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PERITO
IMPEDIMENTO
Sumário
I - Os impedimentos estabelecidos pelo art. 16º do DL nº 125/2002 de 10 de Maio apenas se aplicam aos peritos nomeados pelo Tribunal e não aos indicados pelas partes. II - Não existe obstáculo a que funcionários das partes sejam por si indicados como seus peritos.
Texto Integral
Processo n.º7199/08
Expropriante:E.P. Estradas de Portugal, E.P.
Expropriados: B……….
(Proc.n.º…/06 – ..º Juízo Cível de Matosinhos)
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I-RELATÓRIO
B………. e C………., na qualidade de expropriados nos autos em referência, em que figura como entidade expropriante “E.P. – Estradas de Portugal, EPE, SA”, não se conformando com a decisão arbitral – que fixou em €28.657,76 a indemnização pela expropriação em causa nos autos – da mesma recorreram ao abrigo disposto no art. 52.º do Código das Expropriações.
Alegam, em síntese os expropriados, o seguinte:
- são devidos juros de mora pelo atraso no cumprimento do disposto no art. 20º, n.º 5, al. a) do Código das Expropriações, os quais se devem quantificar em €859,52;
- sendo correcta a classificação do solo expropriado como apto para construção, não obstante a sua inclusão, pelo PDM de Matosinhos, na área da Reserva Agrícola Nacional, peca por defeito a atribuição, no relatório arbitral, da percentagem de 10% a título de localização e qualidade ambiental. De facto, a parcela situa-se em núcleo urbano, em zona habitacional, tem boas acessibilidades, por ser de fácil acesso às demais freguesias do concelho, ao Porto e aos principais eixos viários do país, não se descortinando qualquer foco poluidor. É, assim, mais adequado à realidade do local fixar tal percentagem em 11%;
- ao contrário do decidido no relatório arbitral, não deve ser considerada qualquer dedução pela inexistência de risco ou esforço inerente à actividade construtiva;
- não deve, também, ser considerada qualquer dedução (que os árbitros fixaram em 10%) para a conversão da área bruta em área líquida, na medida em que a lei manda atender, para o cálculo do valor do solo apto para construção, ao custo efectivo da construção possível;
- não deve atender-se, como se fez o acórdão arbitral, a uma qualquer desvalorização pelo facto de a parcela constituir logradouro e se situar entre os 30 e 50 metros do arruamento. De facto, os expropriados são alheios à decisão da entidade expropriante ter escolhido expropriar uma área de 30m ou 50 m da estrada, pois o que interessa é que o prédio de onde a parcela é destacada confronta com a via pública;
- quanto a benfeitorias, a sua indemnização deve ser fixada em €14.962,00, por corresponder ao seu valor de mercado;
- por último, sustenta a entidade expropriante deve suportar as despesas que o expropriado teve com o processo, designadamente os honorários de um advogado especializado a que teve de recorrer, sob pena de a indemnização a fixar não corresponder ao prejuízo sofrido com a perda da propriedade.
Em conclusão, reclamam:
- condenação da entidade expropriante a pagar-lhes a quantia de €859,72, correspondente aos juros de mora devidos;
- a fixação da indemnização pela expropriação em causa nos autos no montante global de €47.946,82;
- a condenação da entidade expropriante a pagar-lhes as custas que estes tiverem de suportar com o processo, bem como os honorários e despesas necessárias ao exercício do mandato, a fixar em execução de sentença;
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Regularmente notificada, a entidade expropriante veio apresentar resposta ao recurso da decisão arbitral.
Começa por invocar a insustentabilidade legal do pedido de pagamento de juros uma vez que nunca se constituiu em mora relativamente ao depósito prévio previsto no art. 20º, n.º 5, al. a) do Código das Expropriações.
Seguidamente, alega que, pese embora, os critérios adoptados pelos árbitros para a classificação do solo não sejam os legais – posto que em virtude da integração do terreno expropriado na Reserva Agrícola nacional, o mesmo deveria ter sido classificado como “solo apto para outros fins” - o valor da indemnização fixado na arbitragem é o correcto, por corresponder ao valor de mercado da parcela expropriada.
Acresce que os valores que os expropriados propugnam para a indemnização pelas benfeitorias são exagerados, devendo ser mantidos os fixados no relatório arbitral.
