DIFAMAÇÃO
CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE
Sumário

I - Podem ser de natureza privada os interesses legítimos a que se refere a alínea a) do nº 2 do art. 180º do Código Penal.
II - Não é relativo à intimidade da vida privada o facto de um trabalhador e uma trabalhadora de uma empresa se abraçarem e beijarem no local e durante o horário de trabalho, sendo ele casado com outra mulher.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 4.ª sec. (2.ª secção criminal) do Tribunal da Relação do Porto:

Inconformada com o despacho do senhor juiz de instrução criminal do Tribunal Judicial da Maia que não pronunciou o arguido B………. pela prática de um crime de difamação p.p. nos termos do art. 180.º, n.º1, do Código Penal, por que o acusou, dele interpôs recurso a assistente C………., cuja motivação concluiu nos termos seguintes:
I – A assistente deduziu acusação particular contra o arguido B………., pelo crime de difamação, previsto e punido pelo n.º 1 do art.º 180.º do Código Penal.
II – O Ministério Público não acompanhou a acusação particular.
III – O arguido requereu a abertura de instrução, que culminou em despacho de não pronúncia.
IV – A decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público é irrecorrível e determina a remessa imediata dos autos ao tribunal competente para o julgamento.
V – A contrario a decisão que pronunciar o arguido por factos não constantes da acusação do Ministério Público é recorrível.
VI – Tratando-se de crime de natureza particular, o Ministério Público por si, não tem legitimidade para a acusação competindo ao assistente o papel que nos crimes públicos e semi-públicos compete ao Ministério Público.
VII – Quando não existe normativo legal que preencha um determinado quadro, estamos perante uma lacuna.
VIII – Assim o artigo 310.º do C. P. P. se interpretado analogicamente.
IX – Tal analogia é possível, não restringe os direitos do arguido.
X – O arguido não foi pronunciado, face ao preenchimento dos pressupostos da causa de exclusão da ilicitude prevista no n.º2 do art.º 180.º do C.P..
XI – Dando de barato que face aos depoimentos das testemunhas pelo arguido arroladas, a alínea b) n.º2 do art.º 180.º do C. P. se encontre preenchida, é no entanto cumulativa à alínea a) do mesmo artigo.
XII – Entende o juiz de instrução que o episódio relatado pelo arguido a seu patrão se processou no local de trabalho de ambos os envolvidos, concluindo que a actuação se situou no âmbito de interesses legítimos, ou seja a informação à sua entidade patronal (e a pedido desta) sobre factos com possível relevância do foro laboral.
XIII – Tal interesse legítimo não está aqui enquadrado.
XIV – O arguido não era o superior hierárquico dos assistentes, não possuindo sobre eles poder de direcção, disciplina ou fiscalização.
XV – O arguido nunca fundamentou estar em causa qualquer “atentado ao pudor”, que tais comportamentos inviabilizassem um bom relacionamento entre colegas de trabalho ou que pusessem em causa o funcionamento da empresa e nomeadamente em risco o seu posto de trabalho, estando portanto em causa os seus interesses legítimos.
XVI – Não consta ou está elencado no Código do Trabalho nomeadamente no artigo 274.º - obrigações gerais do trabalhador ou artigo 21.º - deveres do trabalhador - tais interesses legítimos, da denúncia à sua entidade patronal.
XVII – Existindo erro notório na apreciação da prova.
XVIII – Foi violada a alínea a) do n.º 2 do artigo 180.º do Código Penal.
XIX – Não existindo portanto qualquer causa de exclusão da ilicitude.
XX – Devendo portanto o despacho de não pronúncia ser substituído por outro que pronuncie o arguido, aplicando-se o artigo 180.º n.º 1 do C.P..

X X X
Terminou pedindo a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que pronuncie o arguido pela prática de um crime p.p. nos termos do art. 180.º, n.º 1, do Código Penal.
X X X
Na 1.ª instância responderam o arguido e o M.º P.º, pronunciando-se ambos pelo não provimento do recurso.
Neste tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto apôs um visto nos autos.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre decidir.
