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INJUNÇÃO
CITAÇÃO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Sumário
I - O prazo prescricional é de cinco anos, nos termos do art° 310° al.g) do CC. II - A autora instaurou o procedimento de injunção em 21.12.2006, ou seja, mais de dois meses antes do decurso deste prazo. III - Tempo mais do que suficiente, para, em termos de normalidade, a citação ou notificação da requerida ter sido efectuada. Se o não foi — como não foi — a culpa não lhe pode ser assacada. IV - O interesse da demandante — quer estivesse, ou não, colocado o risco do decurso do prazo de prescrição - passava pela mais rápida concretização possível da notificação da requerida, de sorte a obter com maior celeridade tutela para o direito invocado. V - Quando alguém instaura acção ou procedimento contra outrem, e mesmo que expressamente — quiçá por lapso — não impetre a citação ou notificação, tal manifestação de vontade é, pelo menos por via de regra, de presumir, pois que à simples instauração da acção aquela vontade subjaz. VI - O envio de tal cópia do requerimento é expressamente afastado pelos art°s 12-A e 13° do DL269/98 de 01.09, que apenas impõe a notificação com certos, que não todos, os elementos que constam no requerimento de injunção.
Texto Integral
Processo nº 5946/08-2
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
1.
Companhia de Seguros B………., SA, instaurou contra C………., Lda, procedimento de injunção.
Pedindo que a requerida lhe pague a quantia de 5.356,63 euros, que inclui capital em dívida e juros vencidos.
Invocou o incumprimento de um contrato de seguro do ramo automóvel, celebrado em 02.02.1996, com prémio vencido em 01.03.2002.
O requerimento de injunção deu entrada em 21.12.2006, e no respectivo modelo padronizado consta: «o requerente solicita que seja notificado o requerido no sentido de lhe ser paga a quantia de 5.363,63 euros».
A requerida foi notificada por carta enviada em 04.03.2008, com depósito do respectivo aviso de notificação no receptáculo postal em 06.03.2008.
A requerida deduziu oposição pugnando pela prescrição do direito da requerente.
Dizendo apenas foi notificada em 07.03.2008 e que, sendo o prazo prescricional de cinco anos nos termos do artº310º al.g) do CC, tal direito prescreveu em 01.03.2007.
2.
Remetidos os autos à distribuição em face de tal oposição, foi proferido despacho que desatendeu tal excepção, julgou a acção procedente, por provada e, consequentemente, condenou a requerida no pedido.
3.
Inconformada recorreu a requerida.
Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:
a. A Apelante defende-se por excepção de prescrição na oposição do requerimento de injunção que lhe foi notificado em 07 de Março de 2008;
b. Alega, em síntese que o prémio de seguro em referência, de acordo com o documento junto sob o nº 1 e que consubstancia a notificação, única, da injunção, venceu-se em 01 de Março de 2003, pelo que se encontra prescrito, tendo tal prescrição operado em 01 de Março de 2007, isto é um ano e seis dias, antes da sua notificação.
c. O Meritíssimo Juiz do Tribunal “ a quo”, com base na frase alegadamente retirada do requerido de injunção notificado à Apelante, saber, O(s) requerente solicita (m) que seja (m) notificado(s) o(s) requerido(s) no sentido de lhe(s) ser paga a quantia de € 5.356,63, conforme descriminação e pela causa a seguir indicada (…),
d. Afirma, “… temos de concluir que a Autora formulou o pedido de primeiro chamamento da Requerida/Ré à instância próprio do procedimento instaurado”.
e. De facto, apenas a demonstração de que a Autora/Apelada terá requerido a notificação da ora Apelante, poderia permitir que se concluísse pela efectiva interrupção da prescrição.
f. O artigo 323º do Código Civil, sob a epígrafe “Interrupção da prescrição”, diz-nos no seu número 1, o seguinte: A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”.
g. No nº 2 do mesmo dispositivo legal, pode ler –se “Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida …”
h. Ora, parece decorrer claramente da interpretação conjugada dos dois parágrafos transcritos do artigo 323º do Código Civil que a prescrição apenas se interrompe desde que haja uma citação ou notificação àquele contra quem se pretende exercer o direito, no decurso do prazo de prescrição ou, tendo sido requerida a prática daquele acto (citação ou notificação) o mesmo não ocorra nos cinco subsequentes ao seu requerimento por causa não imputável à parte que dele beneficia.
i. É necessário pois que o beneficiário da interrupção de tal prazo aja de forma diligente e garanta deste modo que a citação ou notificação se fará dentro do prazo em curso da prescrição.
j. No caso em apreço, a Apelada apresentou requerimento de injunção junto da Secretaria-geral de Injunção do Porto.
k. Do modelo do requerimento de injunção apresentado pela Apelada e notificada à Apelante, pode ler-se, com relevância para a presente causa, o seguinte:
l. “A presente notificação considera-se efectuada na própria pessoa do notificando na data certificada pelo distribuidor postal”., a qual ocorreu em 07 de Março de 2008;
m. “O(s) Requerente COMPANHIA DE SEGUROS B………., S.A. solicita(m) o pagamento da quantia de € 5.356,63, conforme discriminação seguinte…”, isto é, não requer a notificação ou citação.
n. Do restante teor do requerimento não resulta por uma vez que a Apelada tenha requerido a citação da Ré, C………., LIMITADA, para pagar.
o. Por outro lado, certo é que a Apelante apenas foi notificada do documento junto sob o nº 1, com o teor que nele se encontra descrito e cujo original terá que estar junto aos presentes autos;
p. A data da sua notificação é a de 07 de Março de 2008;
q. Em momento algum decorre do requerimento de injunção a data da sua entrada em Tribunal.
r. A Apelante não foi notificada de quaisquer outros documentos com relevância para a sua defesa, isto é, foi com base no requerimento de injunção que lhe foi notificado e cuja cópia ora se juntou sob o nº 1, que articulou e pensou a sua defesa.
s. Não lhe tendo sido notificados outros elementos que eventualmente se encontrem juntos aos autos e, com base nos quais o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” possa ter decidido, há uma manifesta, clara e ilícita violação dos direitos ao contraditório e defesa da Apelante.
t. Ora, com fundamento nas conclusões ora formuladas, lícito é concluir que face aos elementos constantes nos autos e designadamente ao teor do requerimento de injunção, no qual não é expressamente requerida a citação ou notificação da ora Apelante, o Meritíssimo Juiz do Tribunal “ a quo” teria que ter decidido pela procedência da excepção de prescrição invocada, quer porque dos elementos e documentos do processo nada conste que possa determinar uma decisão diferente, quer porque a interpretação do artigo 332º do Código Civil, assim o determine.
u. Tudo conforme disposto nas alíneas a) e b) do nº 2, do artigo 669º do Código de Processo Civil
Face ao exposto,
Requer-se ao Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” se digne reformar a sentença quanto à improcedência da excepção de prescrição invocada e, em substituição, decida sobre a sua procedência, tudo com os fundamentos já expostos e nos termos do artigo 669º, nº 2, alíneas a) e b) do Código de Processo Civil.
4.
Sendo que, por via de regra – de que o presente caso não constitui excepção - o teor das conclusões define o objecto do recurso, a questão essencial decidenda é a seguinte:
Prescreveu, ou não, o direito da autora.
5.
Os factos a considerar são os resultantes do relatório supra.
6.
Apreciando.
6.1.
As razões justificativas da prescrição, maxime das de curto prazo - inferior ao prazo geral de vinte anos: artº 309 do CC - são a da protecção da certeza e segurança do tráfico jurídico, a conveniência de se evitarem os riscos de uma apreciação judicial a longa distância, principalmente quando se requeira a prova testemunhal dos factos e, ainda, evitar que o credor deixasse acumular excessivamente os seus créditos, para proteger o devedor da onerosidade excessiva que representaria, muito mais tarde, a exigência do pagamento, procurando-se obstar a situações de ruína económica – Baptista Machado, RLJ, 117º, 205, Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, pág. 452, e Vaz Serra, Prescrição e Caducidade, BMJ, 107º, pág. 285.
Ora como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, estes valores que a ordem jurídica prossegue, assumem uma relevância e magnitude, senão superior, pelo menos igual ao outro fito pretendido, qual seja a realização da justiça material que cada caso concreto reclama.
E ainda que a justiça represente um valor de hierarquia superior, ele apresenta-se, muitas vezes e acima de tudo, como um valor ideal a atingir, pelo que casos há em que, por motivos atinentes à estabilidade das relações entre os membros da comunidade e a razões de garantia e de confiança, necessárias ao desenvolvimento e progresso económico-social, se impõe a prevalência da segurança.
Sendo certo que se por um lado a prevalência tendencialmente absoluta da segurança sobre a pretensão de se atingir o resultado justo, acarreta uma ordem que pode abrir caminho a formas de opressão ou repressão, por outro o fito da obtenção da justiça - numa conceptualização puramente ideal deste valor -, pode acarretar uma ordem jurídica instável e ineficaz e que anularia as vantagens aqui teoricamente obtidas.
Havendo, assim, por vezes, e em caso de conflito entre tais valores, que sacrificar a justiça perante a segurança, excepto nos casos em que a injustiça do direito positivo atinja um tão alto grau que a segurança deixe de representar algo de positivo em confronto com esse grau de violação da justiça – cfr. Batista Machado in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1983, p.55 e sgs.(neste último trecho citando Radbruch) e Oliveira Ascensão, in O Direito, ed, Gulbenkian, 2ª ed., p.165 e sgs e Ac. da Relação do Porto de 12.02.2008, dgsi.pt, p.0726212.
A matéria atinente a este instituto, e ainda que a prescrição não possa ser suprida oficiosamente – artº303º do CC - é, assim de interesse público - Pessoa Jorge, Obrigações, ed. da AAFDL, 1975, p.665.
Natureza esta que dimana, designadamente, da nulidade dos negócios jurídicos destinados a modificar os prazos legais da prescrição ou a facilitar ou dificultar as condições em que ela opera os seus efeitos e da irrenunciabilidade prévia, pois que a renúncia à prescrição só é admitida depois de haver decorrido o prazo prescricional – artºs 300º e 302º do CC.
Não obstante, a prescrição – versus o que sucede com a caducidade a qual se reporta mais a razões objectivas ditadas pela tutela do interesse social de definição das situações a que respeita – tem mais a ver com os direito subjectivos disponíveis propriamente ditos, pois que, e p. ex. não pode ser conhecida ex officio como já referido, é susceptível de renuncia e está sujeita a causas interruptivas e suspensivas.
O que, tudo, já não se verifica, pelo menos por via de regra, com a caducidade: cfr. artº 328º do CC.
O decurso do prazo prescricional apresenta-se, assim, como uma reacção ou sanção da ordem jurídica contra a inércia e o desinteresse do titular do direito, o qual se entende que já não pretende a sua tutela, considerando-se assim a ordem jurídica desobrigada de a prestar – cfr. Pessoa Jorge, ob. e loc. Cits e Almeida Costa, Direito das Obrigações, 1979, p.814 e sgs.
Em termos gerais e no que concerne ao dies a quo do prazo da prescrição, estatui o artº 306º do CC que: «o prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição».
Trata-se de exigibilidade em sentido fraco.
Na verdade sendo a interpelação a primeira forma de exercício do direito, se a obrigação, para se vencer, carece de interpelação, a prescrição conta-se a partir do momento em que o credor podia interpelar, pois que é a partir desse momento que é legítimo falar de inércia do credor.
«Deste modo, numa obrigação pura, o prazo prescricional começa a contar-se a partir do momento da própria constituição da obrigação e numa obrigação sujeita a termo certo (suspensivo do vencimento) a prescrição começa a correr a partir desse termo» - Pessoa Jorge, ob. cit. p. 674 e Pires de Lima e Antunes Varela, CC, Anotado, 2ª ed. p. 257.
6.2.
No caso vertente a contagem do prazo prescricional inicia-se em 01.03.2002 porque o prémio de seguro se venceu nesta data e porque a partir dela podia, ser exigido.
O prazo prescricional – do que as partes, aliás, não dissidem - é de cinco anos, nos termos do artº 310º al.g) do CC.
A autora instaurou o procedimento de injunção em 21.12.2006, ou seja, mais de dois meses antes do decurso deste prazo.
Tempo mais do que suficiente, para, em termos de normalidade, a citação ou notificação da requerida ter sido efectuada.
Se o não foi – como não foi – a culpa não lhe pode ser assacada.
Aliás não se compreende, de todo, que ela apenas tenha sido efectivada cerca de 14 meses depois de ter sido requerida.
E dizemos ter sido requerida porque efectivamente o foi. Na verdade tal solicitação consta, expressa e inequivocamente do requerimento estandardizado de injunção, cujo teor, como é óbvio, é suposto ser do conhecimento e ter a anuência do requerente.
Nem outro entendimento, neste particular, tem qualquer suporte lógico. É que o interesse da demandante – quer estivesse, ou não, colocado o risco do decurso do prazo de prescrição - passava pela mais rápida concretização possível da notificação da requerida, de sorte a obter com maior celeridade tutela para o direito invocado.
Nesta ordem de ideias quando alguém instaura acção ou procedimento contra outrem, e mesmo que expressamente – quiçá por lapso – não impetre a citação ou notificação, tal manifestação de vontade é, pelo menos por via de regra, de presumir, pois que à simples instauração da acção aquela vontade subjaz.
Nem tendo qualquer validade o argumento da recorrente que apenas foi notificada sem cópia do requerimento.
É que o envio de tal cópia é expressamente afastado pelos artºs 12-A e 13º do DL269/98 de 01.09, que apenas impõe a notificação com certos, que não todos, os elementos que constam no requerimento de injunção.
E a notificação continha todos os elementos exigidos pelo artº13º perante os quais e mediante o exercício do contraditório, lhe facultavam, numa perspectiva substancial, o seu direito de defesa.
Sendo que a questão da prescrição se coloca mais numa vertente formal e quais adjectiva, e, acima de tudo, numa óptica de actuação diligente do autor, o qual, se assim não agir e não respeitar os prazos prescricionais, sofre as devidas e legais consequências.
E se o requerido, perante os elementos que lhe são facultados com a notificação, não se puder pronunciar, com conhecimento de causa, sobre vg. a questão da prescrição, sempre tal possibilidade lhe terá de ser concedida logo que daqueles dados se inteirar.
O que nem sequer foi o caso, pois que, algo contraditoriamente com o teor das conclusões de recurso neste particular, a requerida logo em sede de oposição se pronunciou quanto à prescrição.
Em suma, perante o teor do requerimento de injunção, estandardizado, porque aprovado por Portaria e no qual consta, por defeito, o pedido de notificação do requerido, a data da sua entrada que se vislumbra a um prazo de vista de mais de dois meses do dies ad quem da prescrição e a não efectivação da notificação por facto não imputável à demandante, tem de concluir-se inequivocamente, que emerge em toda a plenitude e eficácia, o disposto no artº 323º nºs 1 e 2 do CC.
Revelando-se a posição da recorrente perfeitamente peregrina e até temerária em face dos elementos fornecidos pelos autos e, assim, meridianamente, não merecendo ínfimo acolhimento.
7.
Deliberação.
Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença.
Custas pela recorrente.
Porto, 2009.01.06
Carlos António Paula Moreira
Maria da Graça Pereira Marques Mira
Mário António Mendes Serrano