ARRENDAMENTO
RESOLUÇÃO
ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DA ESTRUTURA EXTERNA
UTILIZAÇÃO PARA RAMO DE NEGÓCIO DIFERENTE
Sumário

I - A alteração substancial da estrutura externa do prédio, como fundamento de resolução do contrato, consiste na modificação do essencial da sua fisionomia, configuração ou equilíbrio arquitectónico e tem de ser feita com carácter permanente, considerável ou vultuosa, mesmo que possua as características de reparabilidade.
II - Tendo-se estipulado no contrato de arrendamento (em 1944), como destino, "casa de pasto", destino que, por lei passou a enquadrar a categoria de estabelecimento de restauração, qualificado no tipo de estabelecimento que corresponder ao serviço que nele prestado, é legítimo que o arrendatário denomine o estabelecimento de "churrascaria", atendo o serviço nele efectivamente prestado.

Texto Integral

Processo nº 2635/08-2
Apelação
Varas Cíveis do Porto – .ª Vara – .ª secção – proc. …./07.5.TVPRT
Recorrente – B……….
Recorridos – C………., Ldª
D……….
E……….
F……….
G……….
Relator – Anabela Dias da Silva
Adjuntos – Desemb. Maria do Carmo
Desemb. Rodrigues Pires


Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – Nos presentes autos de acção declarativa com processo ordinário que B………. intentou nas Varas Cíveis do Porto contra C………., Ldª, com sede na Rua ………., nº .., Porto; viúva de H……….; D……….; I……….; viúva de J……….; viúva de K……….; E………. e L………., pedindo que se declare a caducidade dos contratos de arrendamento de que foi objecto o prédio urbano composto de casa de r/c e 3 andares, com dependências, sito no ………., .. e .., com frente também para o ………. e para a ………., sua pertença, pelo facto de o imóvel a que dizem respeito não servir fim a que se destina, sendo economicamente inviável a sua reposição; e que se condene os réus ao respectivo despejo respectivo, e subsidiária e cumulativamente entre si decretada a resolução dos contratos de arrendamento respeitante ao r/c, ao 3º esqº e 2º andar esqº, de que são arrendatários a 1ª, a 2ª e a 6ª rés, alegando ainda a falta de residência permanente das duas últimas e a alteração do fim do contrato e a realização de obras não permitidas em relação à 1ª ré.
Depois de várias vicissitudes quanto à identificação dos réus vieram estes a fixarem-se como sendo – C………., Ldª, D………., E……...., F………. (filha de I………., admitida a intervir nos autos por incidente de intervenção principal espontânea) e G………. (viúva de K……….), estas as arrendatárias do 3º esqº e do 2º andar esqº, alegando que estas aí já não possuem no locado a sua residência. Sendo que o locado de H………. está na posse da sua viúva M………., o de J………. está a ser ocupado pelo seu filho, N………., e que o de L………. está ocupado pela sua viúva O………. .

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Todos os réus foram pessoal e regularmente citados e vieram deduzir contestação, impugnando os factos articulados pela autora e pedindo a sua absolvição do pedido.
As rés D………. e G………. deduziram reconvenção pedindo a condenação da autora na realização das obras de reparação ou substituição dos telhados, beirais, caleiras, portas e janelas, por forma a impedirem que nos locados se infiltrem águas pluviais, garantindo a habitabilidade dos mesmos.
F………. veio aderir à contestação e ao pedido reconvencional formulado pelas rés D………. e G………. .
E………. também deduziu reconvenção, pedindo que, em caso de procedência da acção, seja esta condenada no pagamento de quantia de 44.000.000$00 por danos patrimoniais e não patrimoniais, uma vez que o estado de degradação a que chegou o prédio deriva de incumprimento contratual por parte do locador (não realização de obras de conservação e consequente impossibilidade de assegurar o gozo da coisa).
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Resulta de fls 382 dos autos que G……….., N………. e M………. entregram as chaves dos locados que detinham à autora, tendo a instância, nessa parte, sido julgada extinta.
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Foi realizada uma tentativa de conciliação das partes, sem êxito.
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Posteriormente foi ordenada a apensação aos autos da acção declarativa com processo ordinário que a autora intentou contra a ré C………., Ldª, pedindo que se declare nulo o contrato de arrendamento de que esta é titular, celebrado em 30 de Abril de 1942 no Cartório Notarial do Porto, entre P………. e Q……….., por ter sido celebrado sem o parecer exigido pelo § 1ºdo artº 26º do Decreto nº 20.958, de 7 de Março de 1932, declarando-se ainda nulas todas as posteriores transmissões do direito de arrendamento, nos termos do artº 285º do Código Civil, e, subsidiariamente, declarar-se resolvido tal contrato de arrendamento nos termos do disposto na alínea d) do nº 1 do artº 64º do RAU, e, cumulativamente, declarar-se que são da autora a título de indemnização pela ocupação do prédio todas as rendas pagas pelo réu e seus antecessores até à efectiva desocupação do prédio.
Alega para tanto que o prédio em causa dista menos de 50 metros de um monumento classificado como monumento nacional e que o aludido contrato de arrendamento, porque altera a finalidade do prédio, de habitação para comércio, deveria ter sido instruído com o parecer prévio e vinculativo exigido pelo diploma legal citado, o que determina a nulidade do mesmo, nos termos do § 1º do seu artº 32º e que além disso, a ré instalou uma chaminé para extracção de fumos e uma arca frigorifica, ambas sem o consentimento do senhorio, as quais, em virtude das suas vibrações e variações térmicas têm contribuído para a degradação do edifício.
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A ré foi pessoal e regularmente citada e veio contestar, invocando a excepção peremptória de caducidade do direito de pedir a resolução, já que, pelo menos, desde 6.02.1998 que a autora tem conhecimento das alegadas causas de resolução e o monumento referido está classificado como monumento de interesse público e não como monumento nacional, não lhe sendo aplicável a disciplina legal referente a estes últimos.
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A autora replicou dizendo que a caducidade se conta a partir da data da cessação do facto que permite a resolução.
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Foi também ordenada a apensação aos autos da acção declarativa com processo ordinário que a autora instaurou contra F………. pedindo a caducidade do contrato de arrendamento em virtude de o prédio não servir o fim a que se destina, atento seu avançado estado de degradação, ser economicamente inviável a sua recuperação, condenando-se a ré ao despejo e, subsidiariamente, a caducidade, com data de 29 de Dezembro de 1980, do contrato de arrendamento celebrado com I………. relativamente ao prédio sito na Rua ………., nº …, 1º dtº, Porto, ou decretada a sua resolução, sempre com o despejo imediato da ré, e, em qualquer dos casos, sempre se condenando a ré F………. a pagar à autora uma indemnização equivalente a € 198,00 por cada mês que decorrer entre a data da instauração da acção e a data em que o prédio seja efectivamente entregue, e ainda no pagamento de uma indemnização, a liquidar em execução de sentença, contada a partir de 29 de Dezembro de 1980, referente às diferenças entre os montantes pagos e aqueles que teria de pagar pela ocupação ilegal do prédio, no mínimo igual ao valor da renda condicionada determinada para o prédio, acrescida de juros legais de mora, deduzidas as quantias pagas, e ainda no pagamento de uma quantia diária de € 25,00 por cada dia que medeie entre o trânsito em julgado da decisão que ordene a entrega do prédio e a efectiva restituição do mesmo, a título de sanção pecuniária compulsória.
Alega aí para tanto a autora que tendo falecido o inquilino originário, não ocorreu qualquer comunicação nos termos legais para evitar a consequente caducidade do contrato, pelo que tal arrendamento não se transmitiu para a sua viúva S………. . A mesma falta de comunicação terá ocorrido quando esta faleceu, em 29 de Dezembro de 1980, pelo que tal arrendamento se não transmitiu à sua filha F………. .
Finalmente, alega que a F………., sem consentimento escrito do senhorio, substituiu as janelas de madeira do prédio por janelas de alumínio e que desde 2001 que tal ré não ocupa o locado, encontrando-se a residir em Rio Tinto e em Santa Maria da Feira.
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A ré foi pessoal e regularmente citada e veio contestar, alegando o incumprimento da obrigação do senhorio de efectuar obras de conservação. Afirma que as comunicações de transmissão do arrendamento foram sempre efectuadas, tendo a senhoria reconhecido os sucessivos inquilinos enquanto tal, mormente através dos seus procuradores e representantes, referindo que se trata de um período de cerca de 40 anos.
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Dispensou-se a realização de audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, admitidos os pedidos reconvencionais e relagada para sentença final a decisão da questão da excepção da caducidade deduzida pela ré F………. .
Foi elaborada a listagem dos factos assentes e a base instrutória de que se reclamou e que foi, parcialmente, deferido a fls.1946.
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A autora deduziu, nos termos do artº 58º do RAU, incidente de despejo imediato contra O………. o qual veio a ser julgado procedente por despacho proferido a fls. 1626, condenando-se tal ré na imediata entrega à autora do locado, livre de pessoas e bens.
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Ainda na fase de instrução a autora fez variadissimos requerimentos aos autos , importando agora atentar a três deles.
A fls 1592, a autora alegando que é a ré F………. quem ocupa o a habitação sita na ………. nº … , 1º Dtº. A mesma foi arrendada a seu pai I………. que faleceu em 12.05.1962, ocasião em que lhe sobreviveu o cônjuge, S………. . No entanto, não ocorreu a transmissão do direito ao arrendamento pois não foi feita a necessária comunicação escrita do óbito do primitivo inquilino aos senhorios. Por isso, o direito ao arrendamento do prédio nunca se transmitiu do I………. para a S………., como resulta dos recibos das rendas juntos pela ré F………. aos autos, emitidos em nome do I………. e também nunca a S………. exigiu judicialmente que aqueles senhorios emitissem os recibos das rendas em seu nome.
A S………., veio a falecer em 29.12.1980. E também nessa data não ocorreu a transmissão do direito ao arrendamento para a ré F………. . E nunca esta ré notificou judicialmente os senhorios para emitirem os recibos das rendas no seu nome.
Por tudo isto, a autora requereu: “(...) ao abrigo do disposto nos artigos 519º e 528º ambos do Código do Processo Civil, para prova dos quesitos da base instrutória números 1, 2, 3, 4, 5, 58, 59, 60, requer a V. Exa se digne mandar notificar a R F………., para vir aos autos informar se após o óbito do primitivo inquilino I………., o cônjuge sobrevivo efectuou a necessária comunicação escrita aos senhorios para efeito da transmissão do direito do arrendamento ao abrigo do disposto no artigo 46º nºs 1 e 2 da Lei nº 2.030 de 22 de Junho de 1948 e, em caso afirmativo juntar aos autos os seguintes documentos:
a) Cópia da comunicação escrita para efeito da transmissão do direito do arrendamento por óbito de I………., assinada pelo cônjuge sobrevivo e o respectivo talão de reg isto postal;
b) Cópia da certidão de casamento da S………., anexa à comunicação escrita referida na alínea a);
c) Cópia da certidão de óbito do I………., anexa à comunicação escrita referida na alínea a);
d) Cópia do atestado de residência da S………., anexo à comunicação escrita referida na alínea a);
e) Cópia da comunicação escrita para efeito da transmissão do direito do arrendamento por óbito de S………., assinada pela R F………. e o respectivo talão de reg isto postal;
f) Cópia da certidão de nascimento da R. F………. anexa à comunicação escrita referida na alínea e);
g) Cópia da certidão de óbito da S………. anexa à comunicação escrita referida na alínea e);
h) Cópia do atestado de residência da R. F………., anexo à comunicação escrita referida na alínea e).
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A fls 1596 requereu a autora : “(...) ao abrigo do disposto no artigo 273º nº 2 do Código do Processo Civil (CPC), a ampliação do pedido quanto ao R. E……….“
Para tanto alegou que consta do quesito 40º da base instrutória : “O réu E………. passou a vender bebidas no estabelecimento, em vez de cafés e mercearias ?”
Na petição inicial, a A. pediu, a titulo principal, a declaração de caducidade de todos os contratos de arrendamento e consequentemente a condenação de todos os RR. ao despejo. Subsidiária e cumulativamente, a A. pediu que fosse decretada a resolução dos contratos de arrendamento dos seguintes RR.: - C………., Ldª; viúva de H………. e viúva de K………. .
É agora possível a ampliação do pedido, a titulo subsidiário e cumulativo, para que o tribunal decrete a resolução do contrato de arrendamento daquele R. com fundamento na violação do artigo 64º nº 1, alínea b) do RAU.
Termina a autora pedindo que: “(...) deve ser decretada a resolução do contrato de arrendamento celebrado por escritura pública em 27 de Fevereiro de 1985 no 7º Cartório Notarial do Porto entre T………. e outros na qualidade de senhorios e o R.
E………., em virtude deste, sem o consentimento escrito dos senhorios, usar o arrendado para fim ou ramo de negócio diverso daqueles a que se destina, violando o artigo 64º nº 1 alínea b) do RAU e consequentemente condenado ao despejo imediato, com todos os encargos e consequências legais”.
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A fls. 1601 veio a autora requerer “(...) para prova dos quesitos 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56 e 57, da Base Instrutória, requer a V. Exa. ao abrigo dos artigos 519° e 528° ambos do Código do Processo Civil (CPC), se digne mandar notificar a R. C………., L.dª, com sede no P………., nº .. a .., cidade do Porto, para vir aos autos informar se alguma vez foram requeridos e emitidos os documentos a seguir identificados e, em caso afirmativo, juntá-los aos autos:
a) O Parecer Favorável do Conselho Superior de Belas Artes exigido pelo § 1º do artigo 26º do Decreto nº 20.9787 de 7 de Março de 1932 para a aplicação a dar às trazeiras do prédio sito no rés de chão do prédio sito no ………. nºs .. a .. da cidade do Porto, que de habitação, como se alcança da escritura pública celebrada em 22/07/1941 no Cartório Notarial do Porto do U………. cuja cópia junta e dá por integralmente reproduzida (doc 1), passou para comércio de comidas e bebidas como se alcança da escritura pública celebrada em 30/04/1942 no referido Cartório Notarial cuja cópia junta e dá por integralmente reproduzida (doc.2),
b) O consentimento escrito dos ex-senhorios para a instalação em data anterior a Fevereiro de 1998, da chaminé e do extractor de fumos e cheiros constante em X) dos factos assentes, no estabelecimento da V………., pertencente à R. C………., Ldª, sito no rés - de - chão do prédio sito no ………., nº .. a .., cidade do Porto.
c) O consentimento escrito dos ex-senhorios para a alteração da actividade do estabelecimento de W………., que consubstancia a actividade de comércio de comidas e bebidas, como se alcança do contrato de arrendamento celebrado em 0/04/1942 pelo Notário da Comarca do Porto U………., com cartório na Rua ………., número sete da cidade do Porto cuja cópia junta e dá por integralmente reproduzido (doc.3) e do Alvará Sanitário nº …., emitido pela Câmara Municipal do Porto e averbado em nome daquela R., cuja cópia junta e dá por integralmente reproduzido (doc.4), para a actividade de X………., que consubstancia a actividade de indústria de similares de hotelaria”.
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A fls. 1627 dos autos ordenou-se a audição dos respectivos réus sobre os requerimentos de fls. 1592 e 1596 e foi ordenada a notificação requerida a fls. 1601.
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A ré F………. veio pronunciar-se no sentido do indeferimento do requerido a fls. 1592, por carecer de fundamento legal e porque a matéria a que respeita estar incluida na base instrutória dos autos.
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O réu E………. veio opor-se à requerida ampliação do pedido, dizendo-o extemporâneo.
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Finalmente a ré C………. veio dizer que desconhece se existe algum parecer, nem tem obrigação de o saber e, que seja do seu conhecimento, não existe qualquer dos demais documentos.
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A fls 1787 e 1788 foram proferidos os seguintes despachos:
“A autora vem apresentar depois, a fls. 1592, mais um requerimento eivado de alegações, no qual pretende a notificação de uma ré para juntar aos autos documentos que, a existirem, favorecem a posição desta no processo.
A ré pronunciou-se a fls. 1670 sobre o requerido.
Os documentos em causa, a existirem, serão, certamente juntos aos autos, pois interessam à posição da ré. Caso existam e não sejam juntos, ou caso não sejam, apenas, juntos, e dependendo das restantes circunstâncias que o julgamento revelar, poderá o tribunal ter em consideração essa circunstância e relevá-la em termos probatórios.
Pelo exposto, indefere-se o requerido”.
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“A autora vem ainda, a fls. 1596, lançar nos autos um requerimento de ampliação do pedido.
O réu E………. opôs-se a fls. 1678.
Cumpre decidir.
Nos termos do artº 273º nº 2, do Código de Processo Civil, o pedido pode ser ampliado ou alterado na réplica. Nos termos do mesmo preceito, passado esse momento, o pedido pode ser ampliado até ao encerramento da discussão em primeira instância, desde que a ampliação efectuada seja consequência ou desenvolvimento do pedido primitivo.
Ora, que se saiba a resolução não é consequência nem desenvolvimento da caducidade; pelo contrário, a par da caducidade e da revogação é uma das várias formas de extinção de contratos. Assim, o que a autora pretende é alterar o pedido e não desenvolvê-lo ou dar-lhe uma mais vasta sequência; mas isso deveria ter sido feito na réplica e não nesta fase. A autora incorre, novamente, em intrínseca contradição, uma vez que não se compreende como uma desenvolvimento pode ser pedido a título subsidiário; e a dificuldade de entendimento atinge o êxtase quando se afirma que o desenvolvimento é "(...) cumulativo e subsidiário (...) - não terá a autora, certamente, presente o que rezam os artºs 469º e 470º do Código de Processo Civil (quando alguém deduz pedidos cumulativos, pretende a procedência de todos eles; quando alguém deduz pedido subsidiário, apenas pretende a procedência deste se o tribunal julgar improcedente o pedido principal).
Nestes termos, indefere-se a requerida ampliação do pedido e condena-se a autora nas custas do incidentes, fixando a taxa de justiça em 2 Ucs.”
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“Ainda a autora, a fls. 1601, vem pedir a notificação da ré C………., Ldª para, caso existam, juntar aos autos mais uma resma de documentos e pareceres.
A ré em causa, jogando em antecipação, opõe-se a tal pedido.
A autora vem recidivar no seu comportamento processual de desconsideração do regime previsto no artº 528º do Código de Processo Civil. Na verdade, tal preceito impõe que a parte que dele pretende fazer uso diga quais os factos que pretende provar com o documento em poder da parte contrária; ora, a autora não pretende provar os factos a que os documentos dizem respeito; o que a autora pretende é que se retirem consequências probatórias da inexistência (implicitamente sugerida) dos documentos referidos ou do respectivo teor.
Assim sendo, a este respeito, nada mais se ordena por ora”.
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Inconformada com tais despachos veio deles a autora recorrer, de agravo (3), pedindo a sua revogação.
A agravante juntou aos autos as suas conclusões onde formula as seguintes conclusões:
1º Agravo (Do despacho que recaiu sobre o requerimento de fls. 1592).
1ª - Os documentos identificados no requerimento da A. de fls. 1592 têm manifesto interesse para a decisão da causa e para a justa composição da lide, como resulta de todo o processado, designadamente, da Base Instrutória e do próprio despacho recorrido;
2ª - A transmissão do direito de arrendamento só pode ser provada por documento escrito já que não admite prova testemunhal;
3ª - A falta de junção aos autos dos referidos documentos determina que o Tribunal está em condições de proferir decisão imediata e liminar quanto àquela R.;
4ª - Decidiu o Acórdão do STJ-1ª, de 15-02-2000 (sumários 38º-19) que o meio de prova previsto no artigo 528º do CPC (uso de documento em poder da parte contrária) pode ser requerido em relação a factos alegados por essa parte, a quem cabe o ónus da prova, ou seja, para efeitos de simples contraprova desses factos;
5ª - Com a alteração do artigo 528º do CPC, o critério passou a ser o do «interesse para a decisão da causa», em vez do da inclusão ou susceptibilidade de inclusão no questionário;
6ª - É inquestionável o interesse da junção daqueles documentos para a decisão da causa;
7ª - O despacho recorrido viola o disposto nos nº 1 e 2 do artigo 528º do CPC;
2º Agravo (Do despacho que recaiu sobre o requerimento de fls. 1596)
8ª - A ampliação do pedido pode ser feita até ao encerramento da discussão em primeira instância desde que a ampliação efectuada seja COnsequência ou desenvolvimento do pedido primitivo – nº 2 do artigo 273º do CPC;
9ª - A expressão “pedido primitivo” não quer significar, como a nosso ver entendeu erradamente o Tribunal a quo, pedido principal;
10ª - Pedido primitivo no sentido aplicado no nº 2 do artigo 273º do CPC significe de forma abrangente não só o pedido principal mas também todos os pedidos que, cumulativa ou subsidiariamente, tenham sido formulados na petição inicial juntamente com aquele pedido principal;
11ª - O pedido de procedência subsidiaria formulado nos itens 41º e 42º da petição inicial, não são incompativeis com o pedido de procedência cumulativa formulado nos seus itens 43º a 47º, pelo que, a nosso ver, não tem razão o Tribunal a quo no seu despacho recorrido quando afirma "a existência de intrínseca contradição no seu requerimento de fls. 1596.";
12ª - Na petição inicial, a A alegou no item 28º, e juntou sob a forma de documento nº 20, a existência de um contrato de arrendamento celebrado por escritura pública no 7º Cartório Notarial do Porto, em 27-02-1985, entre T………. e Outros e o R, E………., do rés-da-chão do referido Prédio com entrada pelos nº .. e .. do ………., sendo o destino de comércio por junto e a retalho de cafés em grão e artigos de mercearia com as demais clausulas que o item em causa reportou para o contrato que juntou;
13ª - No quesito 40º da Base Instrutória pergunta-se se o R, E………., passou a vender bebidas no estabelecimento, em vez de cafés e mercearias;
14ª - Juntamente com o pedido primitivo principal a A formulou também primitivamente pedidos subsidiarias e pedidos cumulativos quanto aos RR, C………., Lda., viúva de H………., e viúva de K……….;
15ª - Na petição inicial, a A distingue bem quais os pedidos subsidiarias e quais os pedidos :umulativos;
16ª - Em parte alguma a Lei impede que sejam formulados na mesma petição inicial, além do pedido principal, pedidos subsidiários e pedidos cumulativos;
17ª - Não pode, pois, o Tribunal a quo esquecer que os fundamentos dos pedidos cumulativos constam dos itens 43º a 47º da petição inicial, e que os fundamentos do pedido subsidiário constam dos itens 41º e 42º daquela;
18ª - Com a petição inicial, a A pretende fazer cessaros contratos de arrendamento, sejamas cessações consequência da caducidade, sejam do direito de resolução daqueles contratos;
19ª - Resulta claramente dos pedidos principais subsidiários e cumulativos que a A não tinha como único escopo apenas a caducidade dos contratos;
20ª - De facto, resulta claramente dos pedidos primitivos que o objectivo da A era o de fazer cessar todos os contratos de arrendamento daquele seu prédio, quer através da caducidade, quer através da resolução.
21ª - Por isso, quando proferiu o despacho recorrido o Tribunal a quo violou o disposto no nº 2 do artigo 273º do CPC.
3º Agravo (Do despacho que recaiu sobre o requerimento de fls. 1601)
22ª - A A, nos termos do disposto no artigo 528º do CPC., tem o direito de requerer que o Tribunal notifique o R., C………., Lda., para juntar aos autos documentos com interesse para a decisão da causa;
23ª - Os documentos cuja junção aos autos a A requereu no seu requerimento de fls. 1601 têm manifesto e inquestionável interesse para boa decisão da causa, como resulta de todo o processado, designadamente, da Base Instrutória;
24ª - No seu requerimento de fls. 1601, a A especificou os factos que com eles pretende provar;
25ª - Valem aqui, mutatis mutandis, as conclusões 1ª a 6ª supra transcritas;
26ª - Foi ainda violado os nº 1 e 2 do artigo 528º do CPC.
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Não foram juntas contra-alegações.
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Realizou-se o julgamento da matéria de facto, com gravação audio dos depoimentos aí prestados, após o que foi proferida a respectiva decisão sem qualquer reclamação.
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Foi junta aos autos certidão do acórdão entretanto proferido pelo STJ, onde foi decretada a resolução do contrato de arrendamento de que é titular o réu E………., julgando-se, consequentemente extinta a presente instância relativamente a tal réu por inutilidade superveniente de lide, prosseguindo apenas para apuramento do pedido reconvencional por ele formulado.
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Finalmente proferiu-se sentença onde se julgou improcedente a excepção peremptória de caducidade invocada pela ré C………., Ldª; Julgou-se extinta, por inutilidade superveniente da lide, a instância relativa ao pedido reconvencional formulado pelo réu E……….; julgar totalmente improcedente a acção e consequentemente absolveram-se todos os réus de todos os pedidos contra eles formulados pela autora e julgou-se procedente o pedido reconvencional formulado pelas rés D………., G………. e F………., pelo que se condenou a autora na realização das obras de reparação ou substituição dos telhados, beirais, caleiras, portas e janelas, por forma a impedir que nos locados se infiltrem águas pluviais, garantindo a habitabilidade dos mesmos.
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Inconformada com tal decisão dela recorreu, de apelação, a autora pedindo a sua revogação e substituição por outra no sentido preconizado neste seu recurso.
A apelante juntou aos autos as suas alegações onde formula as seguintes conclusões:
1ª – Após a redistribuição do processo nº …../98 do .º Juízo Cível, .ª Secção, este corre actualmente os seus termos sob o nº …../07.5TVPRT da .ª Vara Cível do Porto (Liquidatária .ª e .ª Varas), e aos autos encontram-se apensas os processo nº …../03, da .ª Vara Cível do Porto, .ª Secção - Apenso E, e o processo nº …../03, da .ª Vara Cível do Porto, .ª Secção - Apenso F.
2ª - Entre os documentos relativos ao prédio e aos seus inquilinos que os anteriores senhorios representados pelo comproprietário, Eng.º Y………., entregaram à recorrente, não se encontrava qualquer informação sobre o óbito do primitivo inquilino, I………., do primeiro andar esquerdo do prédio sito na ………., …, nem qualquer pedido de transmissão do direito àquele arrendamento, quer para S………., quer para a filha de ambos, a R., F………. .
3ª – A recorrente instaurou o processo de despejo contra aquele inquilino, embora já falecido à data da instauração da acção, porque desconhecia o falecimento apesar de, quanto aos restantes inquilinos habitacionais falecidos, a acção ter sido proposta contra as respectivas viúvas porque os óbitos dos primitivos inquilinos eram do conhecimento dos anteriores senhorios.
4ª - Sem que as partes o tivessem requerido e sem a prévia realização de exame médico para avaliar a capacidade para depor como testemunha em julgamento do Eng.º Y………., anterior comproprietário e senhorio, o Tribunal a quo fez tábua rasa do seu depoimento e, sem justa causa nem fundamento de lei, desvalorizou-o.
5ª - O depoimento prestado pela testemunha, Eng.º Y………., gravado na Cassete nº 1, Lado A, de voltas 1 a 535, é coerente e evidencia capacidade para depor, apesar do decurso do tempo sobre a data dos factos e da dificuldade daquele em ouvir, mas sem influência nas respostas que deu às perguntas que lhe foram feitas.
6ª - O tribunal a quo ao desconsiderar o depoimento dessa testemunha, com a fundamentação constante da sentença e sem os necessários exames médicos de avaliação da capacidade da testemunha, cometeu erro de julgamento, tendo-se pronunciado quando não estava obrigado a pronunciar-se.
7ª - Incompreensivelmente, o Tribunal a quo desconsiderou, sem excepção, o depoimento de todas as testemunhas da recorrente.
8ª - O dever constitucional de fundamentação da sentença, que o tribunal a quo violou, exige a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, bem como o exame crítico das provas que serviram para fundar a decisão e o exame crítico da prova, exigindo a indicação dos meios de prova que serviram para formar a sua convicção, os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido, ou valorasse de determinada forma.
9ª - Salvo disposição legal em contrário, a procuração revestirá a forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar e, por isso, o exercício dos poderes gerais de administração para actos e contratos que careçam de forma escrita não podem ser concedidos por procuração verbal (artigo 262º, nº 2 do Código Civil).
10ª - Como se alcança de fls. 1110-1111, os anteriores senhorios e comproprietários do prédio responderam por escrito nos autos que o filho do Z………. se chamava AB………., e que a procuração ou a actuação daqueles em seus nomes foi outorgada apenas verbalmente.
11ª – Como se alcança dos autos, eram os anteriores senhorios que outorgavam e assinavam todos os contratos de arrendamento, quer revestissem a forma de escritura pública quer a forma de contrato escrito para habitação.
12ª - No processo nº …../03.2TVPRT da .ª Vara Cível, .ª Secção, correspondente ao Apenso E destes autos, a recorrente juntou à p. i., sob a forma de documentos nº 21, 22 e 23, a fls. …-…, vários recibos das rendas relativas ao 1º andar esquerdo do nº …, da ………., que foram emitidos e assinados pelos anteriores senhorios em nome do I………., em 01-11-1979, 02-02-1980, 02-12-1981, 01-02-1982, 01-02-1983, 02-02-1986, 01-02-1990 e 01-04-1990.
13ª - A R., F………., não impugnou a junção daqueles recibos das rendas do locado, que ocupa ilegalmente, como confessa e reconhece no artigo 83º da sua contestação, a fls. … - …, do Apenso E.
14ª - Nos autos não existem quaisquer documentos relativos ao prédio ou aos inquilinos assinados pelos referidos Z………. e AB………., porque estes nunca intervieram em nenhuma das escrituras públicas de arrendamento ou das suas alterações contratuais.
15ª - Como se alcança dos autos, a fls. …-…, foram os anteriores senhorios, e não o Z………. ou o AB………., que preencheram, assinaram e entregaram na Repartição de Finanças todas as declarações de rendas anuais.
16ª - Por não possuírem procuração escrita com os necessários poderes gerais de administração do prédio, estava vedado ao Z………. e ao AB………., a faculdade de celebrarem contratos de arrendamento ou de alterarem as posições dos locatários dos contratos de arrendamento existentes; como tal, a transmissão do direito ao arrendamento por óbito do inquilino falecido, I………., para a S………., ou desta para a filha daqueles, a R., F………., nunca poderia ser efectuada por aqueles procuradores, pois, não tinham poderes expressos para aceitar a transmissão dos direitos aos arrendamentos por óbito dos inquilinos.
17ª - A parte do prédio que a R., F………. ocupa sita na ………., nº …– 1º Esquerdo, no Porto, foi dada de arrendamento a seu pai, I………., que faleceu em 12-05-1962, conforme certidão de óbito de fls. … - ….
18ª - Por força de tal óbito, à transmissão do direito ao arrendamento para o cônjuge sobrevivo é aplicável o disposto na Lei nº 2.030, de 22 de Junho de 1948, e dispunha o artigo 44º daquele diploma legal que o direito ao arrendamento caduca, seja qual for o regime matrimonial, não se comunica ao cônjuge do arrendatário e caduca por sua morte, salvo nos casos indicados nesta lei e no artigo 58º do decreto nº 5:411, de 17 de Abril de 1919.
19ª - O artigo 44º da Lei 2.030 impunha a incomunicabilidade do direito ao arrendamento independentemente do regime de bens do casamento, e a redacção dos artigos 44º e 45º da Lei nº 2.030, é justificada pelo parecer de 04-02-1947 da Câmara Corporativa, que a sugeriu pela seguinte forma:
“Trata-se de um direito que, embora em rigor seja de índole patrimonial, e constituído, muitas vezes, intuitus personae, é um direito que se adapta mal ao mecanismo de uma contitularidade entre marido e mulher. Podem surgir, e tem efectivamente surgido, embaraços graves de construção a quem, vendo nele um elemento patrimonial comum, procure regular a sua transmissão nos casos de morte de um dos cônjuges ou de divórcio ou separação. É, pois, preferível, por todos os títulos, proclamar a incomunicabilidade desse direito e regular a sua transmissão, por forma a satisfazer os interesses atendíveis dos cônjuges.”
20ª - Dispunha o nº 1 do artigo 46º da Lei nº 2.030 que, o arrendamento para habitação não caduca por morte do primitivo arrendatário, se lhe sobreviver cônjuge, não separado de pessoas e bens ou de facto, ou descendente ou ascendente que com ele vivesse pelo menos há um ano.
21ª - Por isso, o direito à transmissão do direito ao arrendamento por óbito do primitivo inquilino, I………., para a S………., constitui um direito potestativo desta que, para produzir os seus efeitos, tinha obrigatoriamente de ser exercido em vida, pois, por ser um direito subjectivo, extinguiu-se à sua morte.
22ª - De acordo com o disposto no nº 1 e alínea a) do nº 2, ambos do artigo 46º da Lei 2.030, a transmissão do direito ao arrendamento por óbito de I………. para S………., não é automática, estando dependente do exercício de um ou mais actos desta, sem os quais, aquele direito não pode transmitir como, aliás, não se transmitiu.
23ª - Tal transmissão depende não só da comunicação escrita aos senhorios do óbito de I………., como também da prova de que ela era a titular de tal direito e que reunia as condições legais exigidas, ou seja, que com ele estava casada e dele não estava separada de pessoas e bens ou de facto, juntando as necessárias certidão de casamento da Conservatória do Registo Civil competente e o atestado de residência da junta de freguesia respectiva, o que tudo cabe no âmbito dos quesitos 58, 59 e 60 da Base Instrutória.
24ª - O tribunal a quo violou o disposto no nº 1 do artigo 36º e no artigo 38º da Lei n.º 2.030, pois, contrariamente ao decidido, a comunicação para efeitos da transmissão do direito ao arrendamento para o cônjuge sobrevivo do inquilino I………. tinha necessariamente de revestir a forma escrita, uma vez que o arrendamento reduzido a escrito só pode ser alterado também por escrito.
25ª - O nº 1 do artigo 36º daquela Lei, vigente à data do óbito do inquilino I………., dispunha que o contrato de arrendamento de prédios urbanos não carece de ser reduzido a escrito, mas, na falta de título, o arrendatário só pode fazer prova do contrato desde que exiba recibo de renda, assinado pelo proprietário ou por quem as suas vezes fizer.
26ª - Sendo assim, qualquer alteração ao contrato de arrendamento, nomeadamente, a alteração da posição do locatário que a transmissão do direito ao arrendamento dá origem, também só pode ser provada por escrito.
27ª – Ainda que o cônjuge sobrevivo do inquilino I………. tivesse comunicado, verbalmente ou por escrito, o óbito deste, e tivesse feito a prova legal da titularidade do direito ao arrendamento – o que não ficou provado nos autos - os anteriores senhorios sempre tinham o direito de não aceitarem a referida transmissão se tivessem dúvidas sobre a prova efectuada, designadamente, por não poderem concluir que ela estava casada com o I………. e dele não estava separada de pessoas e bens ou de facto.
28ª - De facto, por força do disposto no artigo 46º da Lei 2.030, a transmissão do direito ao arrendamento por óbito de I………., nem é automática, nem os senhorios estavam obrigados a aceitá-la sem a necessária prova, tendo o direito, mesmo que tivesse existido comunicação verbal para efeitos da transmissão do direito ao arrendamento em causa, de continuarem a emitir os recibos da renda em nome do primitivo inquilino, I………., e neste caso, só restava à S………., no seu tempo de vida, recorrer aos tribunais para fazer valer aquele seu direito potestativo, à transmissão do arrendamento por óbito de I………., o que nunca fez.
29ª - Aos autos nunca foram juntas cópias da comunicação escrita nem dos documentos de prova necessários ao exercício do direito à transmissão do direito ao arrendamento por óbito de I………. para a S………., e desta para a R., F………. .
30ª - A recorrente só teve conhecimento do falecimento do inquilino I………. quando a R., F………., requereu intervenção espontânea nos autos.
31ª -Na falta dos requisitos legais, o direito ao arrendamento relativamente ao 1º andar esquerdo do prédio nº … da ………., caducou por óbito do primitivo inquilino I………., tendo andado mal o Tribunal a quo ao dar como provada a existência da comunicação, apenas verbal, efectuada pela S………. para efeitos da transmissão do direito ao arrendamento por óbito do I………. .
32ª - Andou também mal o Tribunal a quo ao dar como provada a existência da comunicação, apenas verbal, pela R., F………., para efeitos de transmissão do direito ao arrendamento por óbito da sua mãe, a S………. .
33ª – As comunicações referidas nas conclusões 31ª e 32ª tinham de revestir necessariamente a forma escrita, contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo.
34ª - Em contrário do decidido a quo, não existem nos autos quaisquer documentos que provem o débito conjugal na data do óbito do I………., nem tal facto se alcança do depoimento de quaisquer das testemunhas.
35ª - A inexistência da transmissão do direito ao arrendamento do I………. para a S………., não pode ser imputada aos anteriores senhorios e muito menos à recorrente, senhoria à data da instauração da acção.
36ª - Como aquele direito ao arrendamento nunca se transmitiu de I………. para S………., esta, à data do seu óbito, em 29-12-1980, não era titular de qualquer direito de arrendamento que pudesse transmitir para sua filha, a R., F………. .
37ª - A transmissão do direito ao arrendamento em mérito deferia-se pela ordem seguinte, segundo o disposto no nº 2 do artigo 46º da Lei 2.030, aplicável aos autos:
a) Ao cônjuge sobrevivo;
b) Aos descendentes, preferindo os mais próximos;
c) Aos ascendentes, preferindo igualmente os mais próximos.
38ª - O arrendamento reduzido a escrito só pode ser alterado por documento de igual força, segundo o disposto no artigo 38º da Lei 2.030, de 22 de Junho de 1948; por isso, contrariamente ao entendido pelo Tribunal a quo, qualquer alteração ao contrato de arrendamento, designadamente, a transmissão da posição do primitivo inquilino, I………., falecido em 12-05-1962, para o cônjuge sobrevivo, S………., tinha obrigatoriamente de revestir a forma escrita, em virtude de alteração da posição de locatário.
39ª - Contrariamente ao decidido pelo tribunal a quo, também a procuração com poderes para aceitar a alteração daquele contrato de arrendamento (a transmissão da posição de inquilino constitui uma alteração ao contrato de arrendamento em causa), tinha de ser formalizada por escrito, sob pena de ser nula e de nenhum efeito.
40ª - O Apenso E (anterior processo nº …../03.2TVPRT) não é uma acção de reivindicação; a recorrente instaurou uma acção de despejo alegando, em síntese, que a R., F………., ocupa ilegalmente o prédio sito na ………., nº … – 1º Esquerdo, no Porto, pois, arroga-se num direito para o qual não possui título em virtude do contrato arrendamento que tinha sido celebrado com o seu pai, I………., nunca se ter transmitido para sua mãe, S………., e que à data do seu óbito, não era titular de qualquer arrendamento que pudesse transmitir à sua filha.
41ª - Nos termos do disposto nº 2 do artigo 342º do CC, cabe à R., F………., provar a existência da transmissão do direito ao arrendamento de seu pai para sua mãe, e mais tarde para si, por óbito de sua referida mãe.
42ª - A recorrente juntou à p. i., sob a forma de documentos nº 21, 22 e 23, os recibos das rendas relativas ao 1º andar esquerdo do prédio sito na ………., …, Porto, emitidos e assinados pelos anteriores senhorios, em nome de I………., em 01-11-1979, 02-02-1980, 02-12-1981, 01-02-1982, 01-02-1983, 02-02-1986, 01-02-1990 e 01-04-1990, que a R. não impugnou.
43ª - Na sua contestação de fls. …, a R. não juntou aos autos o contrato de arrendamento escrito nem os recibos das rendas emitidos em seu nome, o que evidencia que não possui qualquer documento que titule o direito ao arrendamento que arroga ser titular.
44ª - Por isso, na acção de despejo, a R., F………., não podia defender-se como se defendeu, apenas por impugnação.
45ª - Nos termos do disposto no artigo 44º da Lei 2.030, de 22-06-1948, vigente à data do óbito do inquilino, I………., o regime aplicável ao contrato de arrendamento de que aquele era titular, era de forma imperativa o regime da caducidade e da incomunicabilidade ao cônjuge sobrevivo.
46ª - Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 1.110º do CC, vigente à data do óbito da S………., o regime aplicável ao contrato de arrendamento do cônjuge sobrevivo era o regime da caducidade do contrato de arrendamento e da sua incomunicabilidade à filha, a R., F………. .
47ª - Para fundamentar a sua pretensão de lhe ter sido transmitida a posição de locatária por óbito da sua mãe, S………., a R., F………., tinha de alegar e provar que aquele direito ao arrendamento fora transmitido por óbito do primitivo inquilino, I………., ao cônjuge sobrevivo, S………., sua mãe, porque esta, à data do óbito daquele, reunia as condições previstas no artigo 46º da Lei 2.030, para que a excepção à regra da caducidade prevista no artigo 44º daquela Lei pudesse ser declarada pelo Tribunal a quo.
48ª - Além disso, a R., F………., tinha ainda de alegar e provar que depois de ter sido transmitido à sua mãe por óbito do pai, aquele direito ao arrendamento lhe foi transmitido, porque na data do óbito da sua mãe a R. reunia as condições exigidas pela norma legal que excepcionava a regra da caducidade do direito ao arrendamento em causa.
49ª - Por isso, a R., F………., além de impugnar os factos da acção tinha ainda de na contestação ter deduzido em reconvenção, pelo menos, dois pedidos, e não ficar-se, como se ficou, pelo pedido de reconvenção para execução de obras:
a) Em primeiro lugar, tinha de pedir que o Tribunal a quo declarasse a transmissão, por óbito do primitivo inquilino, I………., do direito ao arrendamento para S……….;
b) Em segundo lugar, tinha de pedir que o Tribunal a quo declarasse a transmissão para si, do direito ao arrendamento daquele prédio por óbito de sua mãe, S……. .
50ª - Nos termos do artigo 342º, nº 2 do CC, que o Tribunal a quo violou, só em sede de reconvenção, a R., F………., poderia provar a excepção à regra da caducidade e da consequente incomunicabilidade do contrato de arrendamento do prédio de que o seu falecido pai e/ou sua mãe foi (foram) titular(es).
51ª - Não tendo a R. F………. deduzido tais pedidos em reconvenção, nem tendo provado que era inquilina através de contrato de arrendamento escrito ou com recibos de renda emitidos em seu nome, deveria o tribunal a quo ter declarado procedentes os pedidos deduzidos pela recorrente na petição inicial contra aquela R., tendo em conta que não se verifica qualquer fundamento para os declarar improcedentes e que, assim, violou o Tribunal a quo o disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 274º CPC e na alínea d) do nº 1 do artigo 668º do CPC, por excesso de pronúncia.
52ª - Em consequência dessa sua decisão, o tribunal a quo violou, além das normas referidas, também o disposto nos artigos 38º, 44º e 46º da Lei nº 2.030, de 22 de Junho de 1948, os artigos 1.110º e 1.111º do CC na redacção vigente em 29 de Dezembro de 1980, bem como os nº 2 e 3 do artigo 342º do CC.
53ª - Ao investigar sobre a existência de arrendamento escrito celebrado entre os anteriores senhorios e I………., quanto ao primeiro andar esquerdo do nº … da ………., a recorrente dirigiu-se no passado dia 28-11-2007, ao Serviço de Finanças do .º Bairro Fiscal do Porto e, para sua enorme surpresa, a recorrente encontrou no dossier fiscal do prédio existente naquele Serviço de Finanças um contrato de arrendamento celebrado em 13-03-1974 entre T………., na qualidade de procuradora legal dos proprietários e senhorios, e AC………., como inquilina, relativo ao 1º andar esquerdo do prédio sito na ………., …, da freguesia de ………., cuja certidão emitida pelo referido serviço de Finanças é junta ao abrigo do disposto nos artigos 706º nº 1 e 524º nº 1 do CPC.
54ª – A recorrente não recebeu este documento relativo ao prédio dos seus anteriores senhorios comproprietários e, por essa única razão, desconheceu em absoluto, até 28-11-2007, a existência de tal contrato, o qual, vem demonstrar, de forma inequívoca, que a R., F………., ocupa ilegalmente o 1º andar esquerdo do nº … da ………., pois, não tem contrato de arrendamento em seu nome, e não fez prova da existência do arrendamento com base em recibos emitidos em seu nome pelos senhorios ou por quem as suas vezes fizesse.
55ª - Dos depoimentos prestados pelas testemunhas da R. em sede de audiência de julgamento resulta claramente que nunca os anteriores senhorios ou a recorrente foram directamente notificados, ainda que por qualquer meio, do óbito de I………. e de S………. .
56ª - Dos documentos juntos aos autos e de toda a prova gravada, produzida em sede de audiência de julgamento, não existe nada que permitisse ao Tribunal a quo concluir que foram os anteriores senhorios ou a recorrente que incentivaram a S………. e/ou a R., F………., a não exercerem os seus direitos à transmissão do referido arrendamento, ainda que para isso o tribunal a quo tivesse desvalorizado, sem fundamento válido, o depoimento da testemunha, Y………. .
57ª - Em 14 de Junho de 2000, a fls. …-… do Apenso C, a R., G………., veio juntar aos autos cópias das comunicações escritas efectuadas a Z………. para efeitos da transmissão do direito ao arrendamento por óbito do seu marido, o inquilino primitivo K………. .
58ª - Naquele mesmo apenso C, a fls. …-…, em 06 de Junho de 2000, a R., F………., veio contestar mas não juntou nenhuma das comunicações escritas nem os necessários documentos para efeitos da transmissão do direito de arrendamento, quer do I………. para a S………., quer desta para si, que ali protestou juntar, porém, nunca o fez.
59ª - Os anteriores senhorios, no exercício dos seus direitos, continuaram a emitir os recibos em nome do I………. após óbito deste.
60ª - Por isso, andou mal o Tribunal a quo ao considerar provadas aquelas transmissões, violando entre outras normas já referidas:
a) O disposto no artigo 36º da Lei 2.030, aplicável aos autos, que dispunha que o contrato de arrendamento de prédios urbanos não carece de ser reduzido a escrito; mas, na falta de título, o arrendatário só pode fazer a prova do contrato desde que exiba recibo da renda, assinado pelo proprietário ou por quem as suas vezes fizer.
b) O disposto no nº 3 do artigo 46º da Lei 2.030, aplicável aos autos, que dispunha que a transmissão a favor de descendentes ou ascendentes do primitivo arrendatário também se verifica por morte do cônjuge deste, quando nos termos do presente artigo ou do anterior, lhe tenha sido transmitido o direito ao arrendamento. Esta segunda transmissão só pode dar-se a favor de pessoas que viverem com o cônjuge do primitivo arrendatário pelo menos há um ano.
c) O disposto nos artigos 1.110º e 1.111º do CC, aplicáveis aos autos na data da morte de S………., falecida em 29-12-1980, tendo em vista a hipotética transmissão do direito ao arrendamento para a R., F………. .
61ª - Dispunha o nº 1 do artigo 1.110º do CC, que teve por fonte os artigos 44º e 45º da Lei n. 2030, de 22 de Junho de 1948, norma de carácter imperativo que impunha a incomunicabilidade do direito ao arrendamento, na redacção vigente em 29 de Dezembro de 1980 que, seja qual for o regime matrimonial, a posição do arrendatário não se comunica ao cônjuge e caduca por sua morte, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.
62ª – O nº 2 do artigo 1.111º do CC dispunha em 29-12-1980, que a transmissão da posição de inquilino, estabelecida no número anterior, defere-se pela ordem seguinte, ao cônjuge sobrevivo, e aos parentes ou afins da linha recta, preferindo os primeiros aos segundos.
63ª - O nº 3 do artigo 1.111º do CC dispunha em 29-12-1980 que a transmissão a favor dos parentes ou afins também se verifica por morte do cônjuge sobrevivo quando, nos termos deste artigo, lhe tenha sido transmitido o direito do arrendamento, pelo que, a R., F………. nunca poderia receber tal direito de sua mãe, uma vez que tal direito nunca lhe foi antes transmitido do primitivo inquilino para o seu cônjuge.
64ª – O Tribunal a quo não valorizou, estando obrigado a valorizar, os recibos que os senhorios continuaram a emitir em nome de I………., após a morte deste, relativamente ao 1º andar esquerdo da ………., …, cometendo erro de julgamento ao entender que a actuação dos anteriores senhorios e da recorrente constitui abuso de direito por terem criado na parte contrária a confiança e a estabilidade de uma situação regularizada, actuando agora de forma contrária às expectativas que ajudaram a criar e que eles próprios incentivaram - “venire contra factum próprium non valet”.
65ª - Aos anteriores senhorios assistia-lhes, como assistiu, o direito de não aceitarem a transmissão do direito ao arrendamento por óbito de I………. enquanto a S………. não efectuasse quer a comunicação quer a prova de que reunia as necessárias condições legais para lhe ser transmitido o direito àquele arrendamento.
66ª - Dos factos assentes no despacho saneador, de fls. 768, o tribunal a quo considerou provado em AB) que, sem consentimento escrito dos senhorios, a ré F………. substituiu as janelas de madeira do locado que ocupa, que se encontravam em muito bom estado de conservação por janelas de alumínio, e em Q7º - i) do Relatório dos Peritos, de fls. 1.171, estes responderam que no mesmo locado existem duas portas em alumínio anodizado e vidro, que encerram o vão da varanda ali existente.
67ª – O despacho saneador transitou em julgado, pois, a R., F………., não interpôs recurso sobre a matéria assente no despacho saneador, designadamente, quanto àquele quesito AB considerado provado; porém, sem qualquer fundamentação de facto e de direito o Tribunal a quo eliminou aquele facto da matéria assente considerado provado, em clara violação da Lei, o que não podia fazer.
68ª - Nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 64º do RAU, é fundamento de despejo a realização pelo inquilino de obras que colidem com a estrutura do prédio, não consentidas por escrito pelos senhorios e, sob tal fundamento, deveria o Tribunal a quo ter declarado a resolução de tal contrato de arrendamento, em virtude de a R., F………., ter realizado obras não consentidas por escrito pelos senhorios que colidem com a estrutura do prédio, uma vez que as janelas de um prédio fazem parte da sua estrutura, cujos materiais foram alterados de madeira para alumínio.
69ª - O Tribunal a quo decidiu ilegalmente ao não admitir a produção de prova testemunhal contrária às respostas aos quesitos do despacho saneador que foram objecto de prova pericial, o que limitou a prova testemunhal da recorrente quanto ao deplorável estado de ruína do prédio; ora, tal ilegalidade, limitativa da prova testemunhal da recorrente, acarreta a nulidade da sentença.
70ª - Dos autos consta abundante prova documental do avançado estado de degradação do prédio, nomeadamente, inúmeras fotografias, a fls. …-…, , uma vistoria efectuada pela Câmara Municipal do Porto, a fls. …-…, um relatório da firma AD………., Lda., a fls. …-…, entre outros.
71ª - A fls. …-… dos autos, a recorrente juntou a factura nº 18629, emitida pela V………., pertencente à R., C………., Lda., do valor de 2.030$00 relativa a dois almoços servidos às testemunhas, AE………. e AF………., em 23 de Março de 1998, alguns meses antes de ali ter deflagrado o incêndio que destruiu aquele estabelecimento, sendo que tal documento não foi impugnado pela R., C………., Lda., o que evidencia que esta cozinha no locado, alterou a sua actividade para churrasqueira e adoptou a designação comercial de V………. sendo que as churrasqueiras vendem churrascos de frango, de coelho, de entrecosto, de chouriços, etc., tanto para consumo interno como para consumo fora do estabelecimento, do tipo take away.
72ª – A cópia do Relatório do Sinistro nº …/05, do Batalhão de Sapadores Bombeiros do Porto, a fls. …-…, refere que o fogo eclodiu na cozinha do estabelecimento de restaurante e churrasqueira, e propagou-se à arrecadação e à cobertura tendo atingido parte de uma sala de jantar, tendo o Tribunal a quo verificado durante a inspecção que fez ao local a existência de uma chaminé de extracção de fumos e cheiros dos enormes grelhadores da churrasqueira, bem como a existência de uma câmara frigorífica para conservação dos géneros alimentares (frangos, coelhos, entrecosto, carne, peixe e outros frescos) destinados a serem preparados na cozinha da churrasqueira.
73ª - O Tribunal a quo não valorizou, como estava obrigado a valorizar, todos os meios de prova referidos nas conclusões 70ª, 71ª e 72ª, relacionados com a mudança do destino do locado, em data anterior a 6 de Fevereiro de 1998, de casa de pasto para churrasqueira, cometendo erro de julgamento.
74ª - A recorrente juntou a fls. …-…, uma certidão emitida pela Câmara Municipal do Porto relativa ao requerimento que a V………., pertencente à R., C………., Lda. dirigiu em 17-07-1998 ao Presidente daquele Município, a informar que efectuaria obras de remodelação devido ao incêndio que deflagrou em 29/06/98, e que seriam mantidos todos os tipos de quotas e formas do telhado.
75ª - A fls. 2059 dos autos, na resposta ao quesito 14º, o Tribunal a quo considerou provado que o arrendatário C………., Lda., passou a exercer no arrendado a actividade de churrasqueira.
76ª - Esta nova actividade da R., C………., Lda., origina a emissão de muitos fumos e cheiros provocados pelas gorduras a queimarem quando caem sobre as chamas do carvão incandescente dos grelhadores, o que se reflecte no desgaste do prédio e cria um risco acrescido de perigo podendo dar origem a incêndios, como o que aconteceu na madrugada de 29-06-1998 na cozinha da churrasqueira.
77ª - A recorrente atribui a existência de problemas no telhado do prédio dos autos, o que a obriga a custos acrescidos com as reparações no telhado, à trepidação provocada pelo sistema de extracção de fumos que a R., C………., Lda. ali instalou, e que se transmite à estrutura do telhado à qual se encontra fixada.
78ª – A arrendatária do prédio, a R., C………., Lda., não contribuiu com qualquer acréscimo de renda destinado a cobrir o aumento do desgaste e do risco provocado no prédio pelo exercício daquela nova actividade de churrasqueira.
79ª - O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 10-10-2002 no Processo nº 02B2061 disponível em www.dgsi.pt, entendeu que importa desvio do fim nos termos e para os efeitos da alínea b) do nº 1 do art. 64º do RAU90, a circunstância de ao comércio de produtos ornamentais delicados e limpos - v.g. aves, flores, sementes e louças - o locatário haver juntado o comércio de coelhos e respectivas rações, e de cães, inclusive de cães de caça, sucedendo que tal critério não foi respeitado pelo Tribunal a quo quanto à R., C………., Lda. 80ª - Foi por causa da alteração da sua actividade, à qual acrescentou a churrasqueira, que a R., C………., Lda., mesmo sem o consentimento escrito dos senhorios, teve de instalar em data anterior a 06-02-1998, uma enorme chaminé que prendeu à estrutura do telhado, nos termos em que o Tribunal a quo deu como provado no item X, a fls. 2059, e se alcança da resposta dos Peritos nos itens RA9 e RA10, a fls. 1.007-1.008, do seu Relatório, os quais verificaram “uma ligeira vibração induzida pelo tubo, na amarração do troço final deste, e apenas sentida por contacto directo no barrote junto à amarração”.
81ª - Os anteriores senhorios nunca prestaram o necessário consentimento escrito à R., C………., Lda., para que esta ali colocasse um sistema de extracção de fumos e cheiros, e a recorrente também nunca prestou tal consentimento escrito.
82ª - Os Peritos concluíram que a referida vibração não é suficiente para causar danos irreparáveis na estrutura de madeira que suporta o telhado, porém, ao longo dos dias, das semanas, dos meses e dos anos, ajudado pelos fortes ventos que se fazem sentir no Inverno, aquela vibração no telhado é, na opinião da recorrente, a principal causa do deslizamento das telhas, abrindo pequenas frinchas entre as mesmas que permitem a entrada das água das chuvas e uma aceleração da degradação do prédio já de si muito afectado pela idade e pela fadiga dos materiais da sua construção.
83ª - Dispõe o nº 2 do artigo 342º do CC que, o ónus da prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita, competindo nesta caso à R., C……….., Lda., juntar a necessária autorização escrita para a instalação da chaminé e do sistema de extracção de fumos e cheiros com motor, bem como para a alteração do destino do locado para churrasqueira, que a R. efectuou em data anterior a 6 de Fevereiro de 1998, por força do disposto nos nº 2 e 3 do artigo 342º do CC.
84ª – Determina a alínea d) do nº 1 do artigo 64º do RAU, o que também resulta do contrato de arrendamento em causa, que não é permitido aos inquilinos, no caso, a R., C………., Lda., efectuar obras sem o consentimento escrito dos senhorios.
85ª – Estabelece o disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 64º do RAU, o que também resulta do contrato de arrendamento em causa, não é permitido aos inquilinos, no caso, a R., C………., Lda., usar o prédio arrendado para fim ou ramo de negócio diverso daquele ou daqueles a que se destina.
86ª - O facto de ser do conhecimento dos senhorios a existência da chaminé e o exercício da nova actividade de churrasqueira, não faz caducar o direito da recorrente de instaurar a acção de despejo com fundamento nas alíneas b) e d) do artigo 64º do RAU., por isso, mal andou o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, em clara violação do disposto nos nº 2 e 3 do artigo 342º do CC e as alíneas b) e d) do artigo 64º do RAU.
87ª - Em 29-06-1998, data em que deflagrou um incêndio na V………., pertencente à R., C………., Lda., o prédio ocupado por esta já pertencia à recorrente, que nunca deu qualquer autorização escrita para aquela R. reconstruir a parte do prédio afectada pelo incêndio, nem para alterar a configuração de um dos telhados, nem para altear um dos muros exteriores.
88ª - A fls. …-… dos autos, a recorrente juntou a cópia da carta que enviou à Câmara Municipal do Porto a denunciar que a R., C………., Lda., estava a efectuar obras não consentidas por escrito e não licenciadas após o incêndio de 29-06-1998, que destruiu a cozinha e parte da sala de refeições do locado e determinou a perda, ainda que parcial, da coisa locada por culpa daquela R.
89ª - De facto, se após o incêndio causado por aquela R. esta não tivesse reconstruído, abusivamente, como reconstruiu, naquela parte do prédio nunca mais poderia exercer a sua actividade, pois, ao reconstruí-lo sem autorização da recorrente a R. violou os direitos de propriedade daquela consagrados na Constituição da República Portuguesa.
90ª - A fls. 12 da petição inicial, a recorrente alegou no item 42º que a R., C………., Lda., após o incêndio reconstruiu parcialmente o arrendado à revelia dos proprietários, e a verdade é que nem a testemunha AE………. autorizou a reconstrução, nem tampouco o tribunal a quo deu como provado que este tinha poderes conferidos pela recorrente para dar tal autorização, que sempre carecia da forma escrita.
91ª - No item 44º da p. i., a recorrente alegou que, as obras (não consentidas e não licenciadas) alteraram substancialmente a estrutura externa do arrendado ou a sua configuração interna, e ainda a sua afectação a fim diferente do convencionado, o que são factos causais da resolução do contrato que a final pediu – artigo 64º nº 1 do RAU.
92ª – Determina o disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 64º que o senhorio só pode resolver o contrato se o arrendatário fizer no prédio, sem consentimento escrito do senhorio, obras que alterem substancialmente a sua estrutura externa ou a disposição interna das suas divisões, ou praticar actos que nele causem deteriorações consideráveis, igualmente não consentidas e que não possam justificar-se nos termos dos artigos 1043.º do Código Civil ou 4.º do presente diploma.
93ª - Porque se trata de facto essencial para a resolução do litígio, o Tribunal a quo tinha de apurar se houve ou não consentimento escrito prestado pela recorrente à R., C………., Lda., para que esta pudesse executar obras de recuperação do prédio na parte ardida, de alteração da configuração do telhado e de alteamento do muro.
94ª - As obras efectuadas pela R., C………., Lda., alteraram substancialmente a estrutura externa do prédio, pois, converteram um telhado de 2 águas num telhado de apenas 1 água, independentemente de terem sido eliminadas três filas de telhas, e altearam um muro exterior do prédio em mais de meio metro de altura.
95ª - A execução de obras pela R., C………., Lda., reconstruindo o telhado e as partes do prédio que arderam, sem o consentimento escrito ou verbal da recorrente constitui um abuso de direito, pois, aquela R. não tinha o direito de reconstruir a parte ardida no incêndio, designadamente, o telhado do anexo, que transformou, e o muro exterior, que alteou, sem para isso ter antes obtido o consentimento escrito da recorrente, de forma a salvaguardar a sua actuação nas obras.
96ª - Só à recorrente assistia o direito de reconstruir o prédio na sequência do incêndio, pois, está em causa a perda da coisa locada, ainda que parcialmente.
97ª - A R., C………., Lda. não juntou aos autos qualquer autorização escrita prestada pela recorrente para executar obras de reconstrução do locado após o incêndio, de alteração da configuração do telhado e de alteamento do muro exterior do prédio, nem mesmo depois de notificada pelo tribunal, a fls. …, na sequência de requerimento do requerido pela recorrente, a fls. …-… e, por isso, também aqui mal andou o Tribunal a quo ao ter decido como decidiu, violando o disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 64º do RAU e os nº 2 e 3 do artigo 342º do CC.
98ª - A fls. 91 do Apenso B, vieram G………. e N………., ali exequentes, alegar que acordaram com a executada a entrega das chaves do arrendado, que a recorrente, ali executada, manifestou ter recebido daqueles a fls. 94 e, por isso, a fls. …-… de tal Apenso, o Tribunal proferiu sentença, que transitou em julgado, declarando extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.
99ª - Por isso, salvo melhor opinião, na sentença recorrida o Tribunal a quo cometeu erro de julgamento ao declarar procedente o pedido reconvencional deduzido por aqueles RR., G………. e N………., ali exequentes.
100ª - Apesar do tribunal a quo, ter considerado provado, erradamente, que o prédio tem mais de 50 anos, o facto é que foi construído há muitos mais anos, como desde logo se alcança de fls. 2043, na alínea F) do relatório da sentença, que deu por provado que por escritura de 22 de Julho de 1941, o prédio em causa foi dado de arrendamento, o que prova que naquela data já o prédio existia, sendo certo que, tal como o Tribunal a quo considerou provado, existem partes do prédio que já ruíram, e outras partes ainda ameaçam ruir.
101ª – Atento o estado actual do prédio, torna-se mais barato demolir o prédio e reconstruí-lo de acordo com as novas técnicas de construção com betão, utilizando portas e caixilharias estanques, vidros duplos, gás canalizado, instalações de comunicações e imagens, aquecimento e aspiração central, com qualidade e conforto muito superior ao que apenas é possível obter por reparação, como pretendem as arrendatárias habitacionais, permitindo dotar o prédio de compartimentos habitacionais com as dimensões mínimas exigidas pelo RGEU, o que se alcança sem o encarecimento da sua reconstrução e com a vantagem de, para o futuro, serem menores os custos de conservação e de reparação do prédio.
102ª - Contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, foram apresentados nos autos meios de prova, nomeadamente, através de fotografias e por testemunhas, que demonstram que o prédio foi objecto de obras após a sua aquisição pela recorrente, durante o mês de Agosto de 2002, em cujas fotografias, de fls. …-…, é possível verificar que essas obras envolveram o levantamento do telhado na parte junto à chaminé instalada pela R., C………., Lda.
103ª - Estas obras foram pormenorizadamente descritas em sede de audiência de julgamento, como também se alcança da prova gravada no dia 24.01.07, relativamente ao depoimento da testemunha, AG………., de voltas 189 a voltas 292 da cassete nº 1 de 4, lado B.
104ª - De facto, como o Tribunal a quo, considerou na alínea AF) do seu Relatório de fls. 2.046, que as paredes de tabique, os barrotes e os soalhos estão podres e carcomidos pelo bicho da madeira, tendo há muito excedido a sua durabilidade, o que revela que a causa do estado de degradação do prédio não é a negligência dos senhorios, tratando-se antes de causas naturais ligadas à fadiga dos materiais e ao bicho da madeira que de forma natural ataca o pinho, que representa mais de 90% das madeiras aplicadas no prédio, que não são eternos, como também se alcança do Relatório dos Peritos, de fls. 1.006-1.010, e dos esclarecimentos por aqueles prestados por escrito, a fls. 1167 e seguintes.
105ª - Para fundamentar as suas decisões, o Tribunal a quo entendeu que todos os prédios admitem sempre reparação, bastando para o efeito que as paredes exteriores apresentem alguma capacidade de serem recuperadas o que, com respeito por opinião contrária, é sobremodo conservador, não corresponde à realidade social nem ao direito vigente, e não permite a reconstrução do tecido urbano degradado pelo normal decurso do tempo e a consequente e natural fadiga dos materiais que o congelamento das rendas agravaram.
106ª - De facto, as paredes correspondem a cerca de 10% do custo total do prédio, sendo que o que é caro são os custos de construção e de acabamento das placas dos pisos, dos tectos e dos telhados, as divisões, as loiças sanitárias, os roupeiros, os móveis de cozinha, as instalações de água e saneamento, os aros das portas, as janelas, as escadarias, as serralharias, as instalações de electricidade, comunicações e imagens, os ladrilhos e azulejos, o revestimento dos pisos e das paredes das cozinhas e quartos de banho, o aquecimento, os vidros duplos, os granitos ou mármores de revestimento das escadarias, entre outros materiais.
107ª - As habitações querem-se cada vez mais funcionais e confortáveis e com menos custos de manutenção e a reconstrução do prédio permitiria à recorrente ampliar cerca de 240 m2 de área de construção em consequência do acréscimo em altura de três pisos ao anexo de rés-do-chão e mais cerca de 300 m2 de construção, em consequência da substituição de 3 paredes com cerca de 2 metros de espessura por paredes em betão com cerca de 50 centímetros de espessura.
108ª - O congelamento das rendas, que durante muitos anos não permitiu a sua actualização com vista a eliminar os efeitos da inflação galopante de 30 a 40% ao ano no período entre 1974 e 1995 provocou uma diminuição do valor real das rendas, o que é também é do conhecimento público e facto notório e, quando a Lei passou a permitir o aumento das rendas, as taxas de actualização que incidiram sobre o valor de rendas altamente desactualizadas, não permitiram eliminar o problema, que continua a agravar-se de ano para ano.
109ª - Com base na resposta dada pelos peritos em RB6ª, a fls. 1.010 do Relatório, e em Q6RR, a fls. 1175, nos esclarecimentos prestados, a recorrente teria de gastar, nas datas em que o Relatório foi elaborado e os esclarecimentos foram prestados, pelo menos cerca de € 100.000,00 para realizar as obras estritamente sumariadas em 6) da base instrutória, incluindo demolições e transporte a vazadouro público.
110ª - As rendas que a recorrente recebe mensalmente nesta data totalizam € 351,13.
111ª - Considerando que para Imposto Municipal sobre Imóveis e para o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares a recorrente paga ao Estado em média o equivalente a dois meses de renda, teremos que o rendimento anual líquido do prédio é de cerca de € 3.511,30 e, dividindo € 100.000,00 por € 3.511,30, verificámos que são necessários cerca de 28 anos e meio para a recorrente recuperar aqueles € 100.000,00, período que pode exceder o do seu restante tempo de vida.
112ª - As circunstâncias em que as partes fundaram decisão de contratar alteraram-se de tal forma que impossibilitam a recorrente de cumprir com os contratos de arrendamento em causa.
113ª – Nos termos do disposto no artigo 334º do CC é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, determinando ainda o nº 1 do artigo 437º do CC que, se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou a modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.
114ª – O Tribunal a quo não respeitou também o critério superiormente instituído pelos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça proferidos em 11-10-2005 no recurso nº 2274/05, da 6ª secção, em 14-11-2006 no Processo nº 06B3597, e em 31-01-2007 no Processo nº 06A4404, entre outros, disponíveis em www.dgsi.pt, segundo os quais, em síntese, constitui abuso de direito dos inquilinos exigir dos senhorios a realização de avultadas obras de conservação ou a recuperação integral de edifício centenário que exige o dispêndio de vários milhares de euros, quando pela ocupação dos locados recebem quantias muito baixas, com falta de equivalência entre as atribuições patrimoniais resultantes dos contratos de arrendamento, constituindo flagrante violação do mais elementar princípio de justiça, sendo, por isso, inadmissível por abusiva, nos termos do artigo 334º do CC.
115ª - É facto notório do conhecimento de todos os Tribunais de Portugal que o critério legal de actualização das rendas redunda em facto impeditivo de uma actualização em valores pecuniários minimamente aceitáveis, obstaculizante da atribuição ao senhorio de uma rentabilidade económica susceptível de lhe proporcionar a realização de obras de renovação.
116ª - Por conseguinte, deveria o Tribunal a quo ter declarado improcedente o pedido reconvencional de execução pela recorrente de obras de conservação e reparação extraordinárias, e deveria também ter decretado a perda da coisa locada, não só na parte do prédio que ardeu e que ilegalmente foi reconstruída pela R., C………., Lda., como ainda quanto ao demais por causas naturais resultantes do decurso do tempo e da consequente fadiga dos materiais utilizados na construção do prédio.
117ª - A prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento e a demais prova documental e pericial produzida ao longo dos autos impunham decisão oposta à proferida pelo Tribunal a quo, concretamente, quanto aos pedidos deduzidos pela recorrente na acção em mérito, pelo que se verifica erro de julgamento.
118ª - No entendimento da recorrente, e contrariamente ao decidido a quo, deve a matéria de facto ser modificada, com fundamento na impugnação da prova gravada e documental, nos termos do disposto nas alínea a) e b) do nº 1 do artigo 712º do CPC e, por sua via, considerarem-se provados os quesitos nº 6 (na totalidade), 11, 14 (na totalidade), 15, 16 (na totalidade), 17 (na totalidade), 47, 48, 49 e 50, sem prejuízo de oficiosamente a Relação atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
119ª – Os quesitos 27, 58, 59, 60 e 73 devem ser alterados, com fundamento na impugnação da prova gravada e apresentação de documento superveniente, nos termos das alíneas a), b) e c) do nº 1 do artigo 712º do CPC, sem prejuízo de oficiosamente a Relação atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
120ª – A proceder a modificação da matéria de facto, a douta sentença é nula nos termos do disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 668º do CPC.
121ª - O Tribunal a quo violou, por errada aplicação e interpretação da lei, todas as disposições legais referidas nas conclusões da apelação.
*
Não foram juntas quaisquer contra-alegações.

II – Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Da 1ª instância chegam-nos assentes os seguintes factos:
Por escritura pública outorgada em 6 de Fevereiro de 1998, no 2º Cartório Notarial do Porto, T………., por si e como procuradora de outros, e demais comproprietários venderam à autora o prédio urbano composto de casa de r/c e três andares, com dependência, situado no ………., .. e .., com frente também para o ……….. .., .. e .. e para a ……….. – alínea A).
A aquisição encontra-se registada definitivamente a favor da autora sob o nº G 19980219009. – alínea B).
O identificado prédio está descrito na 1ª CRP do Porto sob o nº 18193, do Livro B-60. – alínea C).
O edifício está descrito na matriz predial urbana da freguesia de ………., concelho do Porto, sob o arº 261. – alínea D).
Por escritura de 22 de Julho de 1941, P……….mdeu de arrendamento a AH………. o r/c sito no ………., nºs .. a .., com frente também para os ……….é e ………. sendo parte da frente destinada a comércio de comidas e bebidas e as traseiras a habitação. – alínea E).
Em 30 de Abril de 1942, o estabelecimento referido em E) foi feito novo arrendamento com Q………., destinado-se, desta feita, todo o locado ao comércio de bebidas - cfr. rectificação feita pela autora a fls. 174 do apenso F. – alínea F).
Em 11 de Janeiro de 1943, o estabelecimento referido em E) foi trespassado a AI………. . – alínea G).
Em 22 de Setembro de 1944, o mesmo foi trespassado a J………, Lda, e alterado o arrendamento, nomeadamente quanto ao seu destino casa de pasto. – alínea H).
Em 15 de Agosto de 1949, P………. trespassou o estabelecimento a AL………. e o proprietário P……….. deu de arrendamento o r/c sito no ………. nºs .. a ..., com o destino de casa de pasto. – alínea I).
Em 4 de Abril de 1950, AL………, em liquidação de sociedade, adjudicou a AN………. a casa de pasto acima identificada. – alínea J).
Em 21 de Abril de 1960, E………... trespassa a casa de pasto a AH………. . – alínea L).
Em 30 de Novembro de 1960, o contrato de arrendamento da casa de pasto é alterado na sua renda. – alínea M).
Por escritura de 30/11/60, o AP………. trespassou o referido estabelecimento a AO.………o. – alínea N).
Em 18 de Março de 1971, o AO………. trespassa o estabelecimento a AO……….az. – alínea O).
Em 21 de Junho de 1974, AO…………………. trespassou o estabelecimento a Z………., Ldª. – alínea P).
Em 30 de Abril de 1991, K……….a Silva surge com AY………. como únicos sócios da firma C………., Lda., com sede no ………. .., dividindo e cedendo quotas. – alínea Q).
Por contrato celebrado em 14 de Março de 1974, T………. de arrendamento a AC………. o 1º andar esquerdo deste prédio, com entrada pelo nº … da ………. . – alínea R).
Por contrato celebrado em 12 de Julho de 1973, T………. deu de arrendamento a D………. o 3º andar esquerdo deste mesmo prédio. – alínea S).
Por escritura outorgada no 7º Cartório Notarial do Porto, em 27 de Fevereiro de 1985, F………. outros deram de arrendamento a E………. o r/c com entrada pelos n.os 18 e 19 do identificado prédio, sendo o destino de comércio por junto e retalho de cafés em grão e artigos de mercearia. – alínea T).
Por contrato celebrado em 28 de Janeiro de 1975, T………. deu de arrendamento a L………. o 1º andar deste prédio, com entrada pelo ………. nº ... – alínea U).
Na data da propositura da acção, as rendas eram:
a) F……….a - 6.374$00;
b) I………. - 3.195$00;
c)D………. 8.088$00;
d) E………. - 39.708$00;
e) C………., Lda. - 34.050$00. – alínea V).
Em data anterior a 6 de Fevereiro de 1998, a ré C………., Lda. instalou uma chaminé para extracção de fumos e cheiros, dotada de motores, e, na parte de trás do locado que ocupa, uma câmara frigorífica. – alínea X).
Não foi dado cumprimento ao disposto no artº 89º nº 1, do RAU em relação ao contrato de arrendamento celebrado com L……….. – alínea Z).
A S………. faleceu em 29 de Dezembro de 1980. – alínea AA).
Sem consentimento escrito dos senhorios, a ré F………. substituiu as janelas de madeira do locado que ocupa, que se encontravam em muito bom estado de conservação, por janelas de alumínio eliminada. – alínea AB).
A parte do prédio locada a L………. ameaça ruir a todo o momento, sendo muitas as infiltrações de água no seu interior. – alínea AC).
Em virtude de o telhado dessa parte do prédio não ter qualquer viabilidade técnico-económica de reparação. – alínea AD).
Sendo certo que as instalações eléctrica, de saneamento e de água há muito que atingiram o ponto de ruptura, sem quaisquer hipóteses de reparação. – alínea AE).
Além do que, as paredes de tabique, os barrotes e os soalhos estão podres e carcomidos pelo bicho da madeira, tendo há muito excedido a sua durabilidade. – alínea AF).
A autora, por si e antepassados, há mais de trinta anos que vem administrando o prédio em causa, dando de arrendamento e recebendo rendas e pagando os respectivos encargos fiscais, - resposta ao facto 1º da b. i.
... de forma pacífica, - resposta ao facto 2º da b. i.
... sem oposição, - resposta ao facto 3º da b. i.
... à vista de todos, - resposta ao facto 4º da b. i.
... convicta de que exerce um direito próprio. - resposta ao facto 5º da b. i.
A autora foi notificada em 7 de Setembro de 1998 do auto de vistoria camarário do processo 1/93, em que é referido:
a) O prédio ameaça ruína da cobertura e ao longo do 3º andar;
b) Oferece perigo para a saúde das pessoas e segurança, não deve ser parcialmente demolido, necessitando das seguintes obras de reparação:
1) substituição total da cobertura, incluindo a clarabóia;
2) reparação de rebocos e impermeabilização da fachada;
3) reparação de rebocos e impermeabilização de empenas;
4) reparação ou substituição de caixilharias;
5) reparação dos elementos afectados do pavimento;
6) reparação e reboco de zonas afectadas por humidades de todas as paredes;
7) substituição total do tecto do 3.° andar e reparação dos restantes;
c) Há perigo iminente de desmoronamento da cobertura;
d) O despejo é indispensável para a execução das obras, em relação ao 3.° andar direito;
e) A desocupação deve ser imediata, bem como o início das mesmas obras. - resposta ao facto 6º da b. i.
De imediato, a autora deu a conhecer à Câmara notificante que as obras indicadas implicam a demolição de todo o interior do prédio e da parede que confronta com o ………., por tratar-se o mesmo de construção muito antiga, com o interior construído em madeira e paredes de tabique, cujas traves, caibros, barrotes e soalhos estão completamente podres, a ameaçarem derrocada e cujas instalações sanitárias, de esgotos, água e energia eléctrica deverão ter de ser completamente substituídas, por se encontrarem excessivamente degradadas, sendo certo que a opinião da autora em relação ao prédio, descrita neste item, foi comunicada através do documentos que constitui fls. 37 dos autos. - resposta ao facto 7º da b. i.
O estado actual do imóvel é o seguinte:
a) existem infiltrações várias a nível do telhado e clarabóia e consequente degradação da estrutura de madeira da cobertura, escadas e vigas de suporte de pisos, sendo certo que a degradação da madeira relativa ás escadas e vigas de suporte dos pisos é apenas parcial.;
b) vigamento de madeira e soalho a denotar sinais evidentes de colapso, apenas parciais, não se estendendo a todo o edifício;
c) paredes exteriores com sinais de degradação ao nível da sua consistência, apenas em relação às paredes Norte Nascente e Sul, não se estendendo a todo o edificio, e somente no que se refere à argamassa de revestimento e respectiva capacidade de resistência e de impermeabilização. - resposta ao facto 10º da b. i.
Após a compra do prédio, em Fevereiro de 1998, os arrendatários passaram a pagar ou depositar a renda à autora. - resposta ao facto 12º da b. i.
O arrendatário C………., Lda., sofreu, há menos de um ano em relação à data da propositura, um incêndio, que destruiu parcialmente o arrendado. - resposta ao facto 13º da b. i.
O inquilino referido em 13) (C………., Lda.,) passou a exercer no arrendado a actividade de churrascaria. - resposta ao facto 14º da b. i.
Reconstruiu-o sem licenciamento. - resposta ao facto 16º da b. i.
De um telhado de duas águas, sendo uma delas constituída por apenas três filas de telha, fez um telhado de uma água, tendo eliminado a água de três filas de telha. - resposta ao facto 17º da b. i.
Há mais de 15 anos que os senhorios do prédio objecto destes autos não fazem nele qualquer obra. - resposta ao facto 19º da b. i.
E por causa disso, o prédio apresenta sinais de degradação, que se têm verificado progressivamente, em particular no que respeita ao sistema de impermeabilização de águas pluviais. - resposta ao facto 20º da b. i.
Carecendo de obras, nomeadamente e no essencial, de reparação do telhado, beirais e caleiras, e de impermeabilização das paredes, por forma a impedirem que no locado se infiltrem águas das chuvas. - resposta ao facto 21º da b. i.
Pois em consequência de tais infiltrações, os arrendados apresentam humidades e quando chove as infiltrações chegam mesmo a escorrer pelo interior das paredes e caindo pingas dos tectos. - resposta ao facto 22º da b. i.
Ao longo dos anos, as deficiências em causa chegaram ao conhecimento dos senhorios através de comunicação de D………. e F………. e por conhecimento directo. - resposta ao facto 23º da b. i.
A interveniente F………. viveu, desde sempre, com os seus pais no prédio em causa, na parte locada a I………., seu pai. - resposta ao facto 24º da b. i.
... em comunhão de mesa e habitação. - resposta ao facto 25º da b. i.
... até à data do respectivo óbito. - resposta ao facto 26º da b. i.
O prédio em causa tem mais de cinquenta anos e nunca sofreu qualquer tipo de obras por parte dos senhorios, sendo este último facto a causa do estado que apresenta. - resposta ao facto 28º da b. i.
A perda do estabelecimento do contestante E………., causar-lhe-á um prejuízo cujo concreto valor não foi possível apurar. - resposta ao facto 30º da b. i.
.... o qual retira do mesmo a quantia mensal cujo concreto montante não foi possível apurar. - resposta ao facto 31º da b. i.
A situação presente causa a este inquilino desgaste psíquico, angústia e desassossego. - resposta ao facto 33º da b. i.
Na construção do prédio utilizou-se argamassa à base de barro para construir as paredes exteriores, a qual, devido às infiltrações e ao tempo decorrido, perdeu a sua capacidade de resistência, apenas no que conceme às fachadas Norte, Nascente e Sul. - resposta ao facto 35º da b. i.
Também foi utilizada madeira de pinho na construção da estrutura do telhado, soalhos e paredes, tendo sido utilizada madeira de castanho e eucalipto em reparações recentes. - resposta ao facto 38º da b. i.
... a qual, devido à acção do bicho da madeira e do tempo decorrido, na sua maioria, tem diminuída a sua capacidade de resistência, e, em situações pontuais, se encontra em risco de colapso. - resposta ao facto 39º da b. i.
APENSO F
Os tubos da chaminé referida em X) só terminam 1,5 metros acima do último piso. - resposta ao facto 45º da b. i.
... e foi colocada sem o consentimento escrito dos senhorios. - resposta ao facto 46º da b. i.
A câmara frigorífica referida em X) está dotada de potentes motores de compressão do gás, cuja descompressão produz frio. - resposta ao facto 51º da b. i.
Para além do permanente ruído, de dia e de noite, derivado ao funcionamento do motor e compressor, a operação de compressão de gás liberta calor. - resposta ao facto 52º da b. i.
A ré não obteve consentimento escrito dos senhorios para instalar a referida câmara frigorífica. - resposta ao facto 54º da b. i.
... e sempre foi do conhecimento dos senhorios a existência da chaminé. - resposta ao facto 56º da b. i.
A chaminé e câmara frigorífica referidas em X) ainda se encontram instaladas no locado. - resposta ao facto 57º da b. i.
APENSO E
A renda do locado relativo a I………. foi sempre paga a Z………., então procurador da senhoria T………., a quem foi dado conhecimento do falecimento daquele. - resposta ao facto 69º da b. i.
... tendo tal procedimento de pagamentos prosseguido no sucessor e filho daquele na posição de procurador da senhoria, de nome também Z………. . - resposta ao facto 70 da b. i.
Chegou a ré F………. a pedir a este último que passasse o recibo de renda em seu nome, ao que o mesmo retorquiu que não valeria a pena, que poderia ficar assim, pois não haveria qualquer problema. - resposta ao facto 71º da b. i.
Aquando do falecimento da mãe da ré F………., esta fez idêntico pedido a Z………. (filho), o qual sabia perfeitamente dos falecimentos. - resposta ao facto 72º da b. i.

III - O âmbito do recurso é definido pelas conclusões das alegações, não podendo o tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se trate de questões de conhecimento oficioso, cfr. artºs 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3, ambos do C.P.Civil, sendo certo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, o seu objecto delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Não obstante a recorrente/autora não ter dado cumprimento, como devia, ao disposto no artº 748º nº1 do C.P.Civil e o relator dos autos, oportunamente, a não ter convidado a especificar tal omissão, vai-se conhecer dos agravos retidos, atenta a sua manifesta simplicidade.
De harmonia com o disposto no artº 710º nº1 do C.P.Civil, os recursos dos autos serão julgados pela ordem da sua interposição.
Assim há que decidir no 1º agravo:
- Se a requerida junção de documentos pedida pela autora a realizar-se pela ré F……… deveria ter sido deferida pelo Tribunal “a quo”?
No 2º agravo:
- Saber se deveria ter sido admitida a requerida ampliação do pedido formulado pela autora contra o réu E……….?
E no 3º agravo:
- Saber se deveria ter sido deferido o pedido de junção de documentos formulado pela autora a realizar-se pela ré C………, Ldª?
Finalmente, são seis as grandes questões a decidir na apelação dos autos:
1ª – Saber se a decisão da matéria de facto – respostas aos factos 6º, 11º, 14º, 15º, 16º, 17º, 27º, 47º, 48º, 49º, 50º, 58º, 59º, 60º e 73º - face à prova testemunhal e documental produzida nos autos deve ser alterada?
2ª – Saber se ocorreu caducidade do conrato de arrendamento celebrado com o falecido I………., pai da ré F………., por o mesmo não se haver transmitido, primeiramente à mãe da ré e viúva daquele, e depois à ré?
3ª – Saber se verifica fundamento de despejo da ré F………. constante da al. d) do nº1 do artº 64º do RAU, devendo ser declarada a resolução do contrato de arrendamento?
4ª - Saber se verifica fundamento de despejo da ré C………., Ldª constante das als. b) e d) do nº1 do artº 64º do RAU, devendo ser declarada a resolução do contrato de arrendamento?
5º - Saber se face ao trânsito em julgado do despacho que julgou a instância extinta por inutilidade superveneiente da lide relativamente às rés G………. e N………., não podia o tribunal “a quo” julgar procedentes os pedidos reconvencionais deduzidos por aqueles?
6ª – Saber se há abuso de direito por parte dos reconvintes ao exigirem a realização de obras de conservação e de reparação dos locados?
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Uma vez que as questões a decidir no 1º e 3º agravos são idênticas, diferenciando-se apenas relativamente aos documentos cuja junção se requer e aos réus em posse de quem diz a autora/recorrente estarem.
Assim, a fls 1596 requereu a autora a notificação da ré F………., para vir aos autos informar se após o óbito do primitivo inquilino I………., o cônjuge sobrevivo efectuou a necessária comunicação escrita aos senhorios para efeito da transmissão do direito do arrendamento ao abrigo do disposto no artigo 46º nºs 1 e 2 da Lei nº 2.030 de 22 de Junho de 1948 e, em caso afirmativo juntar aos autos os seguintes documentos:
“a) Cópia da comunicação escrita para efeito da transmissão do direito do arrendamento por óbito de I………., assinada pelo cônjuge sobrevivo e o respectivo talão de registo postal; b) Cópia da certidão de casamento da S………, anexa à comunicação escrita referida na alínea a); c) Cópia da certidão de óbito do I………., anexa à comunicação escrita referida na alínea a); d) Cópia do atestado de residência da S………., anexo à comunicação escrita referida na alínea a); e) Cópia da comunicação escrita para efeito da transmissão do direito do arrendamento por óbito de S………., assinada pela R F……… e o respectivo talão de registo postal; f) Cópia da certidão de nascimento da R. F……… anexa à comunicação escrita referida na alínea e); g) Cópia da certidão de óbito da S………. anexa à comunicação escrita referida na alínea e); h) Cópia do atestado de residência da R. F………., anexo à comunicação escrita referida na alínea e)”.
E requereu a fls. 1601 requereu a autora, alegando que se destinavam à prova dos factos 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56 e 57 da base instrutória, a notificação a ré, C………., Ldª, para informar se alguma vez foram requeridos e emitidos os documentos a seguir identificados e, em caso afirmativo, juntá-los aos autos:
“a) O Parecer Favorável do Conselho Superior de Belas Artes exigido pelo § 1º do artigo 26º do Decreto nº 20.9787 de 7 de Março de 1932 para a aplicação a dar às trazeiras do prédio sito no rés de chão do prédio sito no ………. nºs .. a .. da cidade do Porto, que de habitação, como se alcança da escritura pública celebrada em 22/07/1941 no Cartório Notarial do Porto do U………. cuja cópia junta e dá por integralmente reproduzida (doc1), passou para comércio de comidas e bebidas como se alcança da escritura pública celebrada em 30/04/1942 no referido Cartório Notarial cuja cópia junta e dá por integralmente reproduzida (doc.2), b) O consentimento escrito dos ex-senhorios para a instalação em data anterior a Fevereiro de 1998, da chaminé e do extractor de fumos e cheiros constante em X) dos factos assentes, no estabelecimento da V………., pertencente à R. C………., Ldª, sito no rés - de - chão do prédio sito no ………., nº .. a .., cidade do Porto. c) O consentimento escrito dos ex-senhorios para a alteração da actividade do estabelecimento de W………., que consubstancia a actividade de comércio de comidas e bebidas, como se alcança do contrato de arrendamento celebrado em 0/04/1942 pelo Notário da Comarca do Porto U……….., com cartório na Rua ………., número sete da cidade do Porto cuja cópia junta e dá por integralmente reproduzido (doc.3) e do Alvará Sanitário nº …., emitido pela Câmara Municipal do Porto e averbado em nome daquela R., cuja cópia junta e dá por integralmente reproduzido (doc.4), para a actividade de X………., que consubstancia a actividade de indústria de similares de hotelaria”.
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Quanto à junção de documentos, o artº 523º nº 1 do C. P.Civil estatui que os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes. Mas o nº 2 da mesma disposição legal prevê ainda que se não forem apresentados com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até ao encerramento da discussão em 1ª instância.
A junção de documentos situa-se dentro da vasta questão da prova e, especialmente, do ónus probatório.
Na verdade a lei impõe a cada uma das partes o ónus do provar determinados factos (afimações de facto), no sentido de levar o juiz a formular uma decisão favorável ou desfavorável, consoante se funde na afirmação da parte a quem incumbia a prova, ou na afirmação de facto contrário.
Tal resulta do disposto nos artºs 342º e segs. do C.Civil, estipulando o citado preceito que “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado” e “a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito compete àquele contra quem a invocação é feita”.
Embora, em respeito ao princípio do dispositivo o Tribunal apenas se possa servir dos factos articulados pelas partes, cfr. artº 664º do C.P.Civil, tem o juiz o poder de realizar ou ordenar diligências através das quais a prova será feita, cfr. artº 264º nº3 do C.P.Civil.
Também por imposição do princípio da cooperação ou da colaboração para a descoberta da verdade, cfr. artº 266º e 519º, ambos do C.P.Civil, estão as partes e ainda terceiros obrigados a prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados.
Efectivamente, pode acontecer que uma determinada parte pretenda fazer uso de determinado documento que se encontre em poder da parte contrária ou em poder de um terceiro estranho ao processo. Nesses casos, permite a lei que a parte interessada requeira a notificação do possuidor do documento para o apresentar dentro do prazo que for designado pelo tribunal, quando o documento se encontre em poder da parte contrária, cfr. artº 528º nº1do C.P.Civil, ou a notificação ao terceiro possuidor do documento, cfr. artº 531ºdo C.P.Civil.
Quer o documento se encontre em poder da parte contrária, quer em poder de terceiro, a parte interessada deve identificar no requerimento, quanto possível, o documento e especificar os factos que pretende provar com eles, cfr. artº 528º nº 1 e 531º, ambos do C.P.Civil.
Pretende a autora que a ré F………. venha informar nos autos se a sua mãe, após a morte do seu pai e arrendatário do 2º Dtº, efectuou a necessária comunicação escrita aos senhorios para efeito da transmissão do direito do arrendamento e ainda para juntar aos autos um conjunto de documentos de onde resulta a pretensa comunicação, assim com a comunicação necessária à transmissão do arrendamento da sua mãe para si, à data do óbito daquela.
Ora, como resulta dos autos, sempre afirmou a autora que a mãe da ré F………. nunca comunicou aos senhorios a transmissão do contrato de arrendamento celebrado com I………. .
A prova deste facto constante do facto 27º da b. instrutória impendia sobre a autora, sendo que a existência das aludidas comunicações, se as houvessem e estivessem de posse da ré, como factos extintivos do direito invocado pela autora/recorrente impendiam sobre a dita ré.
Destarte, conclui-se que nenhum interesse tinha a autora/recorrente quer na obtenção daquela informação, quer na junção aos autos dos ditos documentos, caso existissem, pelo que bem andou o tribunal “a quo” ao indeferir tal pretensão.
Por outro lado, pretende a autora que a C………., Ldª fosse notificada para informar se alguma vez foram requeridos e emitidos um vasto conjunto de documentos e, em caso afirmativo, juntá-los aos autos. Documentos esses que pretensamente dizem respeito à alegada alteração do ramo de comércio desenvolvido no locado e à realização de obras no mesmo, que a existirem poderiam legitimar as mesmas.
Como resulta dos autos, afirma a autora/recorrente que a alteração da actividade comercial desenvolvida no locado não teve o parecer técnico imposto pelo § 1º do artº 26º do Decreto 20958 e que a ré não obteve qualquer autorização escrita dos senhorios para a instalação de uma chaminé e de uma câmara frigorífica no locado. Tais factos foram levados à base instrutória e a sua prova impedia sobre a autora/recorrente. Ora, a existência dos pretensos documentos apontados pela autora no requerimento em apreço destinar-se-iam a fazer prova do contrário do direito que invocou. A prova dos factos que se poderiam provar com a junção dos pretensos documentos, como factos extintivos daquele direito da autora, incumbiria à ré.
Donde e sem necessidade de outros considerandos se conclui que nenhum interesse tinha a autora/recorrente quer na obtenção daquela informação, quer na junção aos autos dos ditos documentos, caso existissem, pelo que bem andou o tribunal “a quo” ao indeferir também essa sua pretensão.
Pelo que e em conclusão – não se deve deferir requerimento de notificação da parte contrária para junção de documento destinado à prova de facto cujo ónus cabe a essa mesma parte.
Consequentemente, improcedem as conclusões dos 1º e 3º agravos, negando-se provimento aos mesmos.
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Vejamos agora a questão levantada no 2º agravo, ou seja, saber se deveria ter sido admitida a requerida ampliação do pedido formulado pela autora contra o réu E………. .
Como sabe, uma vez formulado o pedido na petição inicial, cfr. artº 467º nº 1 d) do C.P.Civil, este deve, em princípio, manter-se inalterável.
É o que resulta do princípio da estabilidade da instância, cfr.artº 268º do C.P.Civil, que tem como objectivo imediato e final conferir segurança à relação jurídico-processual.
Como também se sabe pode em certos casos o pedido ser modificado por acordo das partes (modificação bilateral), ou sem esse acordo (modificação unilateral).
Tanto esta como aquela podem consistir num aumento (ampliação), numa diminuição (redução) ou numa substituição (alteração) do pedido inicial.
Simplesmente, após a réplica (se a forma de processo a admitir) e até ao encerramento da discussão em 1ª instância, o autor já não pode alterar o pedido, mas apenas ampliá-lo ou reduzi-lo.
É o que resulta, inequivocamente, dos artº 272º e 273º nºs 1 e 2, ambos do C.P.Civil.
Com efeito, por um lado, nos artºs 272º e 273º nºs 1 e 2º, 1ª parte, fala-se em ampliação ou alteração do pedido, enquanto que na 2ª parte do nº2 do artº 273º, se fala tão somente em ampliação.
Contudo, para que o autor possa ampliar o pedido - torna-se necessário que a ampliação represente o desenvolvimento ou a consequência do pedido originário.
Desenvolvimento ou consequência que se afirmam - na terminologia do Prof. Alberto dos Reis, in “Com. Cod. Proc. Civ”., III, pág. 93 - quando aquela (ampliação) está contida virtualmente neste (pedido inicial).
Por outro lado, a ampliação e o pedido devem ter causas de pedir senão totalmente idênticas, pelo menos integradas no mesmo complexo de factos - cfr neste sentido, Castro Mendes, in “Direito Processual Civil”, II, pág. 284.
A ampliação do pedido há-de estar contida virtualmente no pedido inicial, distinguindo-se da cumulação porque, enquanto aquela pressupõe que, dentro da mesma causa de pedir, a pretensão primitiva se modifica para mais, a cumulação com pedido novo dá-se quando a um pedido fundado em determinada causa de pedir se junta outro, fundado em causa de pedir diferente.
No caso dos autos temos que na sua p. inicial a autora formulou contra o réu E………. o seguinte pedido:
- “que se declare a caducidade dos contratos de arrendamento de que foi objecto o prédio urbano composto de casa de r/c e 3 andares, com dependências, sito no ………., .. e .., com frente também para o ………. e para a ………., sua pertença, pelo facto de o imóvel a que dizem respeito não servir fim a que se destina, sendo economicamente inviável a sua reposição, com a consequente condenação do réu ao despejo”.
Apenas relativamente à 1ª ré (C………., Ldª), 2ª ré (viúva de H……….) e 6ª ré (viúva de K……….) (tendo entretanto quanto a estas sido a instância julgada extinta por inutilidade superveniente) deduziu a autora, subsidiaria e cumulativamente, o pedido de resolução dos contratos de arrendamento do r/c, 3º andar esquerdo e 2º andar esquerdo, por alteração fim contratual e realização de obras não permitidas (1ª ré) e por falta de residência permanente (2ª e 6ª rés).
Para tanto alegou que consta do quesito 40º da base instrutória : “O réu E………. passou a vender bebidas no estabelecimento, em vez de cafés e mercearias?”
A autora alegando que consta do facto 40º da base instrutória: “O réu E………. passou a vender bebidas no estabelecimento, em vez de cafés e mercearias?” veio antes da realização da audiência de julgamento pedir que se amplie o pedido que formulou a titulo subsidiário e cumulativo, por forma a que nele se englobe o pedido de resolução do contrato de arrendamento do réu E………., e consequentemente ser este condenado ao despejo imediato, com fundamento na violação do artigo 64º nº 1, alínea b) do RAU, ou seja, porque este, sem o consentimento escrito dos senhorios, passou a usar o arrendado para fim ou ramo de negócio diverso daqueles a que se destina.
Visto isto e sem necessidade de quaisquer outros considrandos, é manifesto que este pedido assim formulado não é a ampliação de qualquer pedido subsidiário que tenha sido formulado contra o réu E………. . Pois como se frisou nenhum pedido, a título subsidiário, foi formulado contra este réu. Na verdade, o único pedido formulado, a título principal e único, contra este réu foi de caducidade do contrato de arrendamento.
O que a autora pretende é deduzir um pedido novo, fundado em nova causa de pedir, uma causa de resolução do contrato de arrendamento, pelo que era processualmente inadmissível na ocasião em que se encontravam os autos.
Destarte, bem andou o tribunal “ a quo” ao indeferir a pretensão da autora.
Improcedem as conclusões do agravo, devendo ser negado provimento ao mesmo.
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Passemos ao recurso de apelação.
1ª questão – da decisão da matéria de facto.
A apelante, em ordem a conseguir a revogação da sentença recorrida, impugna a decisão sobre a matéria de facto, mais precisamente no tocante às respostas conferidas aos factos 6º, 11º, 14º, 15º, 16º, 17º, 27º, 47º, 48º, 49º, 50, 58º, 59º, 60º e 73º da base instrutória, dizendo que caso se tivesse feito uma correcta análise crítica da prova produzida, (prova testemunhal e documental) essas respostas teriam sido, ao invés do que aconteceu, positivas, na totalidade.
Para tal, alega a recorrente que o tribunal “a quo”, incompreensivelmente descredibilizou os depoimentos prestados pelas testemunhas que arrolou, especialmente o depoimento prestado por Y………. .
Mais diz a recorrente que o tribunal “a quo” violou o dever constitucional de fundamentação da sentença.
Vejamos, no que à modificabilidade da decisão da matéria de facto importa e tendo em atenção a situação concreta dos autos, dispõe o artº 690-A do C.P.Civil que:
1. Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar:
a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida...”
E diz o nº 2 de tal preceito que:
“No caso da alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no nº2 do artº 522º-C”.
Por sua vez, o artº 712º, do mesmo diploma legal, prevê, além do mais, que:
1. A decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 690º-A, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
2. No caso a que se refere a segunda parte da alínea a) do número anterior, a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações do recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento a decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
De tal normativo resulta que, como refere F. Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 2ª ed., 2001, pág. 127, que «... o direito português segue o modelo de revisão ou reponderação ...», ainda que não em toda a sua pureza, porquanto comporta excepções, as quais se mostram referidas pelo mesmo autor na obra citada.
Ora, os recursos de reponderação, no ensinamento do Prof. Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudo Sobre o Novo Processo Civil”, pág. 374, «... satisfazem-se com o controlo da decisão impugnada e em averiguar se, dentro dos condicionalismos da instância recorrida, essa decisão foi adequada, pelo que esses recursos controlam apenas - pode dizer-se - a “justiça relativa” dessa decisão».
Não nos podemos esquecer de que ao reponderar a decisão da matéria de facto, que, apesar da gravação da audiência de julgamento, esta continua a ser enformada pelo regime da oralidade (ainda que de forma mitigada face à gravação) a que se mostram adstritos, entre outros, o princípios da concentração e da imediação, o que impede que o tribunal de recurso apreenda e possa dispor de todo o circunstancialismo que envolveu a produção e captação da prova, designadamente a testemunhal, quase sempre decisivo para a formação da convicção do juiz; pois que, como referem A. Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, 2ª ed. pág. 657], a propósito do “Princípio da Imediação”, «...Esse contacto directo, imediato, principalmente entre o juiz e a testemunha, permite ao responsável pelo julgamento captar uma série valiosa de elementos (através do que pode perguntar, observar e depreender do depoimento, da pessoa e das reacções do inquirido) sobre a realidade dos factos que a mera leitura do relato escrito do depoimento não pode facultar. ...».
Decorre do preâmbulo do DL 39/95 de 15/12, que instituiu no nosso ordenamento processual civil a possibilidade de documentação da prova, que a mesma se destina a correcção de erros grosseiros ou manifestos verificados na decisão da matéria de facto, quanto aos pontos concretos da mesma, dizendo-se aí que “a criação de um verdadeiro e efectivo 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, facultando às partes na causa uma maior e mais real possibilidade de reacção contra eventuais – e seguramente excepcionais – erros do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto”.
Vendo ainda esse preâmbulo é possível ainda ler-se que “a garantia do duplo grau de jurisdição em sede da matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso”.
E assim, é entendimento dominante, que não obstante se mostrarem actualmente ampliados os poderes da Relação quanto à matéria de facto, certo é que no exercício de tais poderes não se impõe a realização de novo e integral julgamento, nem se admite recurso genérico contra a errada decisão da matéria de facto.
Por isso, havendo gravação da audiência de julgamento, como no presente caso ocorreu, temos que, nos termos do disposto no artº 712º, nº 1, al. a) e nº 2 do C.P.Civil, o tribunal da Relação pode alterar a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto, desde que, em função dos elementos constantes dos autos (incluindo, obviamente, a gravação), seja razoável concluir que aquela enferma de erro.

Os factos da base instrutória contra cujas respostas dadas em 1ª instância o apelante se insurge são os seguintes:
6º - A autora foi notificada em 7 de Setembro de 1998 do auto de vistoria camarário do processo ./93, em que é referido:
a) O prédio ameaça ruína da cobertura e ao longo do 3.0 andar;
b) Oferece perigo para a saúde das pessoas e segurança, não deve ser parcialmente demolido, necessitando das seguinte sobras de reparação:
1) substituição total da cobertura, incluindo a clarabóia;
2) reparação de rebocos e impermeabilização da fachada;
3) reparação de rebocos e impermeabilização de empenas;
4) reparação ou substituição de caixilharias;
5) reparação dos elementos afectados do pavimento;
6) reparação e reboco de zonas afectadas por humidades de todas as paredes;
7) substituição total do tecto do 3.° andar e reparação dos restantes;
c) Há perigo iminente de desmoronamento da cobertura;
d) O despejo é indispensável para a execução das obras;
e) A desocupação deve ser imediata, bem como o início das mesmas obras?.
11º - O custo das reparações referidas em la) era, em Outubro de 1998, de 59.275.200$00?
14º - O inquilino referido em 13) passou a exercer no arrendado a actividade de churrascaria, sem conhecimento ou consentimento do senhorio?
15º - ... tendo o aludido incêndio provindo, precisamente, das instalações de churrascaria?
16º - Reconstrui-o sem licenciamento e sem autorização dos proprietários?
17º - De um telhado de duas águas fez um telhado de uma água, abriu uma porta para o exterior, que inexistia, perfurando, assim, uma parede mestra e construiu no interior um balcão para Snack-Bar?
27º - A mãe da interveniente nunca comunicou ao senhorio a transmissão do contrato de arrendamento celebrado com I……….?
47º - Tendo sido a respectiva estrutura fixada às traves e madeiramentos que suportam toda a estrutura do telhado?
48º - A trepidação induzida pelo potente motor eléctrico causou e continua a causar danos irreparáveis na estrutura de madeira que suporta o telhado?
49º - ... provocando o deslocamento das telhas e a infiltração pelo telhado, dentro do prédio, das águas das chuvas?
50º - Causa que, aliada à forte trepidação do potente motor eléctrico, provocou danos irreparáveis na estrutura de madeira do edifício e na parede exterior virada ao ……….?
58º - S………., mãe da ré F………., nunca comunicou aos senhorios o óbito do marido, I……….?
59º - ... nem que dele não estava separada de pessoas e bens ou de facto, À data do óbito?
60º - ... nem que à data do óbito existia débito conjugal?
73º - Sem Consentimento escrito dos senhorios, a ré F………. substituiu as janelas de madeira do locado que ocupa, que se encontravam em muito bom estado de conservação, por janelas de alumínio?
A todos eles o Tribunal “a quo” respondeu: - NÃO PROVADO, à excepção do facto 6º a que respondeu – “Provado, com a restrição de que o teor da alínea d) apenas se prova em relação ao 3º andar do edifício”; do facto 14º a que respondeu – “Provado apenas que o inquilino referido em 13) passou a exercer no arrendado a actividade de churrasquaria”; do facto 16º a que respondeu – “Provado que apenas o inquilino referido em 13) procedeu à reconstrução do estabelecimento comercial em causa sem para isso ter obtido licenciamento camarário”, e do facto 17º a que respondeu – “Provado apenas que de um telhado que tinha duas águas, sendo uma delas constituída por apenas três filas de telha, fez um telhado de uma água, tendo eliminado a água de três filas de telha”.
É manifesto que não existem elementos probatórios (nomeadamente de índole documental) juntos autos que só por si impusessem, no que concerne a tais factos, um decisão diversa ou então que destruíssem a prova em que assentou a decisão, cfr. als. b) e c) do citado artº 712 do C.P.Civil.
Sendo assim, o que a este Tribunal compete é apurar se existe uma flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados, ou ainda, se existe erro grave e grosseiro na apreciação desses elementos de prova. Na verdade, não se vai à procura de uma nova convicção (o que impossível de obter, à míngua dos demais elementos intraduzíveis na mera gravação audio da prova, e que, por isso, só estavam ao alcance do Tribunal “a quo”, mas sim à procura de saber se a convicção expressa pela 1ª instância tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova, aliada aos demais elementos existentes nos autos, nos pode apresentar.
Vendo o teor da parte final da decisão da matéria da facto – ou seja, a fundamentação da mesma, manifesto é de considerar que o Mmº juiz “a quo” respeitou cabalmente o dever de fundamentação lhe era exigido pelo artº 653º nº 2 do C.P.Civil.
Sem dúvidas resulta dessa fundamentação a análise critica das provas e especificação o que julgou decisivo para a formação da sua convição. Alias a recorrente não reclamou, em tempo próprio da existência de qualquer insuficiência dessa fundamentação.
Por outro lado e atento o que aí se consignou relativamente ao depoimento da testemunha Y………., julgamos que o depoimento deste não foi descredibilizado, como alega a recorrente, na verdade, diz o Mmº juiz “a quo” que o:
“depoimento da testemunha Y………., um dos anteriores comproprietários do prédio em causa, que revelou algumas dificuldades de memória e em se expressar, atenta a sua provecta idade e o facto de ter tido uma trombose, sendo certo que referiu que nunca ordenou qualquer obra no dito prédio e que quem recebia as rendas era um senhor de nome AS……….; disse ainda que nunca lhe comunicaram a morte de quem quer que fosse e que se alguém morresse era ao AS………. que comunicavam; referiu ainda que era o AS………. que tratava da papelada para os contratos limitando-se a testemunha a assinar os mesmos e que pessoalmente nunca conheceu qualquer inquilino; embora tenha afirmado que o AS………. recebia as rendas e não tinha poderes para mais nada, o tribunal entendeu, em face do restante depoimento, acima referido, que o dito AS……… teria, na verdade, outros poderes de representação, que talvez a memória da testemunha não permita recordar - a testemunha chegou mesmo a afirmar que" (...) é possível que o AS………. tenha feito pequenas obras e descontado nas rendas a receber; pode ter acontecido (...)", o que, no entender do tribunal, não é compatível com um exclusivo poder de receber rendas, revelando uma capacidade de gestão e representação mais alargada”.
Também no que se refere à testemunha AG………. (que erradamente na fundamentação da decisão de facto se identifica como AT……….), é manifesto que o tribunal “a quo” apreciou e considerou o respectivo depoimento, tendo a seu respeito feito consignar que :
“e) o depoimento da testemunha AT………. (AG………), motorista de uma firma da autora, teve escassa relevância, uma vez que se limitou a relatar obras em que interveio em momento posterior à propositura da acção (Agosto de 2002), sendo a parte do seu depoimento em relação à chaminé e aos seus efeitos sobre o edificio contrariada pela prova pericial adiante referida”.
Dos autos resulta que a convicção a que chegou o tribunal “a quo” foi alicerçada nos depoimentos de várias testemunhas, quer tenham sido arroladas pela autora ou pelos réus, conjugados com o teor dos documentos juntos aos autos e ainda na que lhe foi dado observar durante a inspecção judicial que efectuou ao imóvel.
Vendo as alegações da recorrente verificamos que a mesmo não deu cumprimento ao que lhe era imposto pelo artº 690º-A nº2 do C.P.Civil, ou seja, porque os depoimentos prestados em audiência de julgamento foram gravados, a apelante deveria ter indicado quais as precisas partes dos depoimentos em que fundamenta a alegação de ocorrência de erro na apreciação da prova, em concreto em que se traduziu esse erro, já que as duas testemunhas a que expressamente se refere – Y………. e AG……….. - apenas foram inquiridos a certos factos da base instrutória, e não o fez. E assim, por exemplo, tais testemunhas não foram inquiridas à matéria dos factos 6º, 11º, 15º, 48º, 49º, 50º e 73º cuja decisão agora a recorrente impugna.
Destarte, está este tribunal, processualmente, impedido de proceder à audição de quaisquer depoimentos prestados em 1ª instância.
Como já se referiu também do teor dos documentos juntos aos autos não resulta, por si só prova que implique decisão diversa da matéria de facto na parte posta em causa pela apelante. E assim apesar de tudo, afigura-se-nos que para além da convicção do Mmº juís “a quo” se encontrar razoavelmente fundamentada, e vendo apenas os documentos juntos aos autos, podemos constatar que nenhum desvio, em termos de razoabilidade, foi feito quanto à prova ali produzida, ou seja, reputamos que a convicção está devidamente alicerçada e encontra-se traduzida nas respostas dadas aos factos da base instrutória, em especial no que concerne àqueles que foram directamente postos em crise na presente apelação.
E assim somos de concluir que a decisão da matéria de facto proferida em 1ª instância, por não evidenciar que foi cometido qualquer erro manifesto ou gritante e se encontrar em sintonia com a globalidade da prova produzida em audiência, não nos merece qualquer censura.
Improcedem as respectivas conclusões da apelante.
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Passemos à 2ª questão.
No acção apenas (apenso E) a autora/recorrente pede que se decrete a resolução do contrato de arrendamento celebrado com F………. por ter falecido o locatário originário de tal contrato – I………. - sem que tivesse ocorrido qualquer comunicação nos termos do artº 46º nº 1, da Lei 2030 de 22 de Junho de 1948.
Com interesse para a decisão desta questão está assente nos autos que:
A renda do locado relativo a I………. foi sempre paga a Z………., então procurador da senhoria T………., a quem foi dado conhecimento do falecimento daquele.
... tendo tal procedimento de pagamentos prosseguido no sucessor e filho daquele na posição de procurador da senhoria, de nome também Z………. .
Chegou a ré F………. a pedir a este último que passasse o recibo de renda em seu nome, ao que o mesmo retorquiu que não valeria a pena, que poderia ficar assim, pois não haveria qualquer problema.
Aquando do falecimento da mãe da ré F………., esta fez idêntico pedido a Z………. (filho), o qual sabia perfeitamente dos falecimentos.
A S………. faleceu em 29 de Dezembro de 1980, vide fls. 208.
A interveniente F………. viveu, desde sempre, com os seus pais no prédio em causa, na parte locada a I………., seu pai, falecido em 12.05.1962, vide fls. 207.
... em comunhão de mesa e habitação
... até à data do respectivo óbito.
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Actualmente e em regra, o contrato de arrendamento caduca por morte do arrendatário, artºs 1051º nº 1 al. d) do C.Civil e artº 83º do RAU.
Todavia, esta regra comporta excepções, não caducando o contrato por morte do arrendatário se lhe sobreviverem pessoas no condicionalismo referido no nº 1 do artº 85º do RAU – designadamente, cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens ou de facto e descendente que com o arrendatário convivesse há mais de um ano – e prevendo o nº 4 do mesmo artigo que a transmissão a favor dos parentes ou afins também se verifica por morte do cônjuge sobrevivo quando, nos termos daquele artigo lhe haja sido transmitido o direito ao arrendamento.
Mas, por força do disposto no nº2 do artº 12º do C.Civil, não obstante a data em que foi celebrado o contrato de arrendamento, a análise da questão da transmissão do arrendamento por morte do arrendatário deve ser considerada à luz da lei vigente à data do decesso do mesmo.
Cotejando as lei em vigor à data das mortes quer do pai da ré F………., ocorrida em 12.05.1962 – artºs 44º e 45º da Lei 20300, de 22 de Junho de 1948 – quer quer os artºs 110º e 1111º do C.Civil, este na sua redacção primitiva – é manifesto que, por regra a posição do arrendatário caduca por sua morte, no entanto, em ambas as situações, ocorre a transferência do direito ao arrendamento para o cônjugue sobrevivo do arrendatário, no 1º caso, e para os “parentes, ou afins da linha recta, preferindo os primeiros aos segundos, os descendentes aos ascendentes e os de grau mais próximo aos de grau ulterior”.
Sendo ainda que, segundo o nº3 do citado artº 1111º do C.Civil, a transmissão a favor dos parentes ou afins também se verifica por morte do cônjugue do arrendatário sobrevivo quando, nos termos da lei, lhe tenha sido transmitido o direito ao arrendamento.
Finalmente e como resulta das supra citadas disposições legais, nenhuma delas impõe que o cônjugue sobrevivo do arrendatário ou o parente ou afim a quem tenha sido transmitido o direito ao arrendamento deste, a realização de qualquer comunicação, e muito menos escrita, ao senhorio, do facto morte do arrendatário inicial ou transmissário do direito.
Uma tal imposição legal apenas surgiu com o nº5 da artº 1111º do C.Civil, na redacção dada pela lei 46/85, de 29.09.
Assim sendo, temos que nos caso dos autos, verificados que estão os requisitos de que a lei fazia depender a transmissão do direito ao arrendamento, é manifesto concluir que à data do falecimento de I………., a posição contratual de arrendatário transmitiu-se para o cônjugue sobrevivo daquele, S………. e que aquando do falecimento desta, esse mesmo direito se transmitiu para a ora ré F………. .
Deu-se assim uma transmissão/renovação automática ou “ope legis” do contrato de arrendamento em apreço, cfr. Ac. do STJ de 8.07.2003, in site da Procuradoria Distrital de Lisboa.
Improcedem assim as respectivas conclusões da apelante.
No entanto, sempre se dirá que não se pode considerar desconhecido do senhorio a ocorrência da morte quer do pai, quer da mãe da ré F………., já que resulta assente que os mesmos foram comunicados, oportunamente, primeiramente a Z………., então procurador da senhoria T………., e que recebia as respectivas rendas, e depois a Z……… (filho); sendo ainda que a ambos foi pedido que os recibos de rendas passassem a ser emitidos em nome dos novos inquilinos, tendo estes “retorquido que não valeria a pena, que poderia ficar assim, pois não haveria qualquer problema”. Donde, sem qualquer esforço, se tal se mostrasse necessário, poderíamos aqui identificar e qualificar a actuação da apelante como de manifesto abuso de direito, e retirar as devidas consequências legais.
Finalmente, sempre se dirá ainda que não assiste qualquer razão à apelante quando se insurge quanto ao facto de a ré F………. não ter vindo por via reconvencional pedir a declaração da sua posição de arrendatária.
Manifestamente resulta do acima exposto que a posição de arrendatária da ré resulta da própria lei e como tal a todos se impõe, sendo, por isso, totalmente inócuo, desnecessário e até impertinente impôr que a mesma viesse a tribunal pedir o reconhecimento de um direito que há muito lhe assiste por força da lei.
Pelo que também nesta parte improcedem as conclusões da pelante.
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No que respeita à 3ª questão, ou seja, saber se face aos factos assente nos autos se verifica relativamente à ré F………. o fundamento de resolução do contrato de arrendamento previsto na al. d) do nº1 do artº 64º do RAU.
Na verdade, na acção apensa (apenso E), a autora pede que se decrete a resolução do contrato de arrendamento celebrado com F………. porque, sem autorização escrita do senhorio, a ré substituiu as janelas de madeira do prédio por janelas de alumínio.
De acordo com a al. d) do nº 1 do artº 64º do RAU, o senhorio pode resolver o contrato se o arrendatário fizer no prédio, sem consentimento escrito do senhorio, obras que alterem substancialmente a sua estrutura externa ou a disposição interna das suas divisões, ou praticar actos que nele causem deteriorações consideráveis, igualmente não consentidas e que não possam justificar-se nos termos dos artigos 1043º do C. Civil ou 4º do RAU.
Esta disposição legal relaciona-se com a do artº 1038º, al. d) do C. Civil, segundo a qual é obrigação do locatário não fazer da coisa locada uma utilização imprudente, constituindo a sanção para a violação daquela obrigação.
Sem autorização por escrito do senhorio, não pode, pois, o arrendatário efectuar no prédio arrendado: a) obras que alterem substancialmente a estrutura externa; b) obras que alterem substancialmente a disposição interna das divisões; c) actos que injustificadamente causem deteriorações consideráveis, cfr. Aragão Seia, in “Arrendamento Urbano Anotado e Comentado”, pág. 345.
O termo substancialmente referido no citado preceito - al. d) do nº 1 do artº 64º do RAU – refere-se tanto à estrutura externa do prédio como à disposição interna das suas divisões, e deve ser tomado na acepção de consideravelmente, cfr. Aragão Seia, in obra citada. Ou seja, para que uma alteração seja substancial há-de ser profunda ou considerável, isto é, traduzir um grau de alteração que não tenha um significado relativamente pequeno, vide Ac. STJ de 7.07.99, in www.dgsi.pt.
A estrutura externa do prédio, (que está em causa nos autos), reporta-se à fisionomia do imóvel. A estrutura do prédio tem que ver com o seu aspecto e configuração e não com a sua resistência, a qual se refere à “segurança” do prédio, cfr. Ac. STJ de 14.01.97, in BMJ 463-571.
A alteração substancial da estrutura externa do prédio, como fundamento da resolução do contrato, consiste assim na modificação do essencial da sua fisionomia, configuração ou equilíbrio arquitectónico e tem de ser feita com carácter permanente, considerável ou vultuosa, mesmo que possua características de reparabilidade, cfr. Aragão Seia, in obra citada, pág. 347.
No caso dos autos alegou a autora que a ré F………., sem autorização escrita do senhorio, substituiu as janelas de madeira do prédio por janelas de alumínio.
Vendo a resposta negativa dada ao facto 73º da base instrutória, é manifesto que a autora/recorrente não logrou fazer prova da realidade de tal facto. Pelo que e sem necessidade de outros considerandos e de harmonia com o disposto no artº 342º nº1 do C.Civil, este seu pedido teve de improceder.
No entanto, alega agora a recorrente que aquando da elaboração da listagem dos factos assentes e da base instrutória dos autos ficou assente sob a alínea AB) que : Sem o consentimento escrito dos senhorios, a ré F………. substituiu as janelas de madeira do locado que ocupa, que se encontravam em muito bom estado de conservação, por janelas de alumínio e que posteriormente, sem “qualquer fundamentação de facto e de direito o tribunal “ a quo” eliminou aquele facto da matéria de facto assente considerado provado, em clara violação da lei, o que não podia fazer.”.
Refere-se a recorrente, de forma algo falaciosa, ao facto de no início da audiência de julgamento o mandatário das rés ter reclamado da organização da listagem dos factos assentes e da base instrutória, alegando que o facto ínsito na alínea AB) se encontrar controvertido e por tal razão dever ser eliminado e incluído na base instrutória, como era seu direito, por força do disposto no nº2 do artº 508º-B do C.P.Civil, na redacção anterior à que lhe foi dada pelo DL 38/2003, de 8.03 e que era aplicável aos autos, ou seja, permitindo-se, no caso, que as partes pudessem apresentar as suas reclamações no início da audiência final.
É certo que logo na ocasião, a autora/recorrente se opôs ao deferimento de tal reclamação, no entanto ela veio a ser atendida pelo tribunal conforme resulta do teor do despacho proferido a fls.1946 dos autos.
Asim e em conclusão nada há a apontar ao tribunal “a quo” ao ter julgado improcedente o pedido de resolução do contrato de arrendamento da ré F………. com fundamento na al. D) do nº1 do artº 64º do RAU.
Improcedem as respectivas conclusões da apelante.
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Vejamos a 4ª questão, ou seja, saber se face aos factos assente nos autos se verifica relativamente à ré C………., Ldª o fundamento de resolução do contrato de arrendamento previsto na als.b) e d) do nº1 do artº 64º do RAU.
Vejamos “de per si” cada um dos invocados fundamentos.
Com efeito, preceitua o art. 64º nº 1 al. b), do RAU, que o senhorio pode resolver o contrato se o arrendatário usar ou consentir que outrem use o prédio arrendado para fim ou ramo de negócio diverso daquele ou daqueles a que se destina.
Aliás a obrigação do arrendatário de não utilizar o prédio arrendado para fim diferente daquele a que se destina decorre já do artº 1038º al. c) do Ccivil, mostrando-se, pois, vedado ao arrendatário dar ao arrendado um destino diferente do acordado. E fazendo-o, viola o contrato de arrendamento e assiste ao senhorio o direito de o resolver.
Com interesse para a decisão da presente questão, estão assentes nos autos os seguintes factos:
Por escritura de 22 de Julho de 1941, P……….. deu de arrendamento a AH……….o r/c sito no ………., nºs .. a .., com frente também para os ………. e ………., sendo parte da frente destinada a comércio de comidas e bebidas e as traseiras a habitação.
Em 30 de Abril de 1942, o estabelecimento referido em E) foi feito novo arrendamento com Q………., destinado-se, desta feita, todo o locado ao comércio de bebidas - cfr. rectificação feita pela autora a fls. 174 do apenso F.
Em 11 de Janeiro de 1943, o estabelecimento referido em E) foi trespassado a AI………. .
Em 22 de Setembro de 1944, o mesmo foi trespassado a AJ………., Lda, e alterado o arrendamento, nomeadamente quanto ao seu destino casa de pasto.
Em 15 de Agosto de 1949, AJ………., Lda trespassou o estabelecimento a AK………. e o proprietário P………. deu de arrendamento o r/c sito no ………. nºs .. a .., com o destino de casa de pasto.
Em 4 de Abril de 1950, AK………., em liquidação de sociedade, adjudicou a AN………. a casa de pasto acima identificada.
Em 21 de Abril de 1960, AN………… trespassa a casa de pasto a AH………. .
Por escritura de 30/11/60, o AH………. trespassou o referido estabelecimento a AO………. .
Em 18 de Março de 1971, o AO………. trespassa o estabelecimento a AP………. .
Em 21 de Junho de 1974, AP………. trespassou o estabelecimento a C………., Ldª.
O inquilino C………., Lda passou (depreende-se dos factos provados que tal terá sucedido à data em que o mesmo instalou no locado uma chaminé para extracção de fumos e cheiros, o que ocorreu em data anterior a 6.02.1998) a exercer no arrendado a actividade de churrascaria.
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Na decisão recorrida entendeu-se que: “deve ter-se presente que segundo o Dicionário da Academia das Ciências (pag. 719, I VoI.) "casa de pasto" é um restaurante modesto que pratica preços módicos;ora, se assim é, tanto faz que venda iscas de figado como churrasco, sendo, por isso, absolutamente irrelevante o menu oferecido aos clientes. Diferente seria se o locatário alterasse o fim para um restaurante de luxo ou para uma tasca (se bem que agora algumas até são muito chiques!); além disso, nada se provou quanto à alteração do fim para Snack-Bar”, portanto julgou-se não provado o fundamento alegado.
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Importa ter em consideração que a alteração do ramo do negócio exercido e contratualmente estipulado pode revestir diferentes modalidades.
As mais evidentes, e que não suscitam quaisquer dúvidas quanto às respectivas consequências, são as que se consubstanciam numa alteração radical da actividade exercida.
Sobre tal escreveu o Conselheiro Pais de Sousa, citando um Acórdão da Relação do Porto, dizendo que que não há grande dificuldade em concluir pela verificação do fundamento de resolução em apreço, se o arrendatário passou a utilizar o prédio para um fim ou ramo de negócio absolutamente distinto do convencionado, havendo substituição total de um pelo outro (...) cfr. in “Anotações ao Regime do Arrendamento Urbano (R.A.U.)”, pág. 189.
Na nossa Jurisprudência têm-se vindo a avulumar decisões sobres estes casos mais difíceis, como o em apreço nestes autos, em que estando o locada arrendado para aí funcionar uma “ casa de pasto” aí passou a funcionar uma “churrascaria”, ou seja, casos em que o fim convencionado é idêntico ou muito semelhante ao efectivamente praticado no prédio locado, ou ainda casos em que o arrendatário usa o locado não só para a destinação convencionada, mas também para outra ou outras finalidades.
Destarte e para se poder concluir que o prédio arrendado está a ser usado para fim ou ramo de negócio diverso daquele a que se destina ou que foi convencionado, impõe-se, desde logo, que se determine com precisão, através da interpretação da declaração negocial, o fim ou ramo de comércio a que contratualmente o locado se destina.
Resulta assente dos autos que foi em 22.09.1944, que foi, contratualmente, alterado o contrato de arrendamento em apreço quanto ao seu destino casa de pasto, pois até o seu destino contratual era de comércio de bebidas.
Na sua definição normal, assim como na gíria comercial, “W……….” era à data daquela declaração contratual, um modesto restaurante que serve refeições a preços módicos, por isso destinado a pessoas mais humildes. Assim na “W……….” confeccionavam-se, serviam-se e consumiam-se refeições e vendiam-se bebidas para o respectivo acompanhamento.
Em 1944, manifestamente, não havia “churrascarias” como a que funciona no locado. Não era então este estabelecimento de restauração, hoje banal, conhecido, nem a actividade que é hoje neles desenvolvida reconhecida como actividade autónoma no seio do comércio da restauração.
Então vejamos se em 1998, data em que se julga que a ré passou a exercer no locado a actividade de “churrascaria”, e não de “W……….”, tal alteração se traduz na violação do fim do contrato gerando o direito potestativo da autora em resolver o contrato.
Vendo a legislação que regula a instalação, licenciamento e funcionamento dos estabelecimentos similares de hotelaria, ou seja, os de restauração e bebidas – DL 168/97 de 4.07 - que aprova o regime jurídico da instalação e do funcionamento dos estabelecimentos de restauração e de bebidas.
Segundo os nºs 1 a 4 do artº 1º e artº 23º e 24º do referido diploma legal os estabelecimentos de restauração e bebidas, independentemente da denominação que tenham, destacam-se pela confecção de refeições a serem consumidas no próprio estabelecimento e fora dele, enquanto que estes diferenciam-se pelas bebidas e serviços de cafetaria que proporcionam para consumo no estabelecimento ou fora dele.
O artº 1º nº5 do citado diploma legal remete para regulamento próprio os requisitos de instalação, classificação e funcionamento de cada um dos tipos de estabelecimentos referenciados. E na sequência, foi publicado o Decreto Regulamentar 38/97 de 29.09, posteriormente alterado pelo Decreto Regulamentar 4/99 de 1.04.
De harmonia com o disposto no artº 49º do citado DL, o regime previsto no mesmo aplica-se aos estabelecimentos de restauração e de bebidas existents à data da sua entrada em vigor. Sendo que esses estabelecimentos deveriam satisfazer os requisitos previstos para o respective tipo, de acordo com o presente diploma e o regulamento a que refere o nº 5 do artigo 1º, no prazo de dois anos a contar da data da entrada em vigor daquele regulamento, excepto quando esse cumprimento determinasse a realização de obras que se revelassem materialmente impossíveis ou que comprometam a rendibilidade do empreendimento, como tal reconhecidas pela Câmara Municipal.
E segundo o artº 38º nº 1 do Decreto Regulamentar 38/97, de 29.09, os estabelecimentos existentes que, à data da entrada em vigor desse diploma (26.09.97), estivessem classificados como restaurantes de 1ª, 2ª e 3ª categorias e casas de pasto ou como estabelecimentos de bebidas de 1ª, 2ª e 3ª categorias e tabernas deixavam de ter essas classificações, sendo apenas qualificados no tipo de estabelecimento que corresponder ao serviço que neles é prestado, nos termos do disposto do Decreto-Lei 168/97, de 4.07.
E de harmonia com o disposto no artº 39º desse diploma as entidades exploradoras dos estabelecimentos referidos no artigo 38 deviam, no prazo de seis meses a contar da data da entrada em vigor do presente diploma, alterar a respectiva placa identificativa, bem como a documentação utilizada em toda a actividade externa, designadamente na publicidade e correspondência.
Finalmente, segundo o art º1 do citado Decreto Regulamentar 38/97, os estabelecimentos de restauração podem usar a denominação «restaurante» ou qualquer outra que seja consagrada, nacional ou internacionalmente, pelos usos da actividade, nomeadamente «marisqueira», «casa de pasto», «pizzeria», «snack-bar», «self-service», «eat-driver» «take-away» ou «fast-food».
Destarte temos que por força da lei o fim contratual do arrendamento em apreço passou a enquadrar a categoria de estabelecimento de restauração qualificados no tipo de estabelecimento que corresponder ao serviço que neles é prestado, podendo usar a denominação de restaurante ou qualquer outra consagrada pelos usos da actividade, no caso, “churrascaria”.
E tem a ré legitimidade para denominar o seu estabelecimento de churrascaria, atento o serviço que nele presta, confeccionando confeccionando refeições para consumo interno ou para o cliente levar para casa, não violando o estabelecido contratualmente em 1944, ou seja, não alterou o fim convencionado sem autorização do senhorio.
Em conclusão, não se verifica o fundamento da resolução do contrato de arrendamento previsto no artº 64 nº 1 al. b) do R.A.U.
Improcedem nesta parte as conclusões da apelante.
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No que respeita ao fundamento de resolução do contrato de arrendamento previsto na al. d) do nº1 do artº 64º do RAU, segundo o qual o senhorio pode resolver o contrato se o arrendatário fizer no prédio, sem consentimento escrito do senhorio, obras que alterem substancialmente a sua estrutura externa ou a disposição interna das suas divisões, ou praticar actos que nele causem deteriorações consideráveis, igualmente não consentidas e que não possam justificar-se nos termos dos artigos 1043º do C. Civil ou
4º do RAU.
Dá-se aqui por reproduzido e integrado o que acima se deixou consignado a respeito deste fundamento de resolução do contrato de arrendamento aquando da decisão da 3ª questão colocada nesta apelação.
Com interesse para a decisão da questão em análise estão assentes nos autos os seguintes factos:
Em data anterior a 6 de Fevereiro de 1998, a ré C………., Lda. instalou uma chaminé para extracção de fumos e cheiros, dotada de motores, e, na parte de trás do locado, que ocupa, uma câmara frigorífica.
O arrendatário C………., Lda., sofreu, há menos de um ano em relação à data da propositura, um incêndio, que destruiu parcialmente o arrendado.
Reconstruiu-o sem licenciamento.
De um telhado de duas águas, sendo uma delas constituída por apenas três filas de telha, fez um telhado de uma água, tendo eliminado a água de três filas de telha.
Os tubos da chaminé referida em X) (1) só terminam 1,5 metros acima do último piso.
... e foi colocada sem o consentimento escrito dos senhorios,
... sempre foi do conhecimento dos senhorios a existência da chaminé.
A câmara frigorífica referida em X) (1) está dotada de potentes motores de compressão do gás, cuja descompressão produz frio.
Para além do permanente ruído, de dia e de noite, derivado ao funcionamento do motor e compressor, a operação de compressão de gás liberta calor.
A ré não obteve consentimento escrito dos senhorios para instalar a referida câmara frigorifica.
A chaminé e câmara frigorífica referidas em X) (1) ainda se encontram instaladas no locado.
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Vejamos a situação da câmara frigorifica colocada nas traseiras do locado, ocupando-o.
Está assente que tal equipamento está dotado de potentes motores de compressão do gás, cuja descompressão produz frio e para além do permanente ruído, de dia e de noite, que o funcionamento do motor e compressor produzem, a operação de compressão de gás liberta calor.
Ora, vendo o caso concreto, não resulta provado que a existência e funcionamento de tal equipamento nas traseiras do locado tenha causado nele quaisquer deteriorações consideráveis, não consentidas pelo senhorio, nem se provou que o mesmo seja susceptível de as vir a causar. Por outro lado, a colocação de tal equipamento num estabelecimento de restauração é manifestamente indispensável, pelo que a sua presença está perfeitamente justificada pela utilização do locado para o fim para que foi arrendado.
No que respeita à colocação de uma chaminé para extracção de fumos e cheiros, do interior do locado dotada de motores, cujos tubos exteriores, colocados nas traseiras do prédio, terminam 1,5 metros acima do último piso do prédio, como se pode ver pelas fotos juntas a fls.1573.
Consideramos que a colocação de uma tal chaminé num estabelecimento comercial de restauração – churrascaria – é essencial e indispensável para o funcionamento do mesmo dentro das condições impostas por lei, por razões de salubridade ambiental, quer no interior quer no exterior do estabelecimento. Assim sendo, a sua existência não só não altera substancialmente a estrutura externa do prédio, como se impõe à autora/apelante segundo os princípios da boa-fé contratual, por ser necessária ao desenvolvimento no locado da actividade para que foi arrendado.
Finalmente no que respeita à alteração da configuração do telhado do locado na sequência das obras de reconstrução que a ré aí levou a efeito na sequência do incêndio que nele ocorreu, sem o consentimento da autora/senhoria, não restam dúvidas que se trata de uma alteração da estrutura externa do imóvel.
No entanto, só a realização de obras no locado, sem o consentimento do senhorio, mesmo alterando a estrutura externa do prédio, só são fundamento de resolução do contrato de arrendamento, se essas alteração da estrutura externa for substancial.
Como refere Aragão Seia, in “Arrendamento Urbano Anotado e Comentado”, pág. 347, a alteração substancial da estrutura externa do prédio, como fundamento da resolução do contrato, consiste assim na modificação do essencial da sua fisionomia, configuração ou equilíbrio arquitectónico e tem de ser feita com carácter permanente, considerável ou vultuosa, mesmo que possua características de reparabilidade, cfr. Aragão Seia, in obra citada, pág. 347.
Visto que está assente que a ré apenas eliminou uma água do telhado composta por três filas de telhas, manifestamente não se pode considerar que tal alteração seja substancial.
Destarte, não se verifica o fundamento da resolução do contrato de arrendamento previsto no artº 64 nº 1 al. d) do R.A.U.
Improcedem nesta parte as conclusões da apelante.
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No que diz respeito à 5ª questão, afirma a autora/recorrente que: “A fls. 91 do Apenso B, vieram G………. e N………., ali exequentes, alegar que acordaram com a executada a entrega das chaves do arrendado, que a recorrente, ali executada, manifestou ter recebido daqueles a fls. 94 e, por isso, a fls. …-… de tal Apenso, o Tribunal proferiu sentença, que transitou em julgado, declarando extinta a instância por inutilidade superveniente da lide. Por isso, salvo melhor opinião, na sentença recorrida o Tribunal a quo cometeu erro de julgamento ao declarar procedente o pedido reconvencional deduzido por aqueles RR., G………. e N………., ali exequentes”.
È manifesto que recorrente lavra em manifesto erro.
Vendo a decisão recorrida não foi julgado procedente qualquer pedido reconvencional formulado por N………. .
O que resulta da decisão recorrida é que foram julgados procedentes os pedidos reconvencionais formulados pelas rés: D………., G………. e F………., e consequentemente foi a autora/recorrente condenada na realizacão das obras de reparação ou substituição dos telhados, beirais, caleiras, portas e janelas, por forma a impedir que nos locados respectivos se infiltrem águas pluviais, garantindo a habitabilidade dos mesmos.
No entanto e no que se refere à condenação da autora/recorrente no pedido reconvencional deduzido pela ré G………., resulta dos autos que a fls 382 a autora veio informar nos autos que entre outras, a referida ré lhe havia entregue as chaves da habitação que ocupava e consequentemente pediu que, relativamente a elas fosse a instância julgada extinta por inutilidade superveniente da lide.
Tal requerimento veio a ser deferido por despacho proferido a fls. 48, ou seja, foi a presente instância julgada extinta, por inutlidade superveniente da lide relativamente á ré G………. .
É certo que anteriormente a ré G………. ao contestar o pedido formulado pela autora deduziu contra ela pedido reconvencional, ou seja, pediu, em reconvenção que a autora fosse condenada na realização das obras de reparação ou substituição dos telhados, beirais, caleiras, portas e janelas, por forma a impedirem que no locado que ocupava se infiltrassem águas pluviais, garantindo assim a habitabilidade do mesmo.
Parece-nos óbvio que a partir da decisão que julgou a instância extinta relativamente à ré G………. deixou de ter qualquer interesse para a mesma o pedido reconvencional que havia deduzido. Na verdade, o interesse na eventual procedência do mesmo apenas se compreenderia se a referida ré se mantivesse a ocupar o respectivo locado.
No caso, aquele pedido reconvencional tinha a sua razão de ser e era indissociável ou estava dependente da qualidade de locatária da dita ré. Ora, tendo esta resolvido extrajudicialmente com a autora/recorrente o contrato de arrendamento e consequentemente feito a entrega do locado, tal facto, sem dúvida, obsta à continuação e apreciação do dito pedido reconvencional com qualquer utilidade. E é isto o que resulta do disposto no nº6 do artº 274º do C.P.Civil.
Pelo que, procedem, nesta parte, as respectivas conclusões da apelante, devendo revogar-se a decisão recorrida na parte em que julgou procedente o pedido reconvencional formulado pela ré G………., julgando-se o mesmo extinto por inutilidade superveniente da lide, cfr. artº 287º al. e) do C.P.Civil.
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Finalmente, vejamos a 6ª questão.
Em suma, alega a autora/recorrente que atento o estado actual do prédio, torna-se mais barato demolir o prédio e reconstruí-lo de acordo com as novas técnicas de construção com betão, utilizando portas e caixilharias estanques, vidros duplos, gás canalizado, instalações de comunicações e imagens, aquecimento e aspiração central, com qualidade e conforto muito superior ao que apenas é possível obter por reparação, como pretendem as arrendatárias habitacionais, permitindo dotar o prédio de compartimentos habitacionais com as dimensões mínimas exigidas pelo RGEU, o que se alcança sem o encarecimento da sua reconstrução e com a vantagem de, para o futuro, serem menores os custos de conservação e de reparação do prédio.
As rendas que a recorrente recebe mensalmente nesta data totalizam € 351,13, pagando de Imposto Municipal sobre Imóveis e de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, em média, o equivalente a dois meses de renda, tendo apenas um rendimento anual líquido do prédio de cerca de € 3.511,30.
Mais alega que as circunstâncias em que as partes fundaram decisão de contratar se alteraram de tal forma que impossibilitam a recorrente de cumprir com os contratos de arrendamento em causa. Pelo que deveria o Tribunal “a quo” ter declarado improcedente os pedidos reconvencionais de execução pela recorrente de obras de conservação e reparação extraordinárias, e ter decretado a perda da coisa locada, não só na parte do prédio que ardeu e que ilegalmente foi reconstruída pela ré C………., Ldª., como ainda quanto ao demais por causas naturais resultantes do decurso do tempo e da consequente fadiga dos materiais utilizados na construção do prédio.
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Dispõe o artº 1º do RAU., (aplicável a estes autos atenta a data em que foi proposta a presente acção) que “o arrendamento urbano é o contrato pelo qual uma das partes concede à outra o gozo temporário de um prédio urbano, no todo ou em parte, mediante retribuição”.
Segundo o artº 5º do RAU, o arrendamento urbano rege-se pelo disposto neste diploma e, no que não esteja em oposição com este, pelo regime geral da locação civil.
Ora, nos termos do artº 1031º al. b) do C. Civil é obrigação do locador assegurar ao locatário o gozo da coisa locada “para os fins a que a coisa se destina”.
A apelante invoca como fundamento do seu pedido de caducidade dos contratos
Este fundamento de caducidade do contrato de arrendamento é um afloramento do princípio geral da impossibilidade superveniente da prestação a que se reportam os artº 790º e segs. Do C.Civil.
A perda determinante da caducidade é a perda total. Se a perda for apenas parcial poderá haver uma redução da renda, cfr. artº 1040º do C.Civil, podendo o arrendatário resolver, por tal razão, o contrato, cfr. artº 1050º do C.Civil.
No caso concreto poderá ser discutível se a perda é total ou parcial, sendo que será segundo critérios de razoabilidade que se decerá aferir a situação.
No entanto, julgamos que a perda deverá considerar-se total quando, objectivamente, o locado tiver perdido as aptidões mínimas e necessárias para ser utilizado para o fim a que se destina.
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Com interesse para a decisão de questão em apreço estão assentes nos autos os seguintes factos:
A parte do prédio locada a L………. ameaça ruir a todo o momento, sendo muitas as infiltrações de água no seu interior.
Em virtude de o telhado dessa parte do prédio não ter qualquer viabilidade técnico-económica de reparação.
Sendo certo que as instalações eléctrica, de saneamento e de água há muito que atingiram o ponto de ruptura, sem quaisquer hipóteses de reparação.
Além do que, as paredes de tabique, os barrotes e os soalhos estão podres e carcomidos pelo bicho da madeira, tendo há muito excedido a sua durabilidade.
O estado actual do imóvel é o seguinte:
d) existem infiltrações várias a nível do telhado e clarabóia e consequente
degradação da estrutura de madeira da cobertura, escadas e vigas de suporte de pisos, sendo certo que a degradação da madeira relativa às escadas e vigas de suporte dos pisos é apenas parcial;
e) vigamento de madeira e soalho a denotar sinais evidentes de colapso,
apenas parciais, não se estendendo a todo o edificio;
f) paredes exteriores com sinais de degradação ao nível da sua
consistência, apenas em relação às paredes Norte Nascente e Sul, não se estendendo a todo o edificio, e somente no que se refere à argamassa de revestimento e respectiva capacidade de resistência e de impermeabilização.
O prédio em causa tem mais de cinquenta anos e nunca sofreu qualquer tipo de obras por parte dos senhorios, sendo este último facto a causa do estado que apresenta
Na construção do prédio utilizou-se argamassa à base de barro para construir as paredes exteriores, a qual, devido às infiltrações e ao tempo decorrido, perdeu a sua capacidade de resistência, apenas no que concerne às fachadas Norte, Nascente e Sul.
Também foi utilizada madeira de pinho na construção da estrutura do telhado, soalhos e paredes, tendo sido utilizada madeira de castanho e eucalipto em reparações recentes.
.... a qual, devido à acção do bicho da madeira e do tempo decorrido, na sua maioria, tem diminuída a sua capacidade de resistência, e, em situações pontuais, se encontra em risco de colapso.
À data da propositura da acção, as rendas dos réus que se mantém no prédio da apelante eram:
a) F………. - 3.195$00;
b) D………. - 8.088$00;
c) D………. - 39.708$00;
d) C………., Lda. - 34.050$00.
Há mais de 15 anos que os senhorios do prédio objecto destes autos não fazem nele qualquer obra.
E por causa disso, o prédio apresenta sinais de degradação, que se têm verificado progressivamente, em particular no que respeita ao sistema de impermeabilização de águas pluviais.
Carecendo de obras, nomeadamente e no essencial, de reparação do telhado, beirais e caleiras, e de impermeabilização das paredes, por forma a impedirem que no locado se infiltrem águas das chuvas.
Pois em consequência de tais infiltrações, os arrendados apresentam humidades e quando chove as infiltrações chegam mesmo a escorrer pelo interior das paredes e caindo pingas dos tectos.
Ao longo dos anos, as deficiências em causa chegaram ao conhecimento dos senhorios através de comunicação de D………. e F………. e por conhecimento directo.
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Atentos os factos assentes nos autos, dúvidas não nos restam de que o imóvel no seu todo, e não só as partes dele que se encontram locadas, se encontra em avançado estado de degradação, sendo que algumas partes que já não se encontram locadas apresentam risco de ruína parcial.
Sem esquecer que segundo o disposto no artº 1031º, alínea b) do C.Civil é obrigação do locador assegurar ao locatário o gozo da coisa para o fim a que se destina.
Segundo o Prof. Pereira Coelho, in “Arrendamento”, pág. 122: “O programa de prestação do senhorio reconduz-se a este núcleo fundamental: o senhorio deve proporcionar ao inquilino o gozo do prédio no âmbito e para os fins do contrato”. Assim, além de entregar ao locatário a coisa locada, “tem o senhorio uma obrigação positiva de manutenção do gozo, isto é, de assegurar o gozo do prédio ao inquilino”.
Daí que, como se entendeu no Ac. STJ de 25.11.1998, in BMJ 481-484, esteja o locador é obrigado a realizar todas as reparações ou outras despesas essenciais ou indispensáveis para assegurar o gozo da coisa locada, de harmonia com o fim contratual, quer se trate de pequenas ou de grandes reparações, quer a sua necessidade resulte do simples desgaste do tempo, de caso fortuito ou de facto de terceiro.
Ora, pode concluir-se que a situação em que o imóvel se encontra resulta do comportamento omissivo e até culposo do locador que, pelo menos, desde há 15 anos, não procedeu à realização de quaisquer obras de conservação do imóvel, designadamente da cobertura, o que permitiu a infiltração de águas pluviais, quer pelo telhado quer pelas pardes, que decerto constituíu uma das principais causas de degradação do edifício, não obstante ter sido alertado, por inquilinos, da existência de tais deficiências.
Como se escreveu na decisão recorrida, que subscrevemos, e aqui nos permitimos reproduzir: “(...) Tais factos apontam para um edifício com várias infiltrações de águas pluviais, com a consequente degradação dos elementos de construção em barro, gesso e madeira, bem como para uma situação de deterioração das instalações de abastecimento de água e electricidade.
Ora, um edifício neste estado não é um edifício perdido ou inadequado ao fim inerente ao contrato de arrendamento urbano; é, sem dúvida, um edifício em que as condições de habitabilidade são deficientes e oferecem risco para a saúde, em que o conforto é inexistente, no qual é necessário efectuar reparações para alteração de tal estado de coisas.
Mas, não foi demonstrada qualquer deficiência estrutural que ponha em risco a estabilidade da construção ou qualquer lacuna ou desaparecimento das suas partes componentes que impossibilite a habitação do mesmo - pelo menos na parte que aqui interessa.
Resulta igualmente do item 6) dos factos dados como provados que as obras ordenadas pela Câmara Municipal, salvo no que se refere à cobertura, não se referem a qualquer elemento estrutural do prédio, e são por tal entidade qualificadas como obras de reparação”.
Finalmente sempre se dirá que julgamos que a pretensão dos locatários/reconvintes na condenação da autora/apelante na realização de obras de reparação, consistentes na reparação ou substituição dos telhados, beirais, caleiras, portas e janelas, por forma a impedir que nos locados se infiltrem águas pluviais, garantindo a habitabilidade dos mesmos, não constitui abuso de direito, cfr. artº 334º do C.Civil.
Como se sabe o abuso de direito desdobra-se em quatro casos-tipo de aplicação do princípio da boa fé, ou seja, a proibição de consubstanciar, dolosamente, posições processuais, a proibição de «venire contra factum propprium», a proibição de abuso de poderes processuais e a neutralização ou «suppresio».
Atentos os factos assentes, é de concluir que foi o senhorio o causador da actual situação do imóvel ao negligenciar, ao longo de muito anos, a reparação do prédio, ao ponto de tornar os locados dos reconvintes com poucas condições de habitabilidade.
Nenhuma dos casos-tipo da figura do abuso de direito se pode configura na actuação das rés/reconvintes, sendo que até chegaram a avisar o senhorio da existência de infiltrações nos locados e da consequente degradação das condições de habitabilidade, indicando-lhe a necessidade de obras.
Agiram pois as reconvintes de boa fé, actuando ainda com diligência, zelo e lealdade face aos interesses da contraparte/senhorio.
Destarte, improcedem as respectivas conclusões da apelante.

IV – Pelo exposto acordam os Juizes que compõem esta secção cível em julgar a presente apelação, parcialmente, procedente, revogando apenas a decisão recorrida na parte em que julgou procedente o pedido reconvencional deduzido por G………., o qual se julga agora extinto, por inutilidade superveniente da lide, absolvendo a autora/apelante da respectiva instância reconvencional, com custas em 1ª instância pela reconvinte.
No mais confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.

Porto, 2008.09.09
Anabela Dias da Silva
Maria do Carmo Domingues
Eduardo Manuel B. Martins Rodrigues Pires