X X X
Dos autos, com interesse para a decisão, constam os seguintes elementos:
Pelos assistentes D………. e C………. foram apresentadas denúncias contra o arguido B………., que deram origem a dois inquéritos cuja investigação seguiu paralelamente, mas que acabaram por ser apensados, nas quais lhe imputaram a prática de factos eventualmente integradores de um crime de difamação. Findos os inquéritos, por cada um dos assistentes foi deduzida acusação contra o arguido, imputando-lhe o assistente a prática de crimes de difamação e de injúria e a assistente a prática de um crime difamação, acusações que o M.º P.º não acompanhou com fundamento na inexistência de indícios da prática dos factos e crimes em causa. Pelo arguido foi requerida abertura de instrução em ambos os processos, vindo os inquéritos, entretanto, a ser apensados. Efectuadas as diligências de prova requeridas, pelo senhor juiz de instrução criminal foi proferido despacho de não pronúncia com o fundamento de que, embora estando suficientemente indiciados os factos que o arguido imputou aos assistentes, se verificam as causas de exclusão da punibilidade previstas nas als. a) e b) do n.º 2 do art. 180.ºdo Código Penal.
Os factos por que o arguido foi acusado são, em síntese, os seguintes: os assistentes eram trabalhadores de uma empresa da qual são sócios a mulher do assistente, o pai e um irmão daquela; aos assistentes foi instaurado processo disciplinar, na sequência do que foram elaboradas notas de culpa nas quais foi manifestada a intenção de despedimento com fundamento em justa causa, tendo vindo a ser despedidos, por ter sido considerado provado que no dia 6 de Maio de 2005 foram vistos pelo arguido, nas instalações da empresa, a beijar-se e a abraçar-se.
O facto alegadamente presenciado pelo arguido terá ocorrido no dia 6 de Maio de 205. Nesta data, na sua versão, quando se dirigia ao escritório da empresa a fim de tratar de um assunto de trabalho, surpreendeu os assistentes abraçados e aos beijos num gabinete do escritório destinado ao assistente e à sua mulher. Só a assistente se apercebeu de que ele tinha presenciado tais factos. Passados alguns instantes e quando já se retirava do local, foi abordado pelo assistente, o qual lhe pediu sigilo. À hora do encerramento do expediente foi novamente abordado pelo assistente, o qual lhe disse para não comentar com ninguém o que tinha visto, nomeadamente com a mulher dele, assistente, abordagem esta que foi presenciada por um outro funcionário da empresa, de nome E………. . Porque o E………. na ocasião não percebeu exactamente do que é o assistente estava a falar com o arguido, questionou este sobre tal facto, tendo-lhe o arguido relatado o facto que presenciara. Só mais tarde é que relatou o facto ao gerente da empresa por este o ter questionado sobre se o tinha presenciado.
Pela testemunha F………., sócio-gerente da empresa, foi declarado que se apercebeu que entre o assistente, seu genro, e a assistente, ambos trabalhadores da empresa, havia um relacionamento que não era de simples colegas de trabalho, facto de que se apercebeu, entre outras razões, devido ao tratamento que a partir de determinada altura o assistente passou a dar à sua filha e às atitudes do mesmo para com a assistente, que passou a tratar por “tu” em vez de por “você”. Confirmou ter abordado o arguido sobre se tinha conhecimento de alguma coisa entre ambos os assistentes, tendo-lhe este referido o facto por si presenciado no dia 6 de Maio.
A testemunha G………., filho do F………. e também sócio-gerente da empresa, confirmou no essencial as declarações deste, acrescentando ter visto uma vez os assistentes abraçados nas instalações da empresa e por mais que uma vez com as pernas entrelaçadas sob uma mesa redonda, quando, sentados um em frente ao outro, procediam a um determinado trabalho. Declarou também ter verificado que através do software do messanger os assistentes comunicavam entre si enviando mensagens de cariz amoroso.
A testemunha E………., ouvida em sede de instrução, declarou que numa sexta-feira à tarde, em data que não soube precisar mas que tudo indica ter sido no dia 6 de Maio de 2005, verificou que o arguido foi ao escritório e que quando regressou tinha um ar estranho, razão pela qual lhe perguntou o que se tinha passado, não tendo obtido qualquer resposta, só tendo o arguido contado o que tinha presenciado depois de interpelado e na sequência de o assistente o ter abordado nas circunstâncias anteriormente referidas. Declarou mais que uma vez ouviu a testemunha F………. perguntar ao arguido se sabia alguma coisa sobre os rumores acerca do relacionamento entre os assistentes, tendo o arguido contado o que havia presenciado, facto que também aconteceu em relação à mulher do assistente.
O arguido deu conhecimento ao assistente do facto por si presenciado no dia 6 de Maio de 2005, em Agosto do mesmo ano. Em Setembro do mesmo ano, numa reunião em que estiveram presentes os sócios-gerentes da empresa e o assistente, a fim de apreciarem a situação deste, voltou a referir tal facto.
Lidas as declarações do arguido, única pessoa que terá presenciado o facto ocorrido no dia 6 de Maio de 2005, verifica-se que as mesmas são coerentes e convincentes, merecendo inteira credibilidade. Aliás, os assistentes só de forma muito ténue é que negam a existência daquele facto, não alegando, nomeadamente, que o arguido o tivesse inventado para os prejudicar ou com qualquer outro fim. A credibilidade das suas declarações é ainda reforçada pelos depoimentos das testemunhas E………. e G………. .
Está assim fortemente indiciado o facto ocorrido no dia 6 de Maio imputado pelo arguido aos assistentes, tal como foi decidido na decisão recorrida.
Importa agora determinar se se verifica a causa de exclusão da punibilidade prevista no n.º 2 do art. 180.º do Código Penal.
Nos termos do n.º 1 do artigo 180.º do Código Penal, comete o crime de difamação quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo.
Como referem Leal-Henriques e Simas Santos no Código Penal Anotado, vol. II, pág. 469, em anotação ao artigo 180.º, doutrinariamente pode definir-se difamação como a atribuição a alguém de facto ou conduta, ainda que não criminosos, que encerrem em si uma reprovação ético-social, isto é, que sejam ofensivos da reputação do visado.
Mesmo nos tempos que correm, em que do ponto de vista da moral os costumes já não são tão rígidos como em tempos o foram, imputar-se a um homem casado um relacionamento amoroso com outra mulher que não a legítima, ou imputar-se a uma mulher um relacionamento amoroso com um homem casado que não seja o seu marido, ocorridos no local de trabalho, ainda são ofensivos da reputação dos visados, pois tais factos contêm em si uma reprovação ético-social.
Não está assim em causa que os factos imputados ao arguido integram o elemento objectivo do crime de difamação.
Estabelece o n.º 2 do artigo 180.º do Código Penal que a conduta não é punível quando: a) a imputação for feita para realizar interesses legítimos; e b) o agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira.
Prevê esta disposição legal uma causa de exclusão da punibilidade que, todavia, por força do disposto no n.º3 do mesmo artigo, não tem aplicação quando se tratar de facto relativo à intimidade da vida privada e familiar.
Como referem Leal-Henriques e Simas Santos na obra supra citada, o nosso legislador não foi alheio à ideia de, em casos muito especiais, se considerarem não puníveis condutas que têm atrás de si motivos relevantes e sérios, sendo nesta linha que se situa o n.º 2 do art. 180.º ao declarar a impunibilidade da conduta nas circunstâncias nele previstas.
Importa, assim, determinar se no caso se verifica a causa de exclusão da punibilidade e, em caso afirmativo, se os factos dizem respeito à intimidade da vida privada e familiar dos assistentes.
Temos para nós que o arguido provou a verdade da imputação por si feita quanto a tal facto. Na verdade, como acima se referiu, as suas declarações são bastante precisas sobre o modo como presenciou os factos que relatou, não sendo despicienda a circunstância de os sócios da empresa, respectivamente sogro e cunhado do assistente, se terem apercebido de outros factos relacionados com o referido pelo arguido, ou seja que entre os assistentes havia um relacionamento amoroso e que havia manifestações do mesmo no local de trabalho.
Mostra-se assim preenchido o pressuposto da al. b).
Importa agora determinar se a imputação foi feita para realizar interesses legítimos.
O Código Penal não faz distinção entre interesses legítimos públicos ou privados, pelo que se admite que se possa tratar de um interesse privado – neste sentido, Maria da Conceição S. Valdágua, in A Dirimente da Realização de Interesses Legítimos nos Crimes Contra a Honra, Jornadas de Direito Criminal, CEJ, pág. 230.
Para a mesma autora, é mister interpretar a expressão interesses legítimos de modo a abranger, além do interesse público legítimo, todos os interesses privados juridicamente protegidos, ou seja todos aqueles interesses privados que podem ser objecto de legítima defesa, pois mal se compreenderia que a imputação de um facto desonroso, mas verdadeiro, apesar de necessária para a tutela de um interesse privado juridicamente protegido (e, por isso, susceptível de legítima defesa), estivesse de antemão excluída do âmbito da dirimente da realização de interesses legítimos.
