SOCIEDADE COMERCIAL
PERSONALIDADE JURÍDICA
DISSOLUÇÃO
LIQUIDAÇÃO
Sumário

I – A dissolução da sociedade é a modificação da relação jurídica constituída pelo contrato de sociedade consistente em ela entrar na fase da liquidação do respectivo património, dando-se a cessação gradativa da sua existência, tratando-se, assim, de uma modificação e não da sua extinção, já que, não obstante a sua dissolução, a sociedade conserva a sua personalidade jurídica até ao registo do encerramento da liquidação, continuando, durante a fase da liquidação, temporariamente, a exercer a actividade social, passando, porém, os administradores a ser os liquidatários.
II – Só concluída a liquidação e feito o registo de encerramento desta, cessa a personalidade jurídica da sociedade, só então se podendo considerar extinta, não podendo, então, a sociedade regressar à actividade.
III – Não tendo personalidade jurídica, a sociedade não tem personalidade judiciária (“ut” art. 5º do CPC), não sendo tal falta passível de sanação, maxime ao abrigo do disposto no art. 8º do CPC.
IV – Extinguindo-se a sociedade, com a sua extinção – equiparada à morte civil – não podem os seus (ex) sócios propor acções para defesa de direitos que à extinta sociedade pertenciam, sob pena de se cair no absurdo de poder-se litigar em nome de entidade extinta – sem prejuízo, porém, do estatuído no art. 164º do Cod. das Soc. Com.
V – Por outro lado, tendo a sociedade instaurado uma acção após a sua extinção, nunca pode ter lugar a sua substituição na demanda pelo seu sócio, mediante a respectiva intervenção provocada.
VI – Com efeito, a intervenção principal provocada não visa substituir a parte no processo, pressupondo, assim, que o interveniente acompanhe a parte, como seu associado. E não tendo o associado (a autora) personalidade ou capacidade judiciárias, torna-se impossível que alguém se lhe associe.

Texto Integral

Acordam na Secção Cível do tribunal da Relação do Porto

RELATÓRIO:

“B………., Lda.”, com sede na ………., n.º .., .º, na Póvoa de Varzim, instaurou contra C………. e D………., residentes na rua ………., n.º …, ………., Póvoa de Varzim, acção declarativa de condenação, pedindo seja declarada a resolução do contrato de empreitada entre ambos celebrado e os réus condenados a pagar à autora as quantias que indica.

Os réus contestaram, alegando, além do mais, a excepção dilatória de falta de personalidade judiciária da autora, por virtude de já ter procedido à sua dissolução, bem assim ao registo e publicação do encerramento da liquidação, conforme demonstram pelos documentos juntos a fls. 41 a 44.
Conclui pela absolvição da instância dos réus.

A autora replicou a fls. 50 a 57, requerendo: a substituição por sucessão da sociedade autora pelo único sócio da mesma, atento o disposto no art. 270º al. a) do CPC; e, subsidiariamente, a intervenção nos autos, de acordo com o estipulado nos arts. 269º e 325º do CPC, do seu único sócio, E………., para neles intervir como autor.

Por sua vez, os réus treplicaram nos moldes descritos a fls. 65 a 70, pugnando pelo indeferimento do requerido pela autora.

Por despacho de fls. 84 ss foi decidido:
“a) indeferir liminarmente os incidentes requeridos pela autora;
b) julgar totalmente procedente a excepção dilatória de falta de personalidade judiciária da autora e, em consequência, absolvem-se os réus da presente instância.”.

Inconformada, a autora recorreu, apresentando alegações que remata com as seguintes

“CONCLUSÕES:
1 - A extinção da sociedade comercial e a sua liquidação, não obsta a que subsistam relações jurídicas que anteriormente a tinham tido como sujeito, relações essas reguladas nos artigos 162° a 164° do Código das Sociedades Comerciais em vigor à data da liquidação da sociedade.
2 - Por via desses preceitos legais, os bens que não tiverem sido partilhados, onde se incluem os créditos da sociedade, pertencem aos sócios, que sucedem quanto aos mesmos à "defunta" sociedade, tendo os mesmos legitimidade para propor acções judiciais tendentes a reconhecer e efectivar o direito a esses bens.
3 - Nos presentes autos, quanto ao crédito que a A./Agravante se arroga, verifica-se a sucessão da sua titularidade, para o seu ÚNICO sócio, E………., para ele se transferindo a personalidade judiciária e consequente legitimidade para demandar os aqui R.R./Recorridos por via de sucessão na posição da sociedade extinta.
4 - Para a hipótese de assim não se entender, deve atender-se a intervenção provocada suscitada pela Agravante por se verificarem os pressupostos dos artigos 269° e 325 do C.P.C., visto o interesse e direito do sócio intervir nos presentes autos, para demandar os aqui RR., nos mesmos termos em que a sociedade A. o fez.
5 - Deviam pois os autos ter prosseguido mantendo-se o sócio da Agravante na posição desta, até por obediência aos princípios processuais da ADEQUAÇÃO FORMAL e da ECONOMIA PROCESSUAL que pelo despacho recorrido foram desrespeitados.
6 - Ao não acolher este entendimento, o Acórdão recorrido violou o previsto nos artigos 270° do CPC e 164° do CSC, devendo ser revogado.

NESTES TERMOS e nos mais de direito que possam V. Exas. doutamente suprir, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogado o acórdão ora posto em crise e substituído por outro que mande prosseguir os autos substituindo-se a Agravante pelo seu único sócio na posição de A.”.

Contra-alegaram os réus, sustentando a improcedência do recurso.
Foram colhidos os vistos legais.

II. FUNDAMENTAÇÃO.
II.1. AS QUESTÕES:

Tendo presente que:
--O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do C. P. Civil);
-- Nos recursos se apreciam questões e não razões;
-- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,

as questões suscitadas pela agravante reduzem-se a saber:
- Da natureza e consequências da dissolução e liquidação da sociedade autora;
- Se os sócios da sociedade extinta e liquidada têm legitimidade para propor acções judicias tendentes a reconhecer o direito aos créditos de que a sociedade fosse titular, por sucessão na posição da sociedade extinta e, assim, se para eles se transfere a personalidade judiciária que àquela pertencia;
- Se a sociedade extinta pode requerer a sua substituição na demanda pelo seu único sócio, requerendo a respectiva intervenção provocada.

II.2. OS FACTOS:

A factualidade a ter em conta é a supra descrita que, como tal, nos dispensamos de repetir.

III. O DIREITO:

Apreciemos, então, as questões suscitadas pela agravante nas conclusões das suas doutas alegações de recurso.

. Primeira questão: da natureza e consequências da dissolução e liquidação da sociedade autora:

Antes de mais, cumpre, então, esclarecer conceitos, para que a situação que os autos patenteiam seja melhor perceptível.
Como emerge da factualidade assente nos autos, por escritura pública datada de 14 de Junho de 2006, o sócio e gerente da autora procedeu à dissolução da sociedade (cfr. doc. de fls. 41 a 43).
Usou-se, de facto, de uma das formas legalmente previstas no Cód. Soc. Comerciais para a dissolução das sociedades (artº 141º-1-b) e 145º-1, ambos do CSC -- diploma a que nos referiremos sempre que outra menção se não faça).

Pergunta-se, então: em que posição fica a sociedade com a sua (mera) dissolução?
Raul Ventura[1] escrevia que num sentido restrito, dissolução das sociedades entende-se como o acto pelo qual se determina a extinção da sociedade. Num sentido amplo, que é o corrente, é todo o período que vai desde o acto que determina a extinção das sociedades até ao seu completo desaparecimento, isto é, até ao final da partilha.
De forma mais sintética e expressiva, diz o mesmo autor[2] que a dissolução é a modificação da relação jurídica constituída pelo contrato de sociedade consistente em ela entrar na fase da liquidação.
Já Pinto Furtado[3] diz que a dissolução da sociedade é a cessação gradativa da sua existência, através da liquidação do respectivo património, com satisfação do passivo e final partilha do resíduo pelos sócios.
Daqui se vê que a dissolução é uma mera modificação da situação jurídica da sociedade que se caracteriza pela sua entrada em liquidação; trata-se de uma modificação e não da sua extinção. É que, não obstante a sua dissolução, a sociedade conserva a sua personalidade jurídica até ao registo do encerramento da liquidação (ut artº 160º, nº2)[4].
À deliberação ou declaração judicial de dissolução deve seguir-se, igualmente, a escritura pública e registo de dissolução -- o que se verificou com a autora, como melhor veremos.

