos ilícitos, porquanto violadores das suas obrigações legais e contratuais, e culposos, em termos de dolo ou de negligência. Não há uma espécie de culpa coletiva do órgão administração, uma vez que não é o órgão que é exonerado mas o seu titular. Por isso, admitimos que se o administrador que pratica irregularidades é destituído pela Assembleia, o objeto da ação deixe de fazer sentido.
Existe o perigo de a autora estar a confundir eventuais decisões que são tomadas pelos condomínios reunidos em Assembleia, e que podem ser impugnadas judicialmente, mediante processo intentado para esse fim.
Na verdade, apesar do artigo 1436.º do Código Civil estabelecer que cabe ao administrador realizar atos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns, entende-se que esta referência significa os procedimentos judiciais destinados a prevenir a perturbação ou esbulho das coisas comuns praticadas por terceiros ou pelos próprios condóminos ou o receio da sua prática – assim, Abílio Neto, in ob. cit. p. 368.
Como salienta aquele autor, não se pode deixar de separar as funções do administrador das funções da Assembleia de Condomínio, sob pena de concorrência de competências e da violação da paz interna. A administração de condomínio é o órgão decisório do condomínio e a administração é, fundamentalmente, o órgão executivo. Ou seja, existindo defeitos nas partes do prédio que imponham a execução dessas obras cabia ao administrador colocar à votação da Assembleia a tomada dessa decisão, uma vez que é este órgão que cabe tomar decisões com essa grandeza.
Neste sentido, é a assembleia de condomínio a responsável pela omissão de decisão de não execução das obras de conservação, o que pode ser imposto judicialmente, como aliás foi e está em fase executiva.
Quanto às ausências de comunicação, em face da postura da Autora resultante das Atas, a matéria provada é insuficiente para extrair qualquer culpa por parte da Administração do Condomínio. Mas também as pessoas indicadas pela Autora, não se provaram serem as responsáveis por essas falhas de comunicação.
É pois manifesto que não estão provados factos que justifiquem a exoneração de J, P e M de administradores de condomínio.”
Assim, porque a Autora não fez prova dos pressupostos para a exoneração do Administrador do Condomínio, que nem sequer corresponde às pessoas físicas que indicou, impõe-se julgar improcedente o recurso, mantendo na íntegra a decisão recorrida. *
DECISÃO: Nos termos vistos, Acordam os Juízes da 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a Apelação, mantendo na íntegra a sentença objeto de recurso. Custas a cargo da Apelante.