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EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
VISTORIA AD PERPETUAM REI MEMORIAM
CONTRIBUIÇÃO AUTÁRQUICA
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário
1. O relatório da vistoria ad perpetuam rei memoriam, apesar da sua importância probatória acrescida – no tocante a factos cuja observação posterior deixou de ser possível em virtude das alterações sofridas no imóvel expropriado – não faz prova plena dos factos dele constantes, não estando o tribunal impedido de considerar provados factos diferentes desses, se tal realidade decorrer, com razoável segurança, de outros meios de prova. 2. A norma d art. 23º nº 4 do C.Exp é inconstitucional, por violar o princípio da igualdade fiscal e o princípio da justa indemnização.
Texto Integral
PROC. N.º 5972/07-2
REL. N.º 518
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
I. RELATÓRIO
Por despacho n.º 6073-C/2004 (2ª Série), de 26 de Fevereiro de 2004, do Exmo. Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas, publicado no D.R. n.º 73, II Série, de 26 de Março de 2004, foi declarada a utilidade pública e atribuído carácter de urgência à expropriação da parcela de terreno, a seguir identificada, por ser indispensável à construção da Obra “A 11/IP 9 – Braga / Guimarães / A4/IP4 – Sublanço Lousada ( IC 25 ), EN 15- IP 4/A4, Km 9+159,36 ao km 12+925” e, consequentemente, autorizada a posse administrativa :
- parcela n.º 152-A, com a área a expropriar de 1.680 m2, que constitui a área total de um prédio, sito no ……….., descrito na matriz predial rústica sob o artigo 593º, da freguesia de ……….., que confronta a Norte e Nascente com B……………, a Sul com EN n.º 320-1 e a Poente com o próprio.
Foi realizada a vistoria ad perpetuam rei memoriam e apresentado o respectivo relatório, conforme resulta de fls. 27 e seguintes.
Em 02.06.2004 a entidade expropriante, EP – Estradas de Portugal, EPE, tomou posse administrativa da parcela (cfr. fls. 22/23 ).
Procedeu-se à arbitragem perante a entidade expropriante, tendo os árbitros, por unanimidade, fixado o valor total da indemnização devida pela expropriação da parcela em € 19.958,40 (cfr. fls. 4/6).
Efectuado o depósito da indemnização arbitrada, foi adjudicada à entidade expropriante a propriedade da referida parcela (fls. 52), tendo sido ordenada, igualmente, a notificação da decisão arbitral.
Da decisão arbitral recorreram os Expropriados.
No seu recurso, os Expropriados referiram, em resumo, que, apesar de concordarem com a classificação do solo defendida pelos Srs. Árbitros, dever-se-iam ter em linha de conta outros critérios para avaliação da parte expropriada, e terminaram pedindo que a indemnização global relativa à parcela expropriada fosse fixada em € 171.864,00.
A fls. 76 e seguintes, veio a Entidade Expropriante pugnar pela improcedência do recurso interposto.
Procedeu-se à avaliação, tendo sido apresentado um laudo, sendo que os Srs. Peritos nomeados pelo Tribunal e indicado pelos Expropriados preconizaram que o valor da indemnização deveria ser fixado em € 80.125,26, e o Sr. Perito indicado pelo Entidade Expropriante defendeu que a indemnização deveria situar-se em € 21.440,93.
Foram ouvidos os Srs. Peritos, em audiência, a solicitação da Entidade Expropriante.
Após notificação, a Expropriante e os Expropriados apresentaram as suas alegações.
Por fim, foi proferida a sentença que, julgando parcialmente procedente o recurso interposto pelos expropriados, fixou a indemnização em € 80.125,26, actualizável de acordo com o índice de preços no consumidor, em vigor na região Norte, desde a data da declaração de utilidade pública até ao trânsito em julgado da decisão final, nos termos do art. 24º, nºs 1 e 2 do Código das Expropriações de 1999 – cfr. fls. 176.
A expropriante não se conformou e recorreu.
O recurso foi admitido como sendo de apelação, com efeito devolutivo – cfr. fls. 189.
Na motivação do recurso o apelante bate-se pela revogação do julgado, concluindo do modo que segue:
1. Efectuada a vistoria ad perpetuam rei memoriam, dela são notificados os expropriados para apresentarem reclamação contra o seu conteúdo, querendo (cfr. art. 21º, n.º 7, do CE); e havendo irregularidades cometidas no procedimento expropriativo, nomeadamente na convocação ou na realização da vistoria ad perpetuam rei memoriam, deve o expropriado arguir essas irregularidades nos termos e prazos do art. 54º do CE.
2. Não se verificou, nos autos, nem uma nem outra das situações.
3. O objecto da expropriação é, assim, o que resulta da DUP e da vistoria ad perpetuam rei memoriam.
4. A decisão recorrida emparelha com uma corrente jurisprudencial que reduz o objecto da vistoria ad perpetuam rei memoriam à alínea a) do n.º 4 desse preceito, que distorce o alcance da vistoria ad perpetuam rei memoriam e que altera o objecto da arbitragem e adultera o objecto do recurso da decisão arbitral.
5. A vistoria ad perpetuam rei memoriam define o objecto da expropriação.
6. A arbitragem define o valor do objecto da expropriação ou da indemnização devida por tal objecto, mas não define esse objecto.
7. Os elementos do processo (a vistoria ad perpetuam rei memoriam) impõem, por isso, resposta diversa da que se encontra consignada sob a alínea d) dos factos provados da sentença, insusceptível de ser destruída por quaisquer outros meios de prova, devendo tal concreto ponto da matéria de facto ser alterado, suprimindo-se a referência à rede de energia eléctrica em baixa tensão e rede de telefone (art. 712º, n.º 1, al. a) do CPC).
8. O primeiro reflexo da modificação da matéria de facto é justamente este: inexistindo as ditas infra-estruturas, não pode manter-se a decisão recorrida no que à percentagem fixada no âmbito do n.º 6 do art. 26º do CE se refere, pela razão simples de que tal decisão pressupôs a existência daquelas.
9. O segundo reflexo da modificação da matéria de facto é este: inexistindo as ditas infra-estruturas, não pode manter-se a decisão recorrida no que à percentagem fixada no âmbito do n.º 7 do art. 26º do CE se refere, pela razão simples de que tal decisão pressupôs a existência daquelas.
10. Mas não podendo tais infra-estruturas ser consideradas, porque não integram o objecto da expropriação tal como o processo expropriativo o consagra e foi objecto da decisão arbitral, então é inquestionável que terá que ser considerada quer uma percentagem de agravamento por essas concretas especiais condições do local, quer outra derivada da necessidade de se proceder ao reforço das infra-estruturas.
11. Existindo uma tão grande divergência entre o objecto expropriado e o objecto apreciado pela sentença e avaliado na posição maioritária dos peritos, é manifesto que o índice de construção considerado também não merece qualquer crédito.
12. A decisão recorrida violou, portanto, por erro de interpretação e aplicação, o disposto no art. 26º, nºs 4, 6, 7, 8 e 9, devendo ser revogada.
13. A interpretação constante da decisão recorrida, no que à norma do art. 23º, n.º 4 do CE se refere, é contra legem, sendo inadmissível; ainda que houvesse “benefício” da entidade expropriante, este é, por força da lei, estranho à determinação da justa indemnização (cfr. art. 23º, n.º 1, primeira parte, do CE), é irrelevante.
14. Por outro lado, a interpretação restritiva que é feita, essa sim, conduz ao absurdo: no caso de o município ser o expropriante, ele ficaria com o bem expropriado e com o rendimento desse bem, quando o pressuposto do tributo é que o bem não seja do município; era como se o locatário, após entregar o locado ao senhorio, ainda lhe pagasse as rendas, ou que o mutuário entregasse o dinheiro ao mutuante e continuasse a pagar-lhe juros quando já tivesse devolvido o capital!
15. A interpretação efectuada não tem na letra da lei qualquer correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expressa, pelo que a decisão recorrida ultrapassou o limite interpretativo constante do art. 9º, n.º 2, do CC, que por isso foi violado, tal como, por consequência, o disposto no art. 23º, n.º 1, 1ª parte e corpo de tal norma, do CE.
16. A perícia não determinou o valor da dedução a que se refere o art. 23º, n.º 4, do CE.
17. Não fornecendo a peritagem elementos bastantes para se poder decidir com segurança segundo as várias soluções plausíveis, a situação é semelhante à de serem deficientes as respostas aos quesitos, sendo de aplicar o disposto no art. 712º, n.º 2, do CPC (Ac. Rel. Porto, de 8/1/92, in BMJ n.º 418, pág. 859).
18. Se a peritagem não fornece esses elementos, impõe-se a sua anulação para ampliação da matéria de facto (cfr. Ac. Rel. Porto, de 21/7/90, in BMJ n.º 398, pág. 582), devendo ordenar-se que a mesma seja efectuada tendo como pressuposto o objecto da expropriação, tal como ele resulta definido pelo processo expropriativo e, desde logo, pela vistoria ad perpetuam rei memoriam e que observe também a norma imperativa constante do artigo 23º, n.º 4, do CE.
Não houve contra-alegações.
Foram colhidos os vistos legais.
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Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do recorrente – arts. 684º, n.º 3 e 690º do CPC – as questões em debate são:
a) Deve ser eliminada a alínea d) dos factos provados?
b) Deve, em consequência, ser modificada a percentagem fixada no âmbito dos nºs 6 e 7 do art. 26º?
c) Deve ser considerada, ainda em consequência, uma percentagem de agravamento, nos termos dos nºs 8 e 9 do art. 26º?
d) Não foi correctamente avaliado o índice de construção?
e) A decisão recorrida violou o disposto no art. 23º, n.º 4?
f) Deve ser anulada a perícia e ampliada a matéria de facto?
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II. FUNDAMENTAÇÃO
A. OS FACTOS
A 1ª instância considerou provados os seguintes factos:
a) Por despacho n.º 6073-C/2004, de 26/02/2004, do Exmo. Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas, publicado no D.R. n.º 73, II Série, de 26 de Março de 2004, foi declarada a utilidade pública e atribuído carácter de urgência à expropriação da parcela de terreno, a seguir identificada, por ser indispensável à construção da Obra “A 11/IP 9 – Braga / Guimarães / A4/IP4 – Sublanço Lousada ( IC 25 ), EN 15- IP 4/A4, Km 9+159,36 ao km 12+925” e, consequentemente, autorizada a posse administrativa:
- parcela n.º 152-A, com a área a expropriar de 1680 m2, que constitui a área total de um prédio, sito no ………….., descrito na matriz predial rústica sob o artigo 593º, da freguesia de ……….., omisso na Conservatória do Registo Predial de Lousada, que confronta a Norte e Nascente com B……………, a Sul com EN n.º 320-1 e a Poente com o próprio.
b) A parcela insere-se em “Zona de Ocupação Urbana – Zona de Expansão de Aglomerados, Média Densidade” de acordo com o Plano Director Municipal de Lousada, publicado na 1ª Série B do Diário da República n.º 82/94, de 08/04/1994.
c) A parcela – e o prédio – tem uma forma poligonal e aproximadamente triangular, consubstanciando um terreno relativamente plano, no qual existe mato e vegetação espontânea, sem qualquer espécie arbórea, constituído por misturas saibro-argila, não existindo significativos afloramentos rochosos.
d) A parcela confronta com a estrada numa extensão de 48 metros – pavimentada – sendo que possuiu, junto daquela, rede de energia eléctrica em baixa tensão e rede de telefone.
e) O prédio dista cerca de 1000 metros do centro urbano e cívico da freguesia de ………., onde se situam os equipamentos públicos e está a cerca de 160 metros do entroncamento da EN 320-1 com a EN 15.
f) Na envolvente existe o aglomerado urbano das “C………..”, da freguesia de …………, concelho de Amarante, existindo edifícios de comércio e habitação, colectiva, edifícios destinados a indústria e serviços (estaleiros e escritórios de empresas de construção civil, jardinagem, alumínios, materiais de construção, restauração e bebidas);
g) Inexistem junto da parcela focos de poluição significativos.
B. O DIREITO
a)
A primeira questão suscitada pelo apelante obriga a que nos debrucemos sobre o conceito da vistoria ad perpetuam rei memoriam, bem como sobre a sua função e relevância probatória.
Esta vistoria destina-se, como a própria designação indica, a fixar os elementos de facto susceptíveis de desaparecerem e cujo conhecimento seja de interesse ao julgamento do processo – art. 20º, n.º 1, al. c). Aquilo que a torna imprescindível, é o facto de a coisa expropriada, normalmente, sofrer transformações logo a seguir à investidura administrativa na posse do bem a expropriar[1].
O auto de vistoria ad perpetuam rei memoriam deve descrever pormenorizadamente o objecto da expropriação, designadamente as construções existentes, as características destas, a época da sua edificação, o seu estado de conservação, com menção expressa de todos os elementos susceptíveis de influírem na avaliação dos bens vistoriados para efeitos de fixação da justa indemnização – art. 21º, n.º 4.
É este o conteúdo genérico do auto de vistoria ad perpetuam rei memoriam. Nele se englobam, portanto, todos os elementos necessários às decisões que os árbitros e o tribunal irão proferir num momento em que a situação do bem expropriado poderá estar profundamente alterada em consequência da realização de obras[2].
Do relatório da vistoria pode reclamar o expropriado e demais interessados, de acordo com o disposto no n.º 7 do mesmo artigo 21º.
Mas, se não houver reclamação dever-se-á considerar definitivamente fixado o que constar do auto de vistoria? E, sendo assim, deverá excluir-se da matéria de facto provada a alínea d), de acordo com o disposto no art. 712º, n.º 1, al. a), do CPC?
O relatório de vistoria ad perpertuam rei memoriam não constitui prova definitiva sobre todos os elementos de facto dele constantes. De facto, não se tratando – como se não trata – de um documento autêntico, o relatório da vistoria não produz prova plena dos factos reportados[3].
É, no entanto, verdade que a função e indispensabilidade da vistoria a.p.r.m. lhe conferem uma importância probatória acrescida, no confronto com outros meios de prova, pelo menos no tocante aos factos cuja observação posterior deixou de ser possível em virtude das alterações sofridas no imóvel a expropriar.
Todavia, isso não impede o tribunal de considerar provados factos não descritos no relatório da vistoria ad perpetuam rei memoriam, desde que tais realidades decorram, com razoável segurança, de outros meios de prova, nomeadamente, prova testemunhal, pericial ou documental (fotográfica, topográfica, etc), no âmbito do princípio da livre apreciação da prova e de acordo com as regras que regulam as provas – v. arts. 368º, 389º e 396º do CC.
No caso em apreço, o auto de vistoria a.p.r.m. (fls. 27/28) refere não existir qualquer infra-estrutura na estrada nacional 320-1, que confronta com a parcela a expropriar pelo lado sul.
Todavia, quatro dos cinco peritos que realizaram a avaliação de fls. 98 e seguintes referiram a existência de redes públicas de electricidade e telefone na estrada nacional 320-1. Só o perito do expropriante respondeu negativamente a essa questão, baseando-se num aspecto meramente formal: o de o auto de vistoria ad perpetuam rei memoriam não mencionar nenhuma das referidas infra-estruturas (v. fls. 105).
Cremos, pois, que não merece qualquer censura o julgamento que o tribunal recorrido fez sobre esse particular aspecto da decisão da matéria de facto, devendo manter-se a citada alínea d).
Ao contrário do que sustenta o recorrente, a inserção desse facto no rol dos factos provados não põe em causa o objecto da expropriação, cuja definição está bem expressa na alínea a). No que ele releva é na determinação do valor da parcela – cfr. arts. 25º e 26º, n.º 7, als. e) e i) do CE.
b)
A segunda questão está prejudicada pela solução que se deu à anterior.
Vejamos:
Diz o art. 26º, n.º 6, do CE que “num aproveitamento economicamente normal, o valor do solo apto para a construção deverá corresponder a um máximo de 15% do custo da construção, devidamente fundamentado, variando, nomeadamente, em função da localização, da qualidade ambiental e dos equipamentos existentes na zona, sem prejuízo do disposto no número seguinte”.
O n.º 7 do mesmo artigo, refere que a percentagem fixada nos termos no n.º 6 pode ser acrescida até ao limite das percentagens fixadas nas várias alienas daquele. As alíneas e) e i) do n.º 7 aludem, respectivamente, à rede de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão e à rede telefónica, apontando a percentagem máxima de 1%, nos dois casos.
Os Senhores Peritos fixaram a percentagem de 10%, ao abrigo do n.º 6 do art. 26º, e aditaram-lhe as percentagens de 1,5% (acessos em betuminoso), 1% (rede de energia eléctrica em baixa tensão) e 1% (rede de telefones).
O facto da alínea d), a ser eliminado, interferiria com o valor total da percentagem, que ficaria reduzido a 11,5%.
Porém, mantendo-se, pelas razões que já se expuseram, a materialidade constante dessa alínea, este segmento do recurso também não pode proceder.
c)
O n.º 8 do art. 26º, semelhante ao n.º 4 do art. 25º do Código antecedente, prescreve que “se o custo da construção for substancialmente agravado ou diminuído pelas especiais condições do local, o montante do acréscimo ou da diminuição daí resultante é reduzido ou adicionado ao custo da edificação a considerar para efeito da determinação do valor do terreno”
Por seu lado, o n.º 9 do mesmo artigo estabelece que “se o aproveitamento urbanístico que serviu de base ao critério fixado nos nºs 4 a 8 constituir, comprovadamente, uma sobrecarga incomportável para as infra-estruturas existentes, no cálculo do montante indemnizatório deverão ter-se em conta as despesas necessárias ao reforço das mesmas”.
Não existe, em nenhum momento dos autos, qualquer elemento que justifique o funcionamento de qualquer um destes preceitos.
O próprio apelante admite isso, ainda que implicitamente. Escuda-se, porém, na putativa alteração da alínea d) da matéria de facto para extrair a conclusão de que a inexistência dessas infra-estruturas provoca uma “percentagem de agravamento”.
Obviamente que tal argumento, sem qualquer facto que o suporte, não procede.
d)
A maioria dos Senhores Peritos (4 em 5) considerou, para cálculo do valor da indemnização, o índice construtivo de 0,8 m2/m2.
O apelante insurge-se, de forma telegráfica, contra esse índice, sem invocar qualquer fundamento susceptível de o contrariar.
Ora, o PDM de Lousada classifica o local do prédio como zona de expansão de aglomerados de 2º nível, de média densidade, com o índice máximo de 1,1 m2/m2 – cfr. art. 15º, n.º 2, al. b) do PDM de Lousada.
Considerando a concreta configuração da parcela, a sua proximidade com um aglomerado urbano provido de vários edifícios de habitação, comércio, indústria e serviços – cfr. al. f) –, e ainda o acesso rodoviário existente junto ao prédio, afigura-se-nos acertado o índice de construção apontado no laudo maioritário.
e)
Conforme dispõe o art. 23º, n.º 4, do CE, “ao valor dos bens calculado por aplicação dos critérios referenciais fixados nos artigos. 26º e seguintes, será deduzido o valor correspondente à diferença entre as quantias efectivamente pagas a título de contribuição autárquica e aquelas que o expropriado teria pago com base na avaliação efectuada para efeitos de expropriação, nos últimos cinco anos”.
Esta disposição não tinha correspondência nos anteriores Códigos das Expropriações, surgindo como uma inovação da Lei 168/99, de 18 de Setembro, que aprovou o actual Código.
O disposto nesse n.º 4 constitui, de forma indirecta, uma rectificação retroactiva do valor patrimonial sobre que incidiu a contribuição autárquica nos últimos cinco anos, à qual apenas fica sujeito o expropriado, sendo a diferença entre o imposto pago e o seu valor corrigido cobrada mediante compensação com a indemnização devida pela expropriação[4].
Alves Correia[5] defende que estamos perante uma norma fiscal espúria enxertada no Código das Expropriações, que suscita várias perplexidades, uma das quais diz respeito ao seu âmbito de aplicação. Prima facie poderia entender-se que a citada norma abrangia todas e quaisquer expropriações de prédios urbanos e rústicos, qualquer que fosse a entidade beneficiária da expropriação (o Estado, um ente público institucional, um município ou mesmo um sujeito jurídico-privado). Mas, como adverte esse autor, tal interpretação seria de todo incompreensível. De facto, sendo a contribuição autárquica um imposto de natureza local, no sentido de que constitui uma receita municipal, que incide sobre o valor patrimonial dos prédios rústicos e urbanos, não faria sentido que o Estado, um instituto público ou empresa privada, enquanto beneficiários de uma expropriação, deduzissem na indemnização a pagar ao expropriado a diferença entre as quantias pagas a título de contribuição autárquica e aquelas que o expropriado teria pago com base na avaliação efectuada para efeitos de expropriação, nos últimos cinco anos.
Por conseguinte, e como se entendeu na sentença recorrida, o n.º 4 do art. 23º só poderia aplicar-se às expropriações cuja entidade beneficiária seja um município e que tenham como objecto prédios localizados na respectiva circunscrição territorial[6].
O Tribunal Constitucional, no recente acórdão de 14.01.2008[7], considerou que a norma do n.º 4 do art. 23º tem natureza mista, inserindo-se no direito fiscal, quanto à sua pressuposição, e no direito das expropriações, quanto aos seus efeitos.
O pressuposto fiscal da normal é a desarmonia entre o valor do bem expropriado, considerado para efeito de liquidação anterior de contribuição autárquica, e o valor da avaliação efectuada para efeito de atribuição da indemnização por expropriação por utilidade pública, visando a correcção da disfunção revelada pelo apuramento da quantia indemnizatória a pagar pelo acto expropriativo.
Mas o que é iniludível é que a dita norma interfere também na operação de fixação do montante da indemnização devida pelo acto expropriativo, na justa medida em que provoca uma efectiva diminuição do valor da indemnização a atribuir ao proprietário do imóvel expropriado, com benefício injustificado para a entidade expropriante[8].
Tanto num como noutro plano, a norma do art. 23º, n.º 4, do CE é inconstitucional, como já advertiam Alves Correia e Perestrelo de Oliveira[9].
No plano fiscal viola o princípio da igualdade fiscal, como expressão específica do princípio geral estruturante da igualdade – art. 13º da Constituição[10]. O significado desse princípio é o de que a lei deve garantir que todos os cidadãos com igual nível de rendimentos ou de património suportem idêntica carga tributária, contribuindo, assim, em igual medida, para as despesas ou encargos públicos.
Ora, a norma no n.º 4 do art. 23º ao impor ao expropriado o pagamento (através do abatimento ao montante da indemnização recebida) de um acréscimo de contribuição autárquica (o correspondente à diferença entre o imposto efectivamente pago e aquele que teria pago com base na avaliação efectuada para efeitos de expropriação, nos últimos cinco anos) permite que pessoas em condições iguais paguem impostos desiguais. Ou seja, o proprietário expropriado pagaria uma contribuição autárquica diferente da do proprietário não expropriado, não existindo qualquer razão justificativa para tal diferenciação.
No plano do direito das expropriações, o n.º 4 do art. 23º viola o princípio constitucional da justa indemnização, consagrado no art. 62º, n.º 2, da Constituição.
De facto, a justa indemnização há-de tomar como ponto de referência o valor adequado que permita ressarcir o expropriado da perda do bem que lhe pertencia, com respeito pelo princípio da equivalência de valores.
“O valor pecuniário arbitrado, a título de indemnização, deve ter como referência o valor real do bem expropriado.
Se é admissível que na fixação deste montante interfiram razões de interesse público que justifiquem a introdução de cláusulas de correcção do puro valor de mercado, de modo a evitar avaliações que não se enquadrariam na ideia do valor justo … já não devem ser admitidas operações redutoras do real valor do bem expropriado, visando apenas uma redução oportunista da indemnização a pagar, ou com fundamentos estranhos à equidade desse valor.
O art. 23º, n.º 4, do Cód. das Exp., ao impor a dedução do valor correspondente à diferença entre as quantias efectivamente pagas a título de contribuição autárquica e aquelas que o expropriado teria pago com base na avaliação efectuada para efeitos de expropriação nos últimos cinco anos, ao montante indemnizatório calculado de acordo com os critérios previstos no Código das Expropriações, está a reduzir o valor da indemnização a receber pelo expropriado, sem que essa redução tenha como finalidade a afinação da justiça desse valor” [11].
Tudo isto para concluir que a patente inconstitucionalidade do n.º 4 do art. 23º implica a sua inaplicabilidade.
Portanto, ainda que com fundamento diverso do seguido na sentença impugnada, o recurso também improcede nesta parte.
f)
Finalmente, o apelante defende que, não tendo a perícia determinado o valor da dedução prevista no n.º 4 do art. 23º, impõe-se a sua anulação para ampliação da matéria de facto, ao abrigo do disposto no art. 712º, n.º 2, do CPC.
Esta questão está, como é bom de ver, prejudicada pela conclusão tirada na anterior alínea.
Improcede, assim, em toda a linha a argumentação recursória do apelante.
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III. DECISÃO
De harmonia com o exposto, julga-se improcedente a apelação e confirma-se a douta sentença recorrida.
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Sem custas, dada a isenção de que beneficia o apelante.
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Porto, 8 de Abril de 2008
Henrique Luís de Brito Araújo
José Manuel Cabrita Vieira e Cunha
João Carlos Proença de Oliveira Costa
___________
[1] Sá Pereira e Goucha Soares, “Código das Expropriações”, pág. 77.
[2] Perestrelo de Oliveira, “Código das Expropriações”, 2ª edição, pág. 84.
[3] Acórdão do STJ de 27.10.1998, BMJ 480, pág. 402.
[4] Perestrelo de Oliveira, ob. cit., pág. 92.
[5] RLJ Ano 133, pág. 116.
[6] Ob. citadas nas anotações 4 e 5, a págs. 117 e 93, respectivamente.
[7] DR, 2ª Série, n.º 52, de 13 de Março de 2008
[8] Cfr. Anotação de Alves Correia ao Acórdão do TC n.º 422/04, na RLJ Ano 134º, págs. 340-352.
[9] Ob. cit., a fls. 116-119 e 92-93, respectivamente.
[10] Cfr. nosso acórdão proferido em 07.03.2006, no processo n.º 0526223, em www.dgsi.pt.
[11] Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional identificado na anterior anotação.