CONVERSÃO DA MULTA EM PRISÃO
DIREITOS DE DEFESA DO ARGUIDO
Sumário

Antes de converter a multa em prisão subsidiária, o juiz tem de dar oportunidade ao condenado de explicar as razões do não pagamento da multa, ouvindo-o.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção Criminal:

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I. Nos autos de processo comum n.º ……../05.0GCETR do …...º Juízo do Tribunal Judicial de Estarreja, o Ministério Público interpôs recurso do despacho que converteu a pena de 80 dias de multa, à taxa diária de €5,00, aplicada à arguida B……………… pela prática de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art. 3.º, n.º 1, do DL n.º 2/98, de 03.01, em 53 dias de prisão subsidiária, apresentando as seguintes conclusões:
A questão fulcral do presente recurso é, assim, a de saber se foi dado cumprimento ao princípio do contraditório e assegurada a garantia constitucional de defesa, que constitui, o cerne da própria dialéctica processual.
É corrente afirmar-se que o direito processual penal é verdadeiro direito constitucional aplicado, numa dupla dimensão: na derivada de os fundamentos do processo penal serem, simultaneamente, os alicerces constitucionais do estado e na resultante de a concreta regulamentação de singulares problemas processuais ser conformada juridico-constitucionalmente
Por isso que o direito a um processo com todas as garantias de defesa respeita à generalidade dos actos processuais e permite que em cada situação processual concreta nos possamos interrogar se a garantia constitucional foi efectivamente respeitada.
Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coerciva mente, é cumprida prisão subsidiária
Cremos, contudo, não se poder dispensar o respeito pelo contraditório, já que isso violaria ditames constitucionais designadamente o artigo 27º da Constituição da República Portuguesa.
Nos termos do artigo 61, nº1, alíneas a) e b) do Código de Processo Penal o arguido goza em especial, em qualquer das fases do processo e, salvas as excepções da lei, do direito de ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte.
Trata-se, pois, da emanação do Princípio do Contraditório com assento constitucional artigo 32º, nº5 da Constituição da República Portuguesa.
No caso sub judice, os autos demonstram que o Mmº Juiz a quo não assegurou a possibilidade de a arguida exercer o contraditório antes de decidir a conversão da pena de multa em prisão subsidiária.
Falta de audição do arguido no caso em que a lei comina essa obrigatoriedade, por colimar com direitos fundamentais de defesa, constitui nulidade insuprível, passível, de ser suscitada em fase de recurso – n°3 do art. 410° do Código de Processo Penal.
10º
Daí que, se verifique a nulidade prevista no artigo 120º, nº 2, alínea d) do Código de Processo Penal.
11ª
Na sua decisão o Mmº Juiz a quo violou, o disposto nos artigos 47º, nº5, 49º do Código Penal e artigos 61º, alínea a), 491º, ambos do Código de Processo Penal bem como o disposto nos artigos 32º, nº5 da Constituição da República Portuguesa.
11ª
Deve assim revogar-se o douto despacho de fls.87 a 88 e substituir-se por outro que determine a audição prévia do arguido, seguindo-se os ulteriores trâmites do processo.”
Não houve resposta da arguida.
Neste Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer em que conclui pelo provimento do recurso.
Foi dado cumprimento ao disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP, não tendo havido resposta.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
II. A questão que emerge das conclusões do recurso, delimitadoras do seu objecto e âmbito, é a de saber se foi dado cumprimento ao princípio do contraditório e assegurado o direito constitucional de defesa antes de se converter a pena de multa em prisão subsidiária.
É a seguinte a decisão recorrida na parte aqui relevante:
“…
A arguida B……………. foi condenada, por decisão de fls.46/50 dos presentes autos, já transitada em julgado, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de € 5,00, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3.°, n.°1 do DL 2/98,de 3.1..
Simplesmente, a arguida não efectuou o pagamento que lhe cumpria levar a cabo.
Por outro lado, não se mostra possível a execução patrimonial da multa e não tendo a arguida demonstrado que a razão do não pagamento não lhe era imputável, não é aplicável ao caso vertente o vertido no art.º 49°, n.° 3 C.Penal.
Assim, atendendo a que pena não foi paga voluntária ou coercivamente, tem a arguida, nos termos do artigo 49°, n°1 do Código Penal, de cumprir prisão subsidiária pelo tempo correspondente, reduzida a dois terços.
Deste modo e ao abrigo do disposto no artigo 49°, n°1 do Código Penal, deferindo à douta promoção que antecede, decido:
- converter a pena de 80 dias de multa, em 53 dias (cinquenta e três) dias de prisão subsidiária.
Notifique, sendo a condenada do despacho antecedente, informando-a de que pode a todo o tempo, evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a quantia em dívida (art.49.°, n.° 2 do C.Penal)…”
Entrando no objecto do recurso:
Na aplicação da pena de multa e até à sua conversão em prisão subsidiária, há várias etapas a seguir:
- sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda um ano ou permitir o pagamento em prestações, em conformidade com o disposto no n.º 3 do art. 47.º do CP;
- a requerimento do condenado, pode o tribunal ordenar que a pena de multa fixada seja total ou parcialmente substituída por trabalho, nos termos do n.º 1 do art. 48.º do CP;
- se a multa que não tenha sido substituída por trabalho não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária, nos termos do n.º 1 do art. 49.º do CP.
Sendo certo que de nenhuma destas normas resulta a obrigação de notificação prévia do condenado para explicar as razões do não pagamento, estando em causa a sua privação de liberdade decorrente da conversão da multa em prisão, deve ser-lhe assegurado o contraditório, na sequência no princípio consignado no art. 32.º, n.º 5, da CRP e no disposto no art. 61.º, n.º 1, al. b), do CPP:
“(O arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e salvas as excepções da lei, dos direitos de) Ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte;”
Significa isto que se entende assistir razão ao recorrente e que, antes de converter a multa em prisão subsidiária, se impõe ouvir a condenada para explicitação das razões do não pagamento voluntário da multa e só depois, se for caso disso, proceder a tal conversão.
III. Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que determine a audição da condenada, seguindo-se os demais atinentes termos processuais.
Elaborado e revisto pela primeira signatária.

Porto, 9 de Abril de 2008
Airisa Maurício Antunes Caldinho
António Luís T. Cravo Roxo
Arlindo Manuel Teixeira Pinto