Por último, entendem dever ser indeferido o pedido dos expropriados no sentido que no valor da indemnização sejam incluídas as despesas realizadas com os encargos e custas do processo, por absoluta falta de fundamento legal.
Termina pugnando pela improcedência do recurso apresentado pelos expropriados.
*
A fls. 310 e segs. foi junto laudo de peritagem subscrito, em unanimidade, por todos os peritos. Nele classificam o solo expropriado como apto para construção, fixando a indemnização relativa ao solo expropriado em €34.977,73 e em €8.225,00 a indemnização pelas benfeitorias.
Na sequência de despacho que deferiu parcialmente a reclamação apresentada pela entidade expropriante, vieram os peritos prestar os esclarecimentos que constam de fls. 345 e segs.
O Tribunal a quo proferiu sentença na qual fixou o valor da parcela expropriada em € 36.631,29 e o valor das benfeitorias em €9.975,00, resultando uma indemnização devida aos expropriados no valor de € 46.602,20.
Inconformada, vem a Expropriante interpor recurso de apelação.
A Expropriante interpôs também um recurso de agravo do despacho de fls. 230-231 que, considerando o perito indicado pela expropriante impedido de exercer funções, nos termos do disposto no art.º 16.º g) do D.L. n.º 125/2002 de 10-05, dado que era funcionário da expropriante, decidiu ordenar a notificação daquela para indicar outro perito.
No recurso de agravo, a recorrente formulou, no essencial, as seguintes conclusões:
1-O D.L. n.º 125/2002 apenas é aplicável aos peritos designados pelo Tribunal e não aos peritos designados pelas partes, na medida em que ao longo de todo o diploma é referida a expressão “peritos avaliadores.”
2-Aos peritos a indicar pelas partes aplica-se, em matéria de impedimentos, o disposto no art.º 127.º do C.P.C.
3-Assim, o despacho recorrido teve por base a aplicação indevida do D.L. n.º 125/2002 pelo que deverá ser revogado por outro que admita o perito nomeado pela Expropriante.
Não foram apresentadas contra- alegações.
Passa-se a conhecer, de imediato, do recurso de agravo, pela ordem imposta pelo art.º 710.º n.º1 do C.P.C., sendo certo que o conhecimento do recurso de apelação ficará prejudicado, caso seja dado provimento ao agravo.
II- OS FACTOS
Os factos com interesse para a decisão são os que se deixam supra relatados, estando assente que o perito nomeado pela Expropriante – Eng.º D………. - era, à data, funcionário da mesma.
III- O DIREITO
A questão que importa apreciar neste agravo consiste em saber se o disposto no art.º 16.ºg) do D. L. n.º 125/2002 de 10 de Maio se aplica aos peritos indicados pelas partes ou apenas aos peritos do Tribunal.
Analisemos, antes de mais o que consta do preâmbulo do supra referido diploma, na tentativa de que do mesmo resulte alguma luz para o problema:
“O Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, prevê, quer no procedimento relativo à efectivação da posse administrativa, quer no processo de expropriação litigiosa, na fase da arbitragem e em recurso desta, a intervenção de peritos da lista oficial.
As avaliações e exame a que os referidos peritos procedem, exigem elevados conhecimentos técnicos, sendo as suas funções de grande responsabilidade, uma vez que, do seu exercício, resulta a fixação do montante destinado a garantir o pagamento da justa indemnização aos expropriados, a fixação de elementos de facto indispensáveis ao cálculo daquela, a sua determinação e a realização de diligências instrutórias indispensáveis à decisão em recursos interpostos do acórdão arbitral.
A matéria da organização das listas de peritos encontra-se regulada pelo D.L. n.º 44/94, de 19 de Fevereiro e pelo Decreto Regulamentar n.º 15/98, de 9 de Julho. A matéria do exercício das funções de perito avaliador encontra-se regulada por este último diploma.
Tornando-se necessário, em face do disposto no n.º3 do art.º 62.º do Código das Expropriações, rever o regime deles constante, entendeu-se reunir no presente decreto-lei toda a matéria respeitante à organização das listas de peritos e ao exercício das suas funções.”
Como ressalta, desde logo, da leitura do preâmbulo do D.L. n.º 125/2002[1], este diploma destina-se a reunir toda a matéria respeitante à organização das listas de peritos e ao exercício das suas funções, revogando os diplomas que anteriormente regulavam a matéria (Decreto-Lei n.º 44/94 de 19-02 e Decreto Regulamentar n.º 44/94, de 19 de Fevereiro).
E no art.º 2.º dispõe que “as funções de perito avaliador, previstas nos artigos 10.º, n.º4, 20.º n.º6, 45.º e 62.º do Código das Expropriações, só podem ser exercidas por peritos integrados nas listas oficiais, a que se refere o número seguinte.”
O art.º 3.º estabelece que o “ recrutamento dos peritos avaliadores”é efectuado mediante concurso, competindo à Direcção Geral da Administração da Justiça promover os procedimentos de recrutamento e selecção referidos no artigo 3.º, conforme estipula o art.º 4.º.
O art.º 5.º do mesmo diploma esclarece quais os requisitos de habilitação a perito avaliador, seguindo-se os artigos que tratam do “aviso de abertura do concurso”(art.º7.º), “selecção e sorteio”(art.º8.º), “homologação e publicação da lista”(art.º 9.º), etc.
Portanto, quer da leitura do preâmbulo quer da leitura do articulado constante do diploma em análise resulta claro que o mesmo se aplica apenas aos peritos da lista oficial. Por conseguinte, os impedimentos previstos no art.º 16.º para os peritos da lista oficial não são aplicáveis aos peritos indicados pelas partes[2].
Mas se assim, é como explicar a ressalva que o art.º 16.º faz, referindo-se aos peritos avaliadores, “integrem ou não as listas referidas no art.º 2.º”, ou seja, as listas oficiais. Poderá esta ressalva constituir um argumento a favor da aplicabilidade dos impedimentos ali referidos, aos peritos indicados pelas partes, pois esses não fazem parte da lista oficial?
Parece que não. A ressalva legal não pode reportar-se a peritos que estão fora do âmbito de aplicação do diploma legal e portanto só poderá abranger os peritos de nomeação do Tribunal que poderão não ser da lista oficial, no caso previsto no art.60.º n.º1b) e n.º2 do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto - Lei n.º 438/91. Nos termos daquele preceito e nos casos em que a nomeação pertencendo inicialmente às partes, se devolve ao juiz, este não estava vinculado nessa nomeação aos peritos da lista oficial. Tal regime foi alterado no código vigente, aprovado pelo D.L. n.º168/99 de 18-09 e, conforme resulta do disposto nos artigos 62.º n.ºb) e n.º2, nos casos em que a nomeação se devolve ao Tribunal, este está vinculado na sua escolha aos peritos da lista oficial.
Ora, à data da publicação do D.L. n.º 125/2002, havia ainda processos de expropriação a seguirem os termos do Código de 1991, pelo que se compreende que no referido art.º 16.º se tenha previsto o caso de peritos que embora nomeados pelo Tribunal não faziam parte da lista oficial.
Dado que o art.º 16.º encerra uma norma excepcional, prevista apenas para os peritos da lista oficial ou de nomeação do Tribunal, fora dessa lista, nos casos em que o podia fazer, ao abrigo do Código das Expropriações anteriormente vigente, não é susceptível de aplicação analógica a outros casos.
Porém, nos termos do art.º 11.º do Código Civil, as normas excepcionais admitem interpretação extensiva. Importa, portanto, averiguar se a razão de ser do estabelecimento dos impedimentos aplicáveis aos peritos nomeados pelo Tribunal se verifica também quanto aos peritos indicados pelas partes, ou seja, se este caso, embora não especificado na letra da lei, poderemos considerar que se acha compreendido no seu espírito, permitindo, assim, a conclusão de que o legislador terá dito menos do que queria.
Vejamos:
O art.º 62.º n.º1 a) do C.E. determina que “a avaliação é efectuada por cinco peritos” designando cada parte um perito e os três restantes são nomeados pela tribunal de entre os da lista oficial.
É patente o peso relativo dos peritos nomeados pelo Tribunal, que poderão formar maioria, sendo decisivo o seu parecer na decisão que venha a ser tomada pelo juiz. E a jurisprudência tem efectivamente assumido essa ideia ao decidir que havendo disparidade entre os laudos dos peritos nomeados pelo tribunal e dos peