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UNIÃO DE CONTRATOS
UNILATERAL
BILATERAL
Sumário
I – A união de contratos pode ser unilateral ou bilateral: bilateral, se os contratos dependerem reciprocamente uns dos outros; unilateral, se essa dependência foi querida num só sentido, em termos de só algum ou alguns dos contratos dependerem de outro. II – É comummente aceite que, concluindo-se pela existência de conexão dos contratos em termos de unidade económica, justifica-se que, na medida em que essa conexão corresponda à vontade negocial das partes contratantes, as vicissitudes de um dos contratos se reflicta no outro e que dessa união possam ser extraídas consequências jurídicas que vão além do que resultaria em face da autonomia de cada um dos contratos.
Texto Integral
APELAÇÃO Nº 2816/08-3
Juizos de Execução do Porto
1º juízo/3ª secção
Proc. nº ……./05.6YYPRT-A
ACORDAM NA SECÇÃO CIVEL DESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO
B………….. e mulher,
C……………..,
opuseram embargos de executado na Execução Comum que lhes moveu
D……………, S.A.
Como fundamento invocam:
- Que a embargada deveria ter accionado o seguro contratualizado para garantir o pagamento das prestações referentes ao crédito;
- Que o preenchimento abusivo da livrança dada à execução;
- Que a mesma foi subscrita e entregue pelos embargantes como caução ou garantia do contrato de crédito celebrado com o embargado, o qual, porque enferma de nulidades várias (que alegam) implica por sua vez a nulidade da livrança em causa;
- Que, uma vez que o crédito foi concedido para financiar o pagamento de um bem vendido por terceiro, e existiu colaboração entre credor e vendedor na preparação e execução do contrato, a invalidade do contrato de crédito, nos termos que alega, acarreta a validade do contrato de compra e venda referido.
Concluiram por isso sustentando que os embargos deveriam ser tido como procedentes.
Contestou o embargado D……………, S.A. por impugnação, e por execpção, onde, para além do mais, sustenta a autonomia entre os contratos de crédito e seguro referidos pelos embargantes.
Decorrida a normal tramitação, fixada a matéria de facto, foi proferida sentença na qual se considerou que a factualidade comprovada permitia concluir pela responsabilização da seguradora pelo pagamento das prestações bancárias decorrentes do contrato de crédito celebrado, e que havendo uma dependência entre os dois cntratos – o de crédito e o de seguros – essa objecção era oponível ao embargado, concluindo por isso ter sido abusivo o preenchimento da livrança dada em garantia, decidindo, com esse fundamento, procedentes os embargos.
Recorre o embargado D…………., S.A., alegando e cncluindo:
1a O Tribunal "a que" julgou procedente a oposição à execução dos executados/apelados por haver considerado a existência de coligação entre o contrato de crédito ao consumo e o contrato de seguro nele reportado, na sequência do que decidiu que o não pagamento das prestações vincendas em dívida à data do sinistro pela seguradora é oponível à exequente e, por isso, por força da cláusula 15a das condições gerais do contrato de crédito (fls. 8 dos autos), aquando do sinistro, as prestações vincendas em dívida do contrato ficaram integralmente pagas, de onde concluiu pelo preenchimento abusivo da livrança por parte da exequente.
2a A matéria de facto com relevo para a decisão do presente recurso e na qual se louvou a 1 a instância é a indicada nos pontos 1 a 22, 27 a 30, 38 e 39 sob o título "A matéria de facto" da douta sentença.
3a A Mma. Juiz da 1 a instância acompanhou muito de perto a doutrina expendida pelo Prof. Fernando de Gravato Morais, na sua obra "Contratos de Crédito ao Consumo", Almedina, Março de 2007 a qual assenta no facto de o contrato de seguro estar intimamente condicionado ao contrato de crédito.
4a Salvo o devido respeito, entendemos que o caso dos autos não se encaixa na teoria desenvolvida pelo Ilustre Professor e que serviu de base à douta decisão em recurso.
5a No caso em discussão estam os perante dois contratos distintos, o de crédito e o de seguro, o primeiro celebrado entre a exequente mutuante e os executados mutuários e o segundo entre a seguradora e os executados.
6a O contrato de seguro de grupo fls. 170 e ss. só se materializou individualmente nos executados por virtude da celebração do contrato de crédito e da emissão do certificado de seguro de fls. 127 dos autos
7a Daí que entre o contrato de crédito e o contrato de seguro em causa nestes autos exista uma ligação funcional, já que o contrato de seguro só existe por causa da celebração do contrato de crédito, ou seja, o contrato de seguro está dependente do contrato de crédito.
8a Mas, já a existência do contrato de crédito não depende da existência do contrato de seguro, porquanto nenhum fado provado permite concluir que no quadro do contrato de crédito de fls. 8 se possa concluir que este só seria celebrado se e no caso de ser celebrado o contrato de seguro, ou seja, que o crédito só seria concedido se o seguro de vida fosse feito, ou, por outras palavras, que o contrato de seguro fosse uma condição para a conclusão do contrato de crédito.
9a Estamos, por isso, no momento da celebração do contrato de crédito de fls. 8 dos autos, perante uma união de contratos no qual o contrato de seguro estava vinculado ao contrato de crédito, mas este já não estava vinculado ao primeiro.
10a Trata-se de um vínculo unilateral entre os dois corrratos e não de um vínculo bilateral, constituindo este a matriz de toda a estrutura da doutrina defendida pelo Prof. Fernando Gravato de Morais na sua obra já referida e que foi o suporte para a fundamentação e decisão da 1a instância, que, por isso, entendemos ser errada.
11a Incumbia aos executados insurgir-se contra a decisão da seguradora no prazo legal previsto no art° 498° CCivil (3 anos após a decisão).
12a Ao contrário do decidido na 1a instância, entendemos ser óbvia a ausência de abuso da exequente no preenchimento da livrança em execução, que agiu no integral cumprimento do contratado "inter partes" que consta do doc. de fls. 8 dos autos.
13a Os executados optaram pela via mais cómoda de deixar de pagar as prestações do mútuo contratado, sendo que a sentença em sindicância premeia a ausência de diligência e de boa fé dos mutuários exigível a qualquer homem médio quer na formação dos contratos, quer no cumprimento das obrigações, previstos, entre outros, nos art°s 226°, 334° e 762° CCivil.
14a O princípio basilar da aplicação da justiça em conformidade com a prova produzida previsto nos art° 264°, 2. e 664° CPCivil foi violado.
15a Sem prescindir, quando muito, seria admissível que a Mma. Juiz "a quo", no cumprimento do seu dever de resolver todas as questões que as partes submeteram à sua apreciação segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito (art°s 511° e 660°, 2. CPCivil), no uso dos poderes que lhe são conferidos pelo art° 650°, 1. e 2. f) e 653° CPCivil) houvesse determinado a ampliação da matéria da base instrutória, de forma a nela passar a constar factos que permitissem concluir pela vinculação bilateral entre os contratos de crédito e de seguro, nomeadamente, que na data da celebração do contrato a exequente impôs aos executados a celebração do contrato de seguro e que o contrato de crédito não seria celebrado se o contrato de sejuro não o fosse.
16a A ampliação da matéria de facto para os efeitos referidos pode ser ordenada por este Venerando Tribunal em face do disposto no art° 712°, 4. CPCivil, repetindo-se o julgamento para o efeito.
17a Foram violados os comandos insertos nas disposições legais que fomos indicando.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença da 1 a instância, que deve ser substituída por outra que declare a improcedência da oposição à execução ou, sem prescindir, que ordene a ampliação da matéria de facto, baixando os autos à 1 a instância para o respectivo julgamento.
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Contra-alegarm os embargantes/recorridos sustentando o bem fundado da decisão recorrida.
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Remetidos os autos a este tribunal da Relação, colhidos os vistos, cumpre decidir.
O âmbito do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões das correspondentes alegações – art.º 684º, nº 1 e 3 e art.º 690°, nos 1, ambos do CPC – não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso.
Assim, as questões submetidas à apreciação deste tribunal reconduz-se a saber:
I – Se dos elementos existentes nos autos, e dos factos neles dados como provados, resulta que entre o contrato de crédito e o contrato de seguro celebrados pelos embargantes existe uma dependência unilateral, do contrato de seguro em relação ao contrato de crédito, mas não já uma dependência deste em relação aquele;
II – Se em função disso deve concluir-se pela inexistência de preenchimento abusivo da livrança que serve de título à execução.
III – Necessidade de ampliação da matéria de facto com vista à indagação da vontade dos contraentes no que concerne à depnedência entre os dois contratos – o de crédito e o contrato de seguro.
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A matéria de facto é a que consta da sentença recorrida, para a qual se remete , nos termos do dispost no artº 713º, nº 6 do CPC.
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Quanto às questões sucitadas.
I – Da coligação ou união de contratos.
A união ou coligação de contratos é reflexo da autonomia da vontade no domínio das relações contratuais. A partes são livres de, na conformação da suas relações contratuais celebrarem entre si contratos com total autonomia entre si ou de quererem tais contratos como um conjunto, um todo económico, estabelecendo entre eles uma dependência que pode ser unilateral ou blateral.
Será bilateral dse os contratos dependerem recíprocamente uns dos outros. Unilateral se essa dependência foi querida num só sentido em termos de só algum ou alguns dos contratos, dependerem de outro.
E porqe se está no domínio das relações contratuais é com recurso às regas da interpretação da vontade negocial – artº 236º a 239º do CC que haverá de apurar-se a existência ou não dessa dependência.
Em termos de interpretação da vontade negocial, haverá de atentar-se, no caso dos autos, ao disposto no regime jurídico das cláusulas contratuais gerais , regulamentado no DL 446/85 de 25/10, uma vez que, como se refere na sentença recorrida, estamos no domínio dos contratos de adesão, já que se trata de contratos cujas cláusulas se mostram pré-elaboradas, sem a intervenção do contraente aderente, que se limita a subscervê-las ou aceitá-las – artº 1º, nº1 do DL 446/85 de 25 de Outubro . E assim sendo, no caso de haverem cláusulas que comportem mais do que um sentido – cláusulas ambíguas – prevelecerá na dúvida o sentido mais favorávbel ao aderente – artº 13º do referido DL 446/85 de 25/10.
A situação que se analisa nos autos, consubstancia uma das várias formas de o financiador, no momento da contratação de crédito ao consumo, se acautelar contra situações de eventual inadimplamento do contraente devedor. A imposição, como mero “efeito” da aceitação do contrato de crédito, do acordo sobre um contrato de seguro, préviamente contratualizado pela financiadora, com a duração correspondente ao período de vigência do contrato de crédito.
A aceitação do referido contrato de seguro surge como condição para a celebração do contrato de crédito, e claramente dele dependente, na sua génese e duração.
Beneficiando o devedor, e como tal apresentado – no caso dos autos em face do consignado na cláusula 15ª -a) das Condições Gerais - visa essencialmente acautelar o financiador contra situações de inadimplamento motivadas por morte ou incapacidade absoluta e definitiva para o trabalho.
Há assim um evidente ligação entre os dois contratos, o de crédito e o de seguro.
Considerou o Sr. Juiz a quo existirem elementos demonstrativos da união de contratos. E sublinha como evidenciadores dessa situação, os seguintes elementos:
- os executados não escolheram a seguradora, que foi eleita pelo recorrente/credor, que com ele acelebou um seguro de Grupo;
- entre a entidade seguradora e a embargada/recorrrente existe uma relação de colaboração mútua, que se evidencia no facto de esta recepcionar correspondência dos embragantes/recorridos para a seguradora (carta de fls. 9) e da resposta desta ( carta de fls. 61 );
Este argumentos colhem efectivo apoio factual nos elementos para que remetem, e são de facto evidenciadores de que o contrato de crédito e de seguro foram encarados pelos contratantes, no momento da sua formação, como uma unidade económica.
E são manifestamente evidenciadores de que se pretendeu prolongar durante a vigência dos contratos, essa conexão em termos de dependência do contrato de seguro em relação ao contrato de crédito, como de forma expressa se refere aliás na mecionada cláusula 15ª, ao fazer a vigência e duração do contrato de seguro à vigência e duração do contrato de crédito. Para além de que o contrato de crédito surge como a razão de ser do contrato de seguro.
A união de contratos pode ter sido querida enquanto dependência recíproca, de vários contratos entre si, ou apenas de um dos contratos em relação ao outro , ou outros. A união de contratos pode ser unilateral ou bilateral. E as consequências jurídicas, os efeitos decorrentes da união de contratos serão assim necessáriamente diferentes, numa ou noutra situação.
Com efeito é comumente aceite que, concluindo-se pela existência de conexão dos contratos em termos de unidade económica, justifica-se que, na medida em que essa conexção corresponda à vontade negocial das partes contrtantes, as vicissitude de um dos contratos de reflicta no outro,e que dessa união posser extraidas conquências jurídicas que vão além do que resultaria em face da autonomia de cada um dos contratos.
Importa averiguar, em face dos elementos existentes, se a vontade das partes foi considerar os dois contratos numa relação de recíproca dependência, de tal forma que não poderia, sem violação da vontade das partes, considerar um sem o outro, ou se revelam uma forma de dependência apenas unilateral, do contrato de seguro ao contrato de crédito.
Argumenta-se na sentença recorrida com relevo a esse propósito, que resulta das condições pré-contratuais, ter a exequente criado nos ora recorridos a expectativa da validade e eficácia do contrato de seguro. Nada vem no entanto concretizado que, em termos dos elementos existentes nos autos, sustente essa afirmação.
Os elementos relevantes para além dos que se referem aos contratos celebrados, são apenas o que se refere ao facto de os recorridos nunca terem tido qualquer contacto com a seguradora com vista à celebração do contrato de seguro.
Destes factos evidencia-se o que já se deixou referiddo, ou seja, a intenção contratualmente expressa de considerar o contrato de seguro enquanto dependente e subordinado ao contrato de crédito.
A génese dos contratos apenas permite concluir que tudo se passou conforme é usual nestas situações , ou seja, o contrato de seguro é imposto como condição para a celebração do contrato de crédito, e para assegurar a restituição do dinheiro emprestado. Ou seja, que no momento da celebração dos contratos eles surgem numa relação de recíproca dependência. A sua proposta é feita em conjunto, e é exigida a sua aceitação em conjunto.
No entanto toda a demais regulamentação expressa nos contratos celebrados aponta para que a partir daí o contrato de crédito readquira a sua autonomia em relação ao contrato de seguro, diferentemente deste, que é regulado como dependendo, na sua vigência e duração, daquele outro.
É manifesto que se fosse outra a intenção, se as partes tivessem em mente fazer depender a continuação do contrato de crédito da validade do contrato do seguro, não deixariam de prever-se isso mesmo, em termos idênticos aos que se previram na cláusula 15ª (alínea a) das “Condições Gerais”, quando faz depender a manutenção do contrato de seguro da vigência do contrato de crédito, condicionando a duração daquele à duração deste.
Não se verificando isso, e na ausência de outros factos provados que relevem para a aferição de qual foi a vontade contratual das partes, haverá que atender às regras normais em termos de interpretação das declarações negociais que, nos negócios jurídicos formais dispõem que não pode ser aceite como válida qualquer interpretação que não tenha no texto escrito um mínimo de correspondência – artº 238º do CC.
Acresce que o próprio contrato prevê situações em que o seguro não cobre o risco de incumprimento (por não estarem verificadas as condições que nessa cláusula condicionam a validade do contrato de seguro de que o aderente também beneficia) do que se infere que, se a adesão ao contrato de seguro, é tida como condição da celebração do contrato de crédito, a manutenção da sua validade não é condição para a validade do contrato de crédito.
Assim o que os elementos dos autos reflectem é a dependência recíproca verificada no momento da celebração dos dois contratos, dependência que a partir daí se quis como apenas unilateral, do contrato de seguro em relação ao contrato de crédito, e já não já deste em relação aquele. Como refere Fernando de Gravato Morais na obra citada na sentença recorrida (1) a conexão entre os dois contratos, o de crédito e o de seguro faz com que as vicissitudes do contrato se repercutam num único sentido,ou seja, as vicissitudes do contrato de crédito repercutem-se no contrato de seguro, não se verificando o inverso.E por isso que se deva reconhecer a razão que assiste ao recorrente.
Nada legitima por isso que se deva concluir, como se concluiu na sentença recorrida, no sentido de que as razões que seriam oponíveis à seguradora, para ter como injustificada a recusa da sua substituição aos recorridos no pagamnto das prestações relativas ao empréstimo contraído, deveriam ser oponíveis à entidade que concedeu o empréstimo, para justificar o não pagamento das prestações que esta reivindica.
II – Isto dito. A livrança dada à execução, e subjacente ao contrato de crédito referenciado nos autos, visava garantir o cumprimento do contrato (21 e 25), como aliás expressamente o prevê o artº 11º do DL 359/91, e foi assinada em branco. Para além da não procedência das razões da seguradora para suportar o pagamento das prestações do crédito contraído, nada mais vem alegado que sustente o prrenchimento abusivo da livrança., pelo que deve proceder o recurso.
TERMOS EM QUE, ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO EM CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, E REVOGANDO A SENTENÇA RECORRIDA, CONSIDERAM OS EMBARGOS COMO IMPROCEDENTES.
Custas pelos recorridos.
Porto, 23 de Outubro de 2008
Evaristo José Freitas Vieira
Manuel Lopes Madeira Pinto
Carlos Jorge Ferreira Portela