Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
CONTRATO DE MEDIAÇÃO
MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
ÂMBITO
SEGURO
Sumário
I – São elementos caracterizadores do contrato de mediação: obrigação de aproximação de contraentes; actividade tendente à celebração de negócio; imparcialidade; ocasionalidade; e retribuição, sendo a interposição do mediador entre os possíveis contraentes um elemento necessário para a verificação da relação de mediação e consistindo a actividade do mediador, essencialmente, na prática de actos materiais com carácter necessariamente pluridireccional e tendentes a favorecer o encontro de eventuais contraentes e a celebração do negócio em causa. II – Segundo o art. 24º, nº1 do DL nº 77/99, de 16.03, na redacção anterior às alterações introduzidas pelo DL nº 258/01, de 25.09, o contrato de seguro de responsabilidade civil garante a responsabilidade emergente da actividade de mediação imobiliária perante os interessados, não abarcando o ressarcimento de danos de diferente origem.
I.
B………. instaurou acção declarativa com forma de processo ordinário contra C………., LDA.
Formulou os seguintes pedidos:
I. Que seja declarado que:
A) Foi celebrado entre autor e ré um contrato de arrendamento relativo à fracção autónoma designada pela letra A do prédio em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ………., nºs … a …, da freguesia de ………., Vila Nova de Gaia, nos termos do qual esta cedeu aquele a utilização para nele ser instalado um Cyber Café, mediante o pagamento da retribuição de 180.000$00 mensais e pelo prazo de um ano, com início em 01.08.00, ou, pelo menos, seis meses, renovável nos termos da lei;
B) A ré não cumpriu por culpa sua as obrigações desse contrato, devendo ser compelida a fazê-lo;
C) Estabelecendo-se uma sanção pecuniária compulsória não inferior a 5.000$00 diários até cumprimento integral.
II. Que a ré seja condenada a:
D) Indemnizar o autor pelo valor correspondente ao subsídio do IEFP que este venha a perder e que se estima em 10.105.920$00;
E) Reduzir totalmente o valor da renda até à data do cumprimento integral;
F) Pagar-lhe a indemnização pelos lucros cessantes, que se computa até à presente data, no valor de 3.000.000$00;
G) E ainda todos os restantes prejuízos emergentes do incumprimento do autor imputável à ré com todos aqueles que contratou, em vista da abertura do Cyber-Café.
III. Sem prescindir, e se se entender que inexistiu contrato de arrendamento válido deve a ré ser condenada a indemnizar o autor por todos os prejuízos por si sofridos e por ela causados culposamente, conforme referido no artº 146º da petição.
Como fundamento, alegou factos tendentes a demonstrar que sofreu danos – que discriminou e quantificou – em consequência do incumprimento culposo por parte da ré do contrato de arrendamento da fracção autónoma identificada em A) que esta havia celebrado com o autor.
A ré contestou, impugnando motivadamente os factos alegados pelo autor e, em reconvenção, formulou os seguintes pedidos:
I. Ser declarado que:
A) A loja em causa não foi objecto da celebração de qualquer contrato de arrendamento ou de promessa de arrendamento entre o autor e a ré;
B) O autor ocupa ilegitimamente e sem qualquer título a fracção “A” identificada nos autos (loja sita na Rua ………. nº … em Vila Nova de Gaia);
C) Ser declarado que todas e quaisquer obras e benfeitorias eventualmente efectuadas pelo autor na dita loja não tiveram a prévia autorização da ré;
D) Ser declarado que a ocupação da dita loja por parte do autor causa à ré um prejuízo patrimonial não inferior a 180 contos/mês.
II. Ser o autor condenado a:
E) Reconhecer tudo o que foi declarado em I;
F) Entregar imediatamente à ré a loja em causa totalmente livre e devoluta de pessoas e coisas e no estado em que estava ao tempo em que o autor iniciou a sua ocupação;
G) Pagar à ré uma indemnização de perdas e danos que nesta data perfaz o montante global de 2.520.000$00 pela ocupação da loja em causa, e pelos danos que tal privação causa à ré, bem assim a quantia de 180.000$00 mensais por cada mês que de futuro daria tal ocupação.
Como fundamento da reconvenção, alegou factos tendentes a demonstrar que sofreu danos e continua a sofrer danos em consequência da privação da fracção autónoma supra referida por força da ocupação do autor.
Pediu ainda a intervenção principal de COMPANHIA DE SEGUROS D………., SA, alegando que para esta havia transferido a responsabilidade pelos danos causados a terceiros no exercício da sua actividade.
O autor replicou, impugnando os factos alegados pela ré como fundamento da reconvenção.
Foi admitida a requerida intervenção principal e a chamada contestou, invocando as excepções de exclusão da responsabilidade da ré das garantias do contrato de seguro e de nulidade do contrato de mediação imobiliária e impugnando os factos alegados pelo autor.
Percorrida a tramitação subsequente, foi proferida sentença que:
I. Julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência:
A) Condenou a ré e a chamada, solidariamente, a pagar ao autor a quantia de € 35.822,29, acrescida de juros de mora vencidos à taxa de juro legal a contar da citação e até integral e efectivo pagamento, sendo que relativamente à interveniente é de deduzir a quantia correspondente a 10% do sinistro, que, no caso, é de € 2.493,99;
B) Absolveu a ré e a chamada do mais pedido.
II. Julgou parcialmente procedente a reconvenção e, em consequência:
A) Declarou que a loja em causa não foi objecto da celebração de qualquer contrato de arrendamento entre o autor e a ré;
B) Declarou que o autor ocupa ilegitimamente e sem qualquer título a fracção “A” identificada nos autos (loja sita na Rua ………., nº …, em Vila Nova de Gaia);
C) Condenou o autor a entregar imediatamente à ré a loja em causa, totalmente devoluta de pessoas e coisas e no estado em que estava ao tempo em que o autor iniciou a sua ocupação;
D) Absolveu o autor no mais pedido.
A chamada Companhia de Seguros D………., SA recorreu, formulando as seguintes
Conclusões
1ª – A mediação imobiliária é a actividade em que, por contrato, uma empresa se obriga a diligenciar no sentido de conseguir interessado na realização do negócio que vise a constituição ou aquisição de direitos reais sobre imóveis.
2ª – Assim, a actividade de mediação imobiliária consiste no desenvolvimento de acções de prospecção e recolha de informações no sentido de encontrar o bem imóvel pretendido pelo cliente e, ainda, na promoção dos bens imóveis sobre os quais o cliente pretenda realizar negócios jurídicos.
3ª – As entidades de mediação imobiliária estão obrigadas á celebração de um seguro de responsabilidade civil para garantir a responsabilidade civil emergente da actividade de mediação imobiliária perante os clientes.
4ª – As cláusulas do referido seguro constam da Apólice Uniforme de Seguro de Responsabilidade Civil das Entidades Mediadoras emitida pelo Instituto de Seguros de Portugal, que, que, à data dos factos, constava da Norma 4/96-R, de 1 de Fevereiro.
5ª – Dos factos provados na presente acção, o facto ilícito de onde emerge a responsabilidade civil da sociedade de mediação imobiliária ré não se reporta à actividade de mediação imobiliária, pelo que a actividade desenvolvida pela ré nos presentes autos não cabe na definição contida no artº 3º do DL 77/99 citado.
6ª – No caso sub judice verifica-se que a ré desenvolveu um negócio próprio, sem mediação de quem quer que seja, criando no autor a convicção de que seria celebrado o contrato de arrendamento entre ela e aquela ré.
7ª – É expressamente proibido às empresas de imediação imobiliária intervir como parte interessada no negócio cujo objecto coincida com o objecto material do contrato de mediação do qual seja parte, nomeadamente, comprar ou constituir outros direitos reais, arrendar e tomar de trespasse, para si ou sociedade de que sejam sócias, como dispõe o DL 77/99.
8ª – O negócio realizado pela ré como parte contratante no contrato-promessa de arrendamento está excluído do âmbito da mediação imobiliária.
9ª – O contrato de seguro celebrado tem por objecto “a garantia da responsabilidade civil profissional emergente da actividade do segurado, na sua qualidade de mediador imobiliário, nos termos da legislação específica aplicável” – artº 2º das Condições Gerais da Apólice Uniforme, emitida pelo Instituto de Seguros de Portugal – Norma 4/96-R, de 01.02.
10ª – Da matéria de facto provada constata-se que os danos peticionados pelo autor advêm do comportamento ilícito da ré no âmbito da responsabilidade pré-contratual, sendo a ré parte interessada no contrato e não entidade mediadora do mesmo.
11ª – Sem prescindir do supra alegado quanto à natureza do negócio jurídico celebrado pela Sociedade de Mediação Imobiliária ré, estão excluídos do âmbito do contrato de seguro invocado nos autos, nos termos do artº 24º, nº 1 e nº 2, al. a) e b) do DL 77/99, a responsabilidade da sociedade de mediação imobiliária por quaisquer quantias indevidamente recebidas, as quais devem ser garantidas por uma caução e não pelo seguro de responsabilidade civil.
12ª – Deste modo, a apelante não é solidariamente responsável pelo pagamento de € 2.693,51, respeitante ao montante recebido, a título de rendas, pela ré.
13ª – O contrato de mediação imobiliária está sujeito à forma escrita e a omissão da forma legalmente prescrita gera a nulidade do contrato.
14ª – Nos termos do artº 3º das Condições Gerais da Apólice, o contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil invocado nos autos tem por objecto a garantia das indemnizações que legalmente sejam exigíveis ao segurado pelos danos patrimoniais que sejam causados aos clientes decorrentes exclusivamente de acções, omissões ou incumprimento das obrigações do segurado no exercício profissional da actividade de mediação imobiliária.
15ª – Considerando a lei que a actividade de mediação imobiliária exige a celebração de um contrato escrito, clientes serão todos aqueles que tenham celebrado com a sociedade mediadora um contrato de mediação imobiliária, isto é, escrito.
16ª – O autor não celebrou contrato de mediação imobiliária nos termos prescritos pelo referido DL, isto é, por escrito; consequentemente, não é “cliente” para efeitos do contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil das entidades mediadoras imobiliárias.
17ª – A sentença em recurso, ao condenar a apelante, violou o disposto no artº 3º da Apólice Uniforme do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil das Entidades Mediadoras Imobiliárias, o artº 219º do CC e os artºs 3º, nº 1 e 2, al. a) e b), todos do DL 77/99, de 16.03.
O autor contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. O tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos:
Em Maio de 1999, o autor apresentou uma pré-candidatura junto do Instituto de Emprego e Formação Profissional, no âmbito do programa iniciativas locais de emprego, visando obter um apoio financeiro para a instalação no concelho de V. N. de Gaia de um Cyber Café e consequente criação de quatro postos de trabalho, incluindo o seu. (1º e 2º)
Aquela pré-candidatura teve parecer favorável, devendo o autor, para tanto, frequentar um curso de formação de gestão e desenvolvimento pessoal e, no fim deste, apresentar um projecto devidamente instruído. (3º e 4º)
O autor frequentou o citado curso, no período compreendido entre 15.02.00 e princípios de Abril de 2000. (5º)
Enquanto decorria esse curso, o autor foi preparando todos os elementos e documentos que deviam enformar o processo a apresentar. (6º)
De entre os elementos fundamentais, destacava-se o referente ao local onde a actividade do autor iria ser desenvolvida, o regime de utilização, bem como o relativo às obras de adaptação do mesmo, incluindo todos os custos que aquele e estas implicavam. (7º)
Nessa sequência, o autor contactou diversas empresas do ramo imobiliário, nomeadamente a ré, tendo preenchido em todas elas, incluindo a ré, uma ficha de clientes com os seus dados e pretensão a arrendar um local apto a prosseguir a finalidade do Cyber Café, que incluía cumulativamente serviços de acesso à Internet e complementares de restauração. (8º)
De entre as ofertas feitas, o autor seleccionou a apresentada pela ré, correspondente a espaço sito na rua ………., nº …, r/c, Vila Nova de Gaia, de que era senhoria, e cliente da ré, E………. . (9º)
Marcou então com a ré ida ao local, tendo-o inspeccionado na companhia do representante daquela, F………., e do Sr. G………., este último ligado à sociedade construtora do edifício. (10º)
Durante a visita, o autor explicou ao representante da ré, e também ao Sr. G………., qual a actividade por si pretendida. (11º)
Aquele Sr. G………. respondeu-lhe que aquele espaço estava apto a receber tal actividade até porque ali já tinha funcionado um restaurante denominado “H……….”, existindo ainda no seu interior variado equipamento, como fornos, fogões, chaminé e uma arca frigorífica, deixado pelo anterior arrendatário e dono do citado estabelecimento comercial “H……….”. (12º, 13º e 14º)
Em virtude de o autor se ter mostrado interessado, ficou ainda entre ambos combinado que, caso o pedido de apoio ao IEFP lhe fosse concedido, e não aparecesse entretanto outro interessado, celebrariam um contrato de arrendamento relativo a esse local, pela renda anual de 2.640.000$00 e nas condições a adaptar a partir de uma minuta preparada e entregue ao autor pela representante da ré nesse momento. (15º e 16º)
Definido o local, o autor contactou os diversos fornecedores e prestadores de serviços que equipariam e montariam o futuro estabelecimento comercial, os quais lhe prepararam os orçamentos constantes das facturas proforma que juntou ao projecto de candidatura. (17º e 18º)
O IEFP, recebido o projecto do autor em Abril de 2000, devidamente instruído, analisou-o. (19º)
Tal projecto incluía, nomeadamente, a localização exacta do espaço onde funcionaria o Cyber Café, correspondente à fracção autónoma designada pela letra “C” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ………., nº …, r/c, Vila Nova de Gaia. (20º)
Contendo a minuta do já referido contrato promessa de arrendamento comercial elaborada pela ré, e ainda fotocópias da descrição dessa fracção autónoma, da propriedade horizontal, da certidão matricial e da planta da fracção autónoma, tudo elementos fornecidos pela ré. (21º e 22º)
E também uma descrição das obras de construção civil e de adaptação a realizar nesse mesmo local, incluindo as artes de electricidade, pichelaria, carpintaria, serralharia, vidraria e aquisição de mobiliário e outro equipamento. (23º)
O IEFP pediu pareceres à CM de Gaia e à Comissão de Coordenação da Região Norte sobre o projecto apresentado pelo autor. (24º)
Ambas as entidades se abstiveram de se pronunciar no prazo legalmente previsto. (25º)
Em princípio de Julho de 2000, o autor foi informado de que o seu projecto havia sido aprovado. (26º)
Pelo que contactou de imediato a ré, por intermédio de F………., informando-o deste facto e de que já não era possível celebrar o contrato de arrendamento. (27º)
Este comunicou nessa altura ao autor que a proprietária da fracção autónoma, sita na Rua ………., nº …, V. N. de Gaia, já havia arrendado ou vendido aquela sua fracção autónoma a uma terceira pessoa, razão pela qual não havia possibilidade de concretizar o projectado contrato de arrendamento. (28º e 29º)
Disse-lhe ainda o dito F………. que a ré ia deixar livre a fracção autónoma situada junto à outra, e correspondente ao nº … da mesma rua, onde tinha instalada uma sua delegação de intermediação na venda de bens imobiliários, e que, se o autor quisesse, poderia a ré arrendar-lhe a mesma, a fim de ali prosseguir a sua actividade comercial projectada. (30º e 31º)
O autor acedeu, na condição de tal alteração ser aceite e aprovada pelo IEFP. (32º)
Informado este, e após uma inspecção ao novo local efectuada pelos serviços do IEFP, não foi levantada objecção a tal alteração. (33º)
Comunicada a decisão do IEFP à ré, esta disse que ia preparar a minuta do contrato de arrendamento a fim de os vincular e que, logo que pronto, acordariam numa data e local para o assinar. (34º)
Ainda antes dessa data, o autor pediu à ré que autorizasse I………. a deslocar-se à sua fracção autónoma, a fim de aí tirar as medidas necessárias à montagem e decoração do Cyber Café, o que foi por aquela autorizado, tendo o dito I………. efectuado as medições, acompanhado do autor e do citado vendedor da ré, portador das chaves do local. (35º, 36 e 37º)
O autor, entretanto, assinou junto do IEFP um termo de responsabilidade e recebeu deste o valor inicial de 4.593.600$00 a título de subsídio não reembolsável. (38º)
Munido deste valor, o autor, por indicação da ré, dirigiu-se no dia 21.07.00 à delegação deste, sita no ………., onde um seu representante lhe apresentou três exemplares de um denominado contrato promessa de arrendamento comercial, a outorgar pela ré e pelo autor, relativo à fracção autónoma designada pela letra “A” do prédio em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ………., nº … a …, freguesia de ………., descrito na CRP de V. N. de Gaia, sob o nº 00545, semelhante ao constante do seu processo de candidatura. (39º)
Fracção autónoma que, nos seus dizeres, a ré, invocando a sua qualidade de dona e legítima possuidora, prometia dar de arrendamento ao autor para instalação de uma unidade de cafetaria, pelo prazo de um ano, renovável, com início no dia 1 do mês em que fosse outorgado o contrato de arrendamento. (40º)
E mediante pagamento por este àquela de uma renda mensal do valor de 180.000$00, até ao dia 8 do mês anterior a que respeitar, no domicílio do senhorio ou do seu legal representante. (41º)
A ré entregou de imediato ao autor aquela sua fracção autónoma e recebeu logo o valor de 360.000$00, destinando-se 180.000$00 a pagar o “mês corrente” e 180.000$00 de “mês de caução”. (42º e 43º)
Tendo concordado com os termos daquela minuta, o autor assinou os três exemplares, ficando com um e devolvendo os outros dois àquele representante da ré, o qual ficou, posteriormente, de devolver ao autor um exemplar com a assinatura do gerente da ré. (44º e 45º)
O autor entregou também nesse acto ao representante da ré, F………., um cheque de 360.000$00, de que lhe foi passado por ele um recibo. (46º)
A gerência da ré depositou aquele cheque em conta própria, tendo o mesmo sido descontado na conta do autor e sido creditado na conta da ré. (47º)
Aquele representante da ré entregou ao autor as chaves do espaço sito na Rua ………., nº …, V. N. de Gaia, e reafirmou-lhe que, a partir de então, poderia efectuar todas as obras interiores de adaptação ao fim contratado. (48º e 49º)
Mais lhe disse aquele representante da ré que tais obras, atenta a sua natureza, não careciam de licença municipal, podendo o autor iniciar a sua execução logo após a ré ter retirado os móveis que lá detinha. (50º e 51º)
Nos primeiros dias do mês de Setembro, o autor iniciou as obras de adaptação do local ao fim contratado. (52º)
Tendo adjudicado os trabalhos e fornecimentos constantes do orçamento cuja cópia consta de fls. 76/83, no valor global de 6.200.874$00 mais IVA, tendo pagado adiantado, por conta deles, as seguintes quantias: construtor civil, 1.820.335$00 em 08,09.00 e electricista, 361.900$00 em 08.09.00. (53º e 54º)
Outrossim, adquiriu o autor equipamento destinado ao mesmo Cyber Café, nomeadamente hoteleiro e de iluminação, pelos quais pagou ou adiantou, respectivamente, 300.000$00, 49.100$00 e 33.600$00 em 06.09.00, 17.09.00 e 15.09.00, respectivamente. (55º)
E, pela mesma altura, pagou nova mensalidade à ré, no valor de 180.000$00, respeitante ao mês de Setembro. (56º)
Quando o autor estava já a executar as obras, foi abordado por dois condóminos do edifício em regime de propriedade horizontal, em que se integrava a sobredita fracção autónoma, os quais lhe perguntaram a que fim se destinava o arrendado. (57º)
O autor esclareceu-os e estes disseram-lhe que pensavam não ser possível a prossecução desse objecto no locado da ré. (58º)
O autor contactou então a ré através do seu representante, a quem, ao mesmo tempo que pedia que lhe fosse entregue o exemplar do contrato promessa de arrendamento, assinado pela ré, deu conta daquela abordagem. (59º)
O representante da ré disse-lhe que não havia problemas, que podia continuar as obras, porquanto, embora o título constitutivo não previsse que no locado se pudesse exercer essa actividade, os condóminos já tinham aprovado em assembleia a afectação daquele espaço e do outro, pertença de E………., à finalidade de restauração ou similares, incluindo café, e que fora com base em tal autorização que havia funcionado naquela outra fracção autónoma o restaurante de nome “H……….”. (60º e 61º)
Nessa sequência, o autor prosseguiu as obras necessárias à adaptação do local ao exercício da actividade de Cyber Café. (62º)
Contratou também com a “J……….” o fornecimento faseado, após o início actividade, de um total de 1.800 kg de café, sendo que aquela equiparia o estabelecimento com algum mobiliário, nomeadamente mesas e cadeiras. (63º e 64º)
Quando o autor tinha os trabalhos em adiantada fase de execução, foi contactado pelo Sr. K………., representante máximo da ré da delegação do ………., V. N. de Gaia, que o informou não ser possível fixar no contrato de arrendamento o prazo de um ano, renovável, por igual período de tempo, querendo que o mesmo fosse de cinco anos, nos termos de uma minuta que lhe apresentou. (65º, 66º e 67º)
O autor não aceitou tal exigência da ré. (68º)
Caso a ré cessasse o contrato ao fim do prazo de cinco anos, todo o investimento apoiado pelo IEFP seria perdido, incluindo os postos de trabalho. (69º)
Mercê desta posição do autor, a ré recusou-se a entregar-lhe os exemplares do contrato por si subscrito, contendo também a assinatura do gerente da ré. (70º)
Pela mesma altura desta pretensão da ré, compareceu no locado um fiscal municipal, perguntando ao autor pela licença de obras. (71º)
O autor disse-lhe que tal licença não era necessária atenta a natureza das obras a executar. (72º)
Disse o mesmo fiscal que tinha dúvidas, mas que, pelo menos, era necessária a sua participação prévia e que as obras só podiam iniciar-se decorridos trinta dias depois de tal acto. (73º)
O autor respondeu que essa participação tinha sido efectuada há vários meses por intermédio do IEFP, e no âmbito da candidatura do autor, tendo-lhe sido exibidos tais elementos. (74º)
O fiscal tomou notas e disse que ia tratar do assunto na CM de V. N. de Gaia. (75º)
No dia 22.09.00, aquele fiscal voltou a comparecer no local e embargou as obras ali em execução. (76º)
Interpelado mais uma vez, aquele fiscal disse que, embora aquelas obras não carecessem de licenciamento, estavam sujeitas a participação prévia à Câmara, só podendo iniciar-se trinta dias depois, e devia ser instruída nos termos do nº 6 do artº 3º do DL 445/91. (77º)
O autor repetiu-lhe o que dissera durante a primeira visita. (78º)
Perante tal informação, o fiscal disse que, no seu entender e no da Câmara, o autor deveria renovar a comunicação, nos termos do processo aplicável, já que a efectuada pelo IEFP não tinha o mesmo valor. (79º)
Aquele embargo foi posteriormente confirmado pelo Vereador do Pelouro da CM de V. N. de Gaia até à sua legalização. (80º)
Encontrando-se na altura no seguintes estado: Obra de trolha – em fase de acabamento; Obra de electricista – concluída a montagem da rede eléctrica, faltando só colocar nos lugares algum material de iluminação; Obra de carpinteiro – concluída, faltando somente assentá-la nos lugares apropriados; Sistema de ventilação – quase concluído e montado no local. (81º)
Perante o risco que lhe foi anunciado, o autor decidiu cumprir a determinação da CM de V. N. de Gaia. (82º)
Para instrução do processo e segundo informações colhidas no Município, o autor precisava, pelo menos, dos seguintes documentos: a) Contrato de arrendamento ou de promessa assinado pela ré, com autorização das obras; b) Autorização dos condóminos para o exercício da actividade de Cyber Café. (83º)
O autor contactou de novo a ré, a quem pediu tais documentos. (84º)
A ré recusou-se a entregar o contrato de arrendamento assinado, salvo se o autor concordasse que o mesmo tivesse a duração limitada de cinco anos. (85º)
Quanto à deliberação dos condóminos, ia solicitá-la ao Sr. G………., que a teria na sua posse, mas que só a entregava juntamente com o contrato de arrendamento, com a cláusula referida. (86º e 87º)
O autor discordou desta posição e continuou a pedir os dois documentos, devendo o contrato de arrendamento obedecer ao prazo de um ano renovável por igual período. (88º e 89º)
No dia 07.10.00, e, posteriormente, no dia 11.10.00, o autor apresentou-se na filial da ré no ………. para pagar a mensalidade desse mês e obter os recibos definitivos das mensalidades já pagas. (90º)
O representante da ré disse que não tinha quaisquer recibos definitivos e que não tinha um recibo da mensalidade desse mês. (91º)
Por tal motivo, o autor solicitou à ré, por carta registada, que lhe dissesse, por escrito, onde e quando devia entregar o montante da mensalidade e receber o documento de quitação. (92º)
O autor pediu ao IEFP uma prorrogação do prazo para a conclusão das obras, o que lhe foi concedido. (93º e 94º)
Porém, a ré persistiu na sua posição. (95º)
Face à não conclusão das obras, e ao incumprimento do prazo fixado pelo IEFP para abertura e início de funcionamento do estabelecimento comercial, o autor deixou de receber a 2ª “tranche” do subsídio concedido, no valor de 4.593.600$00 mais 918.700$00. (96º)
O autor iria auferir, no estabelecimento comercial em causa, uma quantia mensal não inferior a 200.000$00. (97º)
A ré transferiu para a chamada Companhia de Seguros D………., SA a responsabilidade civil por danos causados a terceiros no exercício da sua actividade, mediante o contrato de seguro titulado pela apólice nº ……/09. (A)
Tal contrato está sujeito a uma franquia contratual a cargo do segurado no valor de 10% por sinistro, no mínimo de € 498,80 e máximo de € 2.493,99. (B)
*
III.
A questão a decidir – delimitada pelas conclusões da alegação da apelante (artºs 684º e 691º do CPC) – é a seguinte:
- Âmbito da cobertura do contrato de seguro.
O contrato de mediação pode definir-se como o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover, de modo imparcial, a aproximação de duas ou mais pessoas, com vista à celebração de certo negócio, mediante retribuição.[1]
São assim elementos caracterizadores deste contrato: obrigação de aproximação de contraentes; actividade tendente à celebração de negócio; imparcialidade; ocasionalidade; retribuição.
Como salienta Lacerda Barata,[2] a interposição do mediador entre os possíveis contraentes é um elemento necessário para a verificação de uma relação de mediação. A actividade do mediador consiste essencialmente na prática de actos materiais, tendentes a favorecer o encontro de eventuais contraentes e a celebração do negócio em causa.
Essa actividade tem, pois, carácter necessariamente pluridireccional, dirigindo-se a um resultado que envolve, pelo menos, duas pessoas, sem, no entanto, se perder de vista que os contraentes do contrato de mediação são o mediador e o comitente.
Por outro lado, o mediador não age por conta do comitente, nem no interesse deste. A imparcialidade impõe ao mediador o dever de se comportar, perante os potenciais contraentes, em termos não discriminatórios e de modo a evitar danos para qualquer deles. A imparcialidade do mediador deve, portanto, ser aferida em relação aos sujeitos potenciais contraentes (comitente e terceiro) e aos seus interesses.[3]
Uma das modalidades do contrato de mediação é a mediação imobiliária que, à data dos factos discutidos na presente acção, estava prevista e regulada no DL 77/99, de 16.03, na redacção anterior às alterações introduzidas pelo DL 258/01, de 25.09.
O nº 1 do artº 3º daquele Diploma define a actividade de mediação imobiliária como aquela em que, por contrato, uma empresa se obriga a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra ou na venda de bens imóveis ou na constituição de quaisquer direitos reais sobre os mesmos, bem como para o seu arrendamento e trespasse, desenvolvendo para o efeito acções de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e sobre as características dos respectivos imóveis.
A empresa de mediação imobiliária pode ainda prestar serviços complementares, relativos à obtenção de documentos, em ordem à celebração dos negócios visados (nº 2 do preceito citado).
O artº 18º do DL 77/99 consagra especiais deveres a cargo do mediador, enumerando nas diversas alíneas do seu nº 2 deveres de conteúdo negativo, designadamente a proibição de intervir como parte interessada em negócio cujo objecto coincida com o objecto material do contrato de mediação do qual seja parte, nomeadamente comprar ou constituir outros direitos reais, arrendar e tomar de trespasse, para si ou sociedade de que sejam sócias, bem como para os seus sócios, administradores ou gerentes e seus cônjuges e descendentes e ascendentes do 1º grau (al. b).
Para garantia da responsabilidade emergente da sua actividade perante os interessados, as empresas de imediação imobiliária devem prestar uma caução e realizar um seguro de responsabilidade civil (artº 24º, nº 1 do DL 77/99).
Nos termos do artº 29º, nº 1 do Diploma em análise, o seguro de responsabilidade civil destina-se a garantir: 1) a obrigação prevista na al. c) do nº 2 do citado artº 24º, ou seja, o ressarcimento dos danos patrimoniais causados aos interessados, decorrentes de acções ou omissões das empresas e seus representantes, ou do incumprimento de outras obrigações resultantes do exercício da sua actividade; 2) as obrigações previstas nas als. a) e b) do mesmo nº 2 artº 24º relativamente ao montante que exceda o valor da caução, ou seja, o reembolso de quantias de que as empresas se tenham apropriado em violação do disposto nas als. a) e d) do nº 2 do artº 18º e do nº 3 do artº 19º.
O DL 258/01 alterou a redacção do nº 1 do artº 29º, restringindo a garantia do contrato de seguro aos danos patrimoniais referidos na al. c) do nº 2 do artº 24º, com o fundamento – como se pode ler no preâmbulo - de ser tecnicamente inexequível o contrato de seguro nos termos previstos na primitiva redacção do preceito, por conduzir à exploração de dois ramos de seguro através da mesma apólice (seguro de responsabilidade civil e seguro-caução), o que está vedado às empresas seguradoras.
À data dos factos em causa nos presentes autos, as condições mínimas do contrato de seguro obrigatório estavam fixadas na Portaria 371/93, de 01.04, por não ter ainda sido publicada a Portaria aludida no artº 29º do DL 77/99 (que veio a ser a Portaria 32/02, de 09.01) – cfr. artº 38º, nº 5 do DL 77/99.