Refere mais a mesma autora que, ao contrário do que acontece na legítima defesa, na realização de interesses legítimos exige-se uma relação de proximidade entre o agente e o interesse por ele realizado, sendo que, “…quando o interesse em causa for de natureza privada, a sua realização, através de uma imputação de facto ofensivo da honra e consideração de outrem, só poderá fundamentar a impunidade do agente se este for o próprio titular ou outra pessoa que (por ser, por exemplo, parente, cônjuge, advogado, gerente, administrador ou procurador do titular, etc.) possa razoavelmente arrogar-se a qualidade de guardião desse interesse”. E é exigível também, embora não resulte expressamente da lei mas que não deve deixar de reconhecer-se, a prevalência do interesse a realizar sobre o interesse na tutela da honra, requisito que resulta do princípio da ponderação de interesses, a ela subjacente, e pressupõe, portanto, uma ponderação em concreto de todos os factores relevantes.
O relacionamento amoroso entre os assistentes, mesmo considerando que o assistente era casado com uma das sócias da empresa onde ambos trabalhavam, do ponto de vista laboral nada teria de relevante se não tivesse havido manifestações do mesmo nas instalações da empresa. Caso tais manifestações tivessem acontecido fora das instalações da empresa, não teríamos dúvidas em afirmar que, face às circunstâncias conhecidas, não se mostrava preenchido o pressuposto do interesse legítimo. Mas sendo ambos trabalhadores da empresa e tendo as manifestações de cariz amoroso tido lugar nas instalações daquela, ou seja no seu local de trabalho, já assim não acontece. Sendo aquele o seu local de trabalho, não podiam nem deviam estar a utilizá-lo para outros fins, nomeadamente para manifestações de cariz amoroso. Estavam vinculados ao dever de respeito para com a entidade patronal, constituindo o facto em causa, manifestamente, a violação de tal dever. Acresce que, para além de uma eventual diminuição da produtividade (segundo a normalidade das coisas, enquanto estivessem a abraçar-se e a beijar-se não estariam a realizar as tarefas que lhes estavam adstritas no âmbito das suas funções), tal atitude podia dar azo a um ambiente de promiscuidade e de indisciplina, sobretudo tendo em atenção que o assistente até era casado com uma das gerentes da empresa. Imagine-se o caos que seria numa grande empresa se a dado passo algum ou alguns dos trabalhadores, nas instalações da mesma, tomassem atitudes da mesma natureza das imputadas aos assistentes. Trata-se, portanto, quanto a nós, de um facto susceptível de ser classificado como infracção disciplinar laboral e, consequentemente, de ser sancionada disciplinarmente.
O arguido era trabalhador da empresa e, apesar de não resultar dos autos que tivesse quaisquer funções dirigentes, por ser um dos trabalhadores mais antigos, um dos sócios-gerentes, como referiu a testemunha E………., falava muito com ele, inculcando assim a ideia de que era uma espécie de conselheiro. Os assuntos da empresa não lhe eram, portanto, indiferentes. Tanto mais que era lá que tinha o seu posto de trabalho e, consequentemente, o seu meio de subsistência, pelo que qualquer anomalia que pudesse pôr em causa o bom funcionamento da empresa poderia eventualmente pôr em causa o seu posto de trabalho. Assim, pelo menos indirectamente, tinha interesse naquilo que se passava nas instalações da empresa. Entendemos, por isso, que se verifica o pressuposto do interesse legítimo.
Ponderando os interesses em conflito – o bom nome dos assistentes e o bom funcionamento da empresa – nas circunstâncias em que os factos ocorreram, é manifesto que o segundo deve preponderar sobre o primeiro. É que não se pode esquecer que se os arguidos queriam preservar o seu bom nome, bastava-lhes simplesmente abster-se de praticar os factos em causa no local de trabalho
Estabelece o n.º 3 do art. 180.º do Código Penal que, sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do n.º 2 do artigo 31.º, o disposto no número anterior não se aplica quando se tratar da imputação de facto relativo à intimidade da vida privada e familiar. Ou seja, estabelece uma excepção à excepção.
Temos assim que o art. 180.º do Código Penal se, por um lado, exclui do âmbito de aplicação da realização de interesses legítimos a imputação de factos desonrosos relativos à intimidade da vida privada, por outro lado ressalva expressamente a aplicação àquela imputação das circunstâncias dirimentes do exercício de um direito, cumprimento de um dever e consentimento do ofendido, previstas no art. 31.º, n.º2, als. b), c) e d), respectivamente, que constituem causas de exclusão da ilicitude. O que significa que qualquer daquelas dirimentes pode fundamentar a impunidade da imputação de um facto ofensivo da honra e consideração de outrem, por exclusão da ilicitude, mesmo que se trate de facto relativo à intimidade da vida privada e familiar.
Está fora de causa a dirimente do consentimento do ofendido. Quanto ao exercício de um direito, com alguma boa vontade poder-se-á admitir a sua existência. Uma coisa é certa: o arguido agiu no cumprimento de um dever, que é o dever de lealdade que tinha para com a entidade patronal. Sendo ele funcionário da empresa e tendo sido questionado por um dos sócios-gerentes sobre factos que se estariam a passar nas instalações daquela e que nada tinham a ver com o trabalho, podendo mesmo vir a pôr em causa o seu bom funcionamento, factos esses que constituem infracção disciplinar, o dever de lealdade para com a entidade patronal impunha-lhe que a informasse de factos que tinha presenciado.
Acresce que, face às circunstâncias do caso, não estamos propriamente perante uma situação que se possa classificar como sendo da intimidade da vida privada e familiar
Os factos não diziam directamente respeito à vida familiar dos assistentes.
E, bem vistas as coisas, também não se tratava de uma situação que se possa caracterizar como sendo da intimidade da sua vida privada.
Se os factos tivessem acontecido fora das instalações da empresa e em nada estivessem relacionados com o funcionamento da mesma, afastada estaria a causa de exclusão da ilicitude se o arguido os tivesse relatado, ainda que na sequência de perguntas da entidade patronal sobre os mesmos. Nas circunstâncias em que aconteceram, não. Repare-se que as manifestações amorosas entre os assistentes aconteceram nas instalações da empresa onde ambos trabalhavam e dentro do horário de trabalho, sendo pois muito provável que viessem a ser surpreendidos naquelas manifestações. Possibilidade para a qual, aliás, o arguido chamou a atenção do assistente quando este o interpelou no sentido de não contar a ninguém o facto que presenciara. Apesar disso não se coibiram de os praticar, quando é certo que poderiam procurar um lugar recatado para levarem a cabo as suas manifestações amorosas. Fizeram-no num local com livre acesso, pelo menos aos gerentes e aos trabalhadores da empresa, ou seja puseram-se a jeito para que o seu relacionamento viesse a ser descoberto. Se não queriam que se soubesse do seu relacionamento amoroso ter-se-iam acautelado e reservado as manifestações para outro local.
Mas há mais.
O crime de difamação é de natureza dolosa, sendo hoje ponto assente que não é necessário o dolo específico. Todavia, da simples verificação dos seus elementos materiais não resulta necessariamente a comprovação do mesmo. A sua prova terá de ser feita ou directamente ou através de prova indirecta, fazendo-se uso das regras da experiência.
Dadas as circunstâncias do caso acima enunciadas, não consentem as mesmas a conclusão de que foi intenção do arguido, ao referir o facto em causa, ofender a honra e consideração dos assistentes, ou sequer que tinha consciência da ilicitude da sua actuação. Falou no assunto a um colega de trabalho e ao sócio-gerente da empresa por sobre ele ter sido questionado; e falou numa reunião da empresa expressamente convocada para apreciar a conduta dos assistentes na empresa. Repare-se que o facto ocorreu em Maio e só em Agosto é que falou nele ao sócio-gerente. Se fosse sua intenção difamar os assistentes tê-lo-ia divulgado antes e a outras pessoas. Isto sem embargo de a prática do crime se bastar com o dolo genérico, nas suas três modalidades. Mas não. Limitou-se a referir o facto que presenciou, com contenção e moderação, agindo, assim, com o chamado animus narrandi. Com efeito, tanto quanto resulta dos autos, apenas tiveram conhecimento dos factos, para além dos assistentes, como é óbvio, a testemunha E………. e os sócios-gerentes da empresa. Afastado estaria, pois, o dolo, se outras razões não houvesse para não pronunciar o arguido.
X X X

Deste modo, nega-se provimento ao recurso.
Condena-se a recorrente na taxa de justiça que se fixa em 5 (cinco) UC.
X X X

Porto, 2007/12/19

David Pinto Monteiro
José João Teixeira Coelho Vieira
António Gama Ferreira Ramos