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OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA
ESPECIAL CENSURABILIDADE DO AGENTE
Sumário
O guarda prisional que, dentro do estabelecimento prisional, se propõe conduzir um recluso, que tivera comportamento incorrecto no refeitório, até a um local de controlo e entregá-lo a um dos chefes da guarda prisional e, em vez de assim proceder, leva o recluso para uma sala, fecha a porta à chave e aí o esbofeteia e lhe dá um pontapé nos testículos comete um crime de ofensa à integridade física qualificada, com referência à alínea m) do nº 2 do artº 132º do Código Penal, na redacção dada pela Lei nº 59/2007.
Texto Integral
Recurso Penal nº 6653/07
Acordam, em audiência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
1.Relatório
No .º juízo criminal do Tribunal Judicial de Matosinhos, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, foi submetido a julgamento o arguido B………., devidamente identificado nos autos, tendo no final sido proferido acórdão, no qual se decidiu absolvê-lo da prática do crime de ofensa à integridade física grave dos arts. 144º e 145º do C. Penal, e condená-lo na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, com execução suspensa pelo período de 4 anos na condição de pagar a indemnização fixada no prazo de 1 ano, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelo art. 146º nºs 1 e 2, por referência ao crime previsto no art. 143º nº 1 e à circunstância prevista na al. l) do nº 2 do art. 132º, todos do C. Penal.
E, na procedência parcial do pedido indemnizatório deduzido pelo demandante, foi, ainda, o arguido/demandado condenado a pagar a este a quantia de 15.000 € a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros desde a notificação até integral pagamento, indo absolvido do mais peticionado.
Inconformado com o acórdão, dele interpôs recurso o arguido, pugnando pela sua revogação e consequente absolvição tanto em termos criminais como cíveis ou, assim se não entendendo, que se declare nulo tal acórdão, seja por falta de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, omissão de pronúncia por inexistência de um juízo de especial censurabilidade ou perversidade dirigido ao arguido, ou falta de fundamentação e omissão de pronúncia em matéria de determinação da sanção, ou, na improcedência de tais vícios, que se reduza a indemnização para valor não superior a 7.500 €, apresentando as seguintes conclusões:
§ 1 –Impugnação da Matéria de Facto
1) Salvo o devido respeito pelo Tribunal a quo, o arguido considera incorrectamente julgados os seguintes pontos da matéria de facto dada como provada nos n.os 17, 20 (na parte “como consequência directa e necessária da descrita agressão), 23, 24 e 25 da motivação de facto do douto Acórdão recorrido, uma vez que os mesmos e as provas em que se fundam se revelam incoerentes, inconsistentes e frontalmente incompatíveis com as regras da experiência comum.
2) A premissa que parece ter estado na base do processo de formação da convicção do Tribunal a quo é a de que as dores de que o assistente se queixou e motivaram a sua ida à enfermaria terão de ter sido necessariamente causadas por uma agressão realizada num momento prévio temporalmente muito próximo ao dessa estada na enfermaria e que só o arguido a terá podido praticar. Porém:
3) Primo: essa premissa não se afigura, todavia, compatível com as regras da experiência comum e sobretudo do conhecimento científico na matéria: regra geral neste tipo de lesões o homem começa por sofrer uma dor muito violenta, a qual, normalmente, abranda de forma progressiva, podendo até desaparecer, só voltando a agudizar-se em caso de formação de edema.
4) Assim, apesar de não terem sido visíveis sintomas de dor no assistente no período em que este se encontrava no refeitório e em que depois foi acompanhado pelo arguido, tal não significa que não fosse possível que nessa altura o assistente tivesse já sofrido uma agressão na zona dos testículos.
5) Possibilidade essa reforçada pelos depoimentos das testemunhas C………. e D………., que relataram ao Tribunal ter o assistente estado envolvido, na manhã do dia 6 de Novembro, em confrontos físicos com outros reclusos e já pela hora do almoço revelava sinais de dor e dificuldades em caminhar.
6) Secondo: Este quadro normal de evolução da sintomatologia de dor é incompatível e incongruente com os relatos das várias testemunhas (o subchefe E……….; o guarda instruendo F……….; e o enfermeiro G……….) que, comprovadamente, estiveram em contacto com o assistente após o mesmo ter sido conduzido pelo arguido até ao corredor que dá acesso ao sector da justiça (n.º 18 dos factos provados) e não se aperceberam de que o arguido apresentasse dificuldades em caminhar ou se mostrasse muito queixoso.
7) Tertio: Os depoimentos mencionados revelam ainda uma claríssima incongruência e inconsistência do depoimento do assistente, que não pode deixar de ser ponderada, na parte relativa à sua perda de consciência.
8) Mais, o relato do assistente de que após ter sido agredido pelo arguido nos testículos não se recorda de mais nada e a sua memória seguinte se situa já na enfermaria é de tal forma inverosímil, por incompatível com as regras da experiência comum, que custa perceber como pode o depoimento do assistente ter porventura levado a dar como provada a matéria dos n.º 17, 20, 23, 24 e 25.
9) Quarto: A tudo isto acresce a clara contradição do discurso actual do assistente com o seu comportamento no dia que se seguiu à putativa agressão, em que não foi à enfermaria na parte da manhã.
10) Todo o exposto permite verificar que o relato feito pelo assistente acerca dos acontecimentos que se seguiram imediatamente à alegada agressão está eivado de contradições não só com os depoimentos de várias testemunhas, como e sobretudo com as regras de normalidade que a experiência comum inculca.
11) Sendo certo que o relato desses acontecimentos tem uma relação inextricável com o depoimento do assistente acerca do momento em que esteve a sós com o arguido e lhe imputa agressões na face e nos testículos.
12) Tudo o que leva a impugnar-se a matéria dada como provada nos n.os 17, 20 (na parte “como consequência directa e necessária da descrita agressão”), 23, 24 e 25, requerendo-se desde já a modificação da decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto sobre esses pontos, no sentido de a mesma ser dada como não provada.
13) Em consequência, deverá o arguido ser absolvido do crime de que vem acusado, bem assim como do pedido cível em que é demandado, o que se requer. Subsidiariamente, em caso de improcedência do ora requerido:
§ 2 - Nulidade do Acórdão Recorrido em Matéria de Fundamentação da Decisão de Facto
14) O art. 374.°-2 do CPP estabelece, sob pena de nulidade (art, 379.°-1, a), do CPP) como um dos requisitos da sentença a fundamentação, da qual deve constar a “indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
15) O Tribunal a quo esteve longe de dar cumprimento ao dever de fundamentação da sentença previsto no art. 374.°-2 do CPP tal como ele vem sendo densificado pela doutrina e pela jurisprudência superior (cf. Ac. do STJ de 18-05-2000 e Ac. do STJ de 30-01-2002, referidos supra).
16) Com efeito, e em primeiro lugar, nas suas breves considerações sobre a matéria de facto, o Tribunal a quo não especifica, afinal, que meios de prova o levaram a não ter “quaisquer dúvidas de que os factos, mais concretamente, a extracção do testículo do ofendido, se deveu a agressão do arguido”.
17) Em segundo lugar, apesar de referir que “na sua esmagadora maioria” os guardas prisionais “se prestaram a depoimentos verdadeiramente criticáveis e despidos de qualquer credibilidade”, a verdade é que, tendo sido inquiridos como testemunhas 9 guardas prisionais, o Acórdão não especificou a quais desses guardas conferiu ou não credibilidade.
18) Para compreender o processo de formação da convicção do Tribunal a quo seria essencial conhecer quais foram, dentre os guardas prisionais, aqueles a quem foi reconhecida credibilidade, pois só assim seria possível verificar a compatibilidade do conteúdo desses depoimentos credíveis com o teor de outros depoimentos, maxime do assistente (cf o Ac. do TRL de 05-12-2006, Proc. n.º 908112006-5, www.dgsi.pt).
19) Em terceiro lugar, importa notar a existência de, pelo menos, dois depoimentos testemunhais de reclusos do EP do Porto ao tempo dos factos (C………. e D……….) que declararam ter visto o assistente com dores e evidentes dificuldades de locomoção pela hora de almoço do dia 6 de Novembro.
20) O Acórdão recorrido não estava, obviamente, obrigado a “aderir” a estes dois depoimentos, mas a sua existência impunha que, no mínimo, o Tribunal a quo explicasse por que razão os teve por irrelevantes, dado que essa justificação seria indispensável para perceber por que razão o Tribunal a quo concluiu ser evidente a inexistência prévia de quaisquer lesões, questão crucial para o thema decidendum.
21) O Acórdão recorrido padece, assim, pelas três razões enunciadas, de falta de fundamentação, na vertente do “exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”, o que, pelas disposições conjugadas dos arts. 374.°-2 e 379.°-1, a), do CPP, conduz à nulidade da decisão, que ora se requer. Sem prescindir, e subsidiariamente,
3 - Nulidade do Acórdão Recorrido em Matéria de Qualificação Jurídica dos Factos Provados no Crime de Ofensa à Integridade Física Qualificada
22) Tendo condenado o arguido por crime de ofensa à integridade física simples qualificada (arts. 143.°-1 e 146.° do CP), o Tribunal a quo não fundamentou a integração da matéria provada na qualificação prevista no art. 146.° do CP, por remissão para o art. 132.°-2 do CP.
23) Está em causa na ofensa à integridade física qualificada uma qualificação decorrente de uma culpa agravada, através da técnica legislativa dos exemplos-padrão (PAULA RIBEIRO DE FARIA, Comentário Conimbricense do Código Penal, I, 1999, art. 146.°, § 4).
24) O que vale por dizer que a mera subsunção formal de uma dada situação da vida - in casu, a circunstância de o arguido ser guarda prisional e como tal funcionário e alegadamente ter cometido as ofensas corporais no exercício de funções - a uma dos exemplos típicos previstos no n. o 2 do art, 132.0 não é suficiente para de forma automática concluir pela qualificação fundada numa culpa agravada (cf. JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Comentário Conimbricense do Código Penal, I, 1999, art. 132.°, § 2; e AUGUSTO SILVA DIAS, Crimes Contra a Vida e a Integridade Física, AADFL, 2005, p. 13).
25) Sucede, todavia, que o Acórdão recorrido omitiu por completo qualquer conjugação da cláusula geral de agravação com o exemplo padrão, tendo feito funcionar automaticamente o exemplo padrão da alínea l) do n. ° 2 do art. 132.° do CP, ex vi art. 146.° do CP.
26) E não consta sequer da motivação de direito do Acórdão recorrido uma qualquer conclusão no sentido de o arguido ter praticado o facto que lhe é imputado em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, como determina o n. ° 1 do art. 146.° do CP.
27) Sendo certo, aliás, que a referência à “especial censurabilidade” constante do n.º 24 dos factos provados constitui questão de direito, que não deveria ter sido levada à matéria de facto, e como tal se deverá ter por não escrita (Ac. do STJ de 06-051999, Proc. n.º 325/99-3.a, in: MAIA GONÇALVES, idem, p. 740).
28) Desta forma, não constando do Acórdão recorrido um juízo de especial censurabilidade ou perversidade dirigido ao arguido e vindo este condenado por um crime de ofensa à integridade física qualificada (146.°-I do CP, ex vi art. 143.°-1 do CP), o Tribunal a quo incorreu em omissão de pronúncia, sancionada pelo art. 379.°-1, c), do CPP, com nulidade, que se deixa aqui expressamente arguida. Subsidiariamente, sem prescindir e por cautela:
§ 4 - Nulidade do Acórdão Recorrido em Matéria de Determinação da Sanção
29) Em última instância, mesmo em caso de improcedência das várias questões supra suscitadas, deverá ser declarada a nulidade da sentença por omissão da fundamentação devida em matéria de determinação da sanção, quer ao nível da determinação da pena principal, quer da pena de substituição aplicada.
30) O crime pelo qual o arguido foi condenado (art. 146.°-1, por referência ao art. 143.°-1, ambos do CP) prevê como penas principais, em alternativa, a pena de prisão e a pena de multa.
31) Todavia, no procedimento de determinação da pena principal, o Tribunal a quo não ponderou essa circunstância e partiu de imediato para a aplicação de uma pena de prisão, assim violando o art. 70.º do CP, que dá expressão aos princípios constitucionais da proibição do excesso e da privação da liberdade como ultima ratio da política-criminal.
32) Por força daqueles princípios e do expressamente disposto no art. 70.° do CP, em caso de determinação da pena por crime que preveja, em alternativa, as penas de prisão ou de multa não pode o Tribunal eximir-se a uma ponderação efectiva acerca da real necessidade de aplicação da pena de prisão.
33) Ora, no caso em apreço, o Tribunal a quo “saltou” essa primeira operação de escolha da pena que a lei impõe em caso de aplicabilidade alternativa de pena de prisão ou de pena de multa e começou logo pela determinação da medida concreta da sanção, definindo de imediato um quantum concreto de pena de prisão.
34) Verifica-se aqui, assim, uma falta de fundamentação na escolha da pena principal e uma autêntica omissão de pronúncia, que, de acordo com os arts. 374.°-2 e 379.°-1, c), do CPP, acarretam a nulidade do Acórdão recorrido, que se argui expressamente - cf., neste preciso sentido, o Ac. do TRL de 13-09-2006 (Proc. 611521, www.dgsi.pt).
35) Mas o presente procedimento de determinação da medida da pena é ainda omisso no que diz respeito à fundamentação da medida concreta fixada à pena de substituição de suspensão de execução da pena de prisão e da condição estabelecida para a suspensão, infringindo os arts. 97.°-4 e 374.°-2 do CPP, como também pelo art. 205.°-1 da CRP.
36) Na realidade, não tendo o Acórdão recorrido apresentado qualquer justificação para fixar em 4 anos, e não em mais ou em menos, a duração da pena de suspensão da execução da pena de prisão, deverá também nesta parte qualificar-se como nulo, em virtude da aplicação do previsto nos arts. 374.°-2 e 379.°-1, c), do CPP.
37) Aliás, a interpretação segundo a qual o Tribunal está dispensado de fundamentar a medida da pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão deverá reputar-se inconstitucional, por violação do art. 205.°-1 da CRP.
§ 5 - Indemnização Cível
38) O arguido foi condenado a pagar ao demandante o montante de € 15.000,00 a título de danos não patrimoniais.
39) Devendo a indemnização em causa ser fixada de forma equitativa (cf. arts. 496.°-3 e 494.° do Código Civil), deve levar-se em devida conta que, em outras situações da vida social, os tribunais vêm fixando indemnizações em valor inferior àqueles € 15.000,00 para casos de gravidade semelhante ou até superior ao presente (cf., v. g., de forma paradigmática, o Ac. do TRP de 05-11-2002, Proc. n.º 0221153, www.dgsi.pt).
40) Acresce que vários factores militam no sentido da fixação de uma indemnização menor que a determinada, nomeadamente, a circunstância de não ter sido possível estabelecer um nexo de causalidade entre a alegada agressão e a actual capacidade reprodutiva do assistente (n.º 40 dos factos provados), o período de consolidação médico-legal das lesões (60 dias), e a situação económico-financeira do arguido.
41) Donde, deverá ser reduzida a indemnização cível a que o arguido foi condenado, para valor não superior a € 7.500,00, que se afigura mais consentâneo com a globalidade das circunstâncias que carecem de ponderação para este efeito.
O recurso foi admitido.
Na resposta, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso e consequente confirmação integral do acórdão recorrido.
Invocando as alterações introduzidas ao C. Penal pela Lei nº 59/2007 de 4/9 que, entretanto, entraram em vigor, o recorrente veio apresentar requerimento solicitando que, sem prejuízo do recurso interposto e na eventualidade de vir a ser confirmada a sua condenação, se aplique retroactivamente o actual nº 5 do art. 50º do C. Penal, reduzindo-se o período de suspensão da execução da pena de 4 anos para 2 anos e 6 meses.
O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de que o recurso só merece provimento na parte em que invoca a nulidade do acórdão prevista na al. c) do art. 379º do C.P.P, por não terem sido indicadas as razões pelas quais o tribunal recorrido optou pela aplicação de uma pena de prisão, devendo, por isso, ser declarada tal nulidade e ordenada a remessa do processo à 1ª instância, para ser refeito o acórdão e sanado tal vício.
Cumpriu-se o disposto no art. 417º nº 2 do C.P.P., não tendo sido apresentada resposta.
Colhidos os vistos, procedeu-se à audiência de julgamento, com observância do legal formalismo.
Cumpre decidir.
2.Fundamentação
O Tribunal colectivo considerou como provados os seguintes factos:
1) O arguido é guarda prisional desde 15 de Agosto de 2000, sendo que a partir de Junho de 2003 passou a exercer funções no Estabelecimento Prisional do Porto, sito em ………, área da comarca.
2) Em 6 de Novembro de 2003, pelas 17,30 horas, o arguido estava de serviço no refeitório do referido estabelecimento prisional.
3) Competia-lhe, no exercício das suas funções em tal refeitório, controlar, nomeadamente, o consumo de bebidas alcoólicas pelos reclusos, aos quais, por essa altura - 17.30 horas - era servido o jantar.
4) Durante a refeição, o então recluso H………., ora ofendido, solicitou ao arguido que lhe fosse servida bebida alcoólica numa tigela destinada a sopa, o que este recusou dizendo que deveria aquele arranjar copo para esse efeito.
5) Após esta recusa, o ofendido H………., ao passar com o tabuleiro com a sua refeição junto da mesa de outros comensais, agarrou num copo com bebida alcoólica destinada a outro recluso e colocou-o no seu tabuleiro, ingerindo-a subsequentemente.