Nos termos da Portaria 371/93: 1º - As entidades mediadoras imobiliárias possuem obrigatoriamente um seguro, destinado a garantir a responsabilidade por danos causados no exercício da sua actividade, (…).
2º - O contrato de seguro garante, no mínimo, o pagamento de indemnizações para ressarcimento dos danos patrimoniais causados ao cliente por acções, omissões ou incumprimento de obrigações da entidade mediadora no exercício profissional da sua actividade (...). 10º - O conteúdo mínimo obrigatório do seguro (…) deverá constar de apólice uniforme (…).
A apólice uniforme a que se reporta a Portaria 371/93 foi aprovada pela NR 4/96, de 01.02, publicada no DR nº 56, III Série, de 06.03.96.
Diz-se no artº 2º das condições gerais daquela apólice que o contrato tem por objecto a garantia da responsabilidade civil profissional emergente da actividade do segurado, na sua qualidade de mediador imobiliário, nos termos da legislação específica aplicável.
E reitera-se no artº 3º, nº 1 que o contrato tem por objecto a garantia das indemnizações que legalmente sejam exigíveis ao segurado, pelos danos patrimoniais que sejam causados aos clientes, decorrentes exclusivamente de acções, omissões ou incumprimento das obrigações do segurado no exercício profissional da actividade de mediação imobiliária, conforme definido na legislação em vigor.
Por seu turno, o artº 1º das mesmas condições gerais define terceiro como o cliente que, em consequência de um sinistro coberto pelo contrato, sofra um dano patrimonial susceptível de, nos termos da apólice, ser reparado ou indemnizado.
As normas citadas estão reproduzidas na apólice do contrato de seguro que vigora entre a ré e a chamada, como se alcança da cópia junta a fls. 143 e seguintes.
Como vimos, segundo o artº 24º, nº 1 do DL 77/99, o contrato de seguro de responsabilidade civil garante a responsabilidade emergente da actividade de mediação imobiliária perante os interessados.
Aquele preceito veio dar uma maior abrangência ao termo cliente, aplanando as dificuldades de interpretação daquele conceito que se suscitavam no domínio da legislação anterior (artº 9º do DL 285/92, de 19.12), consagrando o que já vinha sendo defendido pela jurisprudência.
Como já dissemos, é certo que o contrato de mediação envolve dois contraentes - o mediador e o comitente – mas também é certo que se traduz na prática pelo mediador de actos materiais visando o encontro dos potenciais interessados na celebração do negócio, tendo-se acentuado o seu carácter pluridireccional, por se dirigir a um resultado que envolve, pelo menos, duas pessoas.
Nesta perspectiva, como se diz no Ac. desta Relação de 29.05.03,[4] não faz sentido que se identifique o cliente apenas com o comitente. O termo cliente traduz um conceito amplo, de pessoa que se relacione com o mediador no âmbito da actividade deste, integrando assim o comitente e o terceiro interessado, ambos potenciais contraentes visados pela actividade de mediação.[5]
A garantia do contrato de seguro obrigatório celebrado pelo mediador imobiliário abrange, pois, os danos causados pela sua actividade não só ao comitente como ao terceiro interessado no potencial negócio.
No caso dos autos, o autor dirigiu-se à ré, enquanto empresa que se dedica à actividade de mediação imobiliária, com vista a arrendar um espaço onde pudesse instalar um Cyber Café.
Num primeiro momento, a ré indicou ao autor uma fracção autónoma potencialmente apta ao exercício daquela actividade, que era propriedade de uma sua cliente. O arrendamento daquela fracção veio, no entanto, a frustrar-se, por, entretanto, a proprietária a ter arrendado a outrém.
Num segundo momento, a ré indicou então ao autor uma fracção autónoma que também reuniria condições para a instalação do Cyber Café, fracção autónoma essa de que era proprietária a própria ré.
Foi em relação a esta fracção que foram efectuadas negociações entre o autor e a ré com vista ao seu arrendamento, tendo o autor indicado aquela fracção na candidatura que fez a um subsídio do IEFP, e tendo chegado a pagar prestações mensais à ré e a fazer obras na mesma, nos termos que melhor se descrevem na matéria de facto provada.
O contrato de arrendamento da sobredita fracção não se chegou a celebrar, por causa que o tribunal recorrido imputou a conduta culposa da ré, causadora de responsabilidade pré-contratual desta, tendo sido neste âmbito que a ré foi condenada a ressarcir o autor dos danos por ele sofridos.
Resulta claramente do acima exposto que ninguém encarregou a ré de diligenciar pelo arrendamento da fracção autónoma em causa; e ninguém o poderia ter feito porque a única pessoa com legitimidade substancial para dar de arrendamento a fracção era a própria ré na qualidade de proprietária.
Não se estabeleceu, pois, nenhuma relação entre a ré (mediadora) e alguém que, na qualidade de proprietário ou usufrutuário da fracção autónoma, quisesse dá-la de arrendamento (comitente).
Ou seja, a ré não se interpôs entre o autor e o proprietário/usufrutuário da fracção autónoma para os aproximar com vista à celebração de um potencial contrato de arrendamento.
O que a ré fez foi diligenciar pelo arrendamento de uma sua fracção, negociando directamente com o autor, no seu próprio interesse, sem interposição de ninguém.
Tendo em conta o conceito de contrato de mediação imobiliária que acima demos, bem como os elementos que o caracterizam, maxime, a imparcialidade, concluímos que não foi celebrado qualquer contrato de mediação imobiliária entre a ré e outrém, contrato esse em relação ao qual o autor assumiria a posição de terceiro interessado.
Aliás, se tivesse sido celebrado um contrato de mediação imobiliária, a responsabilidade da ré perante o autor nunca se poderia qualificar de pré-contratual, nos termos do artº 227º do CC, como se fez na sentença recorrida.
A responsabilidade da ré seria de natureza contratual, se entendermos que o contrato de mediação é a fonte das obrigações do mediador para com o terceiro interessado previstas no artº 18º do DL 77/99 - e, no caso, da factualidade provada poderia decorrer incumprimento das obrigações previstas nas als. d) e e) do nº 1 daquele preceito.
Ou seria de natureza extra-contratual, se entendermos que as normas do artº 18º são normas de protecção, integrando-se a sua violação na segunda modalidade de ilicitude prevista no artº 483º, nº 1 do CC.[6]
Segundo a sentença recorrida, a ré incorreu em responsabilidade pré-contratual derivada do seu comportamento ilícito e culposo, por ser violador das regras da boa fé, nas negociações que teve com o autor com vista à celebração do contrato de arrendamento da fracção.
Não se fala ali uma única vez em contrato de mediação imobiliária nem em actividade de mediação imobiliária.
Assim se concluindo que não foi celebrado qualquer contrato de mediação imobiliária e que a ré não agiu no âmbito da sua actividade de empresa de mediação imobiliária, a responsabilidade desta para com o autor, pelos danos que lhe causou com a sua conduta, ao negociar o contrato de arrendamento, está claramente excluída do âmbito da garantias do seguro. É o que resulta das disposições conjugadas dos artºs 24º, nºs 1 e 2 e 29º, nº 1 do DL 77/99, 1º e 2º da Portaria 371/93 e 2º e 3º das Condições Gerais da Apólice Uniforme aprovada pela NR 4/96 (estas reproduzidas nos artºs 2º e 3º das condições gerais da apólice do contrato de seguro celebrado entre a ré e a chamada).
Atente-se em que a situação dos autos não se enquadra no disposto no artº 18º, nº 2, al. b) do DL 77/99, acima citado.
A situação ali prevista pressupõe que existe alguém que encarregou a empresa mediadora de celebrar um negócio, ou seja, existe um comitente, e, como tal, foi celebrado contrato de mediação. Simplesmente, a mediadora celebra o negócio potencial em seu próprio nome ou de alguma das pessoas com ela relacionadas ali referidas, assumindo a posição de terceiro interessado, como decorre da própria redacção da norma (fala-se em comprar, arrendar para si, tomar de trespasse, etc.).
Violando o dever de conteúdo negativo que para ela decorre do citado preceito, a mediadora incorre em responsabilidade contratual perante o comitente, responsabilidade essa que sempre estaria coberta pela garantia do seguro.
A situação prevista no preceito em análise não se confunde, pois, com a dos autos, em que nem sequer existe contrato de mediação, como oportunamente explicámos.
Estando a responsabilidade da ré perante o autor excluída do âmbito das garantias do contrato de seguro celebrado com a chamada, esta não pode ser responsabilizada pelo pagamento da indemnização a que aquele tem direito, devendo de tal ser absolvida.
*
IV.
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente, revogando-se em parte a sentença recorrida e, em consequência:
A) Julga-se a acção improcedente em relação à chamada Companhia de Seguros D………., SA, absolvendo-se esta dos pedidos formulados pelo autor;
B) Julga-se a acção parcialmente procedente em relação à ré, condenando-se esta a pagar ao autor a quantia de € 35.822,29 (trinta e cinco mil oitocentos e vinte e dois euros e vinte e nove cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos à taxa de juro legal a contar da citação e até integral e efectivo pagamento, e absolvendo-a do demais pedido;
C) Mantém-se o que foi decidido na sentença recorrida quanto à reconvenção.
Custas da apelação pelo autor/apelado.
Custas da acção e da reconvenção pelo autor e pela ré na proporção do decaimento.
***
Porto, 03 de Julho de 2008
Deolinda Maria Fazendas Borges Varão
Evaristo José Freitas Vieira
Manuel Lopes Madeira Pinto
______________________
[1] Cfr. Lacerda Barata, “Contrato de Mediação”, Estudos do Instituto de Direito do Consumo, I, pág. 192.
[2] Obra citada, pág. 193.
[3] Lacerda Barata, obra citada, págs. 198 e 199.
[4] www.dgsi.pt.
[5] No mesmo sentido, ver o Ac. do STJ de 04.12.03, www.dgsi.pt. Sobre o conceito de cliente, cfr. Barbosa de Magalhães, Do Estabelecimento Comercial, pág. 70.
[6] Sobre a natureza da responsabilidade do mediador perante o terceiro interessado, ver a desenvolvida argumentação do já citado Ac. desta Relação de 29.05.03.