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FALTA DE CITAÇÃO
SANAÇÃO
Sumário
O pagamento das custas, pelo R., no final da acção declarativa, sem arguir a falta da sua citação, não constitui “intervenção no processo” para, através dela, se considerar sanada a correspondente nulidade.
Texto Integral
Apelação nº 5621/08 – 3ª Secção
Rel. F. Pinto de Almeida (R. 1098)
Adj. Des. Teles de Menezes; Des. Mário Fernandes
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I.
B………………. veio deduzir oposição à acção executiva contra si intentada por C…………… e D…………….., para pagamento da quantia total de € 4 273,81.
Como fundamento, alegou que:
- a prestação exequenda é inexigível, posto que procedeu ao pagamento das rendas vencidas até ao termo do contrato de arrendamento, e à entrega do locado, que ocorreu em 31-01-2003;
- não foi citada na acção declarativa onde foi proferida a sentença dada à execução;
- pagou as custas devidas em tal processo para evitar a penhora de bens para seu pagamento, sendo que desconhecia o seu fundamento.
Os requeridos deduziram a contestação, pugnando pela improcedência da oposição.
Conhecendo do mérito no despacho saneador, o Sr. Juiz julgou a oposição improcedente, com base, essencialmente, em duas ordens de razões:
- por um lado, fundando-se a execução em sentença, a oposição teria de basear-se num dos fundamentos previstos no art. 814º do CPC, o que não sucede no caso (a extinção da obrigação exequenda decorreria de factualidade anterior à própria propositura da acção declarativa);
- por outro lado, a opoente não pode opor-se à execução com o fundamento na falta de citação no procedimento declarativo já que, a ter-se verificado, terá sido sanada com a sua intervenção processual pagando as custas e não a arguindo.
Discordando desta decisão, dela interpôs recurso a opoente, de apelação, suscitando, no essencial, estas questões:
- falta ou nulidade da citação na acção declarativa;
- se tal falta ou nulidade da citação foi sanada, sendo o desconhecimento do processo, invocado pela opoente, irrelevante.
Os exequentes prescindiram de prazo para contra-alegar.
Após os vistos legais, cumpre decidir.
II.
Questões a resolver:
Tendo em atenção o teor da decisão recorrida, trata-se tão só de decidir se – admitindo-se que ocorre no caso falta ou nulidade da citação – esta deve ser considerada sanada pela intervenção da opoente na acção declarativa sem arguir desde logo tal nulidade.
III.
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
1. Foi dada à execução, destinada à cobrança de € 4.273,81, a sentença proferida no dia 02-03-2004, constante de fls. 37 e ss. dos autos principais, notificada às partes por carta registada no dia 04-03-2004, no qual se decidiu, além do mais, na ausência de contestação, a condenação da aqui requerente, a pagar aos requeridos, a título de rendas vencidas desde Janeiro de 2003 até à respectiva data, pelo arrendamento dos locados, a quantia de € 3.741,00, acrescidas das rendas vincendas até efectiva entrega dos mesmos, e da quantia de € 532,81, respeitante a prestações de condomínio devidas e não pagas até à data de interposição da acção bem como a quantia respeitante às prestações vencidas desde então até à data do trânsito em julgado da sentença;
2. A sentença referida em 1, transitou em julgado;
3. Em tal procedimento, a requerente foi citada por via postal, tendo sido a respectiva carta remetida para a Rua ……., ….., Gandra, Paredes, e entregue a E…………, o mais tardar, no dia 07-10-2003 - cfr. fls. 34 dos autos de acção declarativa;
4. Após, foi remetida carta à requerente, dirigida à morada referida em 3, em cumprimento do art. 241° do CPC - cfr. fls. 35 dos autos de acção declarativa;
5. No dia 04-07-2006, a requerente procedeu ao pagamento de custas devidas no processo declarativo onde a sentença supra referida foi proferida, após ter sido notificada para o efeito;
6. A requerida, até à apresentação da petição inicial destes autos, não arguiu qualquer nulidade no processo referido em 1;
7. A petição inicial do presente incidente deu entrada neste Tribunal no dia 21-05-2007;
8. A petição inicial da acção declarativa deu entrada neste Tribunal no dia 14-08-2003, tendo sido remetida por carta registada no dia 13-08-2003.
IV.
Na fundamentação da sentença recorrida afirmou-se designadamente o seguinte:
(…) quer a falta de citação, geradora da nulidade do processado, quer a nulidade da própria citação são susceptíveis de ser sanadas desde que ocorra intervenção do citando no processo e o vício não seja pelo mesmo arguido - cfr. arts. 196° e 198°, nº 2 do CPC.
Ora, no caso dos autos, verifica-se que a requerente teve intervenção no processo declarativo, pagando as custas que lhe foram imputadas, e nada requereu, só tendo arguido o vício da falta de citação aquando da dedução do presente incidente.
O desconhecimento invocado mostra-se irrelevante para o caso dos autos, apenas podendo ser imputado à própria requerente, a quem cabia esclarecer-se sobre o motivo da sua responsabilidade.
A requerente não pode, por isso, vir opor-se à execução com o fundamento na falta de citação no procedimento declarativo já que, a ter-se verificado, terá sido sanada com a sua intervenção processual pagando as custas e não a arguindo.
O fundamento em apreço mostra-se, pois, improcedente.
A questão posta no recurso passa, pois, pela interpretação a dar à norma do art. 196º do CPC[1] e, concretamente, à expressão "intervier no processo", por forma a respondermos a esta dúvida que o caso suscita: o pagamento das custas pela ré, no final da acção declarativa, sem arguir a falta da sua citação, constitui "intervenção no processo" para, através dela, se considerar sanada a nulidade?
Importa, porém, alargar a nossa análise ao regime de arguição e conhecimento dessa nulidade, dado o seu manifesto interesse para a decisão.
2. A citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender (…) – art. 228º nº 1.
Segundo a alegação da opoente, a citação na acção declarativa não chegou ao seu conhecimento por facto que não lhe é imputável (não residia na morada para onde foi remetida a carta registada com AR).
Estar-se-ia, portanto, perante falta de citação – art. 195º nº 1 e).
Esta nulidade pode ser conhecida oficiosamente pelo tribunal, a não ser que deva considerar-se sanada – art. 202º.
E pode ser arguida em qualquer estado do processo enquanto não deva considerar-se sanada – art. 204º nº 2.
O juiz conhece dessa nulidade logo que dela se aperceba, podendo suscitá-la em qualquer estado do processo, enquanto não deva considerar-se sanada – art. 206º nº 1.
Se o réu ou o Ministério Público intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade – art. 196º.
A nulidade da falta de citação pode, pois, ser arguida ou conhecida oficiosamente (não se encontrando sanada) em qualquer estado do processo, ou seja, enquanto o processo pender; pode ser arguida ou conhecida oficiosamente na 1ª instância até à sentença final e se desta se interpuser recurso, pode sê-lo no tribunal de recurso[2].
Não sendo sanada durante o processo declarativo, a nulidade da falta de citação pode ainda ser invocada como fundamento de recurso de revisão (art. 771º, e)) ou de oposição à execução (art. 814º, al. d)).
Perante este regime, parece que, no caso concreto, a referida questão – de a nulidade poder ter sido sanada – não deveria ser colocada.
Com efeito, segundo a sentença, a nulidade da falta de citação teria sido sanada pela intervenção da ré no processo, ao pagar as custas da acção declarativa.
Porém, o pagamento das custas ocorreu já após o trânsito em julgado da sentença proferida nessa acção (como decorre dos factos provados; cfr. também o art. 50º do CCJ).
Mas, nessa fase processual, já a dita nulidade não poderia ser sanada por intervenção da ré: apesar de arguível em qualquer estado do processo, este não o permitia por não se encontrar pendente.
Como acima se referiu, após trânsito em julgado da sentença, a nulidade pode ainda ser invocada, mas apenas na oposição à execução da sentença ou como fundamento de revisão da sentença transitada.
Ora, é justamente essa primeira via que a opoente está a utilizar.
3. De qualquer modo, crê-se que o referido acto da ré – o pagamento das custas na acção declarativa – não seria suficiente, só por si, para sanar a nulidade da falta de citação.
3.1. A redacção do art. 196º vem já do CPC de 1939 e, no que concerne à expressão "intervier no processo", tem sido objecto de leituras não inteiramente coincidentes.
Alberto dos Reis explicava que, enquanto o réu ou o Ministério Público se mantiver em situação de revelia, ou melhor, enquanto se conservar alheio ao processo, está sempre a tempo de arguir a falta da sua citação[3].
E referia noutro lugar[4]: desde que o réu, por sua vontade, intervém no processo, não deve poder arguir a falta da sua citação. Por outras palavras: se a quiser arguir, não deve intervir no processo, pois não é a isso obrigado. O réu, tendo conhecimento de que contra ele corre um processo em que não foi citado, ou intervém nele na altura em que se encontra ou arguí a falta da sua citação.
Rodrigues Bastos, por seu turno, afirmava que parece claro que o réu não intervém no processo enquanto se mantiver o seu estado de revelia, o que vale por dizer enquanto se não apresentar a praticar qualquer acto judicial. Por "intervenção no processo" entendemos, pois, a prática de acto susceptível de pôr termo à revelia do réu[5].
Mais recentemente, o mesmo Autor observa que a razão da norma é fácil de descortinar: se a citação é um acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta uma acção contra ele, e o chama a juízo para se defender, a intervenção do réu preenche as finalidades da citação, desde que ele não se mostre, desde logo, interessado em arguir essa omissão[6].
Segundo Lebre de Freitas, ao intervir no processo, o réu ou o Ministério Público tem, ou pode logo ter, pleno conhecimento do processado, pelo que, optando pela não arguição da falta, não pode deixar de se presumir iuris et de iure que dela não quer, porque não precisa, prevalecer-se[7].
3.2. A sanação da nulidade decorreria da intervenção da ré na referida acção (pagando as custas) sem a arguir.
Afigura-se-nos, porém, que essa intervenção, para assumir relevo para aquele efeito, envolve ou pressupõe o conhecimento pelo réu da pendência do processo declarativo, o conhecimento que lhe seria dado pela citação.
A intervenção deve mostrar que o interessado teve, do processo, aquele conhecimento que a citação lhe deveria dar, e revela que a falta o não impediu de vir a juízo pugnar pelo seu direito[8].
A intervenção relevante deve, como acima se referiu, preencher as finalidades da citação; pressupõe, portanto, o conhecimento do processo que esta propiciaria. Só assim seria legítimo presumir que o réu prescindiu conscientemente de arguir a falta de citação.
No caso, a intervenção da ré, considerada suficiente para sanar a nulidade da falta de citação, traduziu-se no pagamento das custas na acção declarativa.
Aceita-se que um réu que paga as custas de uma acção só o fará, normalmente, depois de conhecer o fundamento dessa sua responsabilidade. Não é crível que pague as custas sem se informar minimamente sobre a causa delas.
Portanto, admite-se que, ao pagar as custas, a ré ficasse a saber que essas custas resultaram de acção que correu termos contra si.
Mas, admitamos também como verdadeira a alegação da ré de ser inteiramente alheia ao processo até esse momento, por não ter tido conhecimento da citação.
Nesta hipótese, a ré terá sido confrontada com a notificação para pagar as custas (na sua alegação, terá sido até já no âmbito da execução por custas). Ao pagá-las (eventualmente para evitar a penhora de bens, como foi alegado), esta atitude não revela, forçosamente, desinteresse ou desnecessidade de arguição da nulidade.
A entender-se assim, como se entendeu na sentença recorrida, a situação poderia constituir para a ré (estando esta de boa fé) uma verdadeira armadilha, impondo-se-lhe uma conduta com um significado que ela não dominava necessariamente, o que seria pouco consentâneo com um processo equitativo, de exigência constitucional (art. 20º nº 4 da CRP)[9].
A nosso ver, a "intervenção no processo" pressupõe, portanto, o conhecimento ou a possibilidade de conhecimento da pendência do processo, como decorreria da citação; se, com esse conhecimento, o réu intervém sem arguir a falta de citação é porque não está interessado em prevalecer-se dessa omissão, devendo a mesma considerar sanada.
Não é essa, como parece evidente, a situação com que deparamos nos autos.
Procedem, por conseguinte, as conclusões do recurso, devendo revogar-se a sentença recorrida. Os autos prosseguirão para apreciação do fundamento de oposição invocado – art. 814º d) – em relação ao qual existem factos controvertidos.
V.
Em face do exposto, julga-se a apelação procedente, revogando-se a sentença recorrida, devendo os autos prosseguir nos termos acima indicados.
Custas pelos Apelados.
Porto, 17 de Dezembro de 2008
Fernando Manuel Pinto de Almeida
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo
Mário Manuel Baptista Fernandes
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[1] Como todos os preceitos legais adiante indicados sem outra menção.
[2] Cfr., Alberto dos Reis, Comentário ao CPC, Vol. 2º, 498 e 499; Lebre de Freitas, CPC Anotado, Vol. 1º, 2ª ed., 378.
[3]CPC Anotado, Vol. I, 313.
[4]Comentário ao CPC, Vol. 2º, 457, reproduzindo intervenção do Prof. Barbosa de Magalhães no âmbito da Comissão Revisora.
[5] Notas ao CPC, Vol. I, 2ª ed., 398. Cfr., no mesmo sentido, Elias da Costa, Silva Costa e Figueiredo de Sousa, CPC Anotado e Comentado, 3º Vol., 160.
[6] Notas ao CPC, Vol. I, 3ª ed., 259.
[7] Ob. Cit., 357. Cfr. também os Acs. do STJ de 9.2.90, AJ 6º, 14 e de 3.4.91, em www.dgsi.pt e o Ac. por nós proferido desta Relação de 9.12.2004, no mesmo sítio.
[8] Cfr. Ac. do STJ de 31.5.63, BMJ 127-369.
[9] Aqui no sentido de processo materialmente informado pelos princípios materiais de justiça nos vários momentos processuais – Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP