INVENTÁRIO
TORNAS
COMPOSIÇÃO DE QUINHÃO
Sumário

I – O art. 1377º do CPC visa, por via do mecanismo de correcção dos efeitos do excesso de licitações, lograr obter uma partilha igualitária e justa, com o possível equilíbrio entre os bens destinados a preencher cada um dos quinhões.
II – O direito de preenchimento do quinhão em bens pelo credor de tornas pressupõe, sempre, que esse crédito derive de licitação excessiva, em pluralidade de verbas.
III – Não se exige que as verbas a escolher pelo credor de tornas tenham que ter o valor exacto correspondente ao valor das tornas.
IV – O pedido de composição de quinhões deve ser dirigido em abstracto e não a esta ou àquela verba, devendo ser endereçado a todos os devedores de tornas, que licitaram verbas em excesso.
V – A lei não põe (ut art. 1377º do CPC) qualquer restrição ao requerimento de preenchimento do quinhão do credor de tornas com verbas licitadas em excesso, pelo que, independentemente de quem quer que figure no mapa informativo como pagador das tornas do requerente da composição do quinhão, todos os devedores de tornas devem libertar bens licitados em excesso para preencher o quinhão de qualquer interessado que o requeira e seja credor de tornas, até ao limite do seu quinhão.
VI – Só será legítimo partilhar bens por via da adjudicação em comum de verbas aos interessados, no processo de composição de quinhões, desde que ocorra acordo dos interessados, com expressa manifestação de vontade nesse sentido, sob pena de se aceitar, a requerimento do credor ou por iniciativa do juiz, uma imposição de compropriedade que contrariaria a finalidade do processo de inventário e o regime do art. 1412º do CC.

Texto Integral

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I. RELATÓRIO:

No …º Juízo do Tribunal Judicial da Vale de Cambra correm termos uns autos de inventário com o nº ……/2001, para partilha da herança aberta por óbito de B…………., sendo cabeça de casal C………………..

Apresentada a relação de bens nos termos de fls. 583 a 590, teve lugar a conferência de interessados, na qual, depois de ser ordenada a exclusão da relação de bens das verbas nºs 8 e 14 do activo e 25 do passivo e de serem, por acordo de todos as interessados, adjudicadas à interessada D...................... as verbas nºs 1,2,3,4,5 e 6 da relação de bens de fls. 584 e as verbas nºs 1 e 2 da relação adicional de fls. 583, pelos valores ali constantes, se procedeu a licitações entre os vários interessados, as quais deram os seguinte resultado:
- A interessada D...................... -- cônjuge sobrevivo do de cujus-- licitou as verbas nºs 9 (por 65.000,00€), 10 (por 5.000,00 €) e 12 (por 10.000,00 €);
- A interessada C…………….. licitou as verbas nºs 11 (5.000,00 €), 13 (5.000,00 €), 16 ( 1.000,00 €), 18 ( 4.000,00 €), 20 ( 7.000,00 €), 21 ( 18.100,00 €) e 22 ( 67.000,00 €);
- O interessado E…………… licitou as verbas nºs 15 ( por 3.300,00 €) e 17 (por 90.000,00 €);
- Finalmente, a interessada F………………. e marido licitaram a verba nº 23 ( pelo valor de 35.000,00 €).

Ordenado que fosse feita a partilha em conformidade com o apontamento de fls. 635-638 (cfr. despacho e fls. 644), foi elaborado, a fls. 647, o “MAPA INFORMATIVO”, no qual se fez constar o seguinte:
- Como a interessada C......................licitou bens por forma a tingir o valor total de 107.427,34 € e o seu quinhão é de apenas 43.917,65 €, “Excede 63.509,69, que deve tornar a sua mãe D……………….”;
- Como o interessado E………….. licitou bens no valor total de 93.627,00 e o seu quinhão é de apenas 43,917,69, “Excede 49.709,69 que deve:
- A sua mãe D……….. ………….41.119,36
- À F………… ………………8.590,31”.

Notificados deste Mapa Informativo, vieram os interessados F...................... e marido G……………. requerer a composição do seu quinhão, ao abrigo do disposto no artº 1377º do CPC, “e sem exceder este com bens licitados em excesso pelos devedores de tornas, C...................... e E……………., pelo valor resultante da licitação” (fls. 654 ss).

Depois de, por lapso, se ter ordenado o cumprimento do disposto no artº 1378, nº1 do CPC (fls. 662), foi -- após correcção do mesmo lapso -- ordenado que se “notifique os devedores de tornas para efeitos do disposto no artº 1377, nºs 2 e 3 do CPC” (fls. 685).

Notificados desse despacho, vieram os interessados E………….. e mulher H………………. (a fls. 689) “requerer preenchimento da sua quota, nos termos dos artigos 1.376 nº 2 e 1.377º, nº 3 ambos do CXPC, com o seguinte bem:
- Verba nº 17 - artigo rústico 743º………………€ 90.000,00”.

Por despacho de fls. 696, “em face do teor de fls. 689” foi adjudicada “aos interessados F...................... e G...................... a verba nº 15” -- que havia sido licitada pelos aludidos E………….. e mulher, por 3.300,00 €.

Vêm, então, por requerimento de fls. 708 ss, os interessados F...................... e marido G...................... requerer (de novo) a composição do seu quinhão, “com bens licitados em excesso até ao montante” -- depois de lhes ter sido adjudicada a verba nº 15 -- de tornas de que ainda continuam credores, isto é, 5.290,31 €, requerendo a notificação da interessada C......................(única interessada que, além do E…………., também licitou bens que excedem o seu quinhão -- o excesso que é de 63.509,69 €) para cumprir o estatuído no citado artº 1.373º, nºs 2 e 3 CPC, “por forma a que os ora requerentes preencham o seu quinhão com bens licitados por esta em excesso e que a mesma venha libertar e até ao limite do crédito de tornas dos ora requerentes do referido montante de 5.290,31 €”.

A Interessada C......................, ouvida sobre o aludido requerimento, pronunciou-se nos termos de fls. 717/718, pugnando pelo indeferimento do requerido.

Vêm, por sua vez, agora, os mesmos interessados F...................... e marido emitir pronúncia sobre o de fls. 717/718, através de fls. 733 ss, pugnando pela rejeição do requerimento da interessada C......................“por manifesta falta de fundamento legal”, insistindo pela notificação desta interessada “para, dentro do prazo que lhe for concedido para o efeito, escolher, de entre os bens que licitou, os necessários para preenchimento do seu quinhão, libertando todos os demais para que os ora pronunciantes indiquem, destes, os necessários para preencher o seu quinhão e até ao limite do mesmo”.

A fls. 743-745 é emitida pronúncia sobre o aludido requerimento dos interessados F...................... e marido, através do seguinte

Despacho:
“…………………………………………………….
Cumpre decidir.
De acordo com o disposto no n° 2 do art. 1377° do CPC, se algum interessado tiver licitado em mais verbas do que as necessárias para preencher a sua quota, pode qualquer dos respectivos credores de tornas requerer que as verbas em excesso ou algumas delas lhe sejam adjudicadas pelo valor resultante da licitação, até ao limite do seu quinhão. E, nos termos do n° 3 do mesmo preceito, o licitante tem o direito de escolher, de entre as verbas em que licitou, as necessárias para preencher a sua quota, para o que deve ser notificado.
Este direito de escolha por parte do licitante não é, porém, inteiramente livre, antes se encontra duplamente condicionado: a escolha deve ser feita de entre as verbas em que licitou e deve recair apenas nas verbas necessárias para preenchimento do respectivo quinhão (vd. Acs. do STJ, de 25.3.99 e de 5.6.97, CJ/STJ, 1999, II, 35 3 1.997, II, 115 e da R.P de 20/07/1982, CJ, 1982, 216).
Como bem escreveu Lopes Cardoso, Partilhas judiciais, II, 3ª ed., pág. 401, "o escopo legal reside na atribuição ao licitante de verbas que preencham quantitativamente a sua quota ou, não sendo possível - como raras vezes o será - as que com menos diferença a excedam”, pelo que "não pode o licitante escolher verbas que excedam em muito o seu quinhão, como também lhe fica defesa a escolha restrita a verbas que o não preencham" (no mesmo sentido, o citado Ac. do STJ, de 5.6.97, entre outros).
Na conferência de interessados, os interessados E...................... e H...................... licitaram sobre as verbas n°s 15, pelo valor de Euros.: 3.300,00 e n° 17, no valor de Euros.: 90.000,00.
De acordo com o mapa informativo, os referidos interessados devem tornas à interessada F...................... no valor de Euros.: 8.590,31.
Em cumprimento do disposto no art. 1377°, n°3 do C.P.C. os licitantes (E…………… e mulher) escolheram a verba n° 17, no valor de Euros.: 90.000,00 para preenchimento da sua quota, que é de Euros.: 43.917,65.
Assim, a verba n° 19, no valor de Euros.: 3.300,00 foi adjudicada aos interessados F...................... e marido, pelo que para preenchimento do seu quinhão encontra-se em falta a quantia de Euros.: 5.290,31.
Ora, e ao contrário do que pretendem os interessados F...................... e marido, o pagamento de tal quantia não pode ser exigido à interessada C......................, uma vez
que esta deve apenas tornas à interessada D......................, pelo que apenas esta interessada lhe pode exigir o pagamento das mesmas.
Assim, o preenchimento do quinhão dos referidos interessados F...................... e marido, na parte em que falta, apenas poderá ser efectuado através de pagamento de tornas, o qual até já foi efectuado.
Em face de todo o exposto, indefiro o requerido a fls. 708 e 709.”

Inconformados com este despacho, dele recorreram os interessados F...................... e marido (fls. 749) -- recurso que foi recebido com subida deferida (fls. 759) --, tendo apresentado alegações que rematam com as seguintes

“CONCLUSÕES:
A) Não se conformando com o douto despacho, embora o respeite na íntegra, recorrem os ora recorrentes para este Venerando Tribunal para pôr à douta e suprema apreciação de V.Exas a sua discórdia.

B) O art° 1377° do CPC como unanimamente é aceite e pacífico na jurisprudência e na doutrina, visa proteger os interessados que, não tendo meios de fortuna, não podem licitar em igualdade de circunstâncias com os mais favorecidos.

C) No caso dos presentes autos, os ora recorrentes F...................... e marido não tinham e não têm meios de fortuna que lhes permitissem licitar em igualdade de circunstâncias com a recorrida C......................,

D) Os recorridos partiram para a licitação em desvantagem com os demais interessados, nomeadamente e em especial com a recorrida C......................, o que redundou em licitarem menos bens do que os necessários para o preenchimento do seu quinhão.

E) Os ora recorrentes, atentas as suas dificuldades económicas e financeiras, não podiam competir na licitação, como efectivamente não puderam, com os demais interessados, nomeadamente com a ora recorrida.

F) Notificados em 04/09/2006 do conteúdo do Mapa Informativo e também para requerer a composição dos seus quinhões ou reclamar o pagamento das tornas ou requerer o preenchimento da sua quota, com verbas licitadas em excesso por outro interessado, pelo valor resultante da adjudicação e até ao limite do seu quinhão,

G) Os ora recorrentes socorreram-se do mecanismo legal de protecção dos mais desfavorecidos, previsto e consagrado no art° 1377 do CPC, o que fizeram nos presentes autos, legitimamente e de pleno direito, de acordo com a lei. Neste sentido vide Ac. RC de 25 de Junho de 1991, 3° - 96 " 1- O art° 1377 do C.P.Civil permite que os interessados a quem hajam de caber tornas optem pela composição dos seus quinhões com as verbas ou algumas das verbas que o devedor das tornas licitou em excesso. 11- O exercício de tal direito pressupõe que o devedor das tornas tenha licitado em mais do que uma verba ".
Ac. RC de 17/09/1991: BMJ, 409-885 " Qualquer interessado com direito a tornas mesmo que tenha licitado em bens de valor inferior ao seu quinhão) pode requerer a composição do seu quinhão em bens ou reclamar o pagamento daquelas."

H) Desta forma conciliam-se os dois pontos de vista:- o dos interessados que, não tendo meios de fortuna, não podem licitar em igualdade de circunstâncias com os mais favorecidos, e, assim, não são desapossados de bens, e os interesses derivados da justa valoração da herança pelo mecanismo da licitação (J.A. Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Vol. II, 4a ed.,1990, pág. 287)

I) Importa não esquecer que o processo de composição de quinhões tem por fundamento a necessidade, que se considerou de primária justiça, de corrigir a licitação, de acautelar os interesses dos menos afortunados, pondo-o a coberto da própria desvalorização da moeda. Este direito sobreleva, em parte, ao do licitante e na conciliação entre ambos só é possível admitir uma escolha que, afinal de contas, se não traduza num desapossamento. (J.A. Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Vol. II, 4' ed., 1990, pág. 423 e seg )

J) Tendo os ora recorrentes, ao abrigo do disposto no art° 1377 do CPC, requerido a composição do seu quinhão e sem exceder este com bens licitados pelos demais interessados, principalmente da recorrida de tornas, pelo valor resultante das licitações.

L) Havendo vários interessados num inventário e tendo algum deles licitado em verbas que excedem o valor das suas quotas, os credores de tornas querendo a composição dos seus quinhões, devem fazer o seu pedido em abstracto e não dirigido às verbas de um só dos licitantes. (Ac. STJ de 29/06/1993 in col. Jur, T-2, pág. 167 )

M) A recorrida C......................e acordo com o disposto no art° 1377 do C.P Civil deve escolher das verbas que licitou as necessárias para preencher o seu quinhão, libertando todas as demais para que destas os ora recorrentes indiquem a ou as verbas que pretendem lhes sejam adjudicadas até ao limite do seu quinhão.

N) Não sendo argumento para não cumprir o disposto no art° 1377 do C.P Civil, o facto de que no mapa informativo, não ser a recorrida C......................que deve tornas aos recorrentes.

Nestes termos e nos melhores de direito que V.Ex.as mui doutamente suprirão deve o douto despacho ser revogado e substituído por Acórdão a conceder para o efeito à recorrida, C......................, prazo para escolher de entre as verbas que licitou, as necessárias para preenchimento do seu quinhão, libertando todas as demais para que os recorrentes indiquem, destas, as necessárias para preencher o seu quinhão e até ao limite do mesmo.
ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA”

O Mmº Juiz a quo sustentou o despacho recorrido (fls. 787).

Foi elaborado o Mapa de Partilha (fls. 793 ss), proferindo-se, a fls. 800, sentença homologatória da partilha.

Desta sentença recorrem os já acima recorrentes, F...................... (fls. 810), recurso este recebido como apelação (fls. 816), tendo apresentado alegações que rematam com as seguintes

CONCLUSÕES:
1. Vem o presente Recurso interposto da sentença de fls. 800 que homologou as operações de partilha constantes do mapa de fls.793 a 795 e, em consequência impediu os ora apelantes de verem o seu quinhão preenchido com bens da herança até ao limite do mesmo.

2. O recurso e as presentes alegações vêm na sequência do despacho de fls. 743 a 745 que concluiu pela impossibilidade de preenchimento dos quinhões dos ora apelantes com bens licitados pela interessada C......................, "uma vez que esta apenas deve tornas à interessada D......................, pelo que apenas esta interessada pode exigir o pagamento das mesmas". "Assim, o preenchimento do quinhão dos referidos interessados F...................... e marido, na parte em que falta, apenas poderá ser efectuado através de pagamento de tornas, o qual já foi efectuado."

3. O objectivo de toda a adjudicação em processo de inventário é atingir o maior equilíbrio de quinhões, que só será atingido quando estes são preenchidos com bens da mesma natureza e valores sensivelmente iguais, razão pela qual se impõe que aos ora apelantes sejam adjudicadas as verbas necessárias para preenchimento do seu quinhão, pois só assim se obtém um perfeito equilíbrio, reduzindo ao mínimo as tornas.

4. No artigo 1377.° do C.P.C. o legislador tem como preocupação proteger os interesses dos credores de tornas, atribuindo-lhes o direito de ver o seu quinhão preenchido com bens da herança, o que ora se requer.

5. O direito de escolha atribuído ao licitante em excesso tem de ser exercido em atenção ao disposto nos números 2 e 3 do supra normativo e de forma a atingir-se o equilíbrio de quinhões.

6. Aquela disposição legal tem como filosofia acautelar os interesses dos menos afortunados. procurando impedir que os economicamente mais débeis sejam desapossados dos bens a que têm direito, em virtude de não estarem em condições de concorrer com outros interessados mais favorecidos sob o ponto de vista financeiro.

7. Considerou-se que tal disposição, ao permitir a composição dos quinhões com bens da natureza dos licitados "servia melhor a justiça e a equidade, certo como é que a propriedade tende a valorizar-se, ao contrário do que sucede com o dinheiro que, dia a dia, vai diminuindo o seu poder de compra e porque o juízo do inventário é, sobretudo, uni juízo de equidade onde se deve evitar que uns interessados se locupletem à custa dos outros" (neste sentido, vide
Jurisprudência das Relações, ano 13, página 604 e seguintes).

8. Com o processo de composição de quinhões procurou conciliar-se dois interesses antagónicos - o do licitante e o do credor de tornas -na tentativa de se corrigir o excesso das licitações (em especial quando a estas concorrem interessados com possibilidades económicas e financeiras diferentes) e assim, se conseguir o maior equilíbrio dos lotes.

9. O legislador permitiu ao credor de tornas o direito de requerer a composição do seu quinhão com os bens licitados em excesso por qualquer interessado, pelo valor resultante das licitações.

10. No caso em discussão nos presentes autos, os ora apelantes não tinham (nem têm) meios económicos que lhes permitissem licitar os bens da herança em igualdade de circunstâncias com os demais interessados.

11. Por isso, partiram para a licitação em desvantagem com os demais interessados, nomeadamente e em especial com a interessada e cabeça de casal C......................, o que resultou no facto de terem licitado menos bens que os necessários para o preenchimento do seu quinhão.

12. Ao contrário da interessada C......................que, dotada de bons meios económicos e financeiros, partiu para a licitação em vantagem relativa sobre os ora apelantes.

13. É a interessada C......................que está em condições e tem o dever de libertar bens, depois da sua escolha, para preencher com verbas licitadas em excesso o crédito de tornas dos ora apelantes e até ao limite do seu quinhão, o que ora requerem em sede do presente recurso.

14. De facto, cada uma das verbas 11, 13, 16 e 18 que, para além de outras, a interessada C......................licitou, cabe no valor do crédito de tornas dos ora apelantes e sem exceder esse mesmo crédito.

15. Pelo que deverá a interessada C......................, nos termos do artigo 1377.° do C.P.C. escolher, de entre as verbas que licitou, as necessárias para preenchimento do seu quinhão e libertar todas as demais para que dessas os ora apelantes indiquem a(s) que pretendem seja(m) adjudicada(s) até ao limite do seu quinhão.

16. E não pode a interessada C...................... tentar furtar-se à libertação de verbas que excedam o seu quinhão, com o argumento de que, de acordo com o mapa informativo, ela não é devedora de tornas aos ora apelantes.

17. Para contrapor este argumento, o n.° 2 do artigo 1377.° do C.P.C. é expresso: "Se algum interessado tiver licitado em mais verbas do que as necessárias para preencher a sua quota, a qualquer dos notificados é permitido requerer que as verbas em excesso ou algumas lhes sejam adjudicadas pelo valor resultante da licitação, até ao limite do seu quinhão".

18. Note-se que a lei diz: "A qualquer interessado (... )" e " (...) a qualquer dos notificados (...)". Não se refere apenas ao interessado devedor de tornas, mas sim, a qualquer um, que também podem ser todos.

19. Portanto, a lei não põe qualquer restrição ao requerimento de preenchimento do seu quinhão com verbas licitadas em excesso, seja quem for o devedor de tornas. Este terá que libertar bens para preencher o quinhão de qualquer um dos interessados que o requeiram e que sejam credores de tornas até ao limite do seu quinhão.

20. Face à situação concreta dos autos e a manter-se a sentença do Tribunal "à quo", será manifesto o desequilíbrio (já para não falar em ilegalidade) na constituição dos quinhões dos interessados neste inventário, nomeadamente entre os credores de tornas ora apelantes e a licitante em excesso.

21. A interessada e licitante C......................usou, durante a licitação, o seu direito de escolha, de forma a afastar os apelantes dos bens por ela licitados, com o intuito de, aproveitando-se da sua melhor posição e situação económica e financeira, ficar com todos os bens por si licitados.

22. Mais grave é o facto de, pela interessada C......................, terem sido vários os bens licitados em excesso, com valores variados, mas cada uma delas sempre dentro dos limites do quinhão dos ora apelantes, nomeadamente as verbas 11, 13, 16e 18.

23. Quando a escolha do licitante em excesso não é efectuada em atenção aos objectivos que estão na base do processo de inventário - equilíbrio de quinhões - pode esta ser rejeitada por abuso do direito de escolha.

24. Nesta situação há dois interesses desiguais que colidem (o do licitante e o do credor de tornas) devendo prevalecer o direito superior, que será, evidentemente, o do credor de tornas.

25. No caso dos autos, decidiu o Tribunal recorrido pela impossibilidade de preenchimento do quinhão dos apelantes em bens da herança licitados e adjudicados à interessada C…………., referindo que o remanescente do seu quinhão só poderá ser preenchido através do pagamento de tornas.

26. Neste caso, o tribunal "a quo" apenas teve em consideração o interesse do licitante em excesso, deixando para segundo e último plano, o credor de tornas. No entanto, foi precisamente a este credor de tornas que o legislador quis proteger e dar prioridade.

27. A forma de composição dos quinhões dos interessados no presente inventário não teve em atenção a referida norma jurídica, pelo que, a manter-se a, aliás, douta sentença, os quinhões dos ora apelantes credores de tornas serão preenchidos em dinheiro e, as expectativas que se encontram criadas nos apelantes em verem o seu quinhão preenchido em bens por direito, será defraudada face ao exercício abusivo do direito de escolha por parte da licitante.

28. E sabendo os apelantes que a sua menor disponibilidade económica e financeira não poderia prejudicá-los face ao disposto no artigo 1377.° do C.P.C., não podem hoje deixar de se sentir defraudados face ao despacho de que ora recorrem que deitou por terra a expectativa que tinham em verem o seu quinhão preenchido com bens da herança.

29. Por este motivo, deve ser de rejeitar a escolha efectuada pelos apelados e/ou licitantes, uma vez que, em caso de colisão entre o direito do licitante e o do credor de tornas (como é o caso), deverá prevalecer o direito superior, o do credor de tornas.

30. Pelo exposto, homologando as operações de partilha nos termos constantes do mapa de fls. 793 a 795, a douta sentença recorrida violou, nomeadamente e em especial, os n.° 2 e 3 do artigo 1377.° do Código de Processo Civil e os artigos 334.° e 335.° do Código Civil.

TERMOS EM QUE DEVERÁ SER PROVIDO O AGRAVO INTERPOSTO A FLS., ASSIM COMO A PRESENTE APELAÇÃO E, EM CONSEQUÊNCIA, REVOGAR-SE O DESPACHO DE FLS. 743 A 745 E A SENTENÇA DE FLS. 800, HOMOLOGANDO A PARTILHA CONSTANTE DE FLS. 793 A 795, SUBSTITUINDO-SE POR ACÓRDÃO QUE DETERMINE A NOTIFICAÇÃO DA INTERESSADA C......................PARA ESCOLHER, DE ENTRE OS BENS QUE LICITOU, OS NECESSÁRIOS PARA PREENCHIMENTO DO SEU QUINHÃO, LIBERTANDO TODOS OS DEMAIS PARA QUE OS ORA APELANTES INDIQUEM, DESSES, QUAIS OS NECESSÁRIOS PARA O PREENCHIMENTO DO SEU QUINHÃO E ATÉ AO LIMITE DO MESMO, COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS”.

Contra-alegou a apelada, sustentando a improcedência do recurso (fls. 837 ss).
Foram colhidos os vistos.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II. 1. AS QUESTÕES:
Tendo presente que:
- O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do C. P. Civil);
- Nos recursos se apreciam questões e não razões;
- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,

a questão central a decidir consiste em saber se aos agravantes/apelantes assiste o direito de verem preenchido o seu crédito de tornas com bens licitados pela agravada/apelada C......................, que licitou bens em excesso relativamente ao seu quinhão.
Dito de outra forma: se se impunha que a agravada/apelada C…………. escolhesse das verbas que licitou as necessárias para preencher o seu quinhão e libertasse as demais para que destas os agravados/apelados indicassem a ou as verbas que pretendiam lhes fossem adjudicadas até ao limite do seu quinhão.
- Uma “sub-questão”, igualmente suscitada nos recursos, igualmente a apreciar, consiste em saber se o quinhão dos agravantes/apelantes apenas podia ser preenchido com bens licitados pelo interessado que no mapa informativo figurava como seu devedor de tornas (in casu, o interessado E……………. (cfr. fls. 647).

II. 2. FACTOS:

Os supra relatados que aqui nos dispensamos de repetir.

III. O DIREITO:

Antes de mais, cumpre anotar que se começará pela apreciação do agravo, quer porque assim resulta do disposto no artº 710, nº1 do CPC, quer porque com a procedência do agravo prejudicado fica o conhecimento da apelação.
Com efeito, parece evidente que o recurso de apelação interposto contra a sentença homologatória do mapa da partilha, apenas e só se destinou a assegurar a subida do recurso de agravo, suscitando-se em ambos os recursos a mesma questão (ou questões) -- como apodíciticamente se extrai conclusões em ambos lavradas.
Daqui, portanto, que o julgamento a que se procederá valha para os recursos de agravo e de apelação.
Vejamos, então, do mérito dos recursos.

- Primeira questão: saber se se impunha que a agravada/apelada C………….. escolhesse das verbas que licitou as necessárias para preencher o seu quinhão e libertasse as demais para que destas os agravados/apelados indicassem a ou as verbas que pretendiam lhes fossem adjudicadas até ao limite do seu quinhão:

Dos factos provados ressalta, com especial interesse, o seguinte:
Após ter sido dada a forma à partilha, foi elaborado, a fls. 647, o “MAPA INFORMATIVO”, no qual consta:
- A interessada C...................... -- ora agravada/apelada -- licitou bens no valor total de 107.427,34 €, sendo o seu quinhão de apenas 43.917,65 €. Pelo que “Excede 63.509,69, que deve tornar a sua mãe D…………..”.
Ou seja, não se refere aqui que tal excesso de quinhão deva ser retornado também à interessada F......................, ora recorrente -- sendo este, como melhor veremos, um dos argumentos da recorrente para sustentar a manutenção do despacho recorrido.
- O interessado E………….. licitou bens no valor total de 93.627,00, sendo o seu quinhão de apenas 43,917,69. Pelo que excede 49.709,69, “que deve tornar
“A sua mãe D...................... ………….41.119,36
À F......................… ……………8.590,31”-- é por isto, também, que sustenta a recorrida que só ao E……………. pode ser exigida a composição do quinhão da recorrente com bens licitados em excesso por aquele.

Foi precisamente na sequência da notificação deste Mapa Informativo que vieram os interessados F...................... e marido G...................... (ora recorrentes) requerer a composição do seu quinhão, ao abrigo do disposto no artº 1377º do CPC, “e sem exceder este com bens licitados em excesso pelos devedores de tornas, C...................... e E……………., pelo valor resultante da licitação” (fls. 654 ss).

Ora, por despacho de fls. 685 ordenou-se a notificação “dos devedores de tornas”-- todos eles, portanto -- “para efeitos do disposto no artº 1377, nºs 2 e 3 do CPC”.

No entanto, apenas os interessados E…………….. e mulher H...................... vieram a fls. 689) “requerer preenchimento da sua quota, nos termos dos artigos 1.376 nº 2 e 1.377º, nº 3 ambos do CXPC, com o seguinte bem:
- Verba nº 17 - artigo rústico 743º………………€ 90.000,00”.
Nessa sequência, por despacho de fls. 696, “em face do teor de fls. 689” foi adjudicada “aos interessados F...................... e G...................... a verba nº 15” -- que havia sida (a mais) licitada pelos aludidos E…………. e mulher por 3.300,00 €.

Acontece que, uma vez que os requerentes de fls. 654 ss, F...................... a marido, continuaram a ser credores de tornas (no montante de 5.290,31 €) e porque os aludidos E……………… e mulher já não dispunham de outras verbas sobrantes para preenchimento desse crédito de tornas --, voltaram aqueles, por requerimento de fls. 708 ss, a requerer, afinal, o que já haviam requerido anteriormente: a composição do seu quinhão, “com bens licitados em excesso até ao montante” de tornas de que -- depois de lhes ser adjudicada a verba nº 15 -- ainda continuam credores. Ou seja, requerem, para tal, a notificação da interessada C......................(que licitou bens que excedem o seu quinhão em 63.509,69 €) para cumprir a ordem já emanada anteriormente no despacho de fls. 685, ou seja, o estatuído no citado artº 1.373º, nºs 2 e 3 CPC, “por forma a que os ora requerentes preencham o seu quinhão com bens licitados por esta em excesso e que a mesma venha libertar e até ao limite do crédito de tornas dos ora requerentes do referido montante de 5.290,31 €”.

Só que esta interessada, apesar de prontamente notificada do ludido despacho de fls. 685 (cfr. fls. 686), nada fez ou requereu no prazo legal (artº 153º CPC) -- isto é, não veio proceder à escolha de entre as verbas que licitou as necessárias para o preenchimento da sua quota (artº 1376º/2 CPC)
E apenas depois de os ora recorrentes voltarem à carga, solicitando (de novo) ao tribunal para providenciar para que a interessada C...................... “cumpra o ordenado” no despacho de fls. 685, é que esta -- mais de mês e meio depois da aludida primeira notificação -- vem, a fls. 718, pugnar pelo indeferimento do requerido, com o argumento de que “nenhuma das verbas licitadas e adjudicadas aos restantes interessados”-- depois da aludida libertação da verba pelo E…………… -- “tem o valor exacto e correspondente ao valor das tornas que a interessada F...................... tem direito.
Logo o preenchimento do seu quinhão hereditário não pode ser feito através de verbas”, antes “terá que ser, forçosamente, preenchido colm pagamento de tornas em dinheiro”-- sem qualquer razão, adiante-se desde já, como melhor à frente se verá.

Pela terceira vez (!), perante a posição ora vertida pela C......................, os interessados F...................... e marido vêm-se “obrigados” a, emitindo pronúncia sobre o de fls. 717/718, através do de fls. 733 ss, insistindo para que aquela interessada seja notificada “para, dentro do prazo que lhe for concedido para o efeito, escolher, de entre os bens que licitou, os necessários para preenchimento do seu quinhão, libertando todos os demais para que os ora pronunciantes indiquem, destes, os necessários para preencher o seu quinhão e até ao limite do mesmo”.

Só então é que o Mmº Juiz a quo profere o despacho recorrido (fls. 743 ss) onde, depois de citações jurisprudenciais várias, remata que “o pagamento de tal quantia”-- de tornas ainda a haver pelos recorrentes -- “não pode ser exigido à interessada C......................, uma vez que esta deve apenas tornas à interessada D......................, pelo que apenas esta interessada lhe pode exigir o pagamento das mesmas”. E assim conclui que o “o preenchimento do qinhão dos referidos interessados F...................... e marido, na parte em que falta, apenas poderá ser efectuado através de pagamento de tornas” (em dinheiro, portanto).

Sem qualquer razão, salvo o devido respeito.
Vejamos porquê.

No preenchimento dos quinhões de interessados no processo de inventário e partilha, a regra é a de os bens licitados serem adjudicados aos respectivos licitantes, sendo atribuídos aos não licitantes, quando possível, bens “da mesma espécie e natureza” dos licitados (ut art. 1374º/a) CPC).

A este propósito, dispõem os arts. 1376º e 1377º CPC:

“ARTIGO 1376.º

(Excesso de bens doados, legados ou licitados)

1. Se a secretaria verificar, no acto da organização do mapa, que os bens doados, legados ou licitados excedem a quota do respectivo interessado ou a parte disponível do inventariado, lançará no processo uma informação, sob a forma de mapa, indicando o montante do excesso.
2. Se houver legados ou doações inoficiosas, o juiz ordena a notificação dos interessados para requererem a sua redução nos termos da lei civil, podendo o legatário ou donatário escolher, entre os bens legados ou doados, os necessários a preencher o valor que tenha direito a receber.”

“ARTIGO 1377.º (Opções concedidas aos interessados)

1. Os interessados a quem hajam de caber tornas são notificados para requerer a composição dos seus quinhões ou reclamar o pagamento das tornas.
2. Se algum interessado tiver licitado em mais verbas do que as necessárias para preencher a sua quota, a qualquer dos notificados é permitido requerer que as verbas em excesso ou algumas lhe sejam adjudicadas pelo valor resultante da licitação, até ao limite do seu quinhão.
3. O licitante pode escolher, de entre as verbas em que licitou, as necessárias para preencher a sua quota, e será notificado para exercer esse direito, nos termos aplicáveis do nº 2 do artigo anterior.
4. Sendo o requerimento feito por mais de um interessado e não havendo acordo entre eles sobre a adjudicação, decide o juiz, por forma a conseguir o maior equilíbrio dos lotes, podendo mandar proceder a sorteio ou autorizar a adjudicação em comum na proporção que indicar.“

Como vimos, a Secretaria, apercebendo-se de que, por força das licitações ocorridas, havia excesso de bens por banda dos licitantes Veríssimo e C......................, elaborou o Mapa Informativo de fls. 647, mencionando esse mesmo excesso e indicando os credores de tornas.

Nessa sequência, portanto, temos que a lei prescreve que (cfr. aludido artº 1377º, nºs 1 a 3), havendo excesso de bens licitados, relativamente ao quinhão do respectivo licitante, podem os interessados a quem, por via desse excesso, hajam de caber tornas, requerer a adjudicação dessas verbas, pelo valor da licitação e até ao limite do seu quinhão, devendo, nessa situação, o licitante proceder à escolha, de entre as verbas que licitou, aquelas com que pretende seja preenchida a sua quota.
Foi o que fez o interessado E……………...
Mas não fez -- e deveria ter feito -- a outra licitante, ora recorrida, C......................!

Deve salientar-se que a lei estabelece -- e de forma que cremos não suscitar dúvidas -- que o princípio a seguir, em sede de partilha dos bens, é o de que os mesmos devem ser adjudicados a quem os licitou e de que tendo -- por força do excesso de licitação, ou, melhor, por ter havido licitação em mais verbas que as necessárias ao preenchimento do seu quinhão -- que intervir o critério correctivo contemplado no citado artº 1377ºCPC, então o direito de escolha caberá sempre ao licitante. Ou seja, só depois de feita por este licitante a escolha é que o credor de tornas interessado na composição com bens licitados pode (querendo), por sua vez, escolher de entre os bens sobrantes.

Visa o aludido artº 1377º, sempre, por via do aludido mecanismo de correcção dos efeitos do excesso de licitações, lograr obter uma partilha igualitária e justa, com o possível equilíbrio entre os bens destinados a preencher cada um dos quinhões -- assim complementando os preceitos que o antecedem, maxime o artº 1374º.
Desta forma, como ensina Lopes Cardoso[1], conciliam-se os dois pontos de vista: o dos interessados que, não tendo meios de fortuna, não podem licitar em igualdade de circunstâncias com os mais favorecidos, e, assim, não são desapossados dos bens, e os interesses derivados da justa valoração da herança pelo mecanismo de licitação.
A lei visa, assim, por via dos referidos direitos, dos licitantes à escolha entre os bens licitados, e dos não licitantes à composição dos quinhões por via de bens licitados, salvaguardar quem, por razões de carência económica, não pode licitar e para lhe obviar à afectação patrimonial em razão da desvalorização da moeda como referencial do valor dos bens.

Ora, verifica-se que, no caso sub judice, depois de ter pelo interessado E……………. sido feita a escolha na verba nº 17 (no valor de 90.000,00 €) para preenchimento do seu quinhão -- o que lhe era perfeitamente legítimo fazer, apesar de o seu valor (continuar a) exceder em muito o seu quinhão, pois não faria sentido que deixasse essa verba para a requerente, ora recorrente, uma vez que , então, passaria ela a ser devedora de tornas…[2] –[3] --, libertando para a recorrente a outra verba em que licitara (nº3), continuou a recorrente a ser credora de tornas. E como não havia quaisquer outras verbas licitadas pelo E………….. que pudessem ser libertadas, por efeito de excesso de licitações, obviamente que não restava à requerente/recorrente F......................, no caso de continuar a pretender que o seu crédito de tornas fosse preenchido por verbas, outra hipótese que não fosse requerer que esse mesmo crédito fosse preenchido com verbas do único interessado que, além do E……………, havia licitado mais verbas do que as necessárias para preenchimento do respectivo quinhão: precisamente a recorrida C.......................

É que o direito de preenchimento do quinhão em bens pelo credor de tornas pressupõe, sempre, que esse crédito derive de licitação excessiva, em pluralidade de verbas. O que significa que a partir do momento em que o Veríssimo passou a ficar com apenas uma verba -- pouco importanto qual seja o seu valor --, ficou a recorrente impedida de preencher o seu quinhão noutra(s) verba(s) que por aquele interessado tenha(m) sido licitada(s).
Restava-lhe, por isso, virar-se para a C...................... -- única interessada que também licitara em excesso e em mais do que uma verba.
Sendo certo que apenas à licitante -- C......................-- era permitido escolher, de entre as verbas em que licitou, as necessárias para preencher a sua quota. E para tal foi oportunamente notificada, para escolher os bens necessários ao preenchimento da sua (artigo 1377º, nº 3, do Código de Processo Civil).
É que, o referido direito de escolha do licitantes está sujeito ao limite do preenchimento do valor que tenha direito a receber.

E é mais que evidente que não faz qualquer sentido a afirmação vertida pela C...................... no seu requerimento de fls. 717, de que “nenhuma das verbas licitadas e adjudicadas aos restantes interessados tem o valor exacto e correspondente ao valor das tornas que a interessada F...................... tem direito”, para daí concluir que “logo o preenchimento do seu quinhão hereditário não pode ser feito através de verbas”!
Evidentemente que o pode!
Com efeito, é evidente que se não exige que as verbas a escolher pelo credor de tornas tenham que ter “o valor exacto correspondente ao valor das tornas” [4]. Pois se assim fosse exigido, quase nunca seria possível preencher o quinhão do credor de tornas com verbas licitadas em excesso por outrem, assim se deitando ao “cesto do lixo” o aludido artº 1377º CPC!

Assim, há várias verbas licitadas pela C......................que esta poderia libertar para que a credora de tornas (ora recorrente) pudesse nelas preencher o seu crédito: precisamente todas aquelas verbas cujo valor seja igual ou inferior ao aludido crédito de tornas (de 5.290,31), quais sejam, as nºs 11 ( 5.000,00 €), 13 (5.000,00 €), 16 (1.000,00 €) e 18 (4.000,00 €).

Eram estas as verbas, depois de libertada pelo interessado Veríssimo a única verba que poderia libertar, pelas quais a recorrente podia optar para preenchimento do seu quinhão.
Por esta via se acautelava o direito da licitante C...................... -- que, obviamente sempre com riscos, se disponibilizou a pagar pelos bens que licitou um preço mais elevado que o oferecido pelos outros interessados, assim se lhe assegurando prioridade na aquisição dos bens licitados e cujo valor se contenha dentro do seu quinhão -- e, por outro lado, se dá à interessada não licitante, ora recorrente, a possibilidade de fazer reverter para si os bens em que, desnecessariamente para o efeito de preenchimento do seu quinhão, a licitante C…………. licitou.

Aliás, cremos, até, que o preenchimento do quinhão da recorrente (do seu crédito de tornas, entenda-se) deveria poder fazer-se, em primeira linha, com recurso às verbas licitadas pela recorrida C.......................
Com efeito, como se vê do Mapa Informativo, a mesma licitou bens que excedem o seu quinhão em 63.509,69 €, ao passo que o E…………. apenas licitou em excesso a quantia de 49.709,69 €.

Assim sendo, a bem do já referido equilíbrio e justiça na distribuição dos bens, cremos que -- atendendo a que ambos os licitantes foram (como não podia deixar de ser) notificados para efeito do disposto no artº 1377º CPC, maxime para procederem à escolha de bens (nº2 do mesmo artigo) -- deveria permitir-se ab initio à requerente/ora recorrente a escolha de bens de entre aqueles licitados pela C......................, que excedessem o seu quinhão e que não excedessem, por sua vez, o crédito de tornas da recorrente.
Porém, a recorrente viu-se “obrigada” a aceitar a verba nº 15 licitada pelo E………….., pois foi a única que lhe foi “adjudicada” (cfr. despacho de fls. 695), sem lhe ser permitido aceder aos bens licitados em excesso pela C.......................

Sobre este aspecto, sustentou o STJ, em Ac. de 8 de Novembro de 2005 (Fernandes Magalhães)[5] : “I - Não é aconselhável que o preenchimento do quinhão do credor de tornas se faça à custa do interessado em que o excesso de licitação seja inferior (art.º 1377 C.P.C.).
II - Deve fazer-se, isso sim, à custa do outro interessado, também devedor de tornas, licitante em mais bens, na falta de escolha por parte deste, e quer haja opção do devedor em tal sentido, ou não.”

É, com efeito, a posição que melhor se adequa aos objectivos (de justiça) visados pela aludida norma do CPC -- e do processo de inventário, em geral --, pois a reforma processual de 1961 quanto à composição dos quinhões obedeceu a um propósito, humano e justo.
Aliás -- como bem acrescenta o aludido aresto --, mesmo “na hipótese de não haver indicação ou sugestão por parte da credora de tornas em conjugação com a falta de escolha ou opção por parte do devedor, seria então o próprio Tribunal a substituir-se aos licitantes ou devedores de tornas, escolhendo entre as verbas licitadas em excesso as necessárias para preencher o quinhão do credor de tornas”.
O que, no nosso caso, como vimos, não foi feito.

Deve acentuar-se, por outro lado, que, ainda no âmbito do apontado quadro de direito de escolha de bens licitados por parte dos licitantes, não era permitido à recorrente indicar, em concreto, os bens com que pretendia preencher o seu quinhão, o que significa que apenas lhe era permitido dizer que pretendia preencher o seu quinhão (ou melhor, o seu crédito de tornas) com bens excedentes da escolha feita pelos licitantes.
Dito de outra forma, a lei só confere aos credores de tornas não licitantes o direito de requererem a composição do respectivo quinhão hereditário em abstracto, isto é, sem indicação de bens.
E foi, em verdade se diga, o que fez a recorrente, pois se limitou a requerer fosse notificada a C......................para “dentro do prazo que lhe for concedido para o efeito, escolher, de entre os bens que licitou, os necessários para preenchimento do seu quinhão, libertando os todos os demais para que os ora pronunciantes indiquem, destes, os necessários para preencher o seu quinhão e até ao limite do mesmo” (fls. 737).

Ou seja, como é sufragado de forma vincada na doutrina e na jurisprudência, a escolha dos bens cabe ao licitante devedor das tornas e não ao interessado credor das mesmas que haja requerido a composição do seu quinhão.
Com efeito, pela licitação, o licitante adquire o direito de ver preenchido o seu quinhão com os bens licitados e pelos respectivos valores.
Assim, como dito supra, o credor de tornas deverá simplesmente limitar-se a formular o pedido de composição do seu quinhão, de forma abstracta[6].
Pode, é certo, o credor de tornas indicar, à vontade, logo no seu requerimento de composição do quinhão, a verba ou verbas que desejaria (?) para esse preenchimento. Mas essa indicação nunca vincula o devedor de tornas.[7]

Isto sem olvidar que o direito de escolha de bens licitados pelos licitantes não é ilimitado, pois está limitado pelo já aludido critério legal da necessidade (… até ao limite do seu quinhão), sob o escopo finalístico da igualação de quem, a título sucessório ou de outra ordem, concorre à partilha de determinado património.
Ou seja, requerido que foi pela interessada recorrente (não licitante) a composição do seu quinhão, dispunham todos os licitantes (o Veríssimo e a C......................) do direito de fazer a escolha, sim, mas sujeita a duas regras ou premissas: a escolha não podia deixar de recair sobre as verbas em que licitaram; e tinha de recair só nas verbas necessárias para preenchimento do respectivo quinhão (artº 1377º/3 CPC).
Efectivamente, como ensina Lopes Cardoso[8] “o escopo legal reside na atribuição ao licitante de verbas que preencham quantitativamente a sua quota, ou, não sendo possível – como raras vezes o será – as que com menos diferença a excedam, pois as outras deixam de lhe pertencer para se adjudicarem aos que, por preenchidos a menos, requereram a composição quantitativa dos seus quinhões no uso de um inquestionável e justificado direito” “Daqui vem que não pode o licitante escolher verbas que excedam em muito o seu quinhão, como também lhe fica defeso a escolha restrita a verbas que o não preencham”, “para não se manter a situação de desequilíbrio que levou ao requerimento de composição do quinhão pelo não licitante, nem se inverter essa situação passando o não licitante de credor a devedor de tornas”.
Ou seja: se é certo que a lei admite a licitação ilimitada, não é menos certo que estabelece limites ao exercício do direito de escolha, conferido pelo n.º 3 do artigo 1377º CPC.

Poder-se-ia dizer que -- questão igualmente aflorada pela recorrente nas suas doutas alegações da apelação -- a recorrida, ao não exercer o direito de escolha, estaria a abusar do seu direito (artº 334º CPC).
Refere-se, com efeito, no Ac. do STJ de 25/3/99[9] que “existe ainda um outro travão legal, o abuso do direito de escolha. É o princípio do equilíbrio que preside ao direito de escolha e está ínsito na possibilidade de o credor de tornas poder requerer a adjudicação de certas verbas até ao limite do seu quinhão, possibilidade esta introduzida pelo legislador em 1961”.
Cremos, no entanto, que não se está propriamente perante um exercício abusivo de direito, mas apenas perante um simples…. não uso do direito de escolha.
Abuso do direito de escolha poderia eventualmente ocorrer se a recorrida tivesse escolhido bens em termos de afectar o direito de composição da recorrente.
Porém, limitou-se a nada fazer, não obstante a notificação que lhe foi efectuada para os termos do dissposto no artº 1377º CPC.
E sendo assim, então, a solução parece não poder deixar se ser a que o Ac. STJ supra citado prescreveu: “seria então o próprio Tribunal a substituir-se aos licitantes ou devedores de tornas, escolhendo entre as verbas licitadas em excesso as necessárias para preencher o quinhão do credor de tornas”.
Ou seja, exercido, ou não, o direito de escolha, é ao juiz do processo que cumpre averiguar se aquele foi exercido correctamente e, de seguida, tomar a posição que melhor satisfaça o supra aludido equilíbrio de quinhões[10].

Do explanado se vê que, perante a inércia da recorrida, ao não usar do direito de escolha de bens licitados para preenchimento do seu quinhão -- apesar de ter licitado em vários bens que não eram necessários para esse preenchimento --, o próprio Tribunal a quo, atentos os princípios supra expostos, maxime da igualização na participação de cada categoria de bens a partilhar, visando o equilíbrio de quinhões quanto à natureza das verbas que os devem constituir, deveria ter-se substituído à licitante licitante C......................, escolhendo, no seu prudente critério, entre as verbas licitadas em excesso pela mesma, as necessárias para preencher o quinhão da recorrente/credora de tornas (ou seja, sem ultrapassar o mesmo quinhão), fazendo a sua adjudicação e determinando a organização do mapa da partilha em conformidade.
E tais verbas são as nºs 11, 13, 16 e 18, (pois cada uma delas é de valor inferior ao montante de tornas a que a recorrente tem direito).
Assim não fez o Sr. Juiz a quo. Por isso não foi feita boa aplicação da lei, maxime do art. 1377º do CPC.

- Da “sub-questão” suscitada: se o quinhão dos agravantes/apelantes apenas podia ser preenchido com bens licitados pelo interessado que no mapa informativo (fls. 647) figurava como seu devedor de tornas (in casu, o interessado E……………):

É claro para nós que também aqui carece a recorrida de qualquer razão.
É certo que no Mapa Informativo se fez consignar que quem deveria tornar à recorrente F...................... era o interessado E……………..
Agarra-se a recorrida a esse facto para sustentar que, então, nunca lhe poderiam ser retiradas verbas de entre as que licitou para preenchimento do quinhão da recorrente, antes o mesmo apenas com verbas do aludido Veríssimo poderia ser preenchido.
Nada de mais errado, salvo o devido respeito.

Antes de mais, não é espúrio repetir o que já dissemos: a única verba que, de entre as que foram adjudicadas ao Veríssimo, podia ser adjudicada à recorrente era a nº 15 (no valor de 3.000,00 €) -- sob pena de, adjudicando-se-lhe a verba nº 17, então, passar a credora de tornas a devedora … de quantia várias vezes superior às tornas a que tinha direito!
Por isso, continuou a ora recorrente, após a aludida adjudicação, a ser credora de tornas.
Ora, o credor de tornas, havendo licitação de verbas em excesso por outros interessados, pode “requerer que as verbas em excesso ou algumas lhes sejam adjudicadas pelo valor resultante da licitação, até ao limite do seu quinhão “ ( nº2 do artº 1377º CPC).
E pode requerê-lo sempre que “algum interessado tiver licitado em mais verbas do que as necessárias para preencher a sua quota” ( parte inicial desse nº2) -- sublinhado nosso.
Ou seja, a lei não se preocupa nesta sede -- nem tinha de se preocupar-- com quem no Mapa Informativo se indica como o respectivo devedor de tornas. O que importa é saber, apenas, se há algum credor de tornas e se algum interessado licitou em mais verbas do que as necessárias para preenchimento do seu quinhão. Se o houver, então, caso o credor de tornas venha requerer a composição do seu quinhão com as verbas licitadas em excesso, tem de funcionar, sem apelo nem agravo, o mecanismo (correctivo) previsto nos nºs 2 e 3 do artº 1377º: o devedor de tornas é notificado para fazer a escolha das verbas e depois o Juiz -- quer o devedor de tornas tenha ou não usado do aludido direito de escolha -- adjudicará, de entre as verbas em excesso, aquelas que sejam mais adequadas ao preenchimento do quinhão do credor de tornas -- tendo, porém, o cuidado para que não passe esse credor a devedor de tornas.
Portanto, em contraposição ao argumento da recorrida, está a própria letra do nº 2 do artº 1377º CPC: "Se algum interessado tiver licitado em mais verbas do que as necessárias para preencher a sua quota, a qualquer dos notificados é permitido requerer que as verbas em excesso ou algumas lhes sejam adjudicadas pelo valor resultante da licitação, até ao limite do seu quinhão".
Ou seja, a lei fala em "algum interessado (... )" e " (...) qualquer dos notificados (...)".O que, apodicticamente, quer significar que não é apenas dum determinado devedor de tornas que pode ser exigida pelo credor de tornas a composição do seu quinhão com bens por ele licitados em excesso, mas, sim, de qualquer dos devedores de tornas -- a todos eles, em abstracto -- (os sublinhados continuam a ser da noss aautoria).
A indicação feita no Mapa Informativo de quem pagará a quem valerá, sim, para caso de o credor de tornas pretender apenas reclamar o pagamento das tornas. Mas já não vincula o credor no caso de pretender que o seu quinhão seja preenchido com verbas licitadas em excesso: nesta última situação já pode reclamar verbas, em abstracto, de todos os licitantes em excesso.

