APOIO JUDICIÁRIO
PAGAMENTO FASEADO
TAXA DE JUSTIÇA INICIAL
Sumário

I – Resulta dos arts. 16º, nº1, al. d) e 29º, nº2, ambos da Lei nº 34/2004, de 29.07, que o apoio judiciário concedido, mesmo que na modalidade de pagamento faseado da taxa de justiça e encargos, dispensa o pagamento da taxa de justiça inicial.
II – Não sendo devida taxa de justiça inicial, o A. a quem haja sido concedido o apoio na modalidade de pagamento faseado da taxa de justiça e encargos não está isento de efectuar o pagamento da primeira prestação correspondente ao pagamento faseado da taxa de justiça, em valor correspondente à liquidação a efectuar nos termos do art. 11º da Port. nº 1085-A/2004, de 31.08, pagamento que deve ser efectuado por depósito autónomo nos termos do art. 124º, nº3, do C. C. Jud., e devendo o documento comprovativo ser junto aquando da apresentação da p. i., por aplicação do disposto nos arts. 150º-A, nº1, do CPC e 29º, nº2, da Lei nº 34/2004.
III – Não sendo pagas as subsequentes prestações, tem aplicação o disposto no art. 512º-B, do CPC.

Texto Integral

AGRAVO Nº 862/08-3
Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia
.ª Vara de Competência Mista
Processo: 33/07.6TBVNG

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ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO

B………., autora, vem propor acção declarativa de condenação sob a forma ordinária, em que é ré C………., LDA

Alegou logo na petição inicial, ter pedido a concessão de benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa total de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, e nomeação de patrono oficioso.
Juntou:
- Comunicação da Ordem dos Advogados a Sra. Advogada com intervenção nos autos, da sua nomeação para o patrocínio oficioso da autora (doc. nº5);
- Carta registada, datada de 16-05-2006, a notificar a autora e ora recorrente, do despacho relativo ao procedimento administrativo de concessão de protecção jurídica em que é parte, bem como a referida decisão, na qual consta a concessão do benefício de apoio judiciário à requerente/autora, “Pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o processo” e na modalidade de “Pagamento faseado de honorários de patrono nomeado”, sendo calculada a prestação mensal em € 46,49, a periodicidade mensal, sendo calculado o valor a liquidar em €45,00 euros, apurado nos termos do art.º 12º da Portaria 1085-A/04 de 31/08, e anexo IV da mesma Portaria;
- Talão de depósito multibanco comprovativo do pagamento relativo a custas judiciais, no valor de € 45,00 euros.

A fls. 37 dos autos consta a informação, exarada pela Sra. Oficial de justiça, referente à liquidação do pagamento faseado da taxa de justiça e demais encargos, nos termos seguintes:

“Autora. B……….: Foi-lhe concedido Protecção Jurídica na seguinte modalidade:
Apoio Judiciário:
Pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o processo;
Pagamento faseado de honorários de patrono nomeado;
Periodicidade da Liquidarão: Mensal
Valor a liquidar: € 45,00
Valor da Acção: € 14963,95 - Taxa de Justiça Inicial correspondente a: € 144,00.
Somatório das prestações a pagar = 4X o valor da taxa de justiça inicial (Cfr. Portaria 1085-A/2004 de 31 de Agosto)
4 X €144,00 = € 576,00
- corresponde a 13 prestações mensais: 12 no valor de € 45,00
13ª no valor de € 36,00.
MAPA DE PRESTAÇÕES
1ª - 22-12-2006 - Paga (fls. 28)
as demais não foram liquidadas até à data
2ª - 22-01-2007, 3ª- 22-02-2007, 4ª - 22-03-2007, 5ª - 22-04-2007,
6ª - 22-05-2007,
7ª - 22-06-2007 8ª- 22-07-2007, 9ª - 22-08-2007, 10ª- 22-09-2007, 11ª-22-10-2007,
12ª- 22-11-2007, 13ª- 22-12-2007.
MULTA –art.º 486º - A n.2 ,3 do C.P.C. = € 144,00 “
Posteriormente viria a ser dada sem efeito a liquidação da multa a pagar, por se ter como aplicável apenas no caso da falta de pagamento da taxa de justiça inicial pelo réu.
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Foi então proferido despacho (fls. 42 dos autos) a determinar, por referência ao disposto no art.º 467º, nº 5, do CPC, o desentranhamento da petição inicial, e a condenar a Autora em custas, com taxa de justiça de 2Ucs, por referência ao disposto no art.º 16º do CCJ.
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É deste despacho que inconformada recorre a autora, alegando e concluindo:
CONCLUSÕES:
1 - Está inconformada a recorrente, com o despacho proferido que ordenou o desentranhamento da p.i.
2- A Autora intentou acção declarativa de condenação sob a forma ordinária contra a empresa C………., Lda.
3 - Para o efeito, requereu apoio judiciário, que lhe foi deferido na modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o processo e honorários ao patrono nomeado.
4 - Sucede que a Autora pagou a 1ª prestação mensal, junto com a p.i., no valor de € 45,00, e não pagou mais nenhuma porque considerou, salvo o devido respeito por entendimento diverso, que as outras prestações seriam de levar em consideração a final do processo.
5 - Aliás, a recorrente dirigiu um requerimento ao Meritíssimo Juiz a quo expondo isto mesmo, requerimento esse que não obteve resposta.
6 - E, não obteve resposta, porque o Meritíssimo Juiz se antecipou, isto é, não deixou esgotar o prazo de 10 dias para a Autora, expor o que tinha por conveniente e antes que esta o fizesse, despachou aquele Tribunal no sentido de declarar extinto o poder decisório, ordenando o desentranhamento da p.i., factualidade com a qual a recorrente não pode concordar.
7 - Esse Despacho, fundamenta a decisão de desentranhamento no artigo 467° n.º 5 do CPC.
8 - Efectivamente, crê a ora recorrente, salvo o devido respeito por opinião diversa, que não deve ser ordenado o desentranhamento da petição inicial, sem mais, devendo antes, a ser convidada a proceder ao pagamento integral das diversas prestações da taxa de justiça e correspondente multa.
9 - O Despacho agora recorrido, viola, em nosso entender, o disposto no nº 1 do art.º 265° do C.P.C..
10 - Com efeito, a seguir-se a tese veiculada na decisão em crise, a concessão do apoio judiciário naquela modalidade revela-se altamente gravosa para a recorrente.
11 - Ora, crê a ora recorrente, salvo o devido respeito por opinião diversa que, findos os articulados, se não for junto o documento comprovativo do pagamento das restantes prestações de taxa de justiça inicial por parte da Autora, o Tribunal a quo deve proferir despacho nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 508.º, convidando a Autora a proceder, no prazo de dez dias, ao pagamento da taxa de justiça em falta e multa correspondente.
12 - E se a Autora persistisse nessa omissão, o Tribunal, aí sim, poderia determinar o desentranhamento a petição inicial e, se fosse caso disso, da réplica - n.º 6.
13 - Sucede que aquele Tribunal não convidou a A. a proceder ao pagamento das prestações em falta, ordenando sem mais considerações, o desentranhamento da p.i., factualidade com a qual a A. não pode concordar.
14 - A manutenção daquele despacho atinge direitos fundamentais da Recorrente, e o prejuízo decorrente do desentranhamento da p.i. é muito superior às eventuais vantagens e, corre o risco de tornar inútil, a lide por prescrição dos direitos que a Autora pretende lhe sejam reconhecidos naquela petição inicial.
15 - Assim, e pelas razões expostas, entende a recorrente que inexiste fundamento legal para o desentranhamento da petição inicial, pois, nem sequer foi dada à ora recorrente a possibilidade de regularizar a situação, violando-se o disposto no artigo 265° do C.P.C., devendo aquele despacho ser revogado e ser substituído por outro que convide a A. a proceder ao pagamento das prestações em falta.
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Remetidos os autos a este tribunal da Relação, colhidos os vistos, e realizada a conferência, cumpre decidir.
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O âmbito do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões das correspondentes alegações – 34°, no 3 e 690°, nos 1 e 3 do CP – sem prejuízo das que cumpra conhecer oficiosamente.

Assim, a questão submetida à apreciação deste tribunal reconduz-se a saber:
- Se a falta de pagamento pela autora de uma ou algumas das prestações liquidadas na sequência da concessão de apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos, nos termos do art.º 16º, nº1, alínea d) da Lei nº 34/2004 de 29 de Julho, impõe a prévia notificação para regularizara o pagamento, e não o imediato desentranhamento da petição inicial.
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Vejamos.

I – Tendo sido concedido à ora recorrente, o apoio judiciário apenas na modalidade de pagamento faseado da taxa de justiça e demais encargos com o processo nos termos do art.º 16º, nº1, alínea d) da lei 34/2004- e não na modalidade de dispensa total de pagamento de taxa de justiça e demais encargos como referiu na sua petição inicial – o que aí está em causa é a taxa de justiça devida no processo, e não já a taxa de justiça inicial que em relação aquela é mera antecipação – cfr. Art.º 22º e 23º do CCJ.
O artigo 467º, nº 5 do C.P.Civil não tem assim aplicação directa por não prever expressamente a situação em análise.
Com efeito este normativo refere-se à falta de pagamento da taxa de justiça inicial.
Do art.º 467º/3) do CPC decorre que o autor só está dispensado de efectuar o pagamento da taxa de justiça inicial, quando o apoio judiciário que haja requerido, lhe tenha sido concedido na modalidade prevista na alínea a) do art.º 16º da Lei nº 34/2004 de 29-7 (dispensa total ou parcial de taxa de justiça e demais encargos com o processo) e não já quando o apoio judiciário que haja requerido lhe seja concedido apenas na modalidade a que se refere a alínea d) do mesmo normativo, ou seja, na modalidade de “pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o processo...”
No entanto haverá que ter em conta que o referido nº 3 do art.º 467º do CPC foi introduzido pelo DL 183/2000, como consequência da nova regulação estabelecida em sede de pagamento da taxa de justiça inicial pelo autor, ou seja, na vigência do regime de acesso ao direito regulado pela Lei nº 30-E/2000 de 20-12, na qual não estava previsto o apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça e encargos – cfr. Art.º 15º da referida Lei.

Sendo certo que a sua redacção veio a ser mantida na recente revisão operada pelo DL 303/2007 de 24 de Agosto, o que aí se dispõe não pode entender-se em prejuízo do disposto no art.º 16º, nº 1, alínea d) e bem assim no art.º 29º, nº 2, ambos da referida Lei nº 34/2004 de 29-7, dos quais resulta que o apoio judiciário concedido, mesmo que na modalidade de pagamento faseado da taxa de justiça e encargos, dispensa o pagamento da taxa de justiça inicial.

Não sendo devida taxa de justiça inicial nos termos referidos, o autor a quem haja sido concedido o apoio na modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça e encargos, não está isento de efectuar o pagamento da primeira prestação correspondente ao pagamento faseado da taxa de justiça, em valor correspondente à liquidação a efectuar nos termos do art.º 11º da Portaria nº 1085-A/2004 de 31 de Agosto, pagamento que deve ser efectuado por depósito autónomo nos termos do art.º 124º, nº 3 do CCJ, e devendo o documento comprovativo ser junto aquando da apresentação da petição inicial, por aplicação do disposto no art.º 150º-A, nº1, do C.P.Civil e art.º 29º, nº 2, da lei 34/2004 de 29/7.

O pagamento das demais prestações haverá de ser efectuado nos meses subsequentes, e só poderá ser suspenso quando o seu somatório for em dado momento superior a quatro vezes a taxa de justiça inicial – art.º 13º, nº1, da citada Portaria 1085-A/2004 de 31 de Agosto - sendo o restante pago a final, de forma faseada, em prestações de montante idêntico ao anteriormente fixado – nº 3 do mesmo normativo.
Não assiste razão à recorrente quando pretende que apenas seria devido o pagamento da 1ª das prestações calculadas.

A autora, ora recorrente, efectuou no entanto o pagamento da 1ª prestação, que, nos termos que vem de expor-se, haveria de ser efectuado aquando da apresentação da petição inicial.
Não efectuou o pagamento das prestações que se venceram posteriormente.

O legislador não previu de forma expressa as consequências dessa falta.
Em todo o caso a sanção não pode ser o desentranhamento da petição inicial, porque, como vimos, o art.º 467º, nº 5 do C.P.Civil não tem aplicação à situação em apreço, uma vez que foi junto documento comprovativo de ter sido concedido o apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado, bem com documento comprovativo do pagamento da primeira prestação que, de acordo com a modalidade de apoio judiciário concedida, haveria de ser efectuado juntamente com aquele articulado.

A consequência terá assim de encontrar-se no disposto no art.º 512º-B, nº 1 do C.P.Civil, como decorre do disposto no art.º 150º-A, nº 2 do C.P.Civil.
Ou seja, a secretaria deverá notificar a autora ora recorrente para no prazo de 10 dias efectuar o pagamento omitido, acrescido da multa ali prevista, sem prejuízo da não realização das diligências de prova que sejam requeridas pelo interessado – cfr. nº 2 do citado art.º 512º-B do C.P.Civil.
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TERMOS EM QUE ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO, em conceder provimento ao agravo, determinando a substituição do despacho recorrido por outro que determine a notificação da autora, ora recorrente, pela secretaria, para que proceda ao pagamento omitido, acrescido da multa ali prevista, sem prejuízo da não realização das diligências de prova que sejam requeridas pelo interessado – cfr. nº 2 do citado art.º 512º-B do C.P.Civil.

Sem custas.

Porto, 24/Abril/2008
Evaristo José Freitas Vieira
Manuel Lopes Madeira Pinto
Carlos Jorge Ferreira Portela