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LEI DO CONSUMIDOR
PREVALÊNCIA
CONSUMIDOR
CONDOMÍNIO
Sumário
I – O direito dos consumidores à qualidade dos bens e serviços consumidos, bem como à reparação dos danos, é um direito com tutela constitucional – art. 60º, nº1 da CRP. II – Sendo a “Lei de Defesa do Consumidor” uma lei especial em relação ao CC, deverá prevalecer o seu regime, a menos que a disciplina da venda de coisa defeituosa do art. 913º do CC se revele mais favorável para o comprador/consumidor. III – É mais favorável ao consumidor a definição de “defeito da coisa vendida” que resulta desta lei do que a que consta do art. 913º do CC. IV – Do âmbito do “Direito do Consumo” estão excluídas quer as relações jurídicas entre consumidores, por serem contratos civis, quer as relações jurídicas entre profissionais ou empresas, por serem normalmente contratos mercantis. V – O elemento negativo do destino que é atribuído ao bem pelo comprador ao adquiri-lo será o índice diferenciador de quem é tido, ou não, como consumidor. VI – O condomínio de um prédio constituído em regime de propriedade horizontal cujo fim é a habitação deve ser tido por consumidor, para efeito de aplicação da “Lei de Defesa do Consumidor”.
Texto Integral
Apelação
Decisão recorrida – Proc. Nº …./04.0 TBvng
Tribunal Judicial de vila Nova de gaia – .ª Vara de competência Mista
. de 6 de Setembro de 2007
. julgou parcialmente procedente a presente acção e, em consequência, condenou a Ré a pagar ao Autor uma quantia a apurar em sede de incidente de liquidação relativa à reparação do seguinte:
. manchas de lixiviação na alvenaria exterior;
. dois tubos de queda de águas pluviais partidos;
. infiltração de água na cave pelas juntas de dilatação;
. danificação dos revestimentos interiores;
. degradação de revestimentos onde há infiltração de água;
. escorrência de água no interior das caves pelas juntas de dilatação e por vedantes dos tubos de água;
. presença de água e humidade nas paredes interiores da cave próximo das juntas de dilatação;
. degradação dos revestimentos interiores em zonas pontuais junto das portas de acesso aos imóveis;
. armários interiores, em madeira, das partes comuns, estarem por envernizar e afinar;
. fissuras pontuais nalgumas guardas dos terraços e na habitação do r/c dtº. Entrada … constituída esta por fissura horizontal junto ao tecto e proximidade de junta de dilatação;
. ausência de hidrofugação dos elementos em tijolo burro, de ventilação da alvenaria exterior em alguns locais;
. humidade interior nas proximidades das ligações caixilharia/fachada;
. fugas nas canalizações que afluem à cave localizadas no tecto;
. executar acabamentos na sala de condomínio;
. colocar algumas caixas de correio;
. colocar alguns dispositivos de detectores de presença nas escadarias;
. entrega de certificados e garantias das caldeiras em falta.
Absolve-se a Ré dos restantes pedidos – indemnização por outros danos patrimoniais, por danos não patrimoniais.
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
B………., S. A., interpôs o presente recurso de apelação da sentença acima referida, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:
1. O pedido do A. resume-se, no que aqui importa, ao pagamento de determinada quantia alegadamente necessária para reparação dos defeitos do imóvel dos autos;
2. À relação material controvertida nos autos, aplicam-se as regras relativas à compra e venda de coisa defeituosa, contidas no Código Civil Português;
3. Nesse enfoque, assiste ao A., em primeira instância, o direito à reparação da coisa defeituosa, como consignado no artigo 914.°, do mesmo Código Civil;
4. Como bem se alude na douta sentença em crise, apenas em caso de falta de cumprimento dessa obrigação de reparação ou de eliminação, em sede de execução se sentença, teria o A. direito a obter o valor necessário à reparação dos defeitos;
5. O A. (Administração do Condomínio) não pode ser considerado “consumidor”, pois, a R. nada lhe forneceu, não lhe prestou quaisquer serviços ou transmitiu quaisquer direitos;
6. É aqui inaplicável a legislação referente ao direito do consumo e dos consumidores;
7. Nessa medida, por manifesta e grosseira violação dos princípios estabelecidos no Código Civil quanto à compra e venda de coisa defeituosa, designadamente, por directa ofensa ao previsto no artigo 9l4.°, do Código Civil, a sentença dos presentes autos deve ser revogada;
Por outro lado,
8. Em todo o seu libelo petitório o A. evoca vícios de construção de uma forma vaga e genérica, sem concretização desses mesmos vícios, designadamente, no que tange à sua qualidade, extensão, número e local;
9. Tal forma de redacção tornou a douta sentença dos autos absolutamente inexequível;
10. Nos termos do artigo 342.°, do Código Civil que “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”;
11. O A. não alega nem faz prova de factos concretos, determináveis, contáveis, mensuráveis e palpáveis dos vícios de construção;
12. Por via disso, o tribunal cometeu um erro na apreciação da prova produzida, dando como provados “factos” que, de verdade, são meras conclusões e conceitos, quer na espécie, na forma, quer na quantidade;
13. Por via disso, a sentença deveria ter julgado não provados todos os factos relativos às reparações, acima transcritos e constantes da douta sentença sob a epígrafe “3) Decisão:”
14. Nessa medida, a sentença dos autos, condenando a R. da forma acima transcrita, ofende directamente o vertido no artigo 342.°, do Código Civil.
Requereu a revogação da sentença recorrida.
Não Foram apresentadas contra-alegações.
Efectuado o julgamento, foi proferida a sentença em recurso que considerou provados os seguintes factos:
1). A Ré foi a construtora que procedeu à edificação do prédio em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ………., n.º … a .. e ………., n.º .. a …, ………., Vila Nova de Gaia (al.A).
2). A Ré construiu e procedeu à venda de algumas das fracções que compõem o imóvel (al.B).
3). A parte desse edifício foi concedida licença de habitação através do alvará de licença de utilização n.º …./2002, emitido em 27/09/02 (al.C), com constituição de propriedade horizontal registada em14/08/02 – facto aditado por constar de documento de fls. 35 dos autos de arresto apensos -.
4). No identificado prédio foram detectados alguns defeitos (al.D).
5). A Ré deixou de exercer normalmente a sua actividade desde meados de 2003, encontrando-se privada de máquinas, equipamentos e materiais próprios da construção civil (al.E) estando também desapossada de todos os seus computadores, secretárias e armários existentes na sua sede (al.F).
6). Os funcionários da Ré que àquela data ainda se mantinham em funções suspenderam os seus contratos de trabalho (al.G).
7). Por tais razões necessariamente decorrentes de dificuldades financeiras que a assolam, a Ré viu-se impedida de desenvolver a sua actividade e de concluir alguns empreendimentos em curso (al.H).
8). O prédio dos autos foi afectado pelo circunstancialismo referido em 5) a 7).- al. I e facto 4.º-.
9). No prédio referido em 1) existem as seguintes vicissitudes:
. A alvenaria exterior apresenta algumas manchas de lixiviação em zonas pontuais na zona revestida com elementos cerâmicos;
. existem dois tubos de queda de águas pluviais partidos;
. há infiltração de água na cave pelas juntas de dilatação;
. as infiltrações de água pelas juntas de dilatação danificam os revestimentos interiores podendo a longo prazo afectar os elementos estruturais;
. onde há infiltração de água ocorre degradação de revestimentos;
. há escorrência de água no interior das caves pelas juntas de dilatação e por vedantes dos tubos de água;
. ocorre presença de água e humidade nas paredes interiores da cave próximo das juntas de dilatação;
. há degradação dos revestimentos interiores em zonas pontuais junto das portas de acesso aos imóveis;
. os armários interiores, em madeira, das partes comuns, estão por envernizar e afinar;
. não há acesso ao telhado;
. existem fissuras pontuais nalgumas guardas dos terraços e na habitação do r/c dtº. Entrada 128 constituída esta por fissura horizontal junto ao tecto e proximidade de junta de dilatação – facto 1.º-.
10). No prédio referido em 1) ocorre:
. ausência de hidrofugação dos elementos em tijolo burro, de ventilação da alvenaria exterior em alguns locais;
. humidade interior nas proximidades das ligações caixilharia/fachada;
. aspecto exterior da fachada exterior com fissuras e manchas esbranquiçadas nas partes de alvenaria em tijolo de burro o que lhe confere um aspecto pouco homogéneo;
. não há saída de águas de emergência que evite em caso de entupimento do sistema de escoamento que a água se acumule e entre nas habitações;
. alguns materiais estão envelhecidos precocemente – facto 2.º-.
11). No prédio referido em A):
. os portões não estão electrizados;
. não há sistema de exaustão de fumos e gases nomeadamente a ventilação de espaços e detecção de níveis de monóxido de carbono;
. existem fugas nas canalizações que afluem à cave localizadas no tecto;
. falta executar acabamentos na sala de condomínio;
. faltam algumas caixas de correio;
. falta colocar um vídeo-porteiro;
. não há parque infantil;
. falta colocar alguns dispositivos de detectores de presença nas escadarias;
. não há algumas divisórias entre fracções;
. existe pré-instalação de T. V.;
. faltam certificados e garantias das caldeiras – facto 3.º-.
12). A administração do condomínio do prédio referido em A), através de mandatária, enviou à Ré carta registada com a/r datada de 02/09/03, com registo de 03/09/03, recebida pela Ré onde pede a realização de uma reunião para que seja redigido um caderno de encargos, tudo conforme fls. 154 a 157 cujo teor se dá por reproduzido – facto 6.º-.
13). O valor das obras a efectuar para reparar o mencionado em 1.º e 2.º, fugas de canalizações referidas em 3.º ascende a cerca de € 100.000, acrescido de I. V. A. – facto 8.º-.
14). Houve alguns condóminos e familiares seus que, por haver cortes de energia foram residir temporariamente em casa de amigos – facto 9.º-.
QUESTÕES A DECIDIR NESTES RECURSO
1- Direitos do A. quanto à eliminação dos defeitos.
2- Aplicabilidade da legislação referente ao direito ao consumo na presente acção.
3- Exequibilidade da sentença.
1- Direitos do A. quanto à eliminação dos defeitos
Muito embora a apelante haja considerado que por o autor não ter alegado ou provado factos concretos, determináveis, contáveis, mensuráveis e palpáveis dos vícios de construção e, haver o Tribunal recorrido cometido erro na apreciação da prova produzida, dando como provados “factos” que, de verdade, são meras conclusões e conceitos quando deveria ter considerado não provados todos os factos relativos às reparações, não impugnou verdadeiramente decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos constantes do artº 690º-A do Código de Processo Civil pelo que os factos a ter em conta neste recurso são aqueles que foram considerados provados pelo Tribunal de 1ª instância, antes transcritos, sem prejuízo da apreciação concreta desta questão a que se procederá adiante.
Não existe também qualquer controvérsia (pois os factos provados assim o demonstram) em relação ao facto de a R. ter agido na qualidade de construtora/vendedora do imóvel.
Nesta conformidade e de harmonia com o disposto no art. 1225º nº 4 aplica-se ao vendedor o disposto nos nºs anteriores. Assim, sem prejuízo do disposto no art. 1219º e seguintes, se no decurso do prazo de cinco anos ou do da garantia convencionada, por vício de solo, ou da construção, modificação ou reparação ou por erro na execução de trabalhos, o imóvel apresentar defeitos, o vendedor será responsável pelo prejuízo causado ao comprador. A denúncia dos defeitos deve ser feita dentro do prazo de um ano e a indemnização deve ser pedida no ano seguinte à denúncia. Estes prazos são igualmente aplicáveis ao direito à eliminação dos defeitos previstos no art. 1221º (nºs 1, 2 e 3 da disposição).
Comparando o regime especial aplicável à empreitada incidente sobre imóveis de longa duração, aqui aplicável também ao vendedor que construiu o bem, com a regulamentação das outras empreitadas, constata-se que, de essencial, existiu um aumento dos prazos de denúncia dos defeitos e do exercício dos respectivos direitos do dono da obra (cfr. arts. 1220º e 1224º). Para este prolongamento de prazos contribuiu a ponderação de que, neste tipo de obras, a percepção dos defeitos se estende temporalmente, e, por isso, ser adequado permitir ao dono da obra denunciar os diversos defeitos que ao longo do tempo vai conhecendo. Deste modo, o art. 1225º nº 4, em caso de venda de imóvel pelo vendedor/construtor, remete para o regime de prazos relativos à empreitada de imóveis destinados a longa duração.
Em tudo o mais, terá aplicação o regime próprio do negócio de compra e venda.
Assim, a questão relativamente a saber-se se os AA. têm o direito a exigir da R. uma indemnização para custear as obras de eliminação dos defeitos persistentes no imóvel, tem que ser resolvida por aplicação das normas reguladoras do contrato de compra e venda de coisas defeituosas.
Analisando esse regime concluímos que segundo o disposto no art. 913º do Código Civil “se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes”.
Ora, na situação em análise, os vícios em causa, tal como resultam dos factos provados, desvalorizam, obviamente, o imóvel na sua afectação normal, pelo que, o regime a aplicar à situação será o determinado na secção que a precede (venda de bens onerados) em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes. Por isso, devem aplicar-se ao caso, em primeira linha, as disposições próprias da venda defeituosa e depois com as devidas adaptações o prescrito para a venda de bens onerados nos arts. 905º e segs. do Código Civil.
Segundo o disposto no art. 914º (norma própria da venda defeituosa) “o comprador tem o direito de exigir do vendedor a reparação da coisa ou se for necessário e esta tiver a natureza de fungível, a substituição dela …”. Podiam pois, os compradores, exigir da R. vendedora a reparação da coisa. Poderiam também e dado que estamos perante uma prestação de natureza fungível (vide art. 207º) e se tal se mostrasse necessário (por exemplo, se a reparação não fosse possível ou se se chegasse à conclusão que o conserto não resultava ou era demasiado oneroso) pedir a substituição do imóvel. Poderiam, ainda, pedir a redução do preço, desde que as circunstâncias de celebração do contrato mostrassem que os compradores teriam igualmente adquirido os bens, se bem que com um preço inferior, caso conhecessem os defeitos (art. 911º). Poderiam ainda, pedir uma indemnização pelo interesse contratual negativo, decorrente da anulação do contrato (em caso de dolo da vendera) em relação ao prejuízo que não sofreriam se o negócio não tivesse sido realizado (art. 908º). E, por fim, tinham a possibilidade de pedir indemnização pelo prejuízo causado, em caso de anulação por simples erro do contrato (art. 909º).
Os compradores face às anomalias que o imóvel apresenta, à não conclusão do imóvel e à circunstância de a ré ter abandonado a construção, depois de haverem contactado esta ré para que procedesse à eliminação dos defeitos, sem sucesso, declararam ter perdido o interesse em que a ré proceda à eliminação dos defeitos, sem terem perdido o interesse de que esses defeitos sejam eliminados por um terceiro.
O pedido que formularam nesta acção contra a ré da sua condenação no pagamento da quantia de € 593.225,00 acrescida de I. V. A. referente ao valor necessário para reparação dos defeitos e uma quantia a liquidar em execução de sentença relativa a outros danos patrimoniais e não patrimoniais que suportaram com o comportamento da ré.
Tal como foi entendido na sentença recorrida, a procedência do pedido da autor encontra suporte legal não no Código Civil mas nas leis de defesa do consumidor.
Com todo o acerto referiu-se, a este propósito, ali:
“A nível de C. C., na nossa opinião, tal não é possível pois só em sede de execução, no caso de não cumprimento pelo devedor da obrigação de reparação (a 1.ª numa hierarquia de direitos), é que se poderia transformar a originária obrigação de reparação numa obrigação pecuniária – artigos 1220.º a 1223.º, do C. C. e 933.º e seguintes, do C. P. C. -.
No entanto, a questão também tem de ser apreciada à luz das Leis nºs 24/96, de 31/07 e 67/03, de 08/04.
A primeira considera consumidor «todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios.» - artigo 2º, nº 1 -.
Está em causa um contrato de empreitada que constitui uma modalidade denominada de prestação de serviços pelo que sendo o condomínio uma pessoa não profissional e o Réu exerce, a actividade de construção civil como se denota pela sua própria denominação.
A propriedade horizontal foi constituída em 2002 pelo que, em relação aos direitos aplica-se o previsto na Lei nº 24/96, de 31/07, redacção originária já que a Lei nº 67/03, de 08/04 entrou em vigor em 09/04/2003.
Nos termos do artigo 12º, da referida Lei nº 24/96 (diploma a que nos referiremos sempre que não fizermos menção do diploma legal), «o consumidor a quem seja fornecida coisa com defeito, salvo se dele tivesse sido previamente informado e esclarecido antes da celebração do contrato, pode exigir, independentemente de culpa do fornecedor do bem, a reparação da coisa, a sua substituição, a redução do preço ou a resolução do contrato.» - nº 1 -. O nº 4 determina que «sem prejuízo do disposto no número anterior, o consumidor tem direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos.».
O pedido de pagamento do valor necessário para a reparação, na nossa opinião, «encaixa-se» na indemnização referida no nº 4, do artigo acima mencionado pois consiste no pagamento dos danos (defeitos provados) que o Autor suporta por causa do cumprimento defeituoso do Réu (artigos 798º, 801º ou até o artigo 804º, do C. C. por poderem estar em causa danos causados pela mora na reparação dos defeitos). É uma indemnização que diverge daquela prevista no artigo 1223º, do C. C. já que aqui só caberão os danos que não possam ser ressarcidos mediante o recurso aos outros mecanismos de sanação do defeito como já se mencionou. Nesta Lei do Consumidor cabe, em termos opcionais para o consumidor, o exercício desse direito de indemnização desde que não viole regras de boa-fé – artigo 762.º, do C. C. -. E, em nosso entender, não o viola, já que a Ré deixou de exercer normalmente a sua actividade desde meados de 2003, encontrando-se privada de máquinas, equipamentos e materiais próprios da construção civil estando também desapossada de todos os seus computadores, secretárias e armários existentes na sua sede – facto n.º 5 -, com funcionários a suspender o contrato de trabalho – facto 6 -. Se houve um período em que não tinha máquinas ou trabalhadores, é natural que o condomínio optasse pela tentativa de obter a reparação sucedânea à reparação, através de entrega de dinheiro.
Desta forma, por existirem danos no condomínio, pode o Autor ser ressarcido pela Ré através de uma indemnização relativa aos danos que a actuação da Ré lhe causa. Ora, esses danos são desde logo os defeitos nas partes comuns, eventuais outros danos patrimoniais ou não patrimoniais que se afirma de imediato que não se provam pois nem os relatados em 14) são tão graves que mereçam tutela ao abrigo do artigo 496.º, n.º 1, do C. C. nem existem outros danos patrimoniais alegados nem sequer os honorários de advogados fazem parte do núcleo de danos causados ao Autor pela Ré com o cumprimento defeituoso da sua obrigação não existindo nexo de causalidade entre a actuação da Ré e o pagamento desses honorários, existentes por força de contrato de mandato forense estando assim fora do círculo dos danos indemnizáveis (sé em sede de litigância de má-fé é que tal poderia suceder).”
Verificando-se, como ocorre na presente situação, defeito da coisa vendida pode o comprador socorrer-se dos meios facultados pelos art.s 911º, 913º, 914º e 915º do Código Civil ou pelos consagrados no art. 12º nº 1 da Lei nº 24/96, de 31 de Julho-redacção anterior), competindo-lhe escolher o uso de uns ou de outros ainda que de forma não absoluta, embora, sendo, nas palavras de Calvão da Silva, irrecusável a "“[...] A concorrência electiva das pretensões reconhecidas por lei ao comprador não é um absoluto: sofre em certos casos atenuações e a escolha deve ser conforme ao princípio da boa fé, e não cair no puro arbítrio do comprador, sem olhar aos legítimos interesses do vendedor. ...” […].
A eticização da escolha do comprador através do princípio da boa fé é irrecusável, pelo que, se num caso concreto a opção exercida exceder indubitavelmente os limites impostos pela boa fé – porque verbi gratia, a recusa do comprador em aceitar a reparação ou a substituição da coisa oferecida pelo vendedor se revela caprichosa, dada a adequada satisfação do seu perdurante interesse na prestação que dessa oferta resultaria –, poderão intervir as regras do abuso do direito (art. 334º).
Ou seja, a reparação ou substituição da coisa que como dever incumbe ao vendedor (art. 914º) pode, no caso concreto, por exigência dos ditames da boa fé, funcionar como (contra) direito – direito de o alienante rectificar a inexactidão do seu cumprimento, se a reparação ou substituição oferecida der satisfação adequada e tempestiva ao interesse do adquirente, com a recusa deste a contrariar a boa fé na medida em que sacrificava injustificadamente os interesses daquele…” (cfr. "Compra e Venda de Coisas Defeituosas-Conformidade e Segurança" -, 2ª Edição, Almedina, Coimbra, págs. 81 e 82).
O direito dos consumidores à qualidade dos bens e serviços consumidos bem como à reparação dos danos é um direito com tutela constitucional – art. 60º, nº1, da Constituição da República Portuguesa. Acresce que sendo a Lei de defesa do consumidor uma lei especial em relação ao Código Civil, deverá prevalecer o seu regime, a menos que a disciplina da venda de coisa defeituosa do art. 913º do Código Civil, se revele mais favorável para o comprador/consumidor.
Ora é mais favorável ao consumidor a definição de “defeito da coisa vendida”a que resulta desta lei do que a consta do art. 913º do Código Civil. Enquanto para o art. 913º do Código Civil, “defeito” é o vício que desvaloriza ou impede a realização do fim a que a coisa é destinada ou se não tiver as qualidades necessárias à realização desse fim, na Lei de defesa do consumidor – art. 4º, nº1 – existe defeito se a coisa objecto da venda não for apta a satisfazer os fins a que se destina ou não produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas, ou, na falta delas, se não for de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor. Este diploma legal consagra uma clara protecção do consumidor, desde logo, ao considerar um critério objectivo – a coisa vendida para ser isenta de “defeito” deve ter aptidão, idoneidade, e as qualidades intrínsecas hábeis a satisfazer os fins e os efeitos a que se destinam, segundo as normas legalmente estabelecidas – e, também, um critério subjectivo, atribuindo relevância às expectativas legítimas do consumidor.
A lei de defesa do consumidor não abarca toda e qualquer compra e venda ou empreitada, cujos regimes gerais ou comuns se encontram no Código Civil aplicando-se exclusivamente aos contratos de consumo, firmados entre profissionais e consumidores. A lei considera o consumidor como parte fraca, leiga profana, a parte débil economicamente ou a menos preparada tecnicamente de uma relação de consumo concluída com um contraente profissional, uma empresa.
O direito do consumo, de que a Lei nº 24/96 é a Lei-quadro, regula os actos de consumo, - que ligam um consumidor final e um profissional que actua no quadro da sua actividade ou profissão - que define como relações jurídicas existentes entre o consumidor e um profissional (produtor, fabricante, empresa de publicidade, instituição de crédito, etc.), à semelhança do que faz o Código Comercial quanto aos actos de comércio, não tendo como destinatários uma classe particular de pessoas. Deste âmbito estão excluídas quer as relações jurídicas entre consumidores, por serem contratos civis, quer as relações jurídicas entre profissionais ou empresas, por serem normalmente contratos mercantis.
Na situação em análise a ré que é uma empresa que se decida à comercialização dos imóveis que constrói vendeu aos condóminos as fracções autónomas que compõem o imóvel em questão e onde se verificam os defeitos havendo estes, por deliberação da Assembleia-geral de condóminos determinado exigir judicialmente a indemnização nestes autos peticionada correspondente aos prejuízos sofridos com os defeitos evidenciados no prédio e ás despesas necessárias à sua eliminação. Ora, do alegado pela ré, não é lícito concluir, longe disso, estarmos ante relação jurídica excluída do âmbito de aplicação da lei de defesa do consumidor, nos termos em que o foi na decisão recorrida.
Considera a ré que o autor, administrador do condomínio do imóvel onde se detectaram os defeitos não é um consumidor.
Na L nº 24/96 nem no DL 67/2003 não foi inserida a expressão “pessoas singulares” largamente referida nas Directivas comunitárias adoptadas sobre matéria de protecção do consumidor, como a relativa à aproximação de legislação dos Estados-membros em matéria de crédito ao consumo – Directiva 87/102/CEE do Conselho, às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores - Directiva 93/13/CEE do Conselho, da venda de bens de consumo e das respectivas garantias– Directiva 1999/44/CEE do Parlamento e do Conselho aos serviços da sociedade de informação – Directiva 2000/31/CEE do Parlamento e do Conselho, ou mesmo contratos à distância– Directiva 97/7/CEE do Parlamento e do Conselho. Para que exista uma relação de empreitada de consumo importa que o dono da obra contrate a realização de uma obra com intenção de não a destinar a um uso profissional, seja qual for o uso normal que é dado a esse tipo de obra. Assim, torna-se evidente que o elemento negativo do destino que é atribuído ao bem pelo comprador ao adquiri-lo será o indíce diferenciador de quem é tido ou não como consumidor.
Relativamente ao autor, importa ter em conta que a realidade com que se está a lidar é de propriedade horizontal onde se criou uma figura de ficção – verdadeiramente um órgão - que não é nem uma pessoa colectiva nem uma pessoa singular e que se encontra mandatado pela Assembleia de condóminos para a realização dos direitos que competem a todos os condóminos. Dúvidas não se suscitam que cada condómino é um consumidor relativamente à fracção de que é proprietário. Relativamente ás partes comuns do edifício em que se integra essa fracção autónoma, cuja administração nos termos do artº 1430º do Código Civil compete à Assembleia de condóminos e a um administrador, este com as funções definidas no artº 1436º do Código Civil, se se tratar de um imóvel cuja totalidade ou maioria das fracções se destina a habitação, como ocorre na situação em análise, e sendo certo que não é possível adquirir uma fracção autónoma de um edifício constituído em propriedade horizontal sem simultaneamente e, por efeito dessa mesma aquisição, passar a ser titular dos direitos e deveres face às partes comuns mencionados na lei, não deixa cada um dos condóminos de satisfazer menos essa condição de consumidor por não destinar a aquisição da sua fracção autónoma à satisfação de necessidades profissionais relativamente às partes comuns que relativamente à fracção de que é proprietário. Seria mesmo um absurdo admitir que num prédio constituído sob o regime de propriedade horizontal todos os condóminos fossem consumidores relativamente à sua fracção e deixassem de o ser relativamente às partes comuns que adquirem por efeito da aquisição da sua fracção, não se destinando esta a uso profissional. Naturalmente que a situação será diversa num imóvel constituído segundo o regime de propriedade horizontal em que todas ou a maioria das fracções se destinam ao exercício do comércio por se tratar da situação inversa em que os condóminos não seriam consumidores quanto à fracção que adquiriam para nela exercer o comércio, mas já seriam consumidores quanto às partes comuns desse mesmo edifício.
Nada obsta, pois, deste ponto de vista à consideração do autor como consumidor para efeitos de aplicação do regime legal de protecção do consumidor nos termos expressos na sentença recorrida.
Resta, por último analisar a terceira questão suscitada pela ré e relativa à exequibilidade da sentença recorrida.
Refere a ré que o A. não alega nem faz prova de factos concretos, determináveis, contáveis, mensuráveis e palpáveis dos vícios de construção, evoca vícios de construção de uma forma vaga e genérica, sem concretização desses mesmos vícios, designadamente, no que tange à sua qualidade, extensão, número e local, e, por via disso, o tribunal cometeu um erro na apreciação da prova produzida, dando como provados “factos” que, de verdade, são meras conclusões e conceitos, quer na espécie, na forma, quer na quantidade, o que tudo conjugado torna a sentença dos autos absolutamente inexequível.
Ora quanto aos vícios alegados foram considerados provados os seguintes factos:
No prédio referido em 1) existem as seguintes vicissitudes:
. A alvenaria exterior apresenta algumas manchas de lixiviação em zonas pontuais na zona revestida com elementos cerâmicos;
. existem dois tubos de queda de águas pluviais partidos;
. há infiltração de água na cave pelas juntas de dilatação;
. as infiltrações de água pelas juntas de dilatação danificam os revestimentos interiores podendo a longo prazo afectar os elementos estruturais;
. onde há infiltração de água ocorre degradação de revestimentos;
. há escorrência de água no interior das caves pelas juntas de dilatação e por vedantes dos tubos de água;
. ocorre presença de água e humidade nas paredes interiores da cave próximo das juntas de dilatação;
. há degradação dos revestimentos interiores em zonas pontuais junto das portas de acesso aos imóveis;
. os armários interiores, em madeira, das partes comuns, estão por envernizar e afinar;
. não há acesso ao telhado;
. existem fissuras pontuais nalgumas guardas dos terraços e na habitação do r/c dtº. Entrada … constituída esta por fissura horizontal junto ao tecto e proximidade de junta de dilatação – facto 1.º-.
10). No prédio referido em 1) ocorre:
. ausência de hidrofugação dos elementos em tijolo burro, de ventilação da alvenaria exterior em alguns locais;
. humidade interior nas proximidades das ligações caixilharia/fachada;
. aspecto exterior da fachada exterior com fissuras e manchas esbranquiçadas nas partes de alvenaria em tijolo de burro o que lhe confere um aspecto pouco homogéneo;
. não há saída de águas de emergência que evite em caso de entupimento do sistema de escoamento que a água se acumule e entre nas habitações;
. alguns materiais estão envelhecidos precocemente – facto 2.º-.
11). No prédio referido em A):
. os portões não estão electrizados;
. não há sistema de exaustão de fumos e gases nomeadamente a ventilação de espaços e detecção de níveis de monóxido de carbono;
. existem fugas nas canalizações que afluem à cave localizadas no tecto;
. falta executar acabamentos na sala de condomínio;
. faltam algumas caixas de correio;
. falta colocar um vídeo-porteiro;
. não há parque infantil;
. falta colocar alguns dispositivos de detectores de presença nas escadarias;
. não há algumas divisórias entre fracções;
. existe pré-instalação de T. V.;
. faltam certificados e garantias das caldeiras – facto 3.º-.
Destes factos tidos por provados, a sentença recorrida excluiu vários, como expressamente resulta do seguinte trecho:
“Nesse mesmo prédio existem anomalias que se devem considerar defeitos, já que são imperfeições que manifestamente excluem a completa realização da obra ou no mínimo reduzem o seu valor – P. Martinez, «Contrato de Empreitada», página 189 -. Importa apenas referir as situações que na nossa opinião não o constituem a saber:
. não haver acesso ao telhado – o tribunal desconhece se de defeito se trata pois basta não estar contemplado em projecto para que não se possa considerar um defeito (sendo certo que acesso ao telhado sempre poderá haver nem que seja por andaimes ou meios aéreos). Assim, teria o Autor de alegar uma desconformidade entre o projecto e o executado par se poder concluir que aquela omissão de desconformidade se tratava;
. não haver saída de águas de emergência que evite em caso de entupimento do sistema de escoamento que a água se acumule e entre nas habitações – o raciocínio é igual ao anterior – se não há tais saídas importaria aferir se estavam projectadas já que se afigura que estando o prédio licenciado as regras de segurança e saúde pública em princípio estavam salvaguardadas;
. alguns materiais estão envelhecidos precocemente – trata-se de uma conclusão sem reflexo a nível de se poder determinar qual o defeito em causa;
. os portões não estarem electrizados, não haver sistema de exaustão de fumos e gases nomeadamente a ventilação de espaços e detecção de níveis de monóxido de carbono, faltar colocar vídeo-porteiro, não haver parque infantil, não haver algumas divisórias entre fracções – o tribunal, mais uma vez, desconhece se tais elementos estavam previstos no projecto das partes comuns.
O facto de haver pré instalação de T. V. não configura, para nós, um defeito já que não é normal que na construção de um prédio se inclua a instalação de T. V., ainda para mais nas partes comuns. No entanto, em todas as situações em que o tribunal desconhece se de defeito se trata, teria de ser o Autor a alegar e demonstrar que estava prevista a sua existência e que a mesma não ocorria – artigo 342.º, n.º 1, do C. C., o que não foi feito pelo Autor.
Situação diferente com caixas de correios e os dispositivos de detectores de presença nas escadarias já que faltando colocar alguns desses elementos é por que a Ré já colocou outros reconhecendo a sua obrigação – artigos 217.º, n.º 1 e 361.º, do C. C. -.E também diferente é faltarem certificados e garantias das caldeiras já que se as mesmas estão colocadas, faz parte da obrigação de sua entrega os respectivos documentos que as acompanhem por se integrarem na coisa entregue – artigo 882.º, n.º 2, do C. C., por razões de analogia -.
Os restantes vícios, por a Ré não ter provado que derivavam de facto cuja culpa não lhe assistia são-lhe imputáveis a título de culpa – artigo 799.º, nº 1, do C. C. –”.
Cremos que os defeitos tidos em conta na condenação se mostram, pois, devidamente individualizados, tendo em conta que a condenação foi de indemnização no montante que se vier a apurar em liquidação em execução de sentença como necessário para reparar os defeitos que a sentença declarou existirem.
A concretização que a ré pretende desses defeitos resulta da matéria provada ainda que não com um pormenor que permita saber se estão em falta 5 ou 6 caixas de correios ou 3 ou 4 dispositivos de detectores de presença nas escadarias e que será naturalmente esmiuçado no incidente de liquidação. Todavia o que foi considerado provado foram factos e não conclusões. A título de exemplo a circunstância de se dizer que existem fugas nas canalizações que afluem à cave, localizadas no tecto não diz em que parte do tecto da cave aparecem essas fugas mas individualiza-as de forma suficiente para que em sede de liquidação se faça o levantamento de todas as fugas que existem, se contabilizem e se orçamente a sua reparação podendo a ré exercer o seu contraditório quanto a todas esses itens.
Em conclusão consideramos que a acção deve ser decidida tendo em conta a lei de defesa do consumidor, que o condomínio de um prédio constituído em regime de propriedade horizontal cujo fim é a habitação deve ser tido por consumidor, para esse efeito, encontrando-se as anomalias suficientemente individualizadas tendo em conta que o valor da sua reparação deverá ser apurado em incidente de liquidação em execução de sentença, pelo que se deve manter a decisão recorrida.
Decisão:
Acorda-se, em vista do exposto, nesta Relação, em julgar improcedente o recurso e, em consequência confirmar a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (art. 138ºnº 5 do Código de Processo Civil).
Porto, 2008.06.26
Ana Paula Fonseca Lobo
Deolinda Maria Fazendas Borges Varão
Evaristo José Freitas Vieira