REGISTO COMERCIAL
CADUCIDADE
NOME DE ESTABELECIMENTO
Sumário

A acção de anulação de registo de nome de estabelecimento comercial deve ser proposta no prazo de um ano, nos termos do art. 287º nº 1 do Código Civil, sob pena de caducidade.

Texto Integral

Processo n.º 3366/08

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:


No Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, B………., Lda, intentou contra C………., Lda., acção de anulação de registo do nome de estabelecimento n.º 43 540 “D……….”, a favor da Ré. A acção foi apresentada em juízo, com data de 21 de Novembro de 2002.

A Ré contestou, defendeu-se, por excepção, invocando a caducidade do pedido de anulação do registo e do direito de prioridade. Defendeu-se, ainda, por impugnação.
Concluiu pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.

A Autora replicou, concluindo como na petição inicial.

Na fase do saneamento, foi proferida decisão que, julgando a acção procedente, declarou anulado o registo n.º 43.450, do nome de estabelecimento “D……….”, a favor da Ré.

Inconformada, a Ré apelou para esta Relação, terminando a sua alegação com as conclusões que, a seguir, se transcrevem:
1 - As acções de anulação de registo previstas nos n.º 3 e 4 do Art° 5° do D.L. 16/95 (C.P.I.) são apenas as de anulação de denominações sociais ou de firmas.
2 - A anulação do nome de estabelecimento não está contemplada naquelas disposições, pelo que o prazo para a respectiva propositura não é o ali referido (10 anos).
3 - O disposto no n. 5 do Art.° 214 do mesmo Código refere-se exclusivamente ao registo da marca, e não ao do nome do estabelecimento, não sendo aplicável a este.
4 - O prazo para a propositura da Acção de anulação de registo é de um ano, nos termos do disposto no Art° 287 do C.P.C..
5 - A presente acção foi proposta em prazo superior a um ano, tendo, por isso, caducado o alegado direito da Autora de pedir a anulação.
6 - A excepção de caducidade do pedido de anulação do registo, deduzida, deverá ser julgada procedente.
Sem prescindir,
7 - Não tendo a A. efectuado reclamação quanto à prioridade no prazo de 2 meses prevista no Art° 236 do C.P.I., nem tendo interposto recurso da decisão do Instituto Nacional de Propriedade, Industrial no prazo de 3 meses previsto no Art.° 38 do mesmo Código, caducou o direito de invocar a sua prioridade.
8 - O entendimento de que mesmo assim ainda é possível propor a acção de anulação de registo, esvazia por completo a regulamentação das reclamações e recursos previstos no CPI, confere uma latitude quase ilimitada à acção de anulação e põe em causa a certeza e segurança jurídicas.
9 - Esta excepção de caducidade deverá igualmente ser julgada procedente.
10 – A sentença recorrida violou, além do mais, o disposto nos arts. 10 e 287 do CC, 5, n.º 3 e 4, 214, n.º 5, 236 e 38 do CPI.

Nas contra-alegações, a parte contrária pugnou pela manutenção do julgado.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Na sentença recorrida, consideraram-se como provados estes factos:
1. O registo do nome de estabelecimento n.º 43.450 D………. da Ré foi concedido conforme Aviso publicado no BPI n.º 5/2001, de 25.05.
2. A Autora é requerente do pedido de registo do nome de estabelecimento n.º 43.631 D………. .
3. Conforme Aviso publicado no BPI n.º 11/1999, foi dada publicidade ao pedido de registo em 12.11.1999, do nome de estabelecimento n.º 43.540 D………., em nome da Ré.
4. No Aviso do pedido de registo vinha inclusa uma notificação dos serviços do INPI para que a requerente fizesse juntar ao processo, documento comprovativo de que a requerente possui o estabelecimento de modo efectivo e não fictício.
5. Este documento só foi junto pela requerente ao processo em 30.12.1999.
6. A Autora apresentou em 21.12.1999, o pedido de registo n.º 43.631 para o nome de estabelecimento D………., cfr. aviso publicado no BPI n.º 12/1999 de 31.03.2000.
7. Este pedido foi instruído com todos os documentos exigidos pelo CPI.

Delimitado o recurso pelas conclusões extraídas das alegações da recorrente (arts. 684, n.º 3 e 690, n.º 1 do CPC), entremos na apreciação da problemática em discussão.

