SEGURO
INTERPRETAÇÃO
EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE
EXCESSO DE CARGA
MAU ACONDICIONAMENTO
CARGA
DESCARGA
Sumário

I - Segundo a teoria da impressão do destinatário, o alcance decisivo da declaração será aquele que em abstracto lhe atribuiria um declaratário razoável, medianamente inteligente, diligente e sagaz, colocado na posição concreta do declaratário real, em face dos termos da declaração, das circunstâncias que este efectivamente conheceu aquando da sua emissão, bem como das circunstâncias concomitantes, anteriores e posteriores que com ela se relacionem, dos interesses em jogo e do seu razoável tratamento, da finalidade prosseguida pelo declarante, dos usos, da prática e da lei.
II - A cláusula de exclusão da responsabilidade nos sinistros causados por excesso ou mau acondicionamento da carga deve ser interpretada no sentido de apenas se poder reportar aos casos em que, inicial e originariamente, é colocada no veículo uma carga que ultrapasse o peso legalmente permitido para o mesmo ou em certas condições – v.g. ultrapassando os limites físicos do chassis do transporte, ou por outra via deficientemente colocada, ou insuficientemente imobilizada ou atada.
III - Na cláusula de exclusão por danos causados durante as operações de carga e descarga, estes conceitos têm de ser perspectivados, temporal e materialmente, no seu sentido rigoroso e restrito, ou seja, reportados ao material transportado, ao acto em si e pelo exacto lapso temporal em que este acto está em curso.

Texto Integral

Processo nº133/08-2


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO


1.
B………., L.dª, Instaurou contra Companhia de Seguros C………., S.A, acção declarativa, de condenação, com processo comum, sob a forma ordinária.

Pediu:
A condenação da ré a pagar-lhe € 23.000,00 acrescidos de juros de mora desde a citação até integral pagamento.
Alegou, para tanto e, em síntese:
Que, se dedica à comercialização de materiais de construção; no dia 6 de Novembro de 2003, pela 19 h junto ao ………. de Vila Real quando um seu funcionário procedia à descarga de brita com o veículo automóvel de matrícula ..-..- QS, o qual, se encontra equipado com caixa de carga basculante e, depois de deixar cair metade da brita; e ao retomar a marcha ao mesmo tempo que a caixa basculante regressava à posição original; em consequência da inclinação do terreno, o veículo desequilibrou-se, caindo sobre o lado direito. Causando danos no valor peticionado.
Contestou a ré.
Alegando em síntese:
Que, pelo facto de a viatura se encontrar a circular com a báscula levantada e pelo facto de o terreno ser inclinado fizeram com que o veículo tivesse tombado; razão porque o acidente está contratualmente excluído pelo art. 3 das condições especiais e pelo art. 36º nº 1 alínea f).

2.
Prosseguiu o processo os seus legais termos, tendo, a final, sido proferida sentença que:

Julgou a acção improcedente, por não provada e, em consequência absolveu a ré do pedido.

3.
Inconformada apelou a autora.
Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1º- A aqui Apelante interpôs uma acção contra a aqui Apelada com vista a, no âmbito de um contrato de seguro firmado entre as partes, obter o ressarcimento dos danos verificados num seu veículo, de matrícula ..-..-QS, após uma operação de descarga de brita.
2º- Procedeu-se ao julgamento da causa, tendo daí resultado provada a matéria de facto constante dos pontos 1 a 30 do aresto ora em crise e com base na qual o Tribunal a quo julgou totalmente improcedente a pretensão da Apelante.
3º- Inconformada, interpôs a Apelante recurso por entender que a sentença em crise padece de duas nulidades.
4º- A sentença ora em crise termina da seguinte forma:” Pois, diga-se finalmente que os normativos invocados pela ré no sentido da referida exclusão se aplicam ao caso sub judice pelas razões de facto e de direito supra referenciadas.”
5º- Perscrutada a sentença, considera a Apelante que o Tribunal a quo não apresenta qualquer fundamentação para o facto de julgar verificadas as causas de exclusão do seguro.
6º- Num primeiro momento, o Tribunal a quo debruça-se sobre as causas do acidente, sendo que nenhuma das causas está relacionada com as cláusulas de exclusão de seguro.
7º- Num segundo momento, o Tribunal a quo teceu várias considerações acerca da responsabilidade do condutor do veículo sinistrado na produção do acidente. Novamente, tais considerações nada têm que ver com nenhuma das causas de exclusão de seguro invocadas pela Ré.
8º- Concluiu por isso a Apelante que o Tribunal a quo entendeu que se mostraram verificadas as causas de exclusão do seguro, sem apresentar qualquer fundamentação, tanto mais que alguns dos factos provados estão em clara oposição com a conclusão final vertida na sentença, o que é causa também de nulidade se infra se invoca.
9º- A falta de fundamentação de facto e de direito é causa de nulidade da sentença de acordo com o artigo 668º nº1 al. b) do C.P.C., vício este que expressamente se invoca com as respectivas consequências legais.
10º- Considera a Apelante que, face à matéria de facto provada, nunca por nunca o Tribunal a quo poderia ter considerado verificada qualquer das causas de exclusão do seguro.
11º- Antes de mais, em sede de fundamentação, teceu o Tribunal a quo várias considerações acerca do comportamento do condutor do veículo, já que o acidente apenas se terá sucedido em consequência da condução imprudente daquele.
12º- Refira-se no entanto que o facto de o condutor do veículo ter ou não culpa é completamente irrelevante para o caso dos autos, já que o seguro celebrado entre as partes era de danos próprios (ponto 11 da matéria de facto provada).
13º- Considera a Apelante que a questão principal destes autos é saber se se verifica ou não uma qualquer causa de exclusão do seguro, adiantando-se desde já que face à matéria de facto provada, a resposta é forçosamente negativa.
14º- Analise-se a causa de exclusão prevista no artigo 36º nº1 al. f): o acidente foi causado por excesso ou mau acondicionamento da carga?
15º- Considerando que o veículo acidentado tem capacidade de 22 metros cúbicos (ponto 24 da matéria de facto) e que no momento do acidente o veículo apenas tinha 4 a 5 metros cúbicos de brita (ponto 19), excesso de carga não era, notoriamente, o caso.
16º- Encontrar-se-ia então a carga mal acondicionada? Na resposta à matéria de facto não se encontra qualquer resposta directa a esta questão. É certo que provado está que no momento do acidente a brita não estava uniformemente espalhada e estabilizada (ponto 6 da matéria de facto). Mas como o próprio Tribunal a quo entendeu, isso apenas poderá ter influído na produção do acidente.
17º- Concluindo, da matéria de facto provada não existe um único facto que permita ao Tribunal a quo concluir pela verificação da causa de exclusão prevista no artigo 36º nº1 al. f).
18º- Vejamos então se o acidente se deu durante uma operação de carga ou descarga, preenchendo a causa de exclusão prevista no artigo 3º.
19º- Neste caso a resposta encontra-se no ponto 20 da matéria de facto provada: “O condutor do QS retomou a marcha quando já havia terminado o serviço de descarga da brita”.
20º- A resposta àquela questão mostra-se assim taxativamente negativa.
21º- Como tal, porque não se mostra verificada nenhuma das causas de exclusão invocadas pela Ré, não poderia o Tribunal a quo, como fez, considerar que “(…) os normativos invocados pela ré no sentido da referida exclusão se aplicam ao caso sub judice pelas razões de facto e de direito supra referenciadas.”, quando da análise da matéria de facto provada resulta claramente o contrário.
22º- Mostra-se assim existir uma clara oposição entre fundamentação de facto e a decisão, violando o disposto no artigo 668º nº1 al. c) do C.P.C..
23º- As cláusulas de exclusão com base nas quais o Tribunal a quo julgou a acção interposta pela Apelante improcedente, como resulta da análise dos documentos, encontram-se inseridas na apólice que não se mostra assinada pela Apelante.
24º- A apólice de seguro contém as cláusulas, elaboradas unilateralmente pela Apelada, através das quais se rege a vigência e eficácia do contrato de seguro, isto é, está sujeita às regras previstas para as Cláusulas Contratuais Gerais, reguladas pelo D.L. 446/85 de 25.10.
25º- As cláusulas invocadas pela Apelada como sendo fonte de exclusão do seguro para o acidente nunca foram comunicadas ou explicadas à Apelante que as desconhecia.
26º- De facto, se de tais cláusulas tivesse sido informada a Apelada, esta pouco interesse em especial tinha em celebrar o seguro nos termos em que o fez., sabendo de antemão que o seguro não cobria os danos causados no próprio veículo em operações de carga ou descarga, tinha essa situação de ficar devidamente acautelada, pois na actividade da Apelante esta realiza diariamente várias operações de carga e descarga.
27º- Deveria por isso a Apelada, na sua contestação, ter invocado o conhecimento e comunicação das ditas cláusulas por parte da Apelante, por forma a delas se poder fazer valer, nos termos do artigo 5º e 6º do D.L. 446/85 de 25.10
28º- Porque tal não foi alegado pela Ré, por forma a aferir da sua validade, devem as mesmas considerar-se excluídas da apólice de seguro nos termos do artigo 8º do D.L. 446/85 de 25.10.
29º- Por isso o Tribunal a quo pronunciou-se sobre cláusulas que não lhe era permitido conhecer e por outro lado deixou de se pronunciar sobre a validade e eficácia de cláusulas contratuais gerais invocadas pela Ré.
30º- Mostra-se assim violado o preceituado nos artigos 5º e 8º do D.L. 446/85 de 25.10 e o artigo 668º nº1 al. d) do C.P.C.
31º- Assim, julga-se demonstrado que a sentença ora em crise padece de três nulidades que se entende que deverão inevitavelmente ser julgadas como verificadas, com todas as consequências daí advenientes, só dessa forma se fazendo a elementar e almejada JUSTIÇA.

Contra-alegou a ré, pugnando pela manutenção do decidido.

3.
Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 690º do CPC - de que o presente caso não constitui excepção - o teor das conclusões define o objecto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

Nulidade da sentença nos termos do artº 668º nº1 als.b), c) e d) do CPC, ou ilegalidade da mesma.

Exclusão das clausulas das condições gerais e especiais da apólice, nas quais a ré funda a sua posição, por violação dos artºs 5º, 6º e 8º do D.L. 446/85 de 25.10.

4.
Os factos apurados e que importa considerar são os seguintes:

1- No dia 06 de Novembro de 2003, pelas 09:00h, junto ao ………. da cidade de Vila Real, ocorreu um acidente de viação.
2- Em que foi interveniente um veículo pesado de mercadorias, com a matricula ..-..-QS de marca ……… .
3- O veículo era propriedade da Autora e era conduzido por um seu funcionário.
4- Que se tinha deslocado junto à zona do ………. de Vila Real a fim de efectuar uma descarga de brita.
5- O veículo QS, que se encontra equipado com uma caixa de carga Basculante, chegado ao local da descarga, foi imobilizado e activou o referido sistema basculante.
6- Ao retomar a marcha, ao mesmo tempo que a caixa basculante regressava a sua posição original, em consequência de uma Ligeira inclinação do terreno, bem como pelo facto de a caixa não se encontrar na horizontal e consequentemente a brita não estar uniformemente espalhada e estabilizada, o veiculo QS desequilibrou -se.
7- Caindo sobre o seu lado direito.
8- Causando diversos danos no veiculo, necessitando de reparar e/ou substituir várias peças, designadamente as descritas no orçamento que a Autora pediu à D………., que se mostra junto a fls. 5 e 6 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
9- E ficando impedido de circular pelos seus próprios meios.
10- A reparação do QS orçava em € 18.564,49.
11- Entre a A e a ré no que concerne ao veículo QS, havia um seguro de danos próprios titulado pela apólice nº ………., regido pelas condições exaradas no documento junto a Fls. 20 a 36 e cujo teor aqui se da por integralmente reproduzido para todos os efeitos.
12- A Ré, por intermédio do seu perito realizou um acordo de reparação com a oficina que elaborara o orçamento.
13- Através do qual a D………. se comprometia a reparar o veículo de forma a deixa-lo no estado em que se encontrava antes do acidente, contra o pagamento da quantia de € 11.000.
14- Com um período de reparação de 15dias a iniciar a 04/12/2003.
15- Do valor da reparação tinha a e suportar a franquia contratual de € 1.507,84.
16- Nessa altura, a Autora e a D………. acordaram em trocar o veículo acidentado por um outro mais recente.
17- Tendo sido descontado o valor acordado da reparação ao valor comercial do veículo.
18- Neste momento, a Autora fez já o negócio de troca de veículos.
19- O condutor do QS deixou cair no lugar pretendido a brita à excepção de 4 a 5 m cúbicos que se destinavam a outra descarga a efectuar posteriormente, mas, na mesma obra,
20- O condutor do QS retomou a marcha quando já havia terminado o serviço de descarga da brita.
21- O condutor do QS arrancou com a báscula ainda levantada meio metro.
22- A A. dedica-se à comercialização de materiais de construção, designadamente tijolos, cimento, azulejos, areia, brita entre outros.
23- Procedendo à sua venda e transporte.
24- O veículo acidentado tem capacidade de 22 metros cúbicos.
25- Possui mecanismo basculante que lhe permite a fácil descarga de grandes quantidades daqueles materiais.
26- Tornando-se por isso preferido pelos clientes.
27- Veículo do tipo de acidentado a apenas possui aquele.
28- Durante o período de tempo em que o QS ficou imobilizado a Autora viu-se impossibilitada de fazer parte das entregas combinadas em data anterior ao acidente.
29- Vendo-se ainda impedida de aceitar encomendas de maior volume e mais lucrativas que implicassem entrega imediata.
30- O que lhe causou um prejuízo, por cada dia útil de trabalho, de € 400,00.
(sublinhado nosso)

5.
Apreciando.

5.1.
Primeira questão.

Diz o recorrente que a sentença é nula porque não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, porque tais fundamentos estão em oposição com tal decisão e porque o Sr. Juiz a quo deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar.
Vejamos.

5.1.1
Da falta de motivação.
Nos termos do artigo 205º, nº1 do Constituição.:
«As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».
E estatui o artº 158º do CPC que:
1. As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.
2. A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição.
A necessidade da fundamentação prende-se com a garantia do direito ao recurso e tem a ver com a legitimação da decisão judicial.
Na verdade a fundamentação permite fazer, intraprocessualmente, o reexame do processo lógico ou racional que lhe subjaz.
Ela é garantia de respeito pelos princípios da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões.
Porque a decisão não é, nem pode ser, um acto arbitrário, mas a concretização da vontade abstracta da lei ao caso particular submetido à apreciação jurisdicional, as partes, maxime a vencida, necessitam de saber as razões das decisões que recaíram sobre as suas pretensões, designadamente para aquilatarem da viabilidade da sua impugnação.
E mesmo que da decisão não seja admissível recurso o tribunal tem de justificá-la.
É que, uma decisão vale, sob o ponto de vista doutrinal, o que valerem os seus fundamentos, pois que estes destinam-se a convencer que a decisão é conforme à lei e à justiça, o que, para além das próprias partes a sociedade, em geral, tem o direito de saber – cfr. Alberto dos Reis, Comentário, 2º, 172 e Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, 1982, 3º vol., p.96.
Mas se assim é, dos textos legais e dos ensinamentos doutrinais se retira que apenas a total e absoluta falta de fundamentação pode acarretar a nulidade.
Na verdade a lei não comina com tão severo efeito uma motivação escassa, ou, mesmo deficiente. E onde a lei não distingue não cumpre ao intérprete distinguir.
Nem tal exigência seria de fazer considerando a «ratio» ou finalidade do dever de fundamentação supra aludidos.
O que a lei pretende é evitar é a existência de uma decisão arbitrária e insindicável. Tal só acontece com a total falta de fundamentação. Se esta existe, ainda que incompleta, errada ou insuficiente tal arbítrio ou impossibilidade de impugnação já não se verificam.
O que nestes casos apenas sucede é que a própria decisão pode convencer menos, dada a debilidade ou incompletude dos seus fundamentos. Mas pode ser sempre atacável e modificável.
Assim sendo, a grande maioria da nossa jurisprudência tem-se pronunciado no sentido de que só a carência absoluta de fundamentação e não já uma motivação escassa, deficiente, medíocre, incompleta ou errada, acarreta o vício da nulidade da decisão – cfr. Entre outros, Ac. do STA de 18.11.93, BMJ, 431º, 531 e Acs. do STJ de 26.04.95, CJ(stj), 2º, 57, de 17.04.2004 e de 16.12.2004, dgsi.pt.
Poder-se-á fazer aqui, «mutatis mutandis», uma equiparação com o que sucede com a ineptidão petição inicial, por falta de «causa petendi», a qual origina a nulidade de todo o processado - artº 193, nº1 e nº2, al.a) do CPC.
É que como ensina o Mestre Alberto dos Reis, Comentário, 2º, 372: «Importa não confundir petição inepta com petição simplesmente deficiente …quando a petição, sendo clara e suficiente quanto ao pedido e à causa de pedir, omite facto ou circunstâncias necessários para o reconhecimento do direito do autor, não pode taxar-se de inepta; o que então sucede é que a acção naufraga».

5.1.2.
Da oposição dos fundamentos com a decisão.
A oposição dos fundamentos com a decisão reconduz-se a um vício lógico no raciocínio do julgador, em que as premissas de facto e de direito apontam num sentido e a decisão segue caminho oposto, ou, pelo menos, direcção diferente.
Distinguindo-se das situações em que tal disparidade advém de mero erro material, pois, neste caso, a oposição não é substancial mas apenas aparente, dando apenas direito à rectificação, enquanto que no caso invocado e que ora nos ocupa a invocada contradição, a existir, é autentica e real - pois que o juiz escreveu o que queria escrever -, a qual, verificando-se, acarreta um vício de conteúdo da sentença que implica a sua nulidade – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 1981, 5º, 141, Castro Mendes, Direito Processual Civil, ed. AAFDL, 1978, 3º, 302 e Abílio Neto, Breves Notas ao CPC, 2005, 195.
5.1.3.
Da omissão de pronuncia.
Este segmento normativo ínsito na al.d) do artº 668º do CPC conexiona-se com o estatuído nos arts. 156º e 660º do mesmo diploma, ou seja, com o dever do juiz administrar a justiça proferindo despachos ou sentenças sobre as matérias pendentes – artº 156º - e com a necessidade de o juiz dever conhecer das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica e de resolver todas as questões – e só estas questões, que não outras, salvo se de conhecimento oficioso - que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras –artº660º.
Há decisão “ultra petitum” sempre que o julgador não confina o julgamento da questão controvertida ao pedido formulado pelo autor ou ao pedido reconvencional deduzido pelo réu e conhece, fora dos casos em que tal lhe é permitido “ex officio”, questão não submetida à sua apreciação.
Para que não se verifique tal vício terá de existir uma correspondência entre a pronúncia e a pretensão, isto é, a sentença não pode decidir para além do que está ínsito no pedido, nos termos formulados pelo demandante. Este princípio é válido quer para o conhecimento excessivo em termos quantitativos, quer por condenação em diverso objecto - excesso qualitativo – cfr. Ac. do STJ de 28.09.2006, dgsi.pt, p.06A2464.
Por outro lado e como é consabido e constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, não se devem confundir «questões» a decidir, com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes.
A estes não tem o tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas às pretensões formuladas e aos elementos inerentes ao pedido e à causa de pedir –cfr. Rodrigues Bastos, in Notas ao CPC, 2005, p.228; Antunes Varela in RLJ, 122º,112 e, entre outros, Acs. do STJ de 24.02.99, BMJ, 484º,371 e de 19.02.04, dgsi.pt.

5.1.4.
O caso vertente.
O Sr. Juiz com base nos factos apurados e supra expressos, fundamentou de jure a decisão, nos seguintes termos:
«Análise sucinta da matéria de facto provada
Indubitavelmente que estiveram na origem da ocorrência alguns factores. Os quais, conjugados entre si levaram ao capotamento do veículo em causa. Estamos a referirmo-nos à matéria dada como assente e inserta no art. 6º da fundamentação de facto desta sentença. Ou seja, à leve inclinação do terreno, a caixa não se encontrar totalmente na horizontal, a brita não se encontrar uniformemente espalhada e estabilizada. E talvez como foi declarado pela testemunha E………., “o carro patinou por o terreno estar húmido”. Embora esta asserção não tivesse sido levada à matéria de facto. Logo não servirá como base no sentido de sustentarmos a tese na derrapagem por causa disso, e por conseguinte do referido capotamento. Embora, a ocorrer diz-nos a experiência e o saber empírico que a humidade e, ainda por cima num terreno de terra batida como parece ser o caso facilita, e de que maneira a tal derrapagem. De qualquer forma, as circunstâncias de facto enunciadas no referido art. 6º conjugadamente e concertadamente contribuíram e explicam a ocorrência conforme se disse.
Responsabilidade.
Se bem atentarmos na tese defendida pela ré para se eximir de responsabilidades, diga-se, que ela assente fundamentalmente na não cobertura pela Apólice. Mais concretamente pelo facto de a viatura se encontrar com a báscula levantada e o terreno ser inclinado e a brita que transportava não se encontrar uniformemente espalhada e estabilizada. Tese esta acolhida no referido art.6º da fundamentação de facto em cima referido. Pretende assim a ré desresponsabilizar-se com base nos artigos n.os 3º das condições especiais e 36º, nº 1 al. f). O quais, em seu entender excluem a sua responsabilidade pelo acidente.
Vamos seguidamente debruçarmo-nos sinteticamente sobre o texto dos referidos normativos.
Com efeito determina o art.36º, nº1 al.f) das condições gerais que, “o contrato de seguro não garantirá ao abrigo das coberturas facultativas acima referidas as seguintes situações:
Sinistros causados por excesso ou mau acondicionamento de carga”.
Por seu turno determina o art. 3º, al.d) das condições especiais da mesma Apólice sob a epígrafe que; Além das exclusões previstas nos artigos 6º e 36º das condições gerais, não ficam garantidos ao abrigo da presente Condição Especial as seguintes situações: Causados por objectos transportados ou durante operações de carga e descarga”.
Atenta a factualidade dada como assente somos de parecer que mal andou o condutor do veículo sinistrado. Exactamente porque deveria ter adequado a manobra de descarga ás seguintes condições: Primeiro, do terreno inclinado. É da experiência e do conhecimento empírico que um veículo com as características do QS, ou veículo de carga com 22 m de comprimento com parte da carga no atrelado deveria ter-se mais cuidado no seu arranque, quando até o terreno se encontrava húmido. Este facto aliado a um outro não menos importante, estamos a referirmo-nos ao básculo levantada. Ora, também todos sabemos e para maioria de razão deveria saber o seu condutor que com a báscula levantada aumenta a perda do equilíbrio. È de salientar que foi o próprio condutor do veículo que afirmou que a báscula no momento do arranque se encontrava levantada meio metro, quando, como também declarou que o máximo que ela levanta é aproximadamente um metro. Terceiro lugar e por último, saliente-se o facto de a carga que ainda se encontrava no veículo e que iria ser descargada não se encontrava estabilizada e uniformemente espalhada. Talvez, embora não o saibamos, a mesma carga de brita se encontrasse apenas para um dos lados exactamente para o lado da inclinação do terreno por força da inércia. O que é certo é que, mediante este quadro o referido condutor deveria ter feito a operação com a báscula totalmente na horizontal e com a carga o mais uniformemente espalhada e estabilizada, atenta a inclinação do terreno. Pois, se assim tivesse acontecido talvez o acidente não tivesse acontecido. E a acontecer não poderia certamente e seguramente a ré a invocar a exclusão de cobertura como o fez desresponsabilizando-se com esse fundamento.
Pois, diga-se finalmente que os normativos invocados pela ré no sentido da referida exclusão se aplicam ao caso sub judicé pelas razões de facto e de direito supra referenciadas
(sublinhado nosso)
Analisado este discurso argumentativo e fazendo a sua analise em conjugação e concatenação com o acervo factual apurado bem como com a decisão proferida, facilmente se conclui que inexistem os vícios apontados pela recorrente.
Na verdade os fundamentos, de facto e de direito, foram especificados e invocados, sendo que, quanto a estes últimos, e por decorrência da referência expressa às pertinentes cláusulas do contrato de seguro em causa firmado entre as partes, apenas mediata ou implicitamente para as regras gerais da responsabilidade contratual.
Igualmente se afigura inexistir qualquer erro ou vício lógico ou silogístico entre os fundamentos e a decisão, antes pelo contrário: o julgador entendeu que os factos apurados se subsumiam nas excepções de responsabilidade da ré previstas nas cláusulas de exclusão do contrato por ela invocadas e, lógica e consequentemente, concluiu pela sua não responsabilização, absolvendo a mesma do pedido.
Finalmente, inexiste omissão de pronúncia já que à única e essencial questão que se levanta nestes autos – saber se a ré, deve ou não (e, naquele caso, em que medida) indemnizar a autora – o tribunal emitiu decisão final expressa e inequívoca, concluindo no sentido negativo.
Perspectiva diferente é saber se tal pronúncia é a mais curial e consentânea com os factos provados, os dispositivos – legais e contratuais – pertinentes e a melhor interpretação que de tais factos e normas deve ser feita.
Ou seja, o cerne do problema não se prende com a nulidade da sentença mas sim com o (de)mérito do decidido, isto é, com a sua (i)legalidade.
E disto, aliás, as alegações da recorrente são paradigma, pois que ela, no fundo, apenas pugna no sentido de que os factos provados não se subsumem em qualquer das clausulas de exclusão da responsabilidade da ré constantes no contrato e por ela invocadas.
Não integrando -ela sim – a sua posição nas normas e institutos adequados, descentrando e desfocando a questão que se vislumbra singela, a saber: é, ou não, a decisão ilegal, por se ter fundado numa errada subsunção dos factos.
É o que infra se analisará, pois que a substância do recurso neste sentido aponta e o tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – artº 664º do CPC.

5.1.5.
Como já se referiu, o Sr. a quo, julgou improcedente a acção porque entendeu emergirem duas cláusulas de exclusão de responsabilidade da ré decorrentes do contrato de seguro.
Uma constante nas condições gerais, a saber: o artº 36º nº1 al.f) que exclui a responsabilidade nos «sinistros causados por excesso ou mau acondicionamento de carga».
Outra constante nas condições especiais, a saber: o artº 3º al.d) que exclui a responsabilidade dos danos «causados por objectos transportados ou durante operações de carga e descarga».
Tal como acontece com a aplicação da lei, também a aplicação de uma cláusula contratual passa e até exige a sua melhor interpretação.
A interpretação tem por objecto descobrir, de entre os sentidos possíveis, o sentido prevalente ou decisivo.
Nos termos do artº 236º do CC:
«1- A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
2-Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida».
Este artigo estabelece dois critérios para a interpretação do negócio jurídico.
Em primeiro lugar prevalecerá a vontade real do declarante, sempre que esta seja conhecida do declaratário – nº2
Não conhecendo o declaratário - nem devendo razoavelmente conhecer - a vontade real do declarante, a declaração vale com o sentido (objectivo) que um declaratário normal – isto é, medianamente arguto, sagaz e diligente -, colocado na situação do declaratário real, puder deduzir do comportamento do declarante – nº1.
A teoria da impressão do destinatário, que este segmento consagra, sintetiza-se do seguinte modo: o alcance decisivo da declaração será aquele que em abstracto lhe atribuiria um declaratário razoável, medianamente inteligente, diligente e sagaz, colocado na posição concreta do declaratário real, em face dos termos da declaração, das circunstancias que este efectivamente conheceu aquando da sua emissão, bem como das circunstâncias concomitantes, anteriores e posteriores que com ela se relacionem, dos interesses em jogo e do seu mais razoável tratamento, da finalidade prosseguida pelo declarante, dos usos, da prática e da lei – cfr. Antunes Varela, RLJ, 116º, 189; J.Calvão da Silva, Estudos de Direito Comercial, 1996, 102 e segs. e 217 e Ac. do STJ de 11.11.1997, SASTJ, 15º/16º, 242.
Assim, não sendo conhecida pelo declaratário a vontade real do declarante esta teoria concede, pelo menos em tese, primazia, ao ponto de vista do destinatário, a partir do qual a declaração deve ser focada.
Assentando a mesma em três grandes linhas que a fundamentam:
- defesa do interesse do declaratário, inspirada pela tutela das expectativas e da confiança legítima;
-segurança do comércio jurídico;
-imposição ao declarante de um ónus de clareza - cfr. Paulo Mota Pinto in Declaração Tácita, 1995, 208; Acs. do STJ de 28.10.1997, e de 18.05.1999, BMJ, 470º, 597 e CJ/STJ, 2º, 92.
Por outro lado, certo é que, tal como outrossim acontece com a lei, a interpretação não deve cingir-se á letra do negócio, devendo atentar-se ainda nos restantes elementos da hermenêutica jurídica, designadamente o lógico e teleológico.
Porém, o elemento literal constitui o ponto de partida, o fundamento ou suporte basilar e o limite da interpretação, não podendo defender-se um entendimento que não tenha na letra um mínimo de correspondência verbal
Assim, à letra da lei – e do contrato - cabe, desde logo, uma função negativa: eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou, pelo menos, qualquer correspondência ou ressonância nas palavras do texto legal- ou contratual – cfr. Batista Machado in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1983, p.182.
Devendo considerar-se que o sentido decisivo coincide com a vontade real sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto– cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Cód. Civil Anotado, 1º, 4ª ed. p.58 e segs.
Tanto assim que nos termos do artº 238º do CC:
«1-Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso».
Acresce que importa considerar que nos contratos de seguro, porque contratos de adesão nos quais o aderente pode não ter cabal conhecimento do seu teor, devem ser submetidos a controlo judicial não só ao nível da tutela da vontade do segurado, como também ao nível da fiscalização do conteúdo das condições gerais do contrato – cfr. Ac. do STJ de 06.02.1997, CJ/STJ, 5º, 99.
Finalmente há que atentar que, nos termos do artº 237º do CC: «em casos de dúvida sobre o sentido da declaração…prevalece, nos negócios…onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações».

5.1.6.
No caso vertente competia à ré, como declarante das condições gerais e especiais onde constam as clausulas 36ª e 3ª, provar que o autor conhecia o conteúdo das mesmas e a interpretação que delas a recorrida nestes autos opera.
Não tendo logrado cumprir tal ónus probatório a interpretação de tais cláusulas tem de ser feita á luz da referida teoria da impressão do destinatário, em conjugação com os princípios orientadores supra expostos e dos factos apurados.
E assim sendo, desde já se adianta que somos do entendimento assistir razão à autora.
Em primeiro lugar e desde logo não se pode concluir pela exclusão consagrada na cláusula 36/f, com base na interpretação de que o semi-capotamento foi causado por excesso ou mau acondicionamento da carga.
Porque, razoavelmente, tal asserção e previsão deve ser entendida como apenas se podendo reportar aos casos em que, inicial e originariamente é colocada no veículo uma carga que ultrapasse o peso legalmente permitido para o mesmo ou em condições, vg. ultrapassando os limites físicos do chassis do transporte, ou por outra via deficientemente colocada, bem assim como insuficientemente imobilizada ou atada.
Excessos ou deficiências estes que devem ser a causa imediata e adequada do sinistro.
Ora nada disto se provou in casu.
Em segundo lugar - se bem que, concede-se, com maior grau de dificuldade na sustentação desta posição - no que tange à exclusão consagrada na clausula 3ª/d das condições especiais.
Desde logo o dano não resultou, directa, imediata e em termos de causalidade adequada, de objecto transportado.
Na verdade apurou-se que aquando o capotamento já tinha sido despejada a maior quantidade da brita, restando no camião quatro a cinco metros cúbicos, quando é certo que aquele tem capacidade para transportar vinte e dois metros cúbicos.
E também há que concluir que ele não emergiu durante a operação de descarga.
Efectivamente o conceito de operação de carga e descarga tem de ser perspectivado, temporal e materialmente, no seu sentido rigoroso e restrito.
Ou seja, reportado, ao material transportado, ao acto em si e pelo exacto lapso temporal em que este acto está em curso.
Sob pena de se fazer uma interpretação extensiva e com uma amplitude tal que nitidamente acarreta uma desmesurada protecção da posição da seguradora com a correspectiva compressão e prejuízo da posição do segurado, sem que qualquer motivo o justifique, antes pelo contrario, como supra se referiu, já que, em certa medida, e desde logo perante o cariz de adesão do contrato, o segurado se apresenta como a parte mais fragilizada e desprotegida.
Ora também nada disto se provou.
Antes se apurando que o desequilíbrio do veículo se verificou, já depois de ter sido terminada descarga da brita e após o condutor do QS ter retomado a marcha de regresso – ponto 20.
Certo é que o condutor do veículo arrancou com a báscula ainda levantada meio metro. Mas apesar de não se ter apurado que tal constituiu a causa única do acidente, sempre este facto, como, também, os provados no ponto 6, se mostram irrelevantes para a decisão da causa, versus o entendido pelo o Sr. Juiz a quo.
Pois que – e como acertadamente refere o recorrente - tais factos reportam-se à culpa na produção do sinistro, atinente á responsabilidade extracontratual ou aquiliana.
A qual não está em causa, pois que a ré é apenas demandada na base da sua responsabilidade contratual a apreciar unicamente em função do anuído pelos outorgantes e que, em princípio, é plasmado nas clausulas do contrato de seguro junto no processo.
Acresce que mesmo que alguma dúvida restasse, haveria que interpretar tal clausula o entendimento que conduzisse ao maior equilíbrio das prestações, como dispo o artº 237º.
Sentido este que, também por isto, deveria ser o que considerasse inaplicável as clausulas ora chamadas á colação.
Quer porque haveria que considerar aquela maior fragilidade do segurado;
Quer porque a indemnização a pagar teve já como contrapartida, por parte do segurado, o pagamento do respectivo prémio;
Quer porque tal sentido é o que melhor se compagina com as circunstâncias envolventes do contrato - contemporâneas ou posteriores às emissões das respectivas declarações de vontade -, bem como com os interesses em jogo.
Efectivamente, considerando a actividade da autora –pontos 22 e 23 dos factos assentes - a qual implica o transporte de materiais que, dada a sua natureza – vg. peso e volume – são susceptíveis de provocarem acidentes e que acarreta, outrossim, a necessidade de frequentes cargas e descargas, mal se compreenderia que ela fosse aceitar subscrever um contrato de seguro com as exclusões de responsabilidade nele constantes, rectius as ora em apreço, e maxime com a interpretação e entendimento claramente alargados ou amplificados propugnados pela ré.
Enfim dir-se-á ainda que, consubstanciando-se tais artigos de exclusão de responsabilidade como clausulas contratuais gerais inseridas num contrato de adesão, estas devem ser interpretadas, em caso de dúvida, no sentido que não favorece o contraente que estipula as regras de adesão, como decorre dos art.s 7º e 11º do DL nº 446/85 de 25.10.
Já que neste tipo de contrato existindo, por via de regra, uma aceitação não particularmente negociada pelo aderente, a lei visa a sua protecção, como parte contratualmente mais débil, assegurando de modo efectivo um “dever de informação” a cargo do proponente que deve abranger a totalidade das cláusulas e ser feita de modo adequado e pessoal e com antecedência compatível com a extensão e complexidade do contrato, de modo a tornar possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência – cfr. entre outros, os Acs. do STJ de 04.10.2007 e de 30.10.2007 dgsi.pt, p.07B2636 e 07A3048.

Assim se concluindo pela procedência da pretensão da recorrente, desde logo no âmbito da presente questão.
Devendo a ré ser compelida a indemnizar a autora pelo valor da reparação do veículo, que não já pelos danos decorrentes da sua imobilização, pois que, tratando-se, repete-se, de responsabilidade contratual, estes não estão abrangidos no contrato de seguro em causa firmado entre as partes.

Quedando, assim, prejudicada a apreciação da segunda questão.
A qual, todavia e mesmo que assim não fosse, não poderia proceder.
É que, como invoca a recorrida, a autora em parte alguma da tramitação processual em primeira instância levantou tal questão - apenas o fazendo neste tribunal de recurso - nem o Sr. Juíz a quo sobre ela se pronunciou.
Ora como é consabido, como meio impugnatório das decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, jus novarum, i.e., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo – cfr. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 2004, p.141.

6.

Deliberação.

Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso e, consequentemente, na revogação da sentença absolutória, condenar agora a ré a pagar à autora a quantia de € 18.564,49, acrescida dos juros de mora vencidos desde a citação e vincendos até efectivo e integral pagamento.

Custas pelas partes na proporção da respectiva sucumbência.

Porto, 2008.04.15
Carlos António Paula Moreira
Maria da Graça Pereira Marques Mira
António Guerra Banha