Portanto, a dissolução da sociedade é coisa completamente diferente da sua extinção. Trata-se, como reforça Pinto Furtado[5], da cessação, mas progressiva, da sua existência, acompanhada de liquidação do seu património, satisfação do passivo e destinação do resíduo.
Temos, por isso, um fenómeno que não é individual, mas instantâneo. “A sociedade dissolvida não está extinta desde logo, mas começa tão-somente a extinguir-se, como numa lenta agonia, segundo a conhecida metáfora de José Tavares”[6].
Assim, dissolvida a sociedade, esta fica tendo existência jurídica, embora apenas para a liquidação do seu património e partilha do resíduo pelos sócios (cfr. arts. 146º ss).

E que dizer quanto à situação jurídica da sociedade em liquidação?
A sociedade em liquidação mantém a personalidade jurídica até ao encerramento da liquidação (arts. 146º-2, e 160º-2)[7].
Por isso, apesar de ser decretada a sua dissolução, a sociedade continua, durante a fase da liquidação, temporariamente, exercer a actividade social, mesmo que tal implique a conclusão de novos negócios ou a contratação de empréstimos necessários à efectivação da liquidação (ut artsº 152º-2-a) e b)).
Os órgãos da sociedade em liquidação são os mesmos existentes à data da dissolução, exceptuando os administradores, que passam a ser os liquidatários (artsº 146º-2, e 151-1), com os deveres, poderes e responsabilidades referidos no artº 152º.

Feita a liquidação, os liquidatários devem requerer o registo de encerramento da liquidação, que marca o termo de personalidade jurídica da sociedade (artº 160º CSC e artº 3º, al. s), do C.R.C.).
Anote-se, aqui, que após o encerramento da liquidação e extinção da sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha (artº 163º-a). Esta responsabilidade, porém, prescreve no prazo de 5 anos a contar do registo da extinção (artº 174º-3).
O certo é, porém, que só no termo do processo de liquidação, através do registo do seu encerramento, é que a sociedade se considerará extinta (cit. artº 160º-2).

Perguntar-se-á, então: pode a sociedade regressar à actividade após o registo do seu encerramento?
É claro que não.
É certo que o artº 161º do CSC prevê o regresso da sociedade à sua actividade. Mas parece óbvio que tal só poderá ocorre enquanto a sociedade estiver… viva, não extinta.
Escreve Miguel Pupo Correia[8] que “a spes refectionis que informa todo o regime da dissolução e liquidação das sociedades comerciais, está também na base da previsão legal da possibilidade de os sócios deliberarem revivificar a sociedade, restituindo-lhe a plenitude da actividade e das suas potencialidades.
Questão é que a sociedade ainda exista, isto é, que ainda haja condições materiais e jurídicas para funcionar. Assim, não pode retomar-se a actividade, sem margem para dúvidas, após o registo estar feito, depois de concluídas as partilhas, isto é, após ter sido repartido pelos sócios o activo remanescente do pagamento do passivo.
Não diz o CSC, mas di-lo o artº 1019º, nº1, do C. Civ., aqui aplicável subsidiariamente”-- sublinhado nosso.

Também Pinto Furtado[9] ensina que, sendo -- como já acima ficou salientado --a dissolução um processo gradativo de extinção, ficou assim aberto o caminho para se admitir que a todo o tempo, “antes do acto final de extinção”, se possa pôr termo ao processo dissolutivo, regressando a sociedade à sua actividade normal. É que, no plano da dogmática, não será a dissolução a opor, por si, barreira intransponível ao que costuma designar-se de revogação da liquidação[10].

Estes conceitos são absolutamente essenciais para a compreensão da questão central objecto do agravo.
Com efeito, em causa está, afinal, saber se a autora podia demandar um seu cliente para ressarcimento de uma alegada dívida emergente de um contrato de empreitada celebrado antes da dissolução da sociedade.
Ora, o que os autos mostram é que a acção é instaurada em 2007 (cfr. fls. 2), ou seja, muito depois da dissolução e, mesmo, do registo do encerramento da liquidação.

Como dissemos supra, se é certo que, não obstante a dissolução (que ocorreu por escritura pública, na sequência de deliberação do seu único sócio), e porque esta é um processo gradativo de extinção, podia a sociedade Autora, a todo o tempo, pôr termo a tal processo dissolutivo e regressar à sua actividade normal, não é menos certo que, como igualmente ficou dito, tal só é possível “antes do acto final de extinção”, o qual ocorre com “o registo da liquidação” (artº 160-2). Registo esse que operou através da inscrição registral de 2006.06.26 (cfr. doc. fls. 44).
Com este registo, a sociedade deixou de existir, por falta de condições, não apenas materiais, mas jurídicas para funcionar.
E não pode dar-se vida (jurídica) ao que....já não existe juridicamente!

Daí que, como bem anotam os agravados, extinta a pessoa colectiva com o aludido registo, nessa data igualmente se extingue o mandato conferido, a fls. 30, ao subscritor da presente demanda. E esta irregularidade do mandato obviamente que não é susceptível de sanação, pois a sociedade morreu e tendo morrido não pode… renascer para efeitos de intervenção em juízo. Como vimos, com o registo de encerramento da liquidação terminou a personalidade jurídica da sociedade (cits. artº 160º CSC e artº 3º, al. s), do C.R.C.). E não tendo personalidade jurídica não tem personalidade judiciária, isto é a susceptibilidade de ser parte (ut artº 5º CRC). E, obviamente, tal falta de personalidade judiciária não é nom caso sub judice passível de sanação (ao abrigo do disposto no artº 8º CPC).

. Segunda questão: se os sócios da sociedade extinta e liquidada têm legitimidade para propor acções judicias tendentes a reconhecer o direito aos créditos de que a sociedade fosse titular, por sucessão na posição da sociedade extinta e, assim, se para eles se transfere a personalidade judiciária que àquela pertencia:

É evidente que tal legitimidade não ocorre.
Com efeito, em causa não está -- como já claramente emerge do referido supra -- uma questão de legitimidade. Esta é o interesse directo em demandar e o interesse directo em contradizer (ut artº 26º CPC).
O que está em causa é, sim, uma questão prévia: a carência de personalidade judiciária da autora.
Na verdade, com a extinção da sociedade, esta deixou de ter a possibilidade de ser titular de direitos e obrigações[11]. Deixou, assim, de poder ser parte em juízo, como autora ou como ré[12].
E não tendo personalidade judiciária, obviamente que também não pode ter capacidade judiciária: não pode “estar, por si, em juízo” (artº 9º-1 CPC) quem nem sequer tem “susceptibilidade de ser parte” (cit. artº 5-1 CPC).
Como escreve Pais do Amaral[13], “só pode ser parte quem tenha personalidade judiciária; porém, quem tenha personalidade judiciária, necessita ainda de ter capacidade judiciária para poder estar, por si, em juízo através dos seus representantes”.

Ora, não existindo a sociedade autora, não pode o seu ex-sócio (o seu único sócio) propor acção para defesa de direitos que à extinta sociedade pertenciam.
É certo que existe o artº 162º, citado pela agravante.
Acontece, porém, que-- como se vê do seu título, tal preceito vale tão somente para as “acções pendentes”, ali se prescrevendo que “as acções em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163º, nºs 2,4 e 5, e 164º nºs 2 e 5”.
Ora, a presente demanda não estava “pendente” aquando do registo de encerramento da liquidação que extinguiu a sociedade, pondo fim à respectiva personalidade jurídica. E não o estando, é inaplicável o aludido artº 162º -- não podendo, assim, a sociedade extinta, defunta, ser substituída, por quem quer que seja no decurso da demanda -- , ao contrário do que pretende a agravante.
E mesmo para a proposição das acções referida no artº 164º, quem as pode propor são… os sócios ou os liquidatários, nunca a sociedade (extinta).

Uma curiosidade se impõe consignar: pela presente acção pretende a sociedade autora exigir dos réus a satisfação de um direito de crédito que alega ter sobre eles, decorrente do incumprimento de um contrato de empreitada.
Acontece, porém, que na escritura de dissolução da sociedade, o seu único sócio -- o mesmo que a autora pretende venha agora a substituí-la (!) na demanda, requerendo a autora o seu chamamento -- declarou que “a sociedade não tem activo nem passivo”.
Ora, sem não tem activo, não se compreende a presente demanda, pois com ela pretende-se precisamente a satisfação de um activo (um crédito sobre os réus)!
Igualmente, se não tem activo nem passivo, obviamente que não pode pretender transmitir ou ceder!
A não ser que se possa transmitir… o que se não tem!

. Terceira questão: se a sociedade extinta pode requerer a sua substituição na demanda pelo seu único sócio, requerendo a respectiva intervenção provocada:

A resposta a esta questão não pode deixar de ser negativa, como já emerge da resposta à anterior questão.
Efectivamente, tendo ocorrido a extinção da sociedade numa altura em que a presente demanda ainda não havia sido instaurada, nunca pode ter lugar a substituição da sociedade pelo seu (único) sócio. A sociedade já estava extinta (com o registo do encerramento da liquidação) e, como tal, desprovida de personalidade jurídica e judiciária. E quem não pode, sequer, ser parte numa demanda, obviamente que não pode transmitir qualquer posição (que não tem!) nessa mesma demanda.
Daí que a intervenção (principal) do sócio da autora, por esta requerida, não tem qualquer viabilidade. É que, como é óbvio, a intervenção principal provocada não visa substituir a parte no processo, pressupondo, assim, que o interveniente acompanhe a parte, como seu associado.
E não tendo o associado (a autora) personalidade ou capacidade judiciárias, torna-se impossível que alguém se lhe associe!
O artº 325º -1 CPC -- em que a agravante sustenta o aludido chamamento -- é claro ao prescrever que “qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária”.

Vimos que a falta de personalidade judiciária da autora não é passível de sanação, sendo, assim, insuprível, e, como tal, está fora dos poderes/deveres do tribunal de adequação formal e outros de natureza idêntica. O que leva necessariamente a que o tribunal não possa, de facto, deferir os incidentes requeridos pela autora a fls. 55-56, previstos nos art. 270º al. a), e 269º e 325º do CPC.
E vimos, também, que o art. 162º não tem aplicação ao caso dos autos e, assim, jamais com base nesse normativo se poderia operar uma modificação subjectiva da presente instância, designadamente aquela que é pretendida pela autora. É que, tal normativo tem como pressuposto que a extinção da sociedade ocorre na pendência da acção e não antes desta ser interposta. Só que o vício existente nos presentes autos -- decorrente da extinção da sociedade -- já há muito que se verificava quando a agravante instaurou a acção.

Não há, por isso, sucessão possível nesta demanda, já que tal sucessão teria como pressuposto que a demanda tivesse sido instaurada “legitimamente” pela autora, o que não ocorreu.
A tal propósito, observam pertinentemente os agravados: “O absurdo da presente demanda advém do facto de se litigar em nome de entidade extinta, extinção essa equiparada à morte civil, pelo que, para se avaliar do absurdo da demanda, bastaria configurar o absurdo de alguém que após a morte pretendia exercer um qualquer direito em tribunal”

E nunca podia ser deferido o incidente de intervenção de terceiro requerido pela agravante. É que, como resulta de todo o supra explanado, e bem se acentua no despacho recorrido, o incidente previsto no art. 325º do CPC de forma alguma pode destinar-se a suprir a falta de personalidade judiciária, antes se refere a problemas relacionados com a legitimidade processual e, mesmo em relação esta, nunca permite a substituição de uma parte por outra, mas apenas o suprimento da ilegitimidade proveniente de litisconsórcios necessários ou voluntários.

Por isso, nada há a censurar ao despacho recorrido. É que, sendo a falta de personalidade judiciária da autora uma excepção dilatória insuprível (no caso, sub judice), cremos, salvo melhor opinião, que a correcta decisão a tomar não podia deixar de ser o indeferimento dos incidentes requeridos pela autora e a absolvição dos réus da instância (ut arts. 288º, n.º 1, al. c), 493º, n.º 2, 494º, al. c), e 495º, todos do CPC).