Pense-se na situação a que se chegaria, v.g., na hipótese de haver 10 verbas a partilhar, das quais A licita em 9 e B licita na outra-- sendo que, não apenas a verba licitada por B excede bastante o montante do seu quinhão, como qualquer das outras verbas (licitadas por A) era suficiente para preenchimento do seu quinhão e qualquer das 8 restantes era de valor inferior ao montante das tornas do interessado C.
No mapa Informativo fez-se constar que B daria tornas a C e A a D.
Ora, pretendendo C a composição do seu quinhão com tornas licitadas em excesso (por A e B) -- requerimento este notificado aos mesmos A e B -- faria algum sentido impedir-se C de ver preenchido o seu quinhão com verbas licitadas em excesso por A, só porque no Mapa Informativo se fez consignar que quem pagava as tornas a A era B e não C?
A B não podia tirar-se a única verba que licitou; e igualmente se não podia obrigar C a ficar sem bens da herança, quando havia muitas verbas licitadas em excesso que serviam para prenchimento do seu quinhão!
A solução não podia deixar de ser a adjudicação a C de verbas licitadas em excesso por A -- depois de, naturalmente, ser concedida a A a possibilidade de fazer a escolha de verbas que tivesse por mais conveniente --, desde que suficientes para o preenchmento do crédito de tornas de C ( não permitindo, porém, repete-se, que, por essa via, C passasse, por sua vez, a ser devedor de tornas).

Não põe, assim, a lei qualquer restrição ao requerimento de preenchimento do quinhão do credor de tornas com verbas licitadas em excesso. Seja quem for o devedor de tornas. Este terá que libertar bens para preencher o quinhão de qualquer um dos interessados que o requeiram e que sejam credores de tornas até ao limite do seu quinhão.

Esta posição já resulta do que atrás ficou dito, quando se referiu que o pedido de composição de quinhões deve ser dirigido em abstracto e não a esta ou àquela verba. Ou seja, é endereçado a todos os devedores de tornas, que licitaram verbas em excesso.
Foi isto que também se sustentou no Ac. STJ, de 29.07.1993, Col. Jur./Acs. STJ, AnoI, T. II,a págs. 166 ss.
Escreveu-se ali, a pág. 168: “Porém, se houver mais de um interessado que tenha licitado em mais verbas do que as necessárias para preencher a sua quota, aquele ou aqueles que tenham direito tornas, não podem pretender que a composição dos seus quinhões seja feita, apenas, com verbas licitadas em excesso por um dos licitantes, ficando os outros com tudo o que licitaram, tendo apenas que pagar tornas.
Não é isso que a lei pretende, nem é isso um justo equilíbrio de interesses.
Havendo, pois, vários interessados que licitaram em excesso, deve o credor de tornas requerer a composição do seu quinhão com verbas não, apenas, de um daquele mas de todos e na proporção dos excessos respectivos.
O mesmo é dizer que o credor de tornas deve requer a composição do seu quinhão, em abstracto, não visando, apenas, as verbas de um dos licitantes, havendo vários.”.

No sentido do aqui sustentado vai, igualmente, o citado Ac. STJ, de 8.11.2005, ao referir que “I - Não é aconselhável que o preenchimento do quinhão do credor de tornas se faça à custa do interessado em que o excesso de licitação seja inferior (art.º 1377 C.P.C.).
II - Deve fazer-se, isso sim, à custa do outro interessado, também devedor de tornas, licitante em mais bens, na falta de escolha por parte deste, e quer haja opção do devedor em tal sentido, ou não.”.
Hipótese que bem se ajusta ao caso presente, já que o excesso de licitação do E…………….. é bem inferior ao da licitante ora recorrida C.......................

Procedem, como tal, as questões suscitadas pela recorrente nas suas doutas conclusões de recurso.

*******************

O provimento do agravo implica a anulação dos actos processuais posteriores ao despacho agravado (de fls. 743 ss), designadamente o mapa de partilha e a sentença que o homologou.
Daí que fique prejudicado o conhecimento da apelação.

CONCLUINDO:
- O artº 1377º do CPC visa, sempre, por via do mecanismo de correcção dos efeitos do excesso de licitações, lograr obter uma partilha igualitária e justa, com o possível equilíbrio entre os bens destinados a preencher cada um dos quinhões;
- o direito de preenchimento do quinhão em bens pelo credor de tornas pressupõe, sempre, que esse crédito derive de licitação excessiva, em pluralidade de verbas.
- Não se exige que as verbas a escolher pelo credor de tornas tenham que ter o valor exacto correspondente ao valor das tornas.
- O pedido de composição de quinhões deve ser dirigido em abstracto e não a esta ou àquela verba. Ou seja, é endereçado a todos os devedores de tornas, que licitaram verbas em excesso.
- A lei não põe (ut artº 1377º CPC) qualquer restrição ao requerimento de preenchimento do quinhão do credor de tornas com verbas licitadas em excesso. Pelo que, independentemente de quem quer que figure no mapa informativo como pagador das tornas do requerente da composição de quinhão, todos os devedores de tornas devem libertar bens licitados em excesso para preencher o quinhão de qualquer um dos interessados que o requeiram e que sejam credores de tornas, até ao limite do seu quinhão.
- Só será legítimo partilhar bens por via da adjudicação em comum de verbas aos interessados, no processo de composição de quinhões, desde que ocorra acordo dos interessados, com expressa manifestação de vontade nesse mesmo sentido.
É que, aceitar-se uma composição do quinhão do não licitante com a adjudicação em compropriedade de verba licitada, seja a requerimento do credor de tornas, seja por iniciativa do juiz, seria aceitar-se uma imposição de compropriedade que contrariaria a finalidade do processo de inventário e o regime do art. 1412º C. Civil.

IV. DECISÃO:

Termos em que acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em:
- Conceder provimento ao agravo, revogando-se o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro em que se faça a adjudicação nos termos que acima se deixaram consignados.
Em consequência, anulam-se os actos processuais posteriores àquele despacho e não se conhece da apelação.

Custas a cargo da agravada/apelada.
Porto, 10 de janeiro de 2008
Fernando Baptista Oliveira
José Manuel Carvalho Ferraz
Nuno Ângelo Rainho Ataíde das Neves
______________
[1] Partilhas Judiciais, vol. II, pág. 287.
[2] É que, tendo licitado em duas verbas e libertando a única verba que podia libertar para o não licitante, atento o seu valor e o valor do crédito de tornas em causa, nunca poderia impedir-se esse licitante de ficar com a outra. E mesmo que -- como ocorreu no caso presente-- o valor dessa verba que escolheu para si excedesse em muito o valor do seu quinhão.
Com efeito, se a lei permite as licitações não pode depois, por outra via, retirar qualquer efeito útil a essas mesmas licitações. É que mesmo que o interessado E……………. licitasse apenas na verba nº 17 ( a que escolheu para si), a admitir-se a possibilidade de vir posteriormente ( por o valor da licitação ter excedido o do seu quinhão) a ser privado desse bem equivaleria a aceitar a perversa situação de negar o direito de licitação a quem, mediante o seu exercício em relação a uma única verba com ela excedesse o montante do seu quinhão!
O que está de todo fora das cogitações do legislador.
Portanto, nada impede -- antes in casu tudo aconselhava (ou, até, impunha)-- que o E……………. ficasse com a verba nº 17, mesmo excedendo em muito o seu quinhão.

Poder-se-ia dizer que sempre poderia essa verba ficar em comum para o E………. e a recorrente.
Só que essa solução está fora dos intentos do legislador, pois de não coaduna com os fins do inventário que é pôr termo à comunhão. É que com essa possível adjudicação de bens em comum, o inventário não atinge, em pleno, o seu fim, que é dividir definitivamente os bens deixados pelo de cujus. Aceitar essa adjudicação em comum de verbas seria assistir-se a uma mera partilha formal de bens -- sem consenso, diga-se -- mantendo de pé a indivisão a que os interessados pretenderam pôr termo precisamente com esse processo. O que na prática mais não é do que fazer transportar para outro processo, de divisão de coisa comum, aquilo que se pretendeu ofuscar, que se traduz na diferente capacidade económica de uns interessados em relação aos outros!
A adjudicação em comum só será admissível no caso de haver acordo dos interessados nesse sentido (vd., entre outros, Acs. do STJ, de 9.5.85 e de 18.10.83, BMJ, 347º-336 e 330º-472, e Acs. da RP e da RC, de 3.3.83 e 25.6.91, CJ, 1983, II, 219 e 1991, II, 96); porém, em sentido contrário, Lopes Cardoso, ob. cit, p. 403 e Ac. da RP, de 20.7.82, CJ, 1982, IV, 216).
Como escreve Lopes Cardoso (ob. cit, p. 405), com o processo de composição de quinhões teve a lei em vista o equilíbrio, a conciliação de dois interesses antagónicos: o dos licitantes por excesso e o dos licitantes por diferença ou não licitantes. A primazia, porém, vai para o direito dos últimos, sendo o direito de escolha dos licitantes um direito de segundo grau. Por isso - continua - este direito “não poderá ser exercido por forma a deixar subsistir a situação pre-existente, que isso seria fraudar a lei e sempre haveria conduta ilícita quando a escolha não alcançasse a finalidade que se buscou atingir ao conceder o respectivo exercício” (idem, Acs. do STJ, de 25.3.99, CJ/STJ; 1999, II, 35 e da RP, de 20.7.82, já citado).
Ainda, neste sentido, os Acórdãos do STJ, de 6/1/77, 2/5/78, 18/10/83, 9/5/85 e 26/4/94, in, respectivamente, BMJ nºs 263º-180, 277º-175, 330º-472, 347º-336 e CJ II-II-67.
A deixar-se subsistir a situação pre-existente acabava-se por defraudar a finalidade da escolha, o que, como diz Lopes Cardoso (ob. e loc. citados), configuraria abuso do direito de escolha.
Veja-se que o próprio artigo 1377º CPC, só por si, já afasta a possibilidade de imposição da composição de quinhões em regime compropriedade de verbas, pois que só permite requerer a adjudicação de verbas em excesso, ou seja verbas por inteiro, e não parte ou quota de alguma dessas verbas. Além de que nos nºs 2 e 3 não se faz qualquer alusão a adjudicação em comum, ao contrário do que expressamente vem referido no n.º 4 do mesmo preceito artigo.
Aliás, veja-se, ainda, que, sendo a compropriedade uma propriedade em comum em que os comproprietários detêm, relativamente à coisa de que são contitulares, direitos de propriedade qualitativamente iguais (art. 1403º C. Civil), a verdade é que o direito de propriedade se adquire por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei, sendo que, também por contrato, se transferem ou constituem direitos reais (contratos com eficácia real) - arts. 1316º e 408º-1 C. Civil.
Não prevê a lei a constituição da compropriedade a não ser por negócio jurídico, ou seja, como previsto no art. 408º-1, por contrato, mediante alienação e correspondente aquisição de quotas.
A lei tem uma aversão pela compropriedade, preocupando-se em assegurar a respectiva liquidação (ut arts. 1410º a 1413º e Oliveira ASCENSÃO, "Direitos Reais", 5ª ed., pág. 269).
Aceitar-se uma composição do quinhão do não licitante (no caso a recorrente) com a adjudicação em compropriedade de verba licitada (no caso, da outra verba licitada pelo E………… -- verba 17), fosse a requerimento do credor de tornas, fosse por iniciativa do juiz, seria aceitar-se uma imposição de compropriedade que, como ficou dito supra, contrariaria a finalidade do processo de inventário e o regime do art. 1412º C. Civil, bem como a regra geral estabelecida no art. 1374º-a) CPC.
Neste sentido, pode ver-se, v.g., os Acórdãos do STJ, de 6/1/77, 2/5/78, 18/10/83, 9/5/85 e 26/4/94, in, respectivamente, BMJ nºs 263º-180, 277º-175, 330º-472, 347º-336 e CJ II-II-67.
Em suma: só será legítimo partilhar bens por via da atribuição em comum de verbas aos interessados, dessa forma compondo os respectivos quinhões, desde que ocorra expressa manifestação de vontade das partes nesse mesmo sentido.
[3] Poder-se-ia sustentar que, sendo o quinhão do devedor E……………. de 43.917,65, a verba que mais se aproximava desse quinhão era precisamente a que libertou (nº 15, no valor de 3.300,00 €), pelo que deveria ser essa a verba que deveria ter escolhido e não a nº 17 (no valor de 90.000,00 €). E, então, já o ora recorrente deixava de ter crédito de tornas excedente, a preencher por via de outras verbas licitadas, como ora pretende fazer.
Tal solução não faz, porém, qualquer sentido.
Não há dúvida que o princípio é o de que o devedor de tornas deverá escolher de entre as verbas em que licitou aquela ou aquelas cujo valor mais se aproxima do valor total da sua quota, ou que mais ligeiramente o ultrapasse.
Assim ensina Lopes Cardoso, in Partilhas Judiciais, v. II, 3ª ed., pág. 401 : “o escopo legal reside na atribuição ao licitante de verbas que preencham quantitativamente a sua quota ou, não sendo possível - como raras vezes o será – as que com menos diferença a excedam”, pelo que “não pode o licitante escolher verbas que excedam em muito o seu quinhão, como lhe fica defesa a escolha restrita a verbas que o não preencham “.
No entanto, não pode esquecer-se outra regra neste domínio, qual seja a de que com essa escolha não deve resultar que, através do mecanismo do artº 1377º/2 CPC, o credor de tornas passe, por sua vez, a constituir-se na obrigação de tornar.
É certo que o artigo 1374º, a) do Código de Processo Civil, embora afirme o princípio de que os bens licitados são adjudicados ao respectivo licitante, não prevê a hipótese de licitação em excesso, consignada no artigo 1377º do mesmo código.
Mas para corrigir essa situação há o aludido artº 1377º, norma esta que contém um mecanismo que permite reduzir as verbas licitadas em excesso ao valor do quinhão do respectivo licitante.
Ou seja, o aludido artº 1377º apenas permite que o credor de tornas possa requerer a adjudicação de verbas em excesso “até ao limite do seu quinhão, não consentindo, pois, que passe a devedor delas” (cfr., ainda, Ac. do STJ 4/12/96, CJ Acs do STJ t. 3, pág. 121 e de 18/11/97, BMJ 471, pág. 401).
Ora, se fosse escolhida pelo E……………. a verba nº 15 e adjudicada à credora de tornas a verba nº 17, passaria esta credora a ser devedora num montante de cerca de …. 85.000,00 € ! O que, obviamente, está, de todo, fora do espírito e da letra da lei.
Por isso, apenas lhe restava dirigir-se para os bens licitados em excesso pela C.......................
[4] Veja-se que a lei fala em “até ao limite do seu quinhão” (cit. artº 1377º/2) -- sublinhado nosso.
[5] In dgsi.pt, nº doc. : SJ200511080030476
[6] Cfr. Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, vol. 2º, p. 399; Do Inventário, p. 231, de Carvalho e Sá; acórdãos do STJ no BMJ n.º 336º, p. 378, na CJ 2001, 2º, p. 87; acórdão publicado na CJ 1979, 4º, p. 1421; acórdão da Relação de Lisboa, na CJ 1988, 1º, p. 131 e da Relação do Porto, sumariado no BMJ 285, p. 374.
[7] Cfr. acórdãos do STJ, na CJ 2001, 2º, p. 87, no BMJ 462, p. 356 e acórdão desta Relação na CJ 1989, 5º, p. 66.
[8] Partilhas, vol. II, pág. 424 e Acs. do STJ de 4-12-96, CJ-STJ, Ano IV, Tomo III, pág. 121 e de 5-6-97, CJ, Tomo II, p.115). Ainda, os Acs. do STJ, de 25.3.99, in CJ/STJ, 1999, II, 35 3 e da RP, de 20.7.82, CJ, 1982, 216).
[9] CJ, Ano VII, t. 2, pág. 37.
[10] Cfr. Ac. do STJ de 5-6-97, no mesmo site.