6) Mais tarde, o H………. foi ter com o arguido, levando um copo vazio na mão, e pedindo-lhe autorização para que lhe fosse servida cerveja - o que aquele recusou, dizendo-lhe que já tinha consumido a bebida a que tinha direito.
7) O ofendido, inconformado com tal recusa, insistiu, por mais de uma vez, para que fosse servida a pretendida bebida, mantendo o arguido a sua recusa.
8) Descontente com a posição assumida por este, o ofendido, dirigindo-se ao arguido, disse-lhe: - “vocês não valem uma merda” - sendo que, subsequentemente, começou a recolher copos com as bebidas de outros reclusos e a consumi-las juntamente com os seus colegas de mesa.
9) Perante esta atitude do ofendido, que figurou como contrária às normas regulamentares a que os reclusos do estabelecimento Prisional do Porto deviam obediência, o arguido transmitiu ao seu colega I………., a exercer, ao tempo, funções de chefe de ala do Pavilhão . do E.P.P. - pavilhão onde o ofendido H………. estava alojado - o comportamento daquele, solicitando-lhe que lhe pusesse termo.
10) O comportamento do ofendido H………. também foi levado ao conhecimento do subchefe J………. - responsável, na ocasião, pelo refeitório - que determinou ao arguido B………. que elaborasse a pertinente participação.
11) No entretanto, o guarda I………., também presente no refeitório, falou com o ofendido H………., avisando-o de que não podia manter o comportamento que estava a assumir e que deveria ter cuidado com as palavras que dirigia ao arguido, seu colega.
12) O H………. pediu desculpa ao guarda I………., justificando o seu comportamento com o facto de estar nervoso.
13) Não obstante continuou a consumir as bebidas alcoólicas de outros reclusos e a ignorar as ordens do arguido.
14) Por tal motivo o arguido falou novamente com o seu colega I…………., dando-lhe a conhecer que o recluso H………. continuava a comportar-se da mesma forma.
15) Dado que naquele momento se não encontrava no refeitório o subchefe J………., nem qualquer outro superior hierárquico do arguido e do guarda I………., este aconselhou aquele a conduzir o ofendido H………. à zona do controlo do E.P.P. para ser presente a um dos chefes da guarda prisional que aí se encontrasse em serviço.
16) Acatando tal sugestão, o arguido conduziu o ofendido até à zona do controlo, mas, em vez de o apresentar a um dos chefes que ali exerciam funções, levou-o até à sala onde normalmente se procedia à distribuição de correio aos reclusos e fechou a respectiva porta, ficando a sós com aquele.
17) Nessa sala o arguido após uma troca de palavras, de teor não apurado com o ofendido, esbofeteou-o e a seguir pontapeou-o, de forma violenta, na zona dos testículos.
18) O arguido conduziu depois o ofendido H………. até corredor que dá acesso ao sector de justiça, onde este permaneceu até cerca das 18.30 horas.
19) Pelas 18.30 horas, o ofendido H………., foi a seu pedido, e por determinação do subchefe K………., conduzido por dois guardas instruendos à enfermaria do E.P.P., com queixas de dores, aí tendo sido observado e tratado com pomada e comprimidos analgésicos e anti-inflamatórios.
20) Como consequência directa e necessária da descrita agressão, o ofendido H………. sofreu dores intensas na zona dos testículos e traumatismo testicular, do qual resultaram um hematocelo e uma laceração do testículo direito, os quais implicaram intervenção cirúrgica, realizada em 10 de Novembro de 2003, no Hospital de S. João, para escrotomia exploradora, da qual resultou a drenagem do hematocelo e orquidectomia direita - exérese do testículo direito - por laceração testicular completa.
21) Nos cinco dias anteriores à antedita intervenção cirúrgica, o recluso sofreu dores crescentes e um aumento do edema e volume testicular resultante do hematocelo.
22) As lesões sofridas - cujas sequelas não representam afectação grave das capacidades do ofendido e, designadamente, da sua função reprodutiva - encontram-se devidamente descritas nos relatórios médicos juntos aos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, sendo certo que por via delas esteve com afectação da capacidade de trabalho geral por 60 dias, num quadro em que a consolidação médico legal das lesões tardou por igual período - cfr. relatório do I.N.M. Legal, delegação do Porto, de fls. 372.
23) O arguido agiu voluntária, livre e conscientemente, com o propósito de maltratar e molestar fisicamente o ofendido H………., como maltratou e molestou, bem sabendo da ilicitude e punibilidade da sua conduta.
24) O arguido que era, na época, funcionário público, podia e devia ter representado que, como consequência da sua conduta, o ofendido H………. poderia vir a sofrer, como sofreu, lesões físicas com grande potencial incapacitante. Sabia, por outro lado, da especial censurabilidade da sua conduta sabendo que agia com grave abuso de autoridade.
25) Na sequência da agressão do arguido o ofendido sofreu muitas dores e violentas, pois numa escala de 1 a 10 se situam em 8.
26) Aquando da 1ª assistência médica o ofendido foi receitado descanso, uma pomada, uma luva de gelo e dois comprimidos.
27) Pese precisar de descanso foi a seguir conduzido ao controlo e permaneceu no corredor que dá acesso ao sector da Justiça, até à hora do fecho, cerca das 19.30h, altura em foi conduzido à sua cela.
28) Como continuava a ter muitas dores, aquando da distribuição da medicação, cerca das 21.00 horas, teve de solicitar outro comprimido para as dores.
29) No dia seguinte, 6ª feira, 7.11.03, o ofendido porque continuava com dores dirigiu-se à enfermaria, tendo-lhe sido novamente dada a mesma pomada do dia anterior e uma luva de gelo
30) Passou o resto de sexta com muitas dores, e no sábado continuava com imensas dores voltou a enfermaria e foi aconselhado a fazer o tratamento que lhe havia prescrito na sexta.
31) O ofendido/assistente procedeu a elaboração de uma participação no dia 11.11.03.
32) No dia 10 de Novembro (segunda feira), o ofendido/assistente dirigiu-se uma vez a enfermaria, foi observado por um médico, que disse que ofendido/assistente tinha que ser conduzido de imediato ao hospital.
33) O ofendido/assistente foi conduzido da parte da tarde ao hospital Pedro Hispano em Matosinhos, fls. 23 e seg. dos autos.
34) No Hospital Pedro Hispano foi feita uma Ecografia, e de imediato foi conduzido para o Hospital de S. João.
35) Deu entrada no Hospital de S. João no Porto por voltas das 19:30 horas, com intensas dores na zona dos testículos, e traumatismo testicular, do qual resultaram as lesões já acima descritas.
36) O ofendido/assistente teve alta do Hospital S. João no dia seguinte, ou seja, no dia 11 de Novembro 2006, fls. 48 dos autos.
37) O Relatório da perícia do Instituto de Medicina Legal evidencia as seguintes sequelas: Períneo: ausência de testículo direito, presença de cicatriz de 4 cm comprimento, localizada na bolsa escrotal.
38) Segundo o resultado do espermograma, há uma diminuição do número de espermatozóides por mi, apresentando o examinado 19 milhões por ml, num intervalo de entre 60 e 250 milhões por ml.
39) Apresenta também uma diminuição de 50% das formas móveis após 30 minutos. Estas alterações, embora inferiores ao normal, não impedem a capacidade de fecundação”.
40) Na ausência de informação sobre o seu estado anterior, relativamente à sua capacidade reprodutiva, não nos é possível estabelecer um nexo de causalidade certo e seguro com as alterações descritas”.
41) O ofendido era uma pessoa saudável.
42) O ofendido sente-se frustrado e angustiado pela perda do testículo.
43) O arguido não tem antecedentes criminais.
44) O arguido é originário de uma família constituída pelos progenitores e 4 irmãos.
45) O arguido tem o 12° ano de escolaridade, está reformado compulsivamente, auferindo uma pensão de €250,00, trabalha numa empresa de materiais de construção, auferindo cerca de €600,00 mensais, casado a esposa aufere cerca de €1.000,00 mensais.
46) O arguido tem um filho de 5 anos de idade, vive em casa própria, pagando €259,00 de prestação bancária.
47) O arguido goza de boa imagem no meio onde habita.
Não se consideraram provados outros factos com relevância para o objecto do processo e, designadamente, que:
a) Na sala para onde o arguido levou o ofendido aquele tenha questionado este sobre os motivos da sua prisão, ao que este lhe respondeu que estava preso pelo crime de roubo.
b) O arguido retorquiu que ele, recluso, estava preso por roubar e traficar e que eles, guardas, é que tinham de o aturar.
c) O arguido tenha desferido quatro bofetadas no ofendido.
d) Tivesse havido recusa pelos enfermeiros de atenderem o ofendido.
e) O facto de ter perdido um testículo prejudique de forma irremediável o ofendido na sua vida sentimental e sexual.
f) O ofendido tenha perdido as características de alegria e comunicação, passando a ser triste, de difícil contacto, desconcentrado e ansioso.
A motivação da decisão de facto foi explicada como segue:
Em sede de motivação da decisão de facto, ponderou-se, desde logo, o depoimento do arguido, o qual refuta ter agredido o ofendido.
Referiu que conduziu o ofendido à zona de controlo e depois ao gabinete de I distribuição de correio/contencioso, não é verdade ter fechado a porta.
O ofendido disse ao arguido vai para a puta que o pariu, altura em que o arguido se fez ao ofendido, aparecendo o subchefe L………. que impediu qualquer contacto físico e conduzido o ofendido (cerca das 18.00h) ao corredor que dá acesso ao sector da justiça (parlatório), deixando o ofendido lá fechado.
Após os factos falou com o subchefe M………. e relatou os factos e que era intenção dar 2 bofetadas ao ofendido.
Não fez logo a participação por escrito por andar a estudar, tendo apenas participado verbalmente ao subchefe J………. antes de sair do EP.
Foi o guarda T………. que abriu o gradão de acesso ao controlo, no átrio de aceso ao controlo não se encontrava nenhum subchefe.
A sala do correio/contencioso fica situada ao lado dos gabinetes dos chefes, quem passa no corredor tem visão para o interior da aludida sala de correio/contencioso.
O Subchefe L………. e o guarda N………. contactaram directamente com o ofendido após o deixar no corredor.
Falou com D………. e C………. que disseram que o ofendido tinha sido agredido antes de apresentar o ofendido ao subchefe L………. .
Ponderaram-se os depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento.
O ofendido H………. referiu que estava no refeitório e teve uma discussão, após o jantar foi conduzido pelo arguido à sala de controlo, tendo-o antes levado para a sala de correio/contencioso, onde fechou a porta, após uma troca de palavras, sem insultar o arguido, este agrediu-o.
Deram-lhe gelo e pomada, mas como não melhorava teve que ser levado para o hospital.
No dia em que foi assistido na enfermaria disse ao enfermeiro que tinha sido um colega deste (guarda) que o tinha agredido.
Após as agressões desmaiou e só se recorda ter acordado ter acordado na enfermaria.
No dia das agressões não falou com o subchefe M………. .
A testemunha O………., era recluso no EP, o ofendido era colega do mesmo pavilhão, mas não da mesma cela, houve uma confusão no refeitório, após o que o ofendido foi levado dali pelo arguido para a sala de controlo.
O recluso não andou à porrada com ninguém antes dos factos dos autos, no dia seguinte o ofendido apareceu com pensos e inchado e disse que o arguido lhe deu dois estalos, começou a rir-se e este deu-lhe um pontapé nos testículos.
A testemunha P………., recluso, conhece o ofendido por ter estado no mesmo pavilhão, cerca das 20.00 horas viu o ofendido a caminhar, sozinho, a coxear e agarrado às paredes, tendo-o ajudado a ir para a cela, altura em que o ofendido lhe referiu que um guarda lhe tinha dado um pontapé nos testículos.
O local onde viu o ofendido é perto do parlatório e o ofendido vinha de lá. Antes da agressão o ofendido andava bem e não aparentava qualquer lesão. Durante os 4 dias em que o ofendido esteve na cela sentiu muitas dores.
A testemunha Q………., recluso do EP, estava na cela ao lado do ofendido, referiu que houve um incidente por causa da cerveja que o ofendido andava a beber de outros reclusos, altura em que o ofendido foi levado pelo arguido para a sala de controlo.
No dia seguinte viu o ofendido a queixar-se de dores nos testículos, tinha marcas no pescoço, o ofendido disse-lhe que o arguido lhe deu bofetadas e pontapés nos testículos, o ofendido nem podia andar nos 4 dias seguintes à agressão.
Nos dias anteriores à agressão o ofendido nunca se queixou de nada.
A testemunha S………., era recluso no EP, num I pavilhão diferente do ofendido, referiu que andava em tratamento na enfermaria e teve conhecimento pelo ofendido da agressão pelo arguido.
A testemunha M………., subchefe da Guarda Prisional, referiu que num dia ao fim da tarde encontrou o ofendido sentado no chão no corredor de acesso à chefia e disse-lhe que tinha tido um problema com um guarda e que estava tudo sanado, tendo a testemunha dito ao subchefe J………. para recolher o ofendido.
Na altura que encontrou o ofendido o mesmo não aparentava estar com dores, o ofendido era uma pessoa muito complicada no EP.
Após a ida ao hospital o ofendido disse que o arguido lhe deu 2 bofetadas.
Qualquer recluso que provoque problemas é trazido para um anexo perfeitamente visível à testemunha.
A sala de correio/contencioso fica situada no gabinete paralelo ao gabinete da chefia, é utilizado também para fazer revistas.
Na altura não haviam câmaras de vigilância no corredor.
O arguido era boa pessoa e nunca tinha tido qualquer incidente no EP..
Não ouviu o arguido a dar 2 bofetadas ao ofendido, nem este a dizer seu filho da puta.
Falou com o subchefe E………. depois de ter falado com o ofendido.
A testemunha J………., subchefe da guarda prisional, referiu que houve um problema no refeitório, foi alertado pelo arguido e mandou participar, depois não viu mais o ofendido.
Não falou com o arguido na tarde e noite dos factos, apenas no domingo é que teve conhecimento das queixas do ofendido, sendo os factos relativos a 5ª feira.
A testemunha participou na distribuição de medicamentos.
No domingo o ofendido disse-lhe que o arguido lhe tinha dado um estalo e como é que procedia para se queixar.
Quando há incidentes no refeitório levam os reclusos para o corredor de segurança e às vezes ficam na sala de correio/contencioso para se acalmarem.
Face às discrepâncias com o depoimento prestado a fls. 166 referiu que tal será o que corresponde mais à verdade, por ser mais próximo dos factos.
A testemunha I………., guarda prisional, referiu que estava no refeitório à porta e o ofendido começou a causar problemas com outros reclusos, tendo o subchefe J………. dito à testemunha para chamar à atenção o ofendido, tendo este se acalmado.
Após voltou a reincidir no comportamento indevido, pelo que lhe disseram, o subchefe J………. disse ao arguido para levar o ofendido ao chefe que estivesse no gabinete de controlo.
Só soube na semana seguinte que o ofendido tinha ficado sem um testículo.
A testemunha E………., subchefe da guarda prisional, referiu que esteve o dia todo fora do EP e chegou por volta das 17.00h, ao passar na zona de controlo viu o ofendido na zona do parlatório e bateu no vidro, dizendo que estava com dores e queria ir à enfermaria.
A testemunha perguntou ao guarda T………. a razão pela qual o ofendido estava ali e este respondeu que tinha havido problemas no refeitório com o recluso, ordenou que o ofendido fosse levado para a enfermaria e depois trazido novamente para o local.
O ofendido referiu que estava com dores, desconhece quem disse ao ofendido para estar naquele local.
Quando há um incidente no refeitório o guarda participa ao subchefe do refeitório e depois condu-lo ao chefe do controle.
Na altura o ofendido caminhava normalmente quando foi para a enfermaria.
A testemunha U………., guarda prisional, estava no refeitório, o ofendido estava a beber os copos de outros reclusos e foi advertido, tendo sido dito ao arguido para levar o ofendido para o controle.
Apenas soube na semana seguinte que o ofendido tinha extraído um testículo, no refeitório o ofendido não se queixava de dores.
A testemunha V………., guarda prisional, referiu que estava em frente ao gradão que dá acesso ao EP do lado exterior do controle, viu o arguido a passar com o ofendido para o corredor das chefias, que dá acesso também ao gabinete do correio/contencioso, decorridos 10/15 minutos viu-os a passarem novamente em direcção ao gabinete dos advogados e o ofendido seguia normalmente.
Desconhece se o ofendido foi para a enfermaria.
A testemunha W………., médico no EP, referiu que um dia de manhã o enfermeiro X………. pediu para ver o ofendido e constatou que este tinha um edema e mandou-o ir para a urgência do Hospital S. João.
No início se a lesão não tiver sintomas visíveis pode ser tratada com Voltaren.
Quando viu o ofendido na 2ª feira seguinte este caminhava com dificuldade e perguntou-lhe o que tinha acontecido, tendo este respondido que alguém lhe tinha batido, não especificando se tinha sido um guarda.
No traumatismo inicial a dificuldade inicial para andar é grande, neste caso não houve melhoras por causa do edema, é possível a perda da consciência em situações como a que o ofendido sofreu.
O descrito no relatório operatório é compatível com um traumatismo (pontapé).
O ofendido foi à enfermaria à tarde quando já não estava lá o médico.
As lesões não deixam quaisquer sequelas em termos de reprodução, há menor capacidade reprodutiva mas que não impede a reprodução.
A recuperação foi normal para o tipo de cirurgia, o doente após a cirurgia fica com algumas dores e um pouco debilitado.
É provável o enfermeiro na 5ª feira não detectar o edema, uma dor do tipo da descrita ao ofendido situa-se em 8 numa escala de 1 a 10, a situação dos autos consubstanciará uma diminuição de órgão e não de perda.
A testemunha Y………., enfermeiro no EP, referiu que teve contacto com o ofendido que apresentava dores, tendo aplicado ao ofendido um anti-inflamatório.
Na 5ª feira o ofendido terá sido assistido por outro enfermeiro.
A perita Z………., confirma o relatório médico-legal elaborado, referiu que a extracção do testículo não afectou de maneira grave a capacidade de procriação do ofendido.
Não se considera a perda de um testículo importante, porque o testículo é um órgão duplo e não único, a função não se vê só pela parte anatómica mas também pela funcional.
Instada sobre a comparação com outros órgãos, como o peito, refere que este é diferente do testículo, este é uma bolsa escrotal com 2 testículos, sendo diferentes as bolsas escrotais do peito.
No caso do peito considera tal perda como grave.
Comparativamente com os dedos considera que caso haja a perda de um dedo polegar já há afectação grave, mas caso seja o mínimo ou anelar já não será perda de órgão.
Referiu que abaixo de 20 milhões por ml pode haver diminuição de fecundação, com o valor constante nos autos o ofendido não ficou afectado gravemente na sua capacidade reprodutora.
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A testemunha L………., subchefe da guarda prisional, refere que estava no gabinete da subchefia, que dista 4 metros da sala de correio, a qual é a seguir ao gabinete do chefe.
Ouviu vozes alteradas, vindas do gabinete do correio, dirigiu-se a este e estava o ofendido e o arguido a discutirem, conduziu o recluso até à sala de controlo, o qual ficou no corredor ao lado da aludida sala
Quando o ofendido saiu da sala de correio para a sala de controlo caminhava I normalmente sem apresentar qualquer queixa, quando o encontrou não estava aninhado a queixar-se.
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A testemunha é a 1ª vez que é ouvido no processo.
Quando os reclusos são retirados do refeitório são levados para a sala de controlo e que às vezes vão para a sala de correio e depois para aquela.
Desconhece se o ofendido insultou o arguido e se o arguido se fez ao àquele.
Não sabe as pessoas que estavam na sala de controlo e correio, bem como desconhece qual o dia da semana, quando levou o ofendido para a sala de controlo deixou-o lá isolado e nunca mais o viu.
Refere que o arguido subscreveu o doc. de fls. 5..
A testemunha N………., guarda prisional, nunca foi ouvido antes, quer nos presentes autos, quer no processo disciplinar, refere que estava no EP no serviço nas saídas de diligências externas, na hora de refeição às 17.30h estava no gabinete da chefia com o subchefe L………. e subchefe E………., altura em que apareceu o arguido com o ofendido, tendo o subchefe L………. dito ao arguido que podia levar o ofendido para o gabinete de correio.
Após tal facto o subchefe L………. saiu e viu sair a seguir o arguido com o ofendido para a sala de controlo.
Soube da perda de testículo pela televisão, o arguido disse ao subchefe L………. que queria falar em particular com o ofendido o qual autorizou.
Após o arguido e o ofendido terem ido para a sala de correio ouviam-se vozes exaltadas e o subchefe L………. foi ao local e mandou o arguido com o ofendido para a sala de controlo.
A testemunha D………., recluso no EP, também nunca foi ouvido, referiu que às 10.00h da manhã de 5ª feira vieram para o controle o ofendido e o AB………. tendo ambos se pegado à porrada, por terem posto fogo nas celas.
Na noite do mesmo dia houve outra vez confusão e não viu nenhum guarda andar à pancada com os reclusos.
Na aludida noite viu chegar ao controle o arguido com o ofendido e o subchefe L………. e o guarda N………. estava junto do gabinete do contencioso.
A testemunha AC………., sogro e patrão do arguido, referiu que o genro é honesto, trabalhador, tem um filho de 5 anos de idade e não é conflituoso.
A testemunha AD………. referiu que conhece o arguido há 9 anos e que é boa pessoa.
A testemunha F………., na altura era guarda instruendo, referiu que foi chamado pelo subchefe J………. para acompanhar o recluso à enfermaria, desde o corredor de segurança, situado frente ao controle do EP, o recluso estava à porta do corredor de segurança, tendo o ofendido ido pelo pé dele, normalmente.
Desconhece qual a razão pela qual o mandaram à enfermaria, aqui entregou o ofendido ao enfermeiro e trouxe novamente o ofendido.
A testemunha AE………., enfermeiro no EP na altura, recorda-se do enfermeiro X………. ter dito que o ofendido tinha dito ter sido agredido por outro colega.
Confrontado com as declarações de fls. 155 disse que as mesmas correspondem à verdade.
A testemunha C………., recluso do EP, já saiu há 2 anos de ………., referiu que o ofendido nesse dia já mal podia caminhar na hora do almoço.
A testemunha X………., enfermeiro no EP, estava de serviço no dia dos factos, quando chegou à cela do ofendido este disse que queria falar particularmente e que um colega lhe tinha dado um pontapé nos testículos, na altura deu um anti-inflamatório.
Na 2ª feira viu o ofendido novamente, reparou da existência de um edema e chamou o médico.
Quando voltou ao hospital o ofendido disse que quando disse colega queria referir-se a um guarda e não a outro recluso.
A testemunha G………., enfermeiro no EP, referiu que foi a 1ª pessoa a contactar com as queixas do ofendido no escroto, o qual foi à enfermaria pelo seu próprio pé, tendo-lhe receitado um anti-inflamatório.
Na convicção do Tribunal ponderaram-se ainda os documentos de fls. 3 a 5 I (participação dos factos), 23 a 25, 41 a 48 (ficha clínica do ofendido), 75 (auto de exame médico), 81 (relatório médico), 85 (informação dos serviços clínicos do EP), 93 (auto de exame directo), 111 a 120 (cópia de acusação do processo disciplinar do arguido), 267 (relatório médico onde se refere que o ofendido não ficou afectado de forma grave na sua capacidade de reprodução), 343 a 345 e 369 a 372 (perícia médico-legal), 359, 360 (exame médico), 405,619 a 663, 665 a 670.
Relativamente às condições sócio-económicas e antecedentes criminais do arguido teve-se em atenção relatório social, depoimentos das testemunhas que sobre tal depuseram, bem como CRC..
Algumas breves considerações cabem ser efectuadas sobre a prova dada por provada e não provada.
No que ao cerne do problema diz respeito, isto é, a agressão do arguido ao ofendido, o Tribunal Colectivo, pese a refutação dos factos pelo arguido, bem como alguns depoimentos de testemunhas, guardas prisionais, no sentido de ilibarem o arguido, não teve quaisquer dúvidas de que os factos, mais concretamente, a extracção do testículo do ofendido, se deveu a agressão do arguido.
Com efeito, foi por demais evidente que antes do ofendido ter sido levado pelo arguido para a sala do correio/contencioso aquele não sofria ou padecia de qualquer lesão, veja-se que nunca apresentou nem se visualizou qualquer queixa compatível com a lesão que veio a sofrer.
A propósito, da prova testemunhal, em especial dos srs guardas prisionais, os quais, na sua esmagadora maioria, tentaram branquear e afastar a ilicitude da conduta do arguido, cabe dizer que se prestaram a depoimentos verdadeiramente criticáveis e despidos de qualquer credibilidade, tanto mais graves quanto as funções que exercem.
Com efeito, os depoimentos de alguns dos srs guardas prisionais foram tão contraditórios entre eles que pouca ou nenhuma credibilidade mereceram, só a título de exemplo veja-se que alguns nunca tinham intervindo em qualquer audição no âmbito do processo disciplinar do arguido, bem como no inquérito, e pasme-se, foi necessário chegar a audiência de julgamento para “descobrirem” que sabiam factos que afastavam a culpa e ilicitude do arguido.
Ora, as contradições de tais testemunhas foram tantas, veja-se toda a dinâmica relatada sobre ida do ofendido com o arguido para a sala da chefia, o terem ouvido uma discussão entre o ofendido e o arguido, a pretensa interpelação do arguido ao chefe para falar a sós com o ofendido, o facto do ofendido após a agressão não demonstrar qualquer queixa.
Em suma, o rol de contradições do arguido e dos srs guardas prisionais que a tal triste figura se expuseram, face à realidade espaço-temporal evidenciada pela lesão do ofendido, é de tal ordem que o Tribunal Colectivo não teve dúvidas que a versão expendida na acusação era a que na sua esmagadora maioria correspondeu à realidade dos factos.
3. O Direito
Antes de entrarmos no conhecimento do recurso, deixamos consignado que, não tendo o MºPº interposto recurso da decisão final, nem manifestado manter interesse na decisão do recurso interlocutório que havia interposto do despacho que recebeu a acusação, na parte em que este procedeu a diferente qualificação jurídica dos factos relativamente à que constava da acusação, se tem de entender que houve desistência desse recurso, não havendo que proceder à sua apreciação.
Tendo sido documentada a prova produzida em audiência de julgamento, os poderes de cognição deste tribunal abrangem a matéria de facto e de direito (art.º 428.º do C.P.P.).
No entanto, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[2].
No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recurso, as questões essenciais que importa decidir são as seguintes:
- erro de julgamento quanto aos pontos 17, 20, 23, 24 e 25 da matéria de facto provada;
- nulidade por falta de fundamentação na vertente do exame crítico das provas;
- nulidade por omissão de pronúncia consistente na falta de integração da matéria de facto provada na qualificação prevista no art 146º, por remissão para o art. 132º nº 2, ambos do C. Penal;
- nulidade por omissão de pronúncia e falta de fundamentação na escolha da pena principal, bem como na fixação do período de suspensão da execução da pena e sua dependência da condição estabelecida;
- montante da indemnização.
3.1. O recorrente começa por impugnar a decisão da matéria de facto, considerando incorrectamente julgados os pontos 17, 20, 23, 24 e 25 dos factos provados, que pretende sejam considerados como não provados, com a sua consequente absolvição em termos criminais e cíveis.
Em primeiro lugar, contesta a compatibilidade da premissa em que o tribunal se terá baseado para concluir que só o arguido terá podido praticar a agressão (a de que as dores de que o assistente se queixou e motivaram a sua ida à enfermaria terão de ter sido necessariamente causadas por uma agressão realizada num momento prévio temporalmente muito próximo) com as regras da experiência comum e do conhecimento científico na matéria, já que, em regra, neste tipo de lesões, a dor inicial, muito violenta, vai abrandando até desaparecer e só volta a agudizar-se em caso de formação de edema, sendo assim possível que o assistente já tivesse sofrido uma agressão na zona dos testículos antes de ter sido acompanhado pelo arguido na sequência dos factos ocorridos no refeitório. Possibilidade essa que ganha consistência perante a referência feita pelas testemunhas C………. e D………. a um envolvimento do assistente em confrontos físicos com outros reclusos na manhã do dia 6 de Novembro e a queixas dolorosas e dificuldade em caminhar que ele já revelava à hora do almoço.
Em segundo lugar, aquele quadro normal de evolução da sintomatologia de dor é incompatível com os relatos das testemunhas E………., F………. e G………., que estiveram com o assistente depois de ele ter sido conduzido pelo arguido até ao corredor que dá acesso ao sector da justiça e não se aperceberam de que ele apresentasse dificuldades em caminhar ou se mostrasse muito queixoso.
Em terceiro lugar, estes depoimentos revelam a inconsistência das declarações do assistente ao afirmar que perdeu a consciência depois da agressão e só a recuperou quando já se encontrava na enfermaria, o que também se mostra incompatível com as regras da experiência comum.
Por último, o discurso actual do assistente é contraditório com o seu comportamento no dia seguinte à agressão, em que não foi à enfermaria da parte da manhã, estando também eivado de contradições com os depoimentos de várias testemunhas e desconforme às regras da normalidade e experiência comum.
Antes de procedermos à análise da prova produzida com o objectivo de determinarmos se ela consente a convicção formada pelo tribunal recorrido, há que salientar que “o Tribunal de segunda jurisdição não vai à procura de uma nova convicção, mas à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova pode exibir perante si”.[3]
De facto, “o recurso da matéria de facto não visa a prolação de uma segunda decisão de facto, antes e tão só a sindicação da já proferida, e o tribunal de recurso em matéria de exame crítico das provas apenas está obrigado a verificar se o tribunal recorrido valorou e apreciou correctamente as provas”. [4]
Ora, na apreciação da prova, vale a regra geral consagrada no art. 127º do C.P.P., de acordo com a qual a prova é apreciada segundo as regras de experiência[5] e a livre (mas não arbitrária, e necessariamente fundamentada) convicção[6] do tribunal, dentro do respeito pelas quais o juiz que em primeira instância julga goza de ampla liberdade de movimentos ao eleger, dentro da globalidade da prova produzida, os meios de que se serve para fixar os factos provados. Nada obsta, pois, que, ao fazê-lo, se apoie num certo conjunto de provas e, do mesmo passo, pretira outras às quais não reconheça suporte de credibilidade[7].
Esta regra comporta algumas excepções (cfr. arts. 84º, 169º, 163º e 344º do C.P.P.), integradas no princípio da prova legal ou tarifada, e está sujeita aos princípios estruturantes do processo penal, nomeadamente ao princípio da legalidade da prova (cfr. arts. 32º nº 8 da C.R.P., 125º e 126º do C.P.P.) e ao princípio “in dubio pro reo”.
Assim, o tribunal de recurso só poderá censurar a decisão do julgador, fundamentada na sua livre convicção e assente na imediação e na oralidade, se se evidenciar que decidiu contra o arguido não obstante terem subsistido (ou deverem ter subsistido) dúvidas razoáveis no seu espírito ou se a solução por que optou, de entre as várias possíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum.[8].
São os seguintes os pontos da matéria de facto provada a escrutinar:
17) Nessa sala o arguido após uma troca de palavras, de teor não apurado com o ofendido, esbofeteou-o e a seguir pontapeou-o, de forma violenta, na zona dos testículos.
20) Como consequência directa e necessária da descrita agressão, o ofendido H………. sofreu dores intensas na zona dos testículos e traumatismo testicular, do qual resultaram um hematocelo e uma laceração do testículo direito, os quais implicaram intervenção cirúrgica, realizada em 10 de Novembro de 2003, no Hospital de S. João, para escrotomia exploradora, da qual resultou a drenagem do hematocelo e orquidectomia direita - exérese do testículo direito - por laceração testicular completa.
23) O arguido agiu voluntária, livre e conscientemente, com o propósito de maltratar e molestar fisicamente o ofendido H………., como maltratou e molestou, bem sabendo da ilicitude e punibilidade da sua conduta.
24) O arguido que era, na época, funcionário público, podia e devia ter representado que, como consequência da sua conduta, o ofendido H………. poderia vir a sofrer, como sofreu, lesões físicas com grande potencial incapacitante. Sabia, por outro lado, da especial censurabilidade da sua conduta sabendo que agia com grave abuso de autoridade.
25) Na sequência da agressão do arguido o ofendido sofreu muitas dores e violentas, pois numa escala de 1 a 10 se situam em 8.
Vejamos, então, se existe fundamento para a alteração da matéria de facto no sentido pretendido pelo recorrente. Para o efeito não nos cingiremos às declarações e depoimentos apontados pelo recorrente como impondo decisão diversa, porque outros foram considerados na decisão recorrida e de outros se podem colher elementos relevantes para decidir esta questão. Para melhor compreensão dos contornos da questão, tal como emergiu da produção da prova produzida na audiência de julgamento, iremos começar por verificar o que de essencial resultou das declarações de recorrente e assistente e dos depoimentos das testemunhas que revelaram ou afirmaram ter algum conhecimento de pormenores relevantes.
O recorrente negou ter agredido o assistente, embora tenha admitido que os factos antecedentes se passaram tal como vem descrito na acusação; atribuiu a imputação que por aquele lhe foi feita a “uma manobra que ele arranjou posteriormente (…) não passa de uma vingança, porque eu não o deixei (…) fazer o que ele queria no refeitório (…) foi um acto foi pensado posteriormente porque ele inicialmente (…) nem sequer se queixa que eu lhe bati”; que no bar ele “não se queixou de nada” e “eu quando deixei o recluso no corredor que dá acesso ao parlatório (…) não havia qualquer indício que ele estivesse magoado”; que o assistente esteve no refeitório talvez 20 minutos, meia hora e após a refeição é que o conduziu ao controle, onde “não estava nenhum chefe (…) e eu conduzi o recluso aos gabinetes dos chefes”, levando-o depois à distribuição do correio, que fica junto aos gabinetes dos chefes, “eu quando o conduzia àquele sector era para falar com ele, e deixá-lo lá e falar e dar conhecimento a um chefe que lá se encontrasse”; que “não fechei a porta, a porta ficou aberta” e não ficou a sós com ele, nem o questionou sobre os motivos da prisão, “eu chamei-o atenção do…”; que o deixou naquele local “deviam ser umas 17,40, 17,50, 18 horas o mais tardar” e nada sabe do que se passou depois, não sabendo se mais alguém contactou com ele; que ficou “muito chateado” com a conduta do assistente no refeitório, por ele desobedecer à sua ordem de não consumir bebidas alcoólicas; que não estava nenhum guarda na zona de controle e por isso não podia deixar ali o assistente, porque ficaria numa zona aberta, por isso passou no corredor em frente aos gabinetes dos chefes e levou-o para a sala do contencioso ou do correio, que é uma sala que faz paredes-meias com os gabinetes, para falar com ele, não tendo fechado a porta, “tava a tentar acalmar e para que situações idênticas não se repetissem, porque outras situações anteriores já tinham acontecido…(…) a minha intenção era… quer dizer, era conversar com ele, porque normalmente eles quando estão separados já ficam mais calmos e há sempre a possibilidade de tentar trazê-los à verdade ou tentar trazer a razão e para que situações idênticas não… não se repitam até porque o refeitório é uma zona muito, muito delicada” mas, apesar de ter tentado, “não consegui estabelecer muito a ligação com ele porque (…) eu naquela cadeia não estava ali há muito tempo e se calhar também por causa disso ele… ele comigo falou de uma maneira diferente que na presença do senhor I………. (…) quando ele se encontrava comigo também teve o comportamento dele, também se revelou agressivo e quer dizer não me deixou estabelecer ligação (…) ele continuou a insultar-me e começou a levantar a voz (…) mandou-me para sítios um bocado feios (…) estava a dizer que não valia a pena participar que não ia adiantar nada, e mandou-me à puta que me pariu (…) eu ia reagir (…) nessa altura eu fiz-me a ele (…) só que de imediato entra um… o subchefe L………. e mandou-o sair dali, e conduziu-o para o corredor (…) nem sequer lhe cheguei a tocar (…) não houve qualquer contacto”; que o conduziu para o parlatório, que é uma zona “onde se encontravam outros reclusos”, pediu a um colega, supõe que fosse o guarda T………., que abrisse a porta e deixou ali o assistente no corredor que dá acesso ao sector de justiça, que é um corredor largo, aberto, e com portas todas envidraçadas; que entre o gabinete do contencioso e o corredor do parlatório não há nenhuma zona em que pudessem ficar só os dois sem ninguém os ver; que falou dias depois, quando se falou que o assistente o andava a acusar de o ter agredido, com o subchefe M………., comentando com ele na altura “que tinha vontade de lhe dar dois estalos (…) que foi minha intenção dar-lhe dois estalos”; que não se lembra de ter visto na altura o guarda V………., que estava junto à porta onde viu o assistente pela última vez e que veio ter consigo posteriormente e lhe disse que era impossível aquilo ter-se passado da maneira como estava a ser contada porque o assistente não tinha indício de qualquer maleita; que não fez logo a participação porque na altura andava a estudar à noite e aquilo foi a uma quinta-feira e aproveitou o sábado quando estava de folga para a fazer, mas os subchefes J………. e L………. tiveram logo conhecimento do sucedido; que supõe que entre o corredor e os gabinetes das chefias e do contencioso existe apenas uma meia parede, sendo o resto em vidro, “vê-se para fora e de fora vê-se para dentro, acho”; que com o subchefe L………. se encontrava o guarda N……….; que, pelo que falou com algumas pessoas, o que lhe parece é que naquela altura o assistente já tinha sido agredido “no pavilhão ou por algum colega dele (…) colega dele quer dizer, um outro recluso, é essa a ideia que eu tenho é que a agressão já teria sido cometida antes de eu ter estado com ele”, mas “eu no contacto que tive com o recluso não me apercebi de que ele tivesse qualquer maleita”; que acredita que assim tenha sucedido “por conversas que eu tive…com outros… outros reclusos, porque eu depois quando tive conhecimento do que se estava a passar eu tentei falar com pessoas que trabalham diariamente ali naquela zona a ver se tinham apercebido de alguma coisa, se se teria havido ali naquela zona outra… outra agressão e o que me foi dito é que o recluso já no mesmo dia, ou num dia antes que já tinha estado lá à hora do almoço e aí sim (…) era visível que ele tinha, que ele se queixava dessa zona (…) a pessoa que me falou ele garante que foi no mesmo dia, mas eu falei com um outro que não tem a certeza que tenha sido no mesmo dia, que se calhar teria sido antes não tem a certeza, não…”; que essas pessoas são as testemunhas D………. e C………., que trabalhavam na zona do controle diariamente. Em declarações posteriores, já depois de ouvidas várias testemunhas e logo antes de ser inquirida a testemunha L………., o arguido, em declarações complementares, acrescentou que “eu quando passo com o recluso para pra chefia, a intenção com que eu o levo lá é apresentar ao chefe e ele é presente a um chefe (…), o chefe fica a par da situação e posteriormente e pela proximidade com a sala da correspondência eu falo com ele nessa sala de correspondência (…) é o subchefe L……….”.
O assistente confirmou o incidente ocorrido no refeitório motivado pelo facto de o arguido não o ter deixado tirar a cerveja na malga da sopa e de lhe ter dito que “você é uma merda que tá aqui” e que, quando estava a começar a refeição, o chefe da ala, I………., veio ter com ele e disse-lhe que se andava a portar mal e que quando acabasse de jantar iria acompanhar o arguido ao controle, para participar dele; que se disponibilizou logo para ir ao controle e à saída do refeitório, de acordo com a determinação do guarda I………., acompanhou o arguido, que o conduziu para a sala onde se levantava o contencioso e a correspondência, que fica a seguir aos gabinetes dos chefes; que “quando fui para lá não estava lá ninguém”; que o arguido abriu a porta, entraram os dois, e depois ele fechou a porta, “bateu a porta”; que, nesse local, o arguido perguntou-lhe por que é que estava preso, tendo-lhe respondido que era por roubar, ao que ele lhe respondeu “porque vocês vêm presos por roubar, por traficar e a gente aqui é que vos tem que aturar”; que se começou a rir e “ele deu-me dois chapos depois, entretanto, deu-me mais outros dois chapos e espetou-me com um pontapé nos testículos”; que não insultou o arguido de alguma forma, “simplesmente lhe pedi desculpas (…) pela frase que lhe tinha dirigido no refeitório”; que quando estava nessa sala com o arguido não veio ali nenhum guarda; que “depois do pontapé sinceramente não sei como é que fui para a enfermaria que eu quando… quando dei por mim estava deitado no banco da enfermaria, (…) tavam dois guardas instruendos à minha beira”; que não se lembra do que se passou depois do pontapé, “só me lembro de acordar na enfermaria (…) eu não me lembro como é que fui prá enfermaria”; que quando deu por si na enfermaria eram seis e qualquer coisa e a agressão “foi também por volta das seis e qualquer coisa”; que não sabe quem o mandou atender, se foi a enfermeira AF………. ou outro enfermeiro; que foi visto pelo enfermeiro quando ainda estavam abertas as celas, e de novo levado para o controlo por dois guardas, supõe que instruendos por não terem divisas, que lhe disseram que eram ordens do chefe, “mandaram-me outra vez prá zona do controlo, eu queixei-me lá a um subchefe, que eu não me recordo bem o nome (…) “ó chefe, eu preciso de ir ao hospital” porque eu vi logo o chumaço que tinha, ele “não, só vais prá cela depois do fecho, que era depois dos outros reclusos estarem fechados”; que ficou “mesmo aninhado aí, tava sempre a queixar e a bater ao vidro pró chefe, não me recordo o nome, mas ele usava bigode, para me deixarem ir pra cela que tava cheio de dores até estava ali deitado no chão” até ser autorizado a regressar à cela por volta das oito e qualquer coisa, pensando que foi levado até à entrada da ala por um guarda e depois auxiliado por um faxina a ir para a cela; que nessa noite alguém, enfermeiro ou recluso, lhe foi dar medicamentos; que apesar de ter sido tratado na enfermaria, “nem dormia (…) de dia pra dia inchava mais (…) tava sempre a queixar-me todos os dias, queria ir ao hospital e o enfermeiro estava-me a dar uma luva de gelo daquelas plásticas com gelo, para pôr, e estava-me a dar um antibiótico e não sei o que era aquilo (…) eu na boa fé, ele tava-me a dizer que aquilo passava “ai no dia… amanhã já está bom” isso e dava-me uma luva com gelo, entretanto passou dois, três, quatro dias, tive mesmo que fazer barulho, lá para mandarem para o hospital (…) eu ia de manhã à enfermaria, ia à tarde e antes do fecho sempre a queixar-me, sempre a insistir para que me levassem ao hospital (…) porque eu sabia a gravidade do que tinha e as dores mais do que ninguém, eu sabia as dores que estava a sentir”; que só ao fim de quatro dias foi levado ao hospital Pedro Hispano e dali mandado de urgência para o hospital de S. João, onde foi operado; que anteriormente nunca tinha tido qualquer problema nos testículos, nem queixas, estava tudo bem; que não tem quaisquer dúvidas que foi o arguido quem o agrediu e anteriormente não se tinha envolvido em qualquer confronto físico com outros reclusos; que só voltou a ver o arguido no dia a seguir ou dois dias depois, antes da operação, quando um primo seu lhe disse que o guarda que o tinha agredido estava dentro do gabinete e foi ter com ele para lhe pedir o nome para fazer queixa, “e ele até me perguntou “mas o que é que te fiz”, você deu-me um pontapé, “dei um pontapé, onde?, deu um pontapé aqui. “Mostre lá”, eu baixei as calças, ele virou-se para mim e disse “se quiseres o meu nome, a chefia que te dê o meu nome”; que ninguém presenciou essa conversa porque teve lugar no gabinete do chefe de ala, onde o arguido se encontrava, e ele mandou-o fechar a porta; que soube o nome do arguido por intermédio de um amigo seu; que “no dia da agressão, quando dei por mim na enfermaria, a enfermeira disse-me assim “o que é que foi isso?, eu disse “foi um colega”, mas estava a referir a um colega dos enfermeiros, um guarda”; que nunca imputou a agressão a outro recluso, “lembro-me um dia de ter sido chamado pra uma salinha à beira do gabinete do senhor Director lá de ………. (…) houve um recluso que estava preso comigo que tinha dito ao senhor inspector dos serviços prisionais que eu lhe tinha dito a ele que tinha sido um recluso que me tinha agredido, mas esse recluso afirmou lá perante o senhor inspector (…) que tinha sido o guarda AG……….s que o tinha obrigado a dizer isso”; que no dia da agressão não falou com o chefe M………. nem com nenhum outro chefe, só depois “quando vim do hospital tavam todos ali à minha espera…”
A testemunha O………. afirmou ter estado recluído, ao tempo dos factos, no mesmo pavilhão que o assistente; que presenciou os factos ocorridos no refeitório e viu o assistente sair com o arguido para o controle, onde se encontram os gabinetes dos chefes dos guardas, só o tendo voltado a ver no outro dia; que a sala do correio é um local fechado e na altura tinha uma porta “com um vidro, um quadrado só (…) tem um vidro pequeno, mas não tem coisa… visão pra ver pró lado (…) não tem ângulo pra ver pra li”; que o restante não tinha janelas; que nos dias e semanas anteriores o assistente, de quem era amigo e com quem lidava “todos os dias de manhã à noite”, não foi agredido nem andou à porrada com ninguém e, se o tivesse sido, “toda a gente sabia”; que teve conhecimento do sucedido “no dia seguinte quando ele chegou que vinha com um penso nos testículos e tava inchado (…), o H………. disse logo “foi o guarda que me levou… (…) disse que lhe deu dois estalos e que ele começou-se a rir e o guarda não teve mais nada, deu-lhe um pontapé (…) contou logo isso”; que o assistente nunca contou uma versão diferente, nomeadamente não afirmou que quem lhe tinha batido havia sido um recluso, indicando sempre o arguido como o autor da agressão; que, para aceder ao sector da justiça, é necessário passar por um gradão que está fechado e que é um guarda que o abre.
A testemunha P………. afirmou que ao tempo estava recluído no mesmo pavilhão que o assistente; que não assistiu ao ocorrido no refeitório, “o que eu sei é o seguinte, eram oito horas, oito e um quarto, estava o pavilhão todo fechado, como eu era faxina, tava aberto e vejo o AH………., vejo o… o H………. a vir a mancar, coitado, cheio de dores (…) a mancar e eu “ó H………., atão o que é que te aconteceu?” e ele disse-me “olha, foi um guarda que me deu um chuto nos testículos e mandaram-me para o hospital” e depois (…) eu ajudei-o a subir, levei-o até à cela e ele se não me engano (…) ficou lá dois, três, quatro dias a queixar-se (…) de dores, e depois é que foi ao hospital e que lhe tiraram o testículo”; que o assistente vinha sozinho do parlatório e o depoente estava em baixo, sentado, “quando vi o H……… a vir, ele a vir agarrado às paredes, depois quando eu o vi eu não o deixei, peguei nele e subi as escadas e levei-o à cela”; que o assistente “disse que foi por causa de um copo de cerveja, que o guarda não… não o quis bebe… deixar beber a cerveja e aconteceu tudo aí”; que viu o ofendido nos dias anteriores e ele “andava sempre bem, sempre bem, bem disposto” e não lutou com nenhum outro recluso e, de que tenha conhecimento, também não bateu em nenhum outro recluso; que acompanhou o assistente nos dias seguintes, “fui ver se ele precisava de alguma coisa (…) tava com muitas dores (…) foi lá o enfermeiro à cela” e ele contou-lhe que tinha pedido para ir ao hospital “e a cadeia recusou, a cadeia não o levou ao hospital”.
A testemunha Q………. afirmou que era recluso e estava na cela ao lado da do assistente, com quem convivia “todos os dias”; que presenciou os factos ocorridos no refeitório e viu o assistente sair daquele local com o arguido e colegas deste e depois “a gente não soube mais nada, só soube no outro dia quando vimos o rapaz já tava ele cheio de dores que num… que num aguentava (…) o rapaz tava-se a queixar de dores nos testículos e quando fomos a ver o rapaz tava todo inchado”; que também tinha marcas no pescoço, “marcas eh… pisado de agarrar (…) avermelhado, aquele meio roxo é de agarrar (…) é como eles fazem, têm o vício de apertar o pescoço a uma pessoa”; que lhe perguntou o que tinha acontecido “e ele respondeu que tinha sido o guarda que lhe tinha… que lhe tinha… virou-se a ele à porrada e que deu um chuto nos testículos”; que ele disse logo que tinha sido o arguido; que o assistente ainda ficou uns dias com queixas antes de ir para o hospital, não conseguia andar e “todos os dias de manhã tínhamos que levar a comida à cela que ele nem pró refeitório podia ir”; que não sabe se ele foi medicado; que nos dias anteriores o assistente não tinha marcas de qualquer lesão, nem nunca se queixou dos testículos, e não esteve envolvido em nenhuma luta com algum outro recluso.
A testemunha S………. afirmou que estava recluído no E.P. do Porto à data dos factos e que teve conhecimento dos factos através de conversas com o assistente, quando ambos andavam em tratamento na enfermaria, vindo então a saber que ele tinha sido agredido por “um guarda só que eu não sabia quem era o guarda na altura não é, vim a saber mais tarde depois quem era”; que o assistente “disse que foi um guarda, mas não sabia… não me soube explicar qual não é, como eram muitos” (…) falou em nomes mas (…) não me recorda”; perguntado se num momento anterior o assistente disse que foi um colega, um recluso, afirmou que “o ofendido disse sempre que foi um guarda”.
A testemunha M………. afirmou que é chefe da guarda e que em dia que não se recorda “vinha a sair do gabinete ao fim da tarde, eh… encontrei o H………. sentado num corredor que dá acesso à chefia, e perguntei-lhe “então, mais uma vez por aqui? O que é que fizeste desta vez?” Ele disse-me “olhe ó senhor chefe tive ali um problema com um guarda, mas tá tudo sanado” (…) esta conversa foi volta do encerramento, mandei o preso pra cela, eh… e esse dia fomos embora e nada mais soube. Na segunda-feira seguinte, esta mesma pessoa, o H………., eh… teve necessidade de ir ao hospital, então é que soube o que é que se passou, eh… terá dito que tinha sido agredido, em momento algum ele disse na conversa que eu tive com ele, eh… que o tivessem agredido”; que tem ideia que o assistente “na altura estava sentado” e “nunca me manifestou qualquer dor, até que tenha sido agredido (…) era uma pessoa… era e continua a ser um indivíduo bastante complicado, porque era um indivíduo que gostava de beber umas… umas cervejas (…) sofreu algumas punições”; que, logo depois de ter conhecimento que o assistente foi operado, falou com o arguido, “falamos sobre isso e aquilo que eh… que ele disse, eh… foi que terá dado duas bofetadas (…) foi aquilo que ele me disse”; que as instruções que os guardas têm quando algum recluso provoque algum incidente são para o levarem para falar com o depoente ou, quando não se encontra, com alguém que o substitua, sendo o recluso trazido para uma zona “que é bem visível de toda a gente”, que é um anexo que é prolongamento do corredor central; que a sala onde é feita a distribuição do correio fica “num corredor paralelo, eh… é num corredor que dá acesso aos gabinetes da chefia”; que não é correcto os guardas levarem os reclusos para essa sala “se for com intuições de qualquer tipo de agressão” mas “é possível, só para fins de revista”; que tem a impressão que o assistente “foi apresentado ao subchefe E………., ele está aí, eh… ele falou com ele” supondo, “em função da hora” que tenha sido antes de conversar com ele, tendo então dado ordem ao subchefe J………. “para o meterem dentro da cela”; que depois ficou no controle e viu o assistente levantar-se e ir para a cela “à hora do encerramento, quando tocou a campainha”; que não percebe por que é o assistente não lhe referiu ter sido agredido quando falou com ele e “o gabinete onde ele diz que foi agredido é ao lado do meu gabinete, apesar de não haver visibilidade para lá, o que se passar ali eu ouço (…) ouve-se tudo, portanto se é que houve alguma agressão, e isto é o meu entendimento, nem sequer foi lá”; que se não se encontrar um guarda no corredor central, o recluso “é colocado no melhor sítio que a gente o possa pôr (…) ou nos gabinetes da chefia (…) ou no corredor onde tem os gabinetes dos advogados” que tem cerca de dez metros, ficando o gabinete do contencioso “ao fundo desse corredor” e “pegado” ao gabinete do depoente; que “não há visibilidade” do gabinete do contencioso para o gabinete da chefia e para passar de um para o outro é preciso sair primeiro para o corredor; que falou acerca do sucedido com subordinados, talvez com os subchefes E………. e J………., que lhe disseram “que foi um incidente que houve no refeitório, porque era sempre… era sempre a mesma pessoa (…) é hábito esse indivíduo (…) era prática corrente de desestabilizar o refeitório (…), o próprio pavilhão”; que “o recluso nem sequer se queixou ou, se se queixou, queixou-se aos serviços clínicos (…)”, sendo mentira que, quando falou com ele, estivesse no chão cheio de dores, “garanto ao Tribunal que ele foi aos serviços clínicos pelo pé dele e veio pelos pés dele, até ouvi dizer que até desmaiou, o que é completamente falso”; que soube que o assistente tinha ido à enfermaria pelo subchefe E………., pensa que já depois de ele ter ido para a cela.