Assim claudicam todas as conclusões das doutas alegações da agravante.

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CONCLUINDO:
. A dissolução da sociedade é a modificação da relação jurídica constituída pelo contrato de sociedade consistente em ela entrar na fase da liquidação do respectivo património, dando-se a cessação gradativa da sua existência.
. Trata-se, assim, de uma modificação e não da sua extinção, já que, não obstante a sua dissolução, a sociedade conserva a sua personalidade jurídica até ao registo do encerramento da liquidação, continuando, durante a fase da liquidação, temporariamente, a exercer a actividade social, passando, porém, os administradores a ser os liquidatários.
. Só concluída a liquidação e feito o registo de encerramento da liquidação, cessa a personalidade jurídica da sociedade, só então se podendo considerar extinta, não podendo, então, a sociedade, regressar à actividade.
. Não tendo personalidade jurídica, a sociedade não tem personalidade judiciária (ut artº 5º CRC), não sendo tal falta passível de sanação, maxime ao abrigo do disposto no artº 8º CPC.
. Extinguindo-se a sociedade, com a sua extinção -- extinção esta equiparada à morte civil --, não podem os seus (ex) sócios propor acções para defesa de direitos que à extinta sociedade pertenciam, sob pena de se cair no absurdo de poder-se litigar em nome de entidade extinta -- sem prejuízo, porém, do estatuído no artº 164º CSC.
. Por outro lado, tendo a sociedade instaurado uma acção após a sua extinção, nunca pode ter lugar a sua substituição na demanda pelo seu sócio, mediante a respectiva intervenção provocada.
. É que, a intervenção principal provocada não visa substituir a parte no processo, pressupondo, assim, que o interveniente acompanhe a parte, como seu associado. E não tendo o associado (a autora) personalidade ou capacidade judiciárias, torna-se impossível que alguém se lhe associe.
. Dito de outra forma: o incidente previsto no art. 325º do CPC de forma alguma pode destinar-se a suprir a falta de personalidade judiciária, antes se refere a problemas relacionados com a legitimidade processual e, mesmo em relação a esta, nunca permite a substituição de uma parte por outra, mas apenas o suprimento da ilegitimidade proveniente de litisconsórcios necessários ou voluntários.

3. DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao agravo, mantendo a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Porto, 27 de Março de 2008
Fernando Baptista Oliveira
José Manuel Carvalho Ferraz
Nuno Ângelo Rainho Ataíde das Neves


[1] Sociedades e Empresas Comerciais, 631.
[2] Comerciais. Dissolução e liquidação, I-13
[3] Cód. Comercial Anotado, 1º, pág. 317
[4] Veja-se Rosário Palma Ramalho, Sobre a dissolução das sociedades anónomas.
[5] In Curso de Direito das Sociedades, Almedina, 2ª ed., a pág. 333
[6] Pinto Furtado, Curso…., pág. 333, citando José Tavares in sociedades e empresas comerciais, 1924, 631.
[7] Cfr. Ac. S.T.J., de 2.7.1996 (Ramiro Vidigal), in Col. Jur., 1996, II, pág. 157.
[8] In Direito Comercial, 4ª ed., pág. 495.
[9] Curso,….pág. 343.
[10] Sendo certo que, como salienta Pinto Furtado, ob. e loc.cits., podem suscitar-se objecções de outra ordem, sendo certo que o tema tem sido muito debatido na doutrina estrangeira, sem que haja consenso quanto à solução a dar (Cfr., v.g., Ferri, For. It., 1950, I, p. 209; Graziani, La società per azioni, 1963, pp. 253 e segs.; Ponzio, La Extinzioni, della società per azioni, 1959, pp. 25 ss e 127 ss.
[11] Castro Mendes, Direito Civil, Teoria Geral, 1978-I-169.
[12] Ver, ainda, A, Reis, Comentário, 1º-23º; e Manuel de Andrade, Lições de Proc. Civil., Moreno, Seco e Junqueiro a pág. 99.
[13] Direito Processual Civil, Almedina, 6ª ed., pág. 82.