Ao caso dos autos é aplicável o Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo DL n.º 16/95, de 24 de Janeiro, em face do disposto no art. 10 do DL n.º 36/2003, de 5 de Março. É um ponto pacífico. [1]

A uma primeira questão, no recurso, importa dar resposta:
Não tendo a Autora feito uso, quer da reclamação (para o que dispunha do prazo de dois meses, a contar da data da publicação do Boletim em que o pedido de registo foi inserido _ art. 236 do CPI de 1995, como os demais artigos a seguir citados sem menção de origem), quer do recurso do despacho do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (para o que dispunha, em princípio, do prazo de três meses a contar da data da publicação do mesmo no Boletim da Propriedade Industrial _ art. 39), poderia, ainda assim, socorrer-se da acção de anulação do registo?
Ao contrário da Recorrente, afigura-se-nos que a resposta correcta a esta questão é a positiva.
Nesta sede, vamos limitar-nos a subscrever a doutrina que já foi adoptada, quanto à marca _ no domínio do CPI de 1995 _, pelo Ac. do STJ de 26 de Janeiro de 1999, publicado no BMJ n.º 483, p. 248 e ss., em cujo Sumário, esclarecidamente, se afirma que:
“I _ Há dois meios legais de atacar o registo de uma marca: ou através do recurso do respectivo despacho para o tribunal ou através da acção de anulação.
II _ A lei não impõe a utilização deste ou daquele meio, deixando ao critério de quem tiver interesse directo em atacar a concessão a escolha do processo a utilizar, escolha essa que não está sujeita a qualquer condição que não seja a observância de prazos de propositura diferentes, conforme se opte pelo recurso ou pela acção”. [2]

A questão, de maior delicadeza, a responder _ sobre a qual, não vimos jurisprudência publicada _é outra: a de averiguar qual é, no âmbito de aplicação do CPI de 1995, o prazo de propositura da acção de anulação do registo do nome de estabelecimento, uma vez que o regime particular relativo ao nome e insígnia de estabelecimento (Capítulo VI, do Título II) não contém uma regra que o defina.

Na sentença, julgou-se que esse prazo é o de 10 anos, invocando-se, para tal, as disposições dos arts. 5, n.º 4 e 214, n.º 5 (que a Recorrida, também, invocou, por analogia).

Dispõe o art. 5, n.º 4, que “as acções de anulação decorrentes do disposto no número anterior, só são admissíveis no prazo máximo de 10 anos a contar da constituição da sociedade, salvo se forem propostas pelo Ministério Público”.
Esta disposição refere-se, contudo, apenas, ás acções de anulação de denominações sociais ou firmas confundíveis com os registos de marca, denominações de origem, nomes e insígnias de estabelecimento.

Dispõe, por sua vez, o art. 214, n.º 5, que “as acções de anulação poderão ser propostas dentro do prazo de 10 anos a contar do despacho de concessão do registo, …”.
Insere-se esta disposição no regime particular de propriedade industrial relativo à marca (capítulo IV do Título II).
Argumenta-se, em especial, no sentido da aplicação desta norma por analogia à hipótese do prazo de propositura da acção de anulação do registo do nome, com a “coerência da lei”, ao remeter, por exemplo, nos arts. 231, n.º 1, al. e) (sobre “excepções à protecção” do nome e insígnia) e 268, n.º 2 (sobre a “violação de direitos de nome e insígnia”), para o regime da marca.
Acrescentando-se que esse prazo de 10 anos veio a ser o estabelecido, no CPI de 2003, agora, também, para o nome e insígnia de estabelecimento (art. 266, n.º 4) e para as denominações de origem e indicações geográficas (art. 314, n.º 2).

Cremos, porém, e apesar de estarmos num terreno propício ao surgimento das mais variadas dúvidas, não ser esse o melhor entendimento.

Como sabemos, nome de estabelecimento é o sinal nominativo que designa ou individualiza um estabelecimento, visando essencialmente distingui-lo de estabelecimento(s) de tipo idêntico ou similar pertencente(s) a outro(s) titular(es) _ (a definição é de Jorge Manuel Coutinho de Abreu). [3]
Nome e insígnia de estabelecimento são ambos sinais distintivos de empresas. [4]
Incluem-se no grupo dos chamados “sinais distintivos de comércio”, de que fazem parte, também, as marcas, denominações de origem e indicações geográficas, recompensas (sinais distintivos de produtos), além das firmas e denominações (sinais distintivos dos comerciantes e outros sujeitos).
O estudo científico dos sinais distintivos de comércio cabe ao chamado “direito industrial” ou “direito da propriedade industrial”, no âmbito do direito comercial.
Entre os sinais distintivos, a marca é, sem dúvida, o mais importante, sucedendo que várias das normas do correspondente regime jurídico são aplicáveis, por remissão, aos demais sinais distintivos. [5]

Se analisarmos, um por um, todos os regimes jurídicos dos direitos de propriedade industrial, constantes do CPI, verificamos que só em relação á marca existe uma norma que especialmente preveja um prazo para a propositura da acção de anulação: o citado art. 214, n.º 5 (preceito, para o qual, nenhum dos outros regimes particulares de propriedade industrial faz remissão). [6]

A acção de anulação dos títulos de propriedade industrial encontra-se prevista na Parte Geral do Código (no art. 34, Capítulo IV, dedicado à “extinção dos direitos de propriedade industrial”).
Este artigo não contém qualquer prazo para a arguição da anulabilidade. [7]

Não obstante, julgamos não se estar, aqui, perante uma verdadeira lacuna (cfr. art. 10 do Cód. Civil).
Na verdade, para se poder falar de uma lacuna era preciso que não houvesse disposição que se aplicasse directamente á matéria em causa, que não houvesse direito subsidiário.
E essa disposição existe, no Direito Civil (regime comum), a respeito da anulabilidade: o art. 287, n.º 1, do Código Civil, que estabelece o prazo de um ano para o exercício do direito de acção. [8]/[9]/[10]/[11]

No caso dos autos:
Considerando que o despacho de concessão do registo do nome de estabelecimento “D……….” a favor da Ré foi publicado no Boletim da Propriedade Industrial, em apêndice ao Diário da República de 30 de Agosto de 2001.
Considerando o disposto no art. 29, n.º 1, no qual se prescreve que “os actos que devem publicar-se, nos termos do presente diploma, serão levados ao conhecimento das partes e do público por meio da sua inserção no Boletim da Propriedade Industrial”.
Chegamos à conclusão de que, dado o prazo previsto no art. 287, n.º 1 do Cód. Civil, à data da propositura da acção de anulação, já havia caducado o direito de acção.

Decisão:
Com os fundamentos expostos, acorda-se em, na procedência da apelação, revogar a decisão recorrida, declarando a acção improcedente e absolvendo a Ré C………., Lda. do pedido.
Custas, em ambas as instâncias, a cargo da parte vencida.

Porto, 13 de Outubro de 2008
Joaquim Matias de Carvalho Marques Pereira
Manuel José Caimoto Jácome
Carlos Alberto Macedo Domingues

__________________
[1] O CPI de 2003 sofreu, entretanto, as alterações introduzidas pelo DL n.º 143/2008, DR 143 Série I de 2008-07-25.
[2] No mesmo sentido, já se havia pronunciado o Ac. da RL de 17 de Fevereiro de 1994, publicado na CJ Ano XIX, Tomo I, p. 129, na esteira da doutrina sustentada na RLJ 84-263. Pode ver-se, também, o CPI de 1940 anotado, 4.ª ed., p. 151, do Ex.m.º Senhor Conselheiro Ruy de Matos Corte Real.
[3] Curso de Direito Comercial, volume I, 6.ª ed., p. 340.
[4] Entre estes, é também, geralmente, referenciado o logótipo. Cfr. porém, Coutinho de Abreu, obra citada, p. 409.
[5] Cfr. Luís M. Couto Gonçalves, Manual de Direito Industrial, p. 33.
[6] Como aludimos já, o CPI de 2003 ampliou o leque de casos em que se estabelece especialmente um prazo de propositura de acção de anulação, fazendo-o, não só no regime da marca, mas também, ao tratar do nome e insígnia, e das denominações de origem e indicações geográficas.
[7] O mesmo acontece no correspondente art. 34 do CPI de 2003.
[8] Escreve Luís Alberto de Carvalho Fernandes, no seu estudo “A Nova Disciplina das Invalidades dos Direitos Industriais, in Direito Industrial, vol. IV, p. 80, que:
“Não se contém, no art. 34, como já não se continha no artigo correspondente do Código de 1995, qualquer norma, paralela da do n.º 2 do art. 33, sobre o prazo de arguição da anulabilidade.
Assim, no plano geral em que ora nos situamos, entendemos dever recorrer-se ao regime comum do art. 287, n.º 1 do Código Civil, aplicado correspondentemente. Daí resulta ser tal prazo, em regra, de um ano, contado do momento em que a pessoa com legitimidade para invocar a anulabilidade tem conhecimento da causa em que ela se funda”.
[9] Sobre a analogia e a lei comercial, v. José de Oliveira Ascenção, Direito Comercial, volume I, p. 41 e ss.
[10] Conforme António Menezes Cordeiro, Manual de Direito Comercial, 2.ª ed., p. 151, a matéria da propriedade industrial, embora postule diversas regras administrativas, é “visceralmente privada”.
[11] É o próprio Código Civil a estabelecer, no art. 1303, n.º 2, que são subsidiariamente aplicáveis ao regime dos direitos de propriedade industrial as disposições do mesmo Código, “quando se harmonizem com a natureza daqueles direitos e não contrariem o regime para eles especialmente estabelecido”.