A testemunha J………. afirmou ser subchefe da guarda prisional no estabelecimento prisional onde o assistente era recluso; que no dia em que os factos ocorreram estava de serviço e “disseram que houve um problema qualquer no refeitório lá com as bebidas alcoólicas, e depois fui alertado (?) o senhor B………. e eu mandei-o participar do indivíduo, depois fui chamado a outra parte, depois a partir dali não soube mais nada”; que o guarda I………. “foi lá falar com ele e depois disse que já estava tudo resolvido”, tendo o depoente ido jantar e nesse dia já não falou com o arguido, já não se recorda de ter falado com ele nesse dia, “no domingo é que ele veio falar comigo (…) disse-me que lhe tinham dado um estalo, como é que fazia para se queixar (…) e falou do senhor B……….”. Esta testemunha foi confrontada nomeadamente com as seguintes passagens do depoimento que havia prestado nos autos, em 19/12/03 (a fls. 166-167): “Salvo erro, numa 5ª feira do passado mês de Novembro esteve de serviço e recorda-se do guarda B………., que estava escalado no refeitório, se ter dirigido ao depoente e lhe ter dito que havia um recluso que já tinha bebido várias cervejas, que estava a causar problemas, que já o tinha chamado atenção e que o recluso tinha sido malcriado a responder-lhe. O depoente transmitiu-lhe que podia identificar e participar desse recluso.
O guarda I………., que estava de chefe de ala, falou com o recluso em causa, o que o depoente presenciou, e depois contou ao depoente que o problema já estava resolvido.
Estes factos ocorreram no refeitório do lado esquerdo do corredor central.
O depoente foi jantar e pelas 19,20 horas, quando regressou à zona de controle/corredor de segurança, foi informado que estava ali um recluso, que se tinha queixado com dores e que tinha ido à enfermaria. O recluso, o mesmo do refeitório, não lhe disse que tinha sido agredido. Esse recluso foi com o depoente até ao pavilhão. Demorou cerca de 5 minutos desde que tomou conhecimento de que o recluso estava naquele corredor, até ao momento que o acompanhou ao pavilhão.
Não é verdade que tenha visto o recluso a regressar da enfermaria.
No mesmo dia, à noite, participou na distribuição de medicação aos reclusos e lembra-se do recluso a quem foi extraído o testículo ter falado com o enfermeiro X………. e de este ter respondido ao recluso, a pergunta que não ouviu, que no dia seguinte deveria ir ao médico. Não se recorda se o enfermeiro lhe deu alguma medicação.
No domingo seguinte o recluso veio ter com o depoente, que estava no corredor de acesso ao refeitório, e informou-o que pretendia fazer queixa do guarda com quem tinha tido anteriormente problemas no refeitório, mas que não sabia o nome do guarda, que também ali se encontrava de serviço.” Perante o teor deste depoimento, disse que já não se recordava, que achava que foi no domingo que o assistente falou com o enfermeiro X………., mas que é provável que o que então disse seja mais coincidente com a verdade. Afirmou, ainda, que não chegou a ver o que se passou no refeitório, “eu cheguei à entrada, foi quando o senhor I………. foi logo lá no início e ele disse-me “ó chefe já está tudo resolvido já falei com o indivíduo tá resolvido”; que não é norma um guarda levar um recluso para uma sala privada, “só se suspeitar às vezes de tráfico ou assim que seja revistado, ou assim”
A testemunha I………. afirmou ser ao tempo guarda prisional no estabelecimento prisional onde o assistente era recluso; que, como houve um incidente com o assistente no refeitório por ele “tirar copos dos colegas a beber e não sei quê”, o graduado de serviço mandou o depoente falar com ele e ele sossegou e pediu-lhe desculpa, mas porque lhe foi referido que ele voltou à mesma e “na altura o chefe J………. acho que tinha ido ao outro refeitório (…) disse ao arguido que “o melhor é levar o homem lá cima ao controle falar com o chefe, se o chefe achar que ele deve repreendê-lo, chamá-lo atenção”; que então o arguido saiu com o assistente para ir ao controle falar com um subchefe, e “eu continuei lá no refeitório, a partir daí não sei (…) nesse dia, não soube mais nada” não voltou a contactar “nem com o arguido, nem com o ofendido”; que teve conhecimento dos factos “acho que só na semana seguinte”, depois de gozar uns dias de folga; que não se recorda de o assistente ter pedido para ir à enfermaria, nem de lhe ter querido mostrar a lesão; que não é normal levar um recluso para uma sala privada, “posso é dizer "olhe, aguarde, aqui que vou chamar o chefe".
A testemunha E………. afirmou ser subchefe da guarda prisional no estabelecimento prisional onde o assistente era recluso; que no dia em que os factos ocorreram “tive o dia todo fora tive com uma escolta em Penafiel cheguei ao estabelecimento já por volta das cinco e meia... seis menos qualquer coisa, seis horas e dirigi-me para o meu gabinete, entretanto saí do meu gabinete e fui a secretária de recursos, e quando venho novamente da secretária de recursos para o meu gabinete, ao passar na zona... na área de controle... (…) ele estava no corredor de acesso ao parlatório e bateu-me ao vidro do gradão queria falar comigo, eu fui lá e perguntei o que é que se passava e ele diz-me que estava com dores que queria ir à enfermaria eu perguntei ao guarda que estava de serviço ao controle como não tinha lá estado durante o dia, porque que é que ele estava ali e o guarda disse-me que... (…) penso que foi o guarda T………. (…) disse-me que tinha havido um problema no refeitório nesse momento estão a sair do refeitório... estão a vir da zona prisional dois guardas na altura instruendos, e eu disse-lhes a eles “acompanhem este homem à enfermaria e quando ele estiver despachado levem-no para cima” portanto e a partir daí ele foi à enfermaria”; que o assistente “estava de pé (…) só me referiu que estava com dores” sem especificar onde e sem referir que havia sido agredido, e caminhava normalmente, acompanhado pelos dois guardas, que tivesse presenciado, não o viu desmaiado “foram os dois guardas com ele porque vinham os dois juntos”; que o guarda que estava no controle estava sozinho e pensa que era o guarda T……….; que desconhece quem o mandou estar ali e não tem a certeza se o viu ou não regressar da enfermaria; que “as ordens que eu dei aos guardas foi após ser atendido e se tivesse... não houvesse necessidade de permanecer na enfermaria, regressava aquele local (…) onde o encontrei, porque se eu o mandasse pró pavilhão corria o risco de estar a desautorizar alguém, eu não sabia o que se tinha passado”; que esteve de folga até 2ª feira e o arguido nunca falou com o depoente sobre o que se tinha passado; que, quando há um incidente com um recluso, o normal é o guarda conduzi-lo para a zona de controle para ser apresentado a um subchefe ou chefe, não levá-lo para uma sala privada; que toda e qualquer pessoa que esteja no controle vê quem está por trás da porta de vidro na qual o recluso estava a bater.
A testemunha U………. afirmou que é guarda prisional no estabelecimento prisional onde o assistente era recluso; que estava no refeitório e presenciou o incidente provocado pelo assistente e que determinou que fosse conduzido ao controle pelo arguido; que não sabe a quem ele foi apresentado, “eu fiquei no refeitório não faço a mínima ideia”; que enquanto permaneceu no refeitório, o assistente estava bem e não se queixava de dores.
A testemunha V………. afirmou que é guarda prisional no estabelecimento prisional onde o assistente era recluso; que “tava a fazer a entrega das encomendas aos outros reclusos (…) na parte de fora do controle, no átrio do controle (…) e vi passar o meu colega com o recluso para o corredor da chefia (…) que dá acesso também à sala onde se distribuiu o correio (…) e daí a dez quinze minutos voltar novamente com ele (?) numa outra sala ao lado (…) é o parlatório, o corredor que dá acesso ao parlatório, sala dos advogados agora (…) a partir daí o meu colega deixou-o e foi novamente pró serviço dele (…) não deixou abandonado até porque havia... penso que havia lá mais... não tenho a certeza se havia mais reclusos”; que de onde estava não conseguia ver para a sala onde se distribui o correio, não sabendo se foi para lá que o arguido levou o assistente nem o que se passou no entretanto; que “a única coisa que eu... que a mim me interrogo, é como é que um homem que leva um pontapé nos testículos ao passar passa andar normalmente num curto... num tão curto espaço de tempo”; que viu o arguido e o assistente passarem em direcção ao corredor que dá acesso ao parlatório e o segundo caminhava pelo pé dele; que se o assistente foi “prá enfermaria, já não é do meu conhecimento (…), isso já foi mais tarde (…) até porque na altura penso que não havia razões para ele ir à enfermaria, naquela hora que ele passou não havia razões para isso”; que, quando há algum incidente com um recluso, o normal é ser levado a um chefe, não a uma sala privada; que não sabe se se encontravam advogados no corredor onde o arguido deixou o assistente, não sendo provável que aconteçam agressões naquele local.
A testemunha W………. afirmou que é médico no estabelecimento prisional onde o assistente era recluso; que observou o assistente, a pedido do enfermeiro X………., dois ou três dias depois da alegada agressão e enviou-o para o serviço de urgência do hospital de S. João; que “o indivíduo tinha um edema da bolsa testicular e o edema da bolsa testicular pode ser por múltiplas e variadas razões (…) poderia ser o que aconteceu, poderia ser uma torção testicular (…), podia ser um hidrocelo, podia ser um varicocelo (…) por isso é que eu o mandei ao serviço de urgência, disse precisa de ser observado por um urologista e fazer com urgência uma ecografia para ver o que é que deu origem ao edema”; que é possível que a lesão nos primeiros dias não aparentasse ter a gravidade que a evolução veio a revelar, “o mais provável é que na quinta-feira não houvesse edema testicular”; que, quando viu o assistente, ele caminhava, “com dificuldade, mas caminhava”; que normalmente “quando há um traumatismo inicial a dificuldade de andar é muito grande (…) Eu não sei o que aconteceu neste caso, porque eu não assisti eh... após o traumatismo inicial que habitualmente a pessoa deixa de poder andar etc. porque tem dores violentas etc. a partir do traumatismo iniciado eventualmente as dores vão piorando com ou sem medicação vão piorando, neste caso como é evidente iriam piorando a partir depois melhoravam e depois começavam a piorar por causa do edema, é o que acontece habitualmente (…) as dores diminuem habitualmente e depois poderão voltar a aumentar se houver edema.”; que “as lesões que eu vi podem ser traumatismo ou poderia ser outra razão (…) o que está descrito no relato operatório que eu vi depois é compatível com traumatismo da região dos testículos por pontapé, por objecto contundente, por qualquer coisa, é um traumatismo até podia ter caído numa zona de (?), é um traumatismo.”; que pensa ter perguntado ao assistente como é que aquilo foi feito, não se lembra, mas “eu penso que ele disse que foi alguém que lhe bateu, não sei quem (…) mas eu há uma coisa que me lembro não... na altura não me disse a mim, o senhor X……… não me disse a mim que foi um guarda (…) não sei se omitiu, se não omitiu”; que, em termos de dor, “pode ter acontecido o traumatismo fosse muito pequeno, não desse quase dor nenhuma e fosse feito duma maneira que por acaso teve azar (…) se foi... se deu uma dor muito violenta dá uma escala... numa escala de um a dez, de oito... nove (…) a dor habitualmente quando se tem um traumatismo na região testicular é muito violenta, o tempo que demora a passar depende de múltiplos e variados factores (…) cada doente é um doente, a relação da dor a passagem da dor de cada doente é um doente, a evolução do quadro de cada doente é um doente, eu não posso neste momento dizer quanto tempo demora uma dor a passar no doente que depende de múltiplas e variadas razões”.
A testemunha Y………. afirmou que é enfermeiro no estabelecimento prisional onde o assistente era recluso; que “a primeira situação em que tive contacto com o assistente foi num pedido (?) medicação e no período terei administrado um anti-inflamatório, posteriormente a isto o segundo contacto que tive foi já posterior à cirurgia terei sido o primeiro a fazer o curativo ao senhor H……….” e não teve mais contactos com ele; que possivelmente procedeu a distribuição de medicação aos reclusos no dia em que os factos ocorreram; que supõe ter sido o seu colega AF………. que procedeu à triagem e observou o assistente no dia em que foi à enfermaria no próprio dia da lesão.
A testemunha L………. afirmou que é subchefe da guarda no estabelecimento prisional onde o assistente era recluso; que estava de serviço no dia em que ocorreram os factos, “eu estava num gabinete da subchefia (…) fica dois gabinetes antes do chefe (…) são duas portas ao lado (…) antes de chegar ao gabinete do chefe”; que a sala do correio “é logo a seguir ao gabinete do chefe” e “uns quatro... cinco metros se calhar nem tanto” do gabinete onde se encontrava, ficando ambos num corredor paralelo ao corredor de segurança e “há uma porta directa do corredor de segurança para... para esse corredor da chefia”; que “eu estava no meu gabinete ouvi, ouvi eh… vozes alteradas portanto, ouvi vozes mais altas portanto discussão, tipo discussão...” que vinham da sala do correio e “eu levantei-me, fui ver o que é que se passava eh… parece que tinha havido portanto tinha havido um problema com aquele recluso no refeitório” e naquela sala “estava só, só o B………. com o recluso (…) o guarda B………. estava a chamá-lo atenção pelos problemas que ele causou dentro do refeitório (…) a voz alterada foi na sequência conclus... se calhar da... do... do que eles estavam a... a falar não é (…) eu de imediato parei com aquilo e disse "ó meus amigos acabou a conversa faça o favor venha comigo, controle, corredor de segurança, aguarda lá"; que conduziu o recluso até ao corredor do controle “mandei o recluso aguardar no... disse aos colegas do controle para aguardar ali até... (…) ficou no corredor ao lado do controle”; que a porta desse corredor para o lado do controle “é como às outras todas são todas envidraçadas”, qualquer pessoa que entre por ali vê para trás dessa porta de vidro, “visiona tudo, todas às portas são envidraçadas para qualquer lado”; que, quando o trouxe até ali, o assistente “ia pelo pé dele, não se queixou de nada, não comentou nada, não demonstra nada absolutamente que tinha sido agredido ou qualquer coisa que o valha”; que não acredita que o assistente tenha levado o pontapé antes de o ter conduzido ao corredor do controle, porque ele ia a andar normalmente; que no local “estava eu e o N…….... (…) eu dá-me a impressão que não havia mais ninguém ali”; que nunca foi ouvido nos inquéritos apesar de saber que tinha havido um processo disciplinar que tinha culminado com o afastamento compulsivo do arguido, “eu penso que na altura não me recordo quer dizer que dá-me a impressão que me ofereci na altura para prestar o meu depoimento, só que não...(…) não me mantive em silêncio, eu penso que na altura disse ao B………. que se fosse preciso alguma coisa que estaria...” e não dá nenhuma explicação para o facto de nunca, até ao julgamento, ter sido referido nem pelo arguido, nem por mais ninguém; que, quando há um incidente com um recluso, “normalmente, o recluso vem pró controle para ser presente ao chefe de guarda”; que “a sala de correio normalmente está aberta ali aquela sala serve para tudo (…) desde fazer revistas aos reclusos porque nós se tivermos suspeita de qualquer coisa do recluso a primeira coisa que nós lhe fazemos é uma revista”; que o arguido “foi para aquela zona para apresentá-lo ao chefe (…) o chefe nunca diz para onde vai (…) possivelmente estava na cadeia, não estava era no gabinete na altura”; que “possivelmente o subchefe que está lá no refeitório possivelmente não disse "leva-o... leva-o ao subchefe nem ao chefe" disse "leva-o ao controle" possivelmente é isso que diz não é, controle porquê porque o indivíduo está alterado e é uma das formas de o manter mais calmo...”; que o arguido leva o assistente para uma sala “com o objectivo que se leva outro qualquer, isolá-lo do refeitório, tirá-lo do refeitório (…) encaminhá-lo ao gabinete do chefe” e “encaminhou, estava a um metro do gabinete do chefe (…) mas essa pessoa não estaria lá”; que o chefe não estava lá, não sabendo concretizar qual o chefe que não estava, “naquele dia... mesmo na cadeia há muitos subchefes e muitos chefes, muitos subchefes de serviço (…) naquela altura o único subchefe que lá estava era eu dentro dum gabinete”.
A testemunha N………. afirmou que é guarda prisional no estabelecimento prisional onde o assistente era recluso; que o gabinete do chefe principal da cadeia fica logo a seguir à direita da sala do correio “logo a seguir temos... começam os gabinetes da subchefia e instituto de reinserção social e por aí fora”; que estava “no gabinete com o subchefe L………. eh... a tratar do expediente duma participação (…) aparece o B………. com o respectivo recluso em que diz ao chefe que precisava de falar com ele tinha tido uma situação qualquer no refeitório e que precisava de... (…) o chefe E………. estava lá” e “mais guardas” no controle, já não recorda quem, “são dois no mínimo”; que as encomendas são despachadas “logo ao início da tarde”, às seis horas já não havia encomendas para despachar, mas “os aparelhos de DVD, os rádios, televisões são entregues sempre ao fim do dia (…) a nível de segurança tem que ser tudo vistoriado, e é no fim do dia que é entregue as encomendas”, o que é feito “nesse gabinete do contencioso, portanto do correio ao fim lá ao fundo”; que no controle há uma mesa “para abertura de televisões (…) rádios (…) aparelhos DVS, de... aparelhos de som (…) são consideradas encomendas (…) porque vêm do exterior (…) são destinadas aos reclusos”; que “aparece o guarda B………. com o respectivo recluso queixoso que precisava de falar com ele eh... em particular (…) o chefe autorizou e ele foi pra pró respectivo gabinete do contencioso”; que não houve pontapés, nem bofetadas (…) saiu foi conversar com o recluso passados uns segundos...(…) fiquei no gabinete (…) depois de segundos do B………. ter falado, eh... o chefe, o subchefe L………. depois saiu...(…) foi-se inteirar (…) eu fiquei ali... por ali no gabinete foi se inteirar da situação e vejo a passar o B………. e o recluso em direcção ao controle foi o que eu vi (…) o chefe L………. depois ficou, continuamos no gabinete”; que, se não sair do gabinete, não tem campo visual nem para a esquerda, nem para a direita; que soube da situação e da imputação feita ao arguido através dos colegas; que nunca antes foi ouvido e que “no SAI houve alguns colegas que foram desacreditados”; que não viu o que se passou na sala do correio, “ouve-se um... um tom de voz alterado, ouve-se... ouve-se uma alteração de voz (…) depois (…) o subchefe L………. depois foi lá ao local (…) foi lá devido a alteração de voz, não é depois foi por foi finalizar a situação, e mandou o recluso mais o guarda... o recluso pró respectivo corredor de segurança, e acompanhado pelo respectivo guarda, foi o que eu vi”; que tem quase a certeza que foi o arguido quem conduziu o recluso “acho que o que importa na verdade, é que ele foi pelo próprio pé dele do sítio”; que pensa que o subchefe E………. estava nesse dia no controle.
A testemunha D………. afirmou que é faxina do controle no E.P. onde o assistente foi recluso; que nunca foi ouvido nos autos; que “nessa quinta-feira de manhã eram dez... dez e pouco” dois reclusos, o AB………. que já foi ouvido como testemunha e um rapaz que depois foi transferido para ………., “vieram pró controle cá para cima, depois na altura não havia condições na cadeia para separar o pessoal quando se pegavam à porrada (…) então puseram-nos no corredor naquele corredor dos advogados. (…) Ficaram ali (…) e eu fui-lhe servir o almoço, fui levar o almoço ao parlatório que eles estavam almoçar, pegaram-se-lhe à porrada (…) que eles assaltaram uma cela, tinham assaltado uma cela, e botaram-lhe o fogo, botaram o fogo à cela, por isso vieram cá para cima, e pegaram-se ali à porrada meti-me no meio deles pra desapertar aquilo”; que aqueles dois e o assistente “eram do mesmo grupo” e pegaram-se à porrada com “o outro grupo, que eram mais dois foi da cela que eles assaltaram (…) eles andavam sempre metidos nessas confusões a roubar e a botar o fogo às celas, não foi a primeira também (…) um tal de senhor C………. que eles assaltaram-lhe a cela, C………. (…) esse senhor também foi assaltado por o AB………. e por... por esse que ficou sem o testículo”; que “aquilo parou depois chamei o guarda, do controle o guarda veio buscá-los e meteu uns em cada lado”; que na altura nenhum se queixava dos testículos; que “à noite, tornaram armar confusão no refeitório por causa do vinho (…) eu vim para cima para limpeza do controle (…) não vi porrada não vi ali situações de nada (…) não vi ali confusão nenhuma”; que “no controle depois vi chegar... vi chegar... (…) aqui o senhor guarda com o H……….; que também viu lá o subchefe L………. “estava lá, como estavam lá tantos, a chefia está lá toda (…) o senhor AI………. estava lá em baixo no... no... num gabinete lá mais ao fundo (…) quem vai pró contencioso”; que não se recorda se o subchefe E………. também lá estava.
A testemunha F………. afirmou que na altura era guarda instruendo no estabelecimento prisional no estabelecimento em que o assistente foi recluso; que, por ordem do graduado de serviço (supõe que fosse o subchefe J………. mas não tem a certeza), acompanhou um recluso (que, pelas feições, reconhece ser o assistente), que estava à porta do corredor de segurança, que fica em frente ao controle, até à enfermaria com o seu colega AJ……….; que seriam “umas seis, seis e tal” e “o recluso foi pelo pé dele (…), se ia aflito não sei, a mancar não reparei (…), que eu tenha reparado não”; que não lhe referiram a razão por que tinha de o acompanhar e não se apercebeu que ele estivesse magoado; que nesse percurso passou pelo gradão que dá acesso à escola do lado esquerdo, por todas as alas do estabelecimento e pela entrada dos refeitórios, não havendo nenhuma possibilidade de levar o recluso em braços sem ser visto; que, chegado à enfermaria, entregou o recluso “ao enfermeiro que lá estava”, já não se recordando quem ele era; que mais tarde associou que aquele recluso fosse o indivíduo que dizia que tinha sido agredido nos testículos; que depois tornou a trazer o recluso “pró mesmo sítio onde tinha pegado nele”, entregando-o novamente ao graduado J……….; que “não houve contacto verbal entre mim, nem o AJ………., nem o recluso (…) reparei que ele trazia qualquer coisa com uma pomada (…) penso que era um invólucro plástico com pomada”.
A testemunha AE………. afirmou que ao tempo era enfermeiro no estabelecimento prisional no estabelecimento em que o assistente foi recluso; que falou com o assistente no dia em que ele foi agredido, mas “não houve assim queixas de nada (…) eu tenho a ideia que foi um guarda que o levou lá mas não… não tenho a certeza (…) ele foi… foi pelo pé dele, ia pelo pé dele (…) não tenho ideia de ele me ter… dele se ter queixado dos testículos nem nada”; que admite que lhe possa ter dado uma luva de gelo e comprimidos, “é natural que tenha dado, se ele se queixou com dores é natural que tenha dado” e que lhe tenha dito para lá voltar se não melhorasse, mas não se lembra; que “se o caso fosse de gravidade estaria registado, eu não sei se está registado se não, mas eu acho que não está registado”; que posteriormente “o enfermeiro X………. disse-me… disse-me um dia que ele em conversa a fazer-lhe o penso e em conversa com o recluso, o recluso lhe dissera que não tinha sido este senhor que lhe tinha feito aquilo, que tinha sido um colega recluso é o que eu me lembro”. Esta testemunha foi confrontada nomeadamente com as seguintes passagens do depoimento que havia prestado nos autos, em 2/12/03 (a fls. 717-719): “No dia 6 de Novembro do corrente ano, o depoente não esteve de serviço. Nesse dia, das 15 às 22 horas estiveram de serviço os enfermeiros G………. e X………. . Só contactou com o recluso a quem foi extraído um testículo, e que se queixa agora de ter sido agredido por um guarda e de ter perdido o testículo por causa dessa agressão na 6ª feira, dia 7, à tarde. Nesse dia o depoente trabalhou das quinze às vinte e duas horas, o recluso foi à enfermaria e disse ao depoente, que lhe tinham dado um pontapé nos testículos e que lhe doía. (…) O depoente observou o recluso na zona dos testículos e não viu nada de anormal, não viu derrame nem nenhum inchaço, nem nenhuma mancha escura nos testículos. Mas atendendo às queixas de dores e à causa que o recluso apresentou para tais dores, aconselhou-o a pedir consulta por médico.
No sábado dia 8, (…) pelas 13,45 horas o mesmo recluso abordou-o no gradão da enfermaria e informou-o que continuava com dores nos testículos, pedindo-lhe qualquer coisa para as dores. (…) Hoje conversou com o seu colega X………. sobre o caso do recluso a quem foi extraído o testículo e aquele seu colega disse-lhe que se lembrava do caso, que no dia da agressão, à noite, quando acompanhava a distribuição da medicação, o recluso em causa mandou-o chamar e pediu-lhe um comprimido para as dores, dizendo-lhe que lhe doía um testículo. O enfermeiro X………. perguntou-lhe qual a causa da dor e o recluso respondeu-lhe que tinha sido um pontapé e que “foi um colega”. O enfermeiro X………. entendeu que tinha sido outro recluso.(…)
Num dos tratamentos ao recluso em causa, após a cirurgia ao que o mesmo foi submetido, o enfermeiro que lhe estava a fazer o penso perguntou ao recluso quem lhe tinha feito aquilo e ele respondeu “foi o guarda”. Nesse preciso momento chegou o enfermeiro X………. que ouviu a resposta do recluso e questionou-o “o senhor disse-me a mim que tinha sido um colega e agora diz que foi um guarda?”, ao que o recluso respondeu “quando disse um colega estava-me a referir a um guarda”. Não assistiu a esta conversa, soube da mesma pelo enfermeiro X………. .” E, perante o teor deste seu depoimento, admitiu “que certamente corresponde a verdade só que isto já vão de dois mil e três pra dois mil e sete já vai muito tempo e a memória esvai-se no tempo.”
A testemunha C………. afirmou que, à data dos factos, era recluso no mesmo E.P. que o assistente e era faxina do controle; que nunca antes tinha sido ouvido nos autos e que quem cá o “meteu” foi o arguido, que falou consigo “lá em ………., quando houve o problema lá com o outro recluso (…), veio perguntar se sabia de alguma coisa” e “o que eu sabia é que esse senhor, esse recluso nesse dia esteve no parlatório a almoçar…(…) e já estava… já mal podia caminhar já tava co a caminhar com as pernas abertas e pra se sentar viu-se à rasca, isso na hora do meio-dia (…) estava de castigo por algum problema que teve (…) estava de castigo por algum problema que teve”; que não sabe que problema foi esse, “unicamente sei que ele na hora do meio-dia, não sei bem dizer era uma quinta-feira, agora o mês se me perguntar agora já não sei, já é muito tempo, ele já tava à rasca” mas associou as duas situações porque “despos ouvi a conversa que tinha havido problemas lá dentro com esse recluso, mas despos do jantar, ao jantar ele ao almoço já estava… à rasca aí é que eu associei mais nada”; que sabe que foi nesse dia que o viu comer fora do refeitório “porque nós faxinas também lá comemos”.
A testemunha X………. afirmou que é enfermeiro no E.P. onde o assistente era recluso; que “quando cheguei à cela do recluso ele chegou-se ao pé de mim e disse que queria falar particularmente comigo (…) ele teve-me a dizer que “houve um colega que o agrediu tendo dado um pontapé nos testículos” e aquilo que eu fiz foi dei-lhe um anti-inflamatório e disse (…) pró dia seguinte sem falta ir a enfermaria para ser visto pelo médico, porque (…) esse tipo de acontecimentos podiam-lhe trazer problemas graves à posteriori se não fosse logo tratado (…) ele disse-me a mim que foi um pontapé dado por um recluso… por um colega, por um colega”; que, pelo que soube, ele não apareceu na enfermaria no dia seguinte e “quando apareceu na enfermaria foi novamente comigo já o... a região testicular já estava com… com edema com rubor, já estava numa fase adiantada eu perguntei-lhe porque é que ele não veio e ele disse que… que não tinha vindo porque não sentiu necessidade de vir porque estava melhor (…) chamei imediatamente o médico ele passou a guia para o hospital e ele foi para o hospital posteriormente soube que ele foi operado ao testículo e retirou um testículo”; quando ele voltou do hospital “virei-me para ele e disse "olhe, grande colega que o senhor arranjou que por causa dele ficou sem um testículo" foi quando ele referiu que quando disse colega queria dizer guarda e não…”; que, pela sua experiência “todos os reclusos que se vieram queixar de que tinham sido agredidos por um guarda referem mesmo, fui agredido por um guarda, referem mesmo ou guarda ou PSP identificam mesmo o tipo de indivíduo. Quando é uma agressão por um por um colega outro recluso o que eles costumam dizer é que são… caíram ou que escorregaram ou que na brincadeira foram empurrados, mas que isso foi na brincadeira”; que quando são agredidos por outros reclusos também não utilizam a palavra “colega”.
A testemunha G………. afirmou que é enfermeiro no E.P. onde o assistente era recluso; que “fui eu o primeiro atender o recluso (…) ele apresentou-se lá com um traumatismo, ao nível do escroto (…) ao fim da tarde (…) depois do jantar deles, e creio que até depois do nosso jantar (…) depois das dezanove”; que ele na altura não referiu o que havia causado o traumatismo; que “ele queixava-se duma dor a nível do escroto”, mas não se apresentava muito queixoso, “ele foi à enfermaria pelo próprio pé (…) creio que foi só, não me lembra de ter sido acompanhado”, mas pode ter sido acompanhado até junto do guarda que se encontra à entrada da enfermaria, que abre e fecha o gradão de acesso a esta e que assegura os serviços de segurança; que lhe administrou um anti-inflamatório local e um anti-inflamatório analgésico por via oral e recomendou-lhe, para o caso de a sintomatologia se agravar, que recorresse aos serviços clínicos que estão sempre abertos; que ele nunca lhe referiu quem tinha sido o agressor.
Pela análise de todas estas declarações verificamos que, em julgamento, foram apresentadas duas versões, a do arguido, que negou ter agredido o assistente, e a deste, que afirmou ter sido agredido por aquele. Ponto assente para ambas as versões é que houve um incidente com o assistente no refeitório, que, na sequência, o arguido conduziu-o à zona de controle para ser apresentado a um chefe, e que o arguido o levou para a sala do correio. O que se passou neste local, indicado como sendo aquele em que a agressão foi perpetrada, bem como nos dias anteriores e posteriormente, já mereceu relatos dissonantes. Não se encontrando mais ninguém, para além dos intervenientes, na sala do correio, tanto uma como a outra daquelas versões encontraram algum suporte em vários dos depoimentos prestados. Do lado da versão do assistente, que atribuiu claramente ao arguido a agressão de que foi vítima e negou ter tido qualquer problema anterior na zona atingida, bem como ter-se envolvido em qualquer confronto físico com outros reclusos, perfilaram-se os depoimentos de O………., P………., Q………. e S………., que todos eles afirmaram que o assistente sempre lhes indicou o arguido como sendo o autor da agressão, referindo os três primeiros que não houve qualquer luta entre aquele e outro recluso, luta essa que, se tivesse ocorrido, não deixaria de ser do seu conhecimento (como bem se compreende se tivermos em atenção o meio em que os factos se desenrolaram e o impacto que situações como a que está em causa nestes autos nele assumem), bem como não terem visto anteriormente qualquer lesão no assistente, nem ouvido este queixar-se de dores na zona atingida. Já a testemunha M……., se bem que tenha afirmado que o assistente, quando falou com ele, não lhe referiu ter sido agredido pelo arguido e nem se encontrava no chão cheio de dores, estranhando que tenha ocorrido a agressão por nada ter ouvido quando se encontrava no gabinete ao lado da sala do correio, referiu uma ocorrência que abala fortemente a versão do arguido, em concreto, que, ao falar com este, já depois de o assistente ter sido operado, ele admitiu ter-lhe dado duas bofetadas. Ora, não foi dada nem se encontra justificação plausível para o facto de o arguido ter admitido ter agredido o assistente (embora apenas com bofetadas) perante este seu superior e, ao ser ouvido nos autos, sempre negou teimosamente tê-lo agredido por qualquer forma, afirmando que apenas teve vontade de lhe bater, que esteve prestes a fazê-lo, mas não o chegou a fazer… Também a testemunha J………. referiu que no domingo seguinte ao dia em que os factos ocorreram o assistente lhe contou que tinha sido agredido pelo arguido. E que o assistente estava bem e não se queixava de dores enquanto permaneceu no refeitório, também o afirmaram, quer a testemunha U………., quer o próprio recorrente. Que ele se queixava de dores quando se encontrava no corredor de acesso ao parlatório, referiu-o a testemunha E………., embora tenha afirmado que ele não lhe referiu ter sido agredido e que se encontrava de pé.
Acresce que, de forma mais ou menos convicta, vários dos guardas ouvidos como testemunhas reconheceram não ser norma os guardas levarem os reclusos para uma sala privada, como é a sala do correio (a menos que seja para lhes fazerem uma revista, o que de todo era o caso, ou para aguardarem naquele local a chegada de um chefe): M……., J………., I………., E………, V………., e até L………. .
Alguns dos depoimentos nada de muito relevante acrescentaram, acentuando fundamentalmente apenas que o assistente não se mostrava muito queixoso e até caminhava pelo seu próprio pé: a testemunha F………. afirmou não se ter apercebido que o assistente estivesse magoado quando o acompanhou à enfermaria e as testemunhas AE………, G………. e V………. afirmaram que o assistente foi pelo pé dele até à enfermaria.
Por sua vez, alguns dos depoimentos pretenderam conferir algum grau de credibilidade à versão do arguido: a testemunha D………. referiu que o assistente esteve envolvido numa refrega com outros reclusos na manhã do dia em que ocorreram os factos, mas na altura não se queixou dos testículos; a testemunha C………. afirmou ter havido um problema entre o assistente e outro recluso e que, à hora do almoço, ele já mal podia caminhar; a testemunha X………. afirmou que inicialmente o assistente lhe disse que um colega lhe havia dado um pontapé, só posteriormente esclarecendo que se pretendia referir a um guarda; a testemunha L………. afirmou ter ouvido uma discussão na sala em que o arguido se encontrava com o assistente, tendo intervindo para a terminar e conduzido este último até ao corredor do controle, indo ele a andar normalmente; a testemunha AI………. afirmou que o arguido apareceu com o assistente no gabinete onde se encontrava com o subchefe L………. a dizer que precisava de falar com ele em particular e foi autorizado a fazê-lo, indo para a sala do correio, onde o tom alterado de vozes fez com que aquele subchefe interviesse e mandasse o arguido conduzir o assistente para o corredor de segurança. Quanto aos depoimentos destes dois últimos, são gritantes as contradições, para mais se comparadas com as declarações do arguido. Destacamos em particular o facto de este ter afirmado inicialmente que não apresentou o assistente a qualquer chefe ou subchefe, como era suposto fazê-lo, porque não se encontrava lá nenhum; mais tarde (por sinal, logo antes de a testemunha L………. ser inquirida), veio afirmar que, afinal, apresentou-o ao subchefe L………. e só depois é que o leva para a sala do correio para falar com ele, conduzindo-o depois para o parlatório, onde o deixou (para quê, então, se ele já havia sido apresentado ao subchefe?). Ora, a testemunha L………. não fala em nenhuma apresentação prévia, situando a sua intervenção quando se dirige à sala do correio para indagar o que se estava a passar, enquanto que a testemunha N………., “mais papista do que o Papa”, torna a falar na apresentação prévia e vai até mais longe, pondo a testemunha L………. a autorizar a conversa que o arguido pretendia ter com o assistente! E se o L………. diz ter sido ele quem conduziu o assistente para o corredor do parlatório, os outros (o arguido e o N……….) afirmam que foi o próprio arguido quem o fez.
Enfim, incongruências que, tal como várias outras, quedaram sem explicação…
O tribunal a quo ostensivamente optou por atribuir credibilidade à versão do assistente, estribando a sua convicção essencialmente no conjunto dos elementos de prova que a sustentaram. Fê-lo no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova, não se detectando qualquer violação das regras da experiência comum, contrariamente ao que o recorrente veio sustentar. Desde logo, não foi produzida qualquer prova credível de ter havido qualquer situação da qual pudesse ter resultado a lesão que o assistente comprovadamente sofreu. As referências a uma refrega ocorrida em momento anterior são vagas e inconsistentes e provêm de fontes de duvidosa isenção, para além de se mostrarem contrariadas pelas declarações do assistente e por vários depoimentos que refutam ter havido qualquer luta entre reclusos e queixas dolorosas anteriores por parte daquele. Depois, a ter ocorrido um incidente dessa natureza - e tendo em conta o melindre da situação que envolvia um guarda prisional e, reflexamente, a imagem da instituição (já para não falarmos da imagem do país, devido às estatísticas negras em termos de violência por parte daqueles que exercem autoridade pública), e a imperiosa necessidade de a esclarecer devidamente - também não se compreenderia por que razão nada (nem quem foram os putativos intervenientes, nem quais as consequências que dela teriam derivado) foi apurado a esse respeito pelos responsáveis pelo estabelecimento prisional. O que é certo é que o assistente, depois de ter estado com o arguido na sala do correio, apresentava queixas e teve de ser atendido na enfermaria do hospital. E que não se tratava de uma queixa à toa, revela-o à saciedade a posterior evolução da sua situação clínica. Ora, se não existe nenhuma outra explicação plausível e credível para a causa da lesão sofrida pelo assistente, para além da agressão que ele atribuiu ao arguido, as considerações acerca da evolução da intensidade da dor não passam de meras especulações. O normal é que agressões do tipo da que é referida nos autos causem uma dor violenta e que o agredido apresente logo uma grande dificuldade de andar, mas – referiu-o a testemunha W………. – nem sempre assim sucede. E não é impossível que o assistente conseguisse caminhar, nem tão-pouco que as testemunhas que referiram que ele caminhava pelo seu próprio pé e sem dificuldade o tenham afirmado por solidariedade para com alguém que tinha feito parte da “casa” onde todos trabalham, numa tentativa de minimizar a gravidade da situação. Não deixa de ser, no entanto, de estranhar o facto de o assistente ter sido conduzido à enfermaria por dois guardas, e não apenas por um, que era mais do que suficiente para o efeito, caso ele se deslocasse sem dificuldade… De qualquer modo, testemunhas houve também que estiveram com o assistente pouco depois da ocorrência e que o viram muito queixoso, tanto que até foi necessário ajudá-lo a regressar à sua cela.
Por outro lado, as afirmações feitas pelo assistente de que não sabe como é que foi para a enfermaria, que só deu por si quando estava deitado num banco nesse local, que só se lembra de acordar na enfermaria, também não nos causam a estranheza que suscitaram ao recorrente. É bem natural e plausível que, com a dor que sofreu, o assistente tenha ficado atordoado, num estado de consciência muito alterado, que por momentos lhe tenha feito esquecer o que se passava à sua volta. Não são invulgares os relatos de pessoas que sofrem traumatismos violentos, que aparentemente continuam conscientes, mas que não se conseguem aperceber com clareza daquilo que se passa ao seu redor e que não guardam recordação desses momentos.
Quanto ao comportamento do assistente no dia seguinte à agressão, também não vislumbramos nada que contrarie o relato que ele fez dos factos. Se ele foi ou não à enfermaria na manhã seguinte, é irrelevante; tal pode ter acontecido por um sem-número de razões, nomeadamente por ainda estar combalido ou por registar pequenas melhoras que lhe fizeram supor que a situação estava a evoluir favoravelmente. Certo é que, sentindo-se piorar, o assistente procurou assistência e pediu para ser levado ao hospital, pedido esse que, lamentavelmente, só foi atendido quatro dias depois.
Em conclusão, feita a análise de todo o acervo probatório recolhido nos autos, dir-se-á que a convicção alcançada, sem qualquer margem de dúvida, pelo tribunal recorrido acerca da matéria contestada pelo recorrente encontra suficiente suporte na prova produzida e, por isso, não se vislumbra o apontado erro de julgamento. Aliás, a convicção que o tribunal recorrido formou acerca da prova produzida é, não só plausível, como aquela que se mostra mais consentânea com as regras da experiência comum.
3.2. O recorrente invoca, subsidiariamente, como um dos fundamentos do recurso, que o acórdão recorrido padece de falta de fundamentação, na vertente do exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, que acarreta a sua nulidade por força das disposições conjugadas dos arts. 374º nº 2 e 379º nº 1 al. a), ambos do C.P.P. E isto porque o tribunal a quo não especificou, na motivação da matéria de facto, que meios de prova o levaram a concluir, sem margem para dúvidas, que a extracção do testículo do assistente se deveu a agressão do recorrente; nem especificou quais os guardas prisionais cujos depoimentos lhe não mereceram credibilidade; nem tão-pouco explicou as razões pelas quais concluiu ser evidente a inexistência prévia de quaisquer lesões, nem o motivo pelo qual não conferiu relevo aos depoimentos de C………. e D………., que ao tempo dos factos eram reclusos no E.P. do Porto e que declararam ter visto o assistente com dores e evidentes dificuldades de locomoção no dia dos factos e antes de estes terem ocorrido.
Como é sabido, a estrutura de uma sentença comporta três partes distintas: o relatório, a fundamentação e o dispositivo, que devem obedecer aos requisitos enumerados no art. 374º do C.P.P.
No que diz respeito à fundamentação[9], a mesma deve conter, sob pena de nulidade (cfr. al. a) do nº 1 do art. 379º do C.P.P.), a especificação dos factos provados e não provados, bem como a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento, com realce para aqueles em que assentou a convicção do tribunal, sendo “ainda necessário um exame crítico desses meios, que servirá para convencer os interessados e a comunidade em geral da correcta aplicação da justiça no caso concreto”[10]. A estas exigências legais subjazem, pois e por um lado, objectivos de transparência e de credibilização das decisões. Num Estado de Direito democrático, o poder judicial tem de se afirmar perante os interessados e a própria sociedade, nomeadamente, pela justificação das suas decisões, afastando suspeitas de arbítrio ou de leviandade. Não basta vencer, é indispensável convencer. Por outro lado, tais exigências permitem o controlo das decisões pelas instâncias superiores, em caso de recurso, viabilizando a correcção de falhas clamorosas.
Os motivos de facto que fundamentam a decisão, aludidos no nº 2 do preceito em referência, “não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum) mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova. (…)
A fundamentação ou motivação deve ser tal que, intraprocessualmente permita aos sujeitos processuais e ao tribunal superior o exame do processo lógico e racional que lhe subjaz (…). E extraprocessualmente deve assegurar, pelo conteúdo, um respeito efectivo pelo princípio da legalidade na sentença e a própria independência e imparcialidade dos juízes, uma vez que os destinatários não são apenas os sujeitos processuais, mas a própria sociedade”[11].
Pese embora as linhas gerais traçadas na lei, a fundamentação não se tem de conformar com um modelo rígido e uniforme, devendo ser mais ou menos aprofundada consoante as particularidades de cada caso: a existência ou inexistência de versões contraditórias ou de pontos que hajam de ser esclarecidos de forma a que sejam perceptíveis os motivos pelos quais a convicção do tribunal se orientou num sentido e não noutro.
O que se exige é que o tribunal, a partir da indicação e exame das provas que serviram para formar a sua convicção, enuncie as razões de ciência extraídas destas, os motivos porque optou por uma das versões em confronto, quando as houver, os motivos da credibilidade dos depoimentos, documentos ou exames que privilegiou na sua convicção, de forma a permitir a reconstituição e análise crítica do percurso lógico que seguiu na determinação dos factos como provados ou não provados.
Isto não significa que o tribunal tenha de analisar minuciosa e exaustivamente todas as provas produzidas, nem que haja de as transcrever (porque para isso serve a documentação das declarações)[12], bastando que exteriorize de forma clara e inequívoca o raciocínio que seguiu na formação da convicção, assim demonstrando que não procedeu a uma ponderação das provas arbitrária, ilógica, contraditória ou violadora das regras da experiência comum.
Lendo a motivação da decisão recorrida, temos de reconhecer que ela não é um modelo a seguir. De facto, ela contém páginas e páginas em que se resumem as declarações de arguido, ofendido e testemunhas, o que era perfeitamente dispensável, além do mais porque a prova foi gravada. O que se pretendia era que o tribunal esclarecesse devidamente as razões pelas quais ancorou a sua convicção numa das versões em confronto, indicando os meios de prova que atendeu para o efeito e explicando por que os mesmos lhe mereceram credibilidade. Nada mais.
No entanto, apesar da futilidade de boa parte do que ali foi consignado e dos termos muito genéricos utilizados na apreciação dos depoimentos – um maior grau de precisão era possível e desejável -, consegue-se perceber que o tribunal procedeu à ponderação e relacionação de toda a prova produzida na audiência e, bem assim, dos documentos que constam dos autos, alcançando-se igualmente, pelas “breves considerações” finais, os motivos pelos quais se considerou ser a versão dos factos constante da acusação, e sustentada no essencial pelo assistente e pelos depoimentos a que fizemos alusão no ponto anterior, aquela que mereceu a credibilidade do tribunal. De facto, não vislumbrando qualquer causa plausível, credível e consistente para a lesão sofrida pelo assistente para além da agressão por ele imputada ao arguido e, levando em consideração a ausência de queixas anteriores, o tribunal concluiu que o arguido efectivamente perpetrou tal agressão. Por outro lado, não considerou relevantes as declarações do arguido e os depoimentos que de alguma forma apoiaram a versão por ele sustentada, particularmente os da maioria das testemunhas guardas prisionais, por neles ter notado parcialidade e propósito em ilibar o arguido, branqueando a sua conduta. É notório que o tribunal desvalorizou a generalidade dos depoimentos dos guardas prisionais (o que não significa que isto se aplique exactamente a todos, pois alguns houve, como a testemunha U………, que nada de contraditório ou nitidamente parcial disseram), mormente daqueles que tentaram fazer crer que era impossível ter acontecido qualquer situação anómala na sala do correio para onde o arguido conduziu o ofendido, quando o próprio facto de ele o ter conduzido para aquele local, já de si, contraria todos os procedimentos normais; mas também se infere que pretendeu fazer uma referência particular aos depoimentos das testemunhas L………. e N………., que nunca antes tinham sido ouvidos, nem no inquérito disciplinar, nem em sede de inquérito, e que denotaram graves contradições, quer entre si, quer até com as declarações do arguido. Leitura esta, aliás, que, mesmo sem a proximidade da imediação, facilmente se colhe das transcrições, só não se compreendendo a razão pela qual o tribunal não retirou consequências desse comportamento para os visados.
Assim, e porque através da motivação são perceptíveis os meios de prova em que se alicerçou a convicção do tribunal, todos eles permitidos, as razões de ciência das testemunhas, e o percurso lógico trilhado, não se evidenciando qualquer arbitrariedade ou atropelo das regras da experiência comum na apreciação da prova e na formação da convicção, consideramos que foi minimamente cumprido o desiderato legal.
Razão pela qual temos por não verificado o apontado vício.
3.3. Ainda subsidiariamente, veio o recorrente arguir a nulidade, por omissão de pronúncia, prevista na al. c) do nº 1 do art. 379º do C.P.P. e decorrente do facto de o tribunal a quo não ter fundamentado a integração da matéria de facto na qualificação prevista no art. 146º, por remissão para o nº 2 do art. 132º, ambos do C. Penal, quando a mera subsunção formal de uma dada situação da vida - no caso a qualidade de guarda prisional do recorrente e a prática das ofensas corporais no exercício de funções - a um dos exemplos típicos previstos no nº 2 do referido art. 132º não basta para fazer funcionar de forma automática essa qualificativa. De facto, a referência à especial censurabilidade, que constitui questão de direito, foi indevidamente levada à matéria de facto, não constando da motivação de direito uma qualquer conclusão no sentido de o ora recorrente ter praticado o facto que lhe é imputado em circunstâncias que revelem a especial censurabilidade ou perversidade exigida pelo nº 1 do art. 146º do C. Penal.
Na acusação que contra o arguido foi deduzida havia-lhe sido imputada a prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. no art. 146° nºs 1 e 2, por referência ao crime de ofensa à integridade física simples previsto no art. 143° nº 1 e à circunstância prevista na al. l) do nº 2, do art. 132°, todos do C. Penal (na versão anterior às alterações introduzidas pela Lei nº 59/2007 de 4/9, que entrou em vigor data posterior àquela em que foi proferida a decisão recorrida).
Aquando do recebimento da acusação, procedeu-se à alteração dessa qualificação para um crime p. e p. pelos arts. 145° nºs 1 e 2, 143º nº 1, 144º al. a) e 146° nºs 1 e 2, por referência à qualificação da al. l) do nº 2 do art° 132, todos do C. Penal.
Na decisão recorrida considerou-se que as lesões sofridas pelo assistente não se enquadram em qualquer das alíneas do crime de ofensa à integridade física grave do art. 144º do C. Penal “porquanto não houve privação ou desfiguração grave de órgão, bem como o ofendido não ficou afectado de maneira grave na capacidade de procriação”. Para alcançar esta conclusão, que entendemos correcta e não foi objecto de contestação, baseou-se na perícia realizada pelo IML e no depoimento da perita e de um médico ouvidos em julgamento, que se pronunciaram no sentido de que, tratando-se de um órgão duplo, a perda de um testículo, não eliminando a função do órgão, não deve ser considerada como perda do mesmo, bem como que essa perda não afecta de forma grave a capacidade de procriação.
A decisão recorrida manteve, no entanto, a subsunção dos factos à previsão da ofensa à integridade física qualificada, ao tempo constante do art. 146º do C. Penal, referindo textualmente que:
“Compulsados os factos provados manifesto é que o arguido praticou factos que objectivamente consubstanciam a prática de um crime de ofensas corporais qualificadas sobre o ofendido.
Com efeito, está provado que:
O arguido, no exercício das suas funções de guarda prisional, após uma troca de palavras, de teor não apurado com o ofendido, esbofeteou-o e a seguir pontapeou-o, de forma violenta, na zona dos testículos.
O arguido conduziu depois o ofendido H………. até corredor que dá acesso ao sector de justiça, onde este permaneceu até cerca das 18.30 horas.
Pelas 18.30 horas, o ofendido H………., foi a seu pedido, e por determinação do subchefe K………., conduzido por dois guardas instruendos à enfermaria do E.P.P., com queixas de dores, aí tendo sido observado e tratado com pomada e comprimidos analgésicos e anti-inflamatórios.
Como consequência directa e necessária da descrita agressão, o ofendido H………. sofreu dores intensas na zona dos testículos e traumatismo testicular, do qual resultaram um hematocelo e uma laceração do testículo direito, os quais implicaram intervenção cirúrgica, realizada em 10 de Novembro de 2003, no Hospital de S. João, para escrotomia exploradora, da qual resultou a drenagem do hematocelo e orquidectomia direita - exérese do testículo direito - por laceração testicular completa.”
Fundamentação esta que, mais uma vez - reconhecemo-lo -, peca por defeito. No entanto, fundamentação deficiente (ou incorrecta) não é o mesmo que fundamentação inexistente, por forma a que se possa afirmar a nulidade invocada pelo recorrente; só a total ausência de fundamentação ou uma deficiência tão acentuada que haja de ser equiparada a ela – que de todo inviabilize a sindicância da decisão – constitui nulidade. Não nos parece que, apesar dos pesares, seja esse o caso. E ainda que ao recorrente assista razão quando aponta a incorrecção de ter sido levada à matéria de facto provada (ponto 24, parte final) a referência à “especial censurabilidade” e que esta, por constituir matéria de direito, se deva considerar como não escrita, de todo o modo, a conclusão alcançada pelo tribunal recorrido, no tocante à qualificação jurídica dos factos provados, embora pouco fundamentada, parece-nos indiscutível.
Em primeiro lugar, os factos integram, sem margem para dúvida, os elementos típicos do crime de ofensa à integridade física p. e p. pelo art. 143º nº 1 do C. Penal, pois ficou provado que o recorrente molestou fisicamente o assistente, esbofeteando-o e pontapeando-o na zona dos testículos (ponto 17) e agiu de forma voluntária, livre e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei (ponto 23).
Mostrando-se assente que o recorrente cometeu o crime de ofensa à integridade física, há então que verificar se as circunstâncias que rodearam a agressão revelam ou não uma especial censurabilidade ou perversidade do agente.
De acordo com o tipo legal do art. 146º (actual art. 145º) do C. Penal, a ofensa à integridade física, nomeadamente a prevista no art. 143º, é qualificada se for produzida “em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente”, indicando a norma, por remissão para o nº 2 do art. 132º, algumas das circunstâncias (“entre outras”) susceptíveis de revelar essa especial censurabilidade ou perversidade, interessando-nos no caso a prevista na al. l), actual al. m), dessa norma, a de ser o agente funcionário e praticar o facto com grave abuso de autoridade.
É certo que o legislador consagrou exemplos-padrão, o que significa que outras circunstâncias, para além das elencadas, podem preencher o conceito; e não é menos certo que a simples verificação de uma das circunstâncias elencadas não implica necessariamente, de forma automática, o seu preenchimento, como claramente decorre da expressão “é susceptível” utilizada na redacção do preceito.
Assim, a verificação de uma daquelas circunstâncias, seja ela relativa ao facto ou ao agente, não implica sem mais a realização do tipo de culpa e a consequente qualificação, constituindo apenas um indício da especial censurabilidade ou perversidade do agente que fundamenta o agravamento da moldura penal aplicável ao tipo fundamental de crime por ele praticado. Partindo desse indício, há que determinar se as concretas circunstâncias em que a ofensa à integridade física foi produzida revelam um desvalor de acção que excede aquele que o tipo fundamental abarca.
No caso sub judice, temos que o recorrente era, ao tempo, guarda prisional, categoria profissional que cabe no conceito amplo de funcionário para efeitos da lei penal consagrado no art. 386º do C. Penal, em concreto na al. a) do seu nº 1[13]. E que praticou os factos no exercício das suas funções.
Enquanto guarda prisional, estava abrangido pelo DL nº 174/93 de 12/5, com as alterações introduzidas pelo DL nº 403/99 de 14/10 (Estatuto Profissional da Carreira do Corpo de Guardas Prisionais), cujo art. 7º estabelece, no seu nº 1, que “Ao pessoal do corpo da guarda prisional compete genericamente: …c) Manter relacionamento com os reclusos em termos de justiça, firmeza e humanidade, procurando, simultaneamente e pelo exemplo, exercer uma influência benéfica”, estabelecendo ainda o nº 1 do art. 31º que “São deveres do pessoal da guarda prisional: …f) Participar superiormente, e com a maior brevidade, as infracções à disciplina de que tenha conhecimento; i) Ser urbano nas suas relações com os reclusos, quer na correcção da linguagem, quer na afabilidade do trato, sem deixar de manter atitudes serenas e firmes e uma total independência de acção.”
Ora, o recorrente, ao invés de apresentar o assistente a um superior hierárquico para lhe dar conta da conduta que ele havia assumido no refeitório, como devia fazer e constituía a razão de o ter levado à zona do controle do E.P., levou-o - ao arrepio de todos os procedimentos normais e sem qualquer justificação - para uma sala, cuja porta fechou e onde ficou a sós com ele e o agrediu, na sequência de uma troca de palavras de teor não apurado (pontos 15, a6 e 17 dos factos provados). Qualquer que tenha sido o teor dessa troca de palavras – e ainda na hipótese não demonstrada de que o assistente possa ter proferido palavras injuriosas para o recorrente, conforme por este foi afirmado (o que custou a crer ao tribunal recorrido e também nos custa a crer pois revelaria uma temeridade inusitada, tendo em conta que ele se encontrava sozinho perante um guarda prisional) – ela de forma alguma poderia explicar uma reacção tão violenta por parte de alguém que estava especialmente incumbido de garantir a segurança e a ordem no estabelecimento prisional, bem como velar pela observância da lei e dos regulamentos penitenciários (cfr. nº 1 do art. 2º do DL nº 174/93), impondo-se-lhe que exercesse a sua autoridade de forma firme, mas também serena, humana e exemplar. O recorrente violou, pois, e em alto grau, os deveres que sobre ele impendiam, valendo-se da posição de superioridade que a autoridade em que estava investido lhe conferia para consumar a agressão ao assistente, de forma violenta e atingindo-o numa zona corporal particularmente sensível, depois de o ter levado para um local onde estaria a coberto de olhares de terceiros e onde aquele ficava particularmente desprotegido. Agiu com dolo directo e intenso, não podendo desconhecer os deveres a que estava vinculado e tendo, também, obrigação de saber que, desferindo um pontapé na zona dos testículos do assistente, lhe podia causar lesões com alguma gravidade (em casos extremos, até lesões letais), como efectivamente causou. A agressão foi perpetrada em condições que denunciam um acentuado desvalor da conduta relativamente ao padrão normal de actuação suposto pelo tipo matriz da ofensa à integridade física, delas resultando uma imagem global do facto agravada que convoca um especial juízo de censura agravada.
Donde se conclui que a actuação do recorrente é especialmente censurável e integra o crime de ofensa à integridade física qualificada pelo qual foi condenado.
3.4. Também subsidiariamente, o recorrente argui a nulidade, por omissão de pronúncia, do acórdão recorrido, por aplicação do disposto nos arts. 374º nº 2 e 379º nº 1 al. c) do C.P.P., em virtude não ter sido fundamentada, como o impõe o art. 70º do C. Penal, a opção por pena de prisão, quando o crime pelo qual foi condenado prevê como penas principais, em alternativa, a pena de prisão e a pena de multa, nem ter sido fundamentada a duração da pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão e a condição estabelecida para a suspensão. Falta de fundamentação essa que entende dever-se também reputar de inconstitucional, por violação do art. 205º nº 1 da C.R.P.
O ilícito criminal pelo qual o recorrente foi condenado era, ao tempo, punível com pena de prisão ou com pena de multa. Quando o crime previr a aplicação alternativa de pena privativa e pena não privativa da liberdade, a determinação da sanção passa por duas operações: a escolha da pena e a determinação da medida concreta da pena. O critério que preside à primeira consta do art. 70º do C. Penal: “o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, sendo estas as indicadas no nº 1 do art. 40º do mesmo diploma: a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Impõe-se, assim, que o julgador faça uma ponderação prévia acerca da adequação e suficiência da pena não privativa da liberdade e que decida se ela deve ou não ser aplicada, especificando os motivos de facto e de direito dessa decisão.
A escolha da pena é, pois, uma operação que precede logicamente a determinação da medida concreta da pena nos casos em que a lei prevê penas alternativas ou de substituição e, enquanto que a segunda depende fundamentalmente da culpa, a primeira “depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial”[14], a ponderar face às circunstâncias de cada situação concreta[15].
No caso concreto, e muito embora as considerações expendidas na decisão recorrida em sede de determinação da sanção tenham sido orientadas no sentido de justificar a medida em que a pena de prisão foi fixada, a operação de escolha da pena, se bem que não tenha sido fundamentada de forma autónoma e expressa, não deixou de o ser de forma implícita, através da ponderação das exigências preventivas que no caso se fazem sentir. E, apesar de não podermos deixar de considerar insuficiente a fundamentação da decisão no que a essa operação respeita, porque ela é apenas uma das duas operações a seguir em ordem a determinar a sanção aplicável, consideramos não se verificar o vício apontado pelo recorrente.
De todo o modo, a opção por pena de prisão não pode deixar de se considerar correcta, face à gravidade objectiva do ilícito e às prementes exigências de prevenção geral, tendo em conta a repercussão que os registos trazidos a lume de violações dos direitos humanos de reclusos e detidos por parte de agentes da autoridade encarregues de os vigiar e controlar assumem a nível nacional e internacional, havendo que transmitir ao recorrente e à comunidade em geral um sinal claro de que tais comportamentos não podem passar impunes, o que não se alcançaria com a aplicação de uma mera pena de multa. Assim, e porque a pena não privativa da liberdade não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (em particular, a da protecção de bens jurídicos, enquanto tutela da crença e confiança da comunidade na ordem jurídico-penal), justifica-se a aplicação de pena de prisão, mostrando-se adequada, atentas as circunstâncias relevantes que se verificam no caso concreto e que foram apontadas na decisão recorrida, a sua fixação em 2 anos e 6 meses de prisão dentro da moldura abstracta aplicável (pena de prisão até 4 anos).
O tribunal recorrido, considerando que a simples ameaça de execução da pena satisfaz as exigências de prevenção geral e especial, optou, e bem, por suspender a execução desta pena. E fixou o período de suspensão em 4 anos, sendo que, ao tempo, o mesmo podia ser fixado entre 1 e 5 anos, de acordo com a redacção que então tinha o nº 5 do art. 50º do C. Penal. O recorrente manifesta a sua discordância no que respeita à medida em que aquele período foi fixado, insurgindo-se contra o facto de a mesma não ter sido fundamentada. Esta questão mostra-se, porém, ultrapassada face à nova redacção daquele preceito, introduzida pela Lei nº 59/2007 de 4/9, que veio estabelecer, em geral, a igualização entre a duração da pena de prisão fixada e o período de suspensão, sem que, no entanto, este possa ser inferior a um ano. A nova lei é mais favorável e, por isso, deve ser aplicada (nº 4 do art. 2º do C. Penal). Assim, o período de suspensão de execução da pena deve ser reduzido para 2 anos e 6 meses, mantendo-se a condição de pagamento nos termos fixados.
3.5. Finalmente, o recorrente insurge-se contra o montante em que foi fixada a indemnização atribuída ao assistente, que reputa de excessivo face aos que vêm sendo fixados pelos tribunais para casos de gravidade semelhante ou até superior, entendendo, além disso, que existem vários factores (a circunstância de não ter sido possível estabelecer um nexo de causalidade entre a agressão e a actual capacidade reprodutiva do assistente, o período de consolidação médico-legal das lesões e a situação económico-financeira do recorrente) que militam no sentido da fixação de uma indemnização em montante inferior que, em seu entender, não deve exceder 7.500 €.
Da matéria de facto considerada como assente resultam preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil. Os danos não patrimoniais, únicos que estão em causa, são atendíveis por se revestirem de gravidade tal que merecem a tutela do direito. O critério para a fixação do montante que compense danos dessa natureza encontra-se no nº 3 do art. 496º do C. Civil, de acordo com o qual “o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494º” Assim, o montante compensatório deve ser fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em conta a extensão e gravidade dos prejuízos, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
Os elementos que resultam da matéria de facto provada e que devem ser levados em consideração, para este efeito, são: o tipo de agressão perpetrada (bofetadas e pontapé), a zona corporal visada e atingida (face e testículos), as consequências (dores muito intensas, lesão que determinou uma intervenção cirúrgica para exérese do testículo direito e da qual resultou uma cicatriz de 4 cm de comprimento na bolsa escrotal, período de doença de 60 dias, com afectação da capacidade para o trabalho), o grau de culpa do arguido (dolo directo e intenso, agravado pela violação dos deveres a que, como guarda prisional, estava adstrito), a situação económica do recorrente (aufere uma pensão de reforma de 250 €, a que acrescem cerca de 600 €/mês do trabalho que desenvolve numa empresa; a esposa aufere cerca de 1.000 €/mês; tem um filho menor; vive em casa própria e paga 259 € de prestação bancária) e do assistente (sabe-se apenas que é recluso prisional), a frustração e angústia que o assistente sofreu com a perda do testículo (e que é compreensível tendo em conta a importância que o órgão de que faz parte representa na imagem da masculinidade – entendida esta como conjunto de caracteres que diferenciam o sexo masculino -, para mais em idades jovens, resultando dos documentos constantes dos autos que ele tinha 19 anos à data dos factos), e as concretas circunstâncias em que a agressão foi perpetrada (isolado numa sala com o recorrente e numa posição particularmente vulnerável, com escassas hipóteses de defesa e de intervenção de terceiros em seu auxílio).
Ponderando todos eles, e ainda que não tenha sido possível estabelecer um nexo de causalidade entre as lesões causadas pela agressão perpetrada pelo recorrente e a registada diminuição do número de espermatozóides por ml, por não haver informações sobre o estado anterior do assistente, sabendo-se apenas que este era saudável, consideramos que a fixação do montante indemnizatório em 15.000 €, tal como feita no acórdão recorrido, não merece censura e nem se mostra flagrantemente desproporcionada por comparação com os montantes que vêm sendo fixados para casos de semelhante gravidade pela jurisprudência[16], que tendencialmente se tem vindo a afastar dos critérios miserabilistas de outrora.
Assim sendo, deve manter-se o montante indemnizatório fixado, improcedendo este fundamento do recurso.
4. Decisão
Por todo o exposto, julgam o recurso improcedente, mas alteram a decisão recorrida quanto à redacção da última frase do ponto 24 dos factos provados, que passará a ser a seguinte: “Sabia, por outro lado, que agia violando os deveres que para ele decorriam da sua qualidade de guarda prisional.”, e quanto ao período de suspensão da execução da pena, que se reduz para 2 anos e 6 meses.
Em tudo o mais, mantêm o decidido.
O recorrente pagará 7 Uc de taxa de justiça.
Porto, 11 de Junho de 2008
Maria Leonor de Campos Vasconcelos Esteves
Maria do Carmo Saraiva de Menezes da Silva Dias (junto declaração)
Jaime Paulo Tavares Valério
José Manuel Baião Papão
_________________________
[1] (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).
[2] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95.
[3] Ac. RC de 3/10/00, CJ., ano 2000, t. IV, pág. 28
[4] cfr. Ac STJ 7/6/06, proc. 06P763.
[5] As regras da experiência são “definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto “sub judice”, assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade.” - cfr. Prof. Cavaleiro de Ferreira, “Curso de Processo Penal”, vol. II, pág. 300.
[6] A livre convicção “é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundamentada da verdade. É uma conclusão livre, porque subordinada à razão e à lógica, e não limitada por prescrições formais exteriores.” – cfr. Idem, Ibidem, pág.298.
[7] “(…) há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução, pelo que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção.” Ac. RG 20/3/06, www.dgsi.pt
[8] cfr. Ac. RC de 6/3/02, CJ, ano XXVII, t. II, pág. 44, “Quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”
[9] A fundamentação das decisões dos tribunais – excepção feita às que sejam de mero expediente -, na forma prevista na lei, constitui exigência que decorre em primeira linha da própria lei fundamental (art. 205º nº 1 da C.R.P.) - e, no âmbito do processo penal, constitui uma das garantias constitucionais de defesa, aludidas no nº 1 do art. 32º da nossa Lei Fundamental -, e em segunda linha da lei ordinária (art. 97º nº 4 do C.P.P.).
[10] Maia Gonçalves, CPP anotado e comentado, 12ª ed., p. 709
[11] Marques Ferreira, Jornadas de Direito Processual Penal, págs. 229-230
[12] “A disposição do art. 374.º, n.º 2, do CPP, sobre o exame crítico das provas não obriga os julgadores a uma escalpelização de todas as provas produzidas e muito menos a uma reprodução do tipo gravação magnetofónica dos depoimentos prestados na audiência, o que levaria a uma tarefa incomportável com sadias regras de trabalho e eficiência, e ao risco de falta de controlo pelos intervenientes processuais da transposição feita para o acórdão.”
Ac. STJ de 30/1/02, proc. n.º 3063/01 da 3.ª Secção, http://www.stj.pt/nsrepo/cont/Anuais/Criminais/Criminais2002.pdf
[13] De acordo com o disposto no art. 1º do DL nº 174/93 de 12/5, “O pessoal integrado na carreira do corpo da guarda prisional da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais está sujeito ao regime jurídico dos funcionários civis do Estado, com as especialidades constantes do presente diploma.”
[14] cfr. Maia Gonçalves, Código Penal Português anotado e comentado, 14ª ed., pág. 234.
[15] cfr. Robalo Cordeiro, ob. cit., pág. 239: “Só caso a caso, processo a processo, mediante uma apreciação dos elementos de prova disponíveis, se legitimará uma escolha entre as penas detentivas e não detentivas.”
[16] Veja-se, por exemplo, o Ac. RP 12/5/04, proc. nº 0313086, cujo sumário é o seguinte: “I - A perda de um testículo constitui uma perda irreparável de um órgão vital no equilíbrio psicossomático do indivíduo.
II - Tendo o ofendido 24 anos de idade, é ajustada a indemnização que lhe foi arbitrada, no montante de 25.000 euros, a título de danos morais pela referida perda, acrescida de dores quando tem relações sexuais.”
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Processo nº 6653/07-1 (declaração de voto)
Voto a decisão mas, de qualquer modo, demarco-me da fundamentação que excede a argumentação jurídica racional (e não vou aqui invocar o pensamento de Robert Alexy), que excede mesmo, quanto a nós, o “discurso” inerente a qualquer decisão judicial (v.g. uso de provérbios ou expressões similares, como sucede com a apreciação do depoimento da testemunha N………. quando é logo rotulado de “mais papista que o papa”, recurso a representações subjectivas ilegítimas: v.g. argumento da “imagem da masculinidade” – independentemente do significado mais restrito apontado na decisão, do qual simultaneamente transparece a desadequação daquela “imagem” que, de todo o modo, é usada naquele contexto – para “ajudar” a convencer na adequação da indemnização atribuída ao assistente).
Porto, 11/06/2008
Maria do Carmo Saraiva de Menezes da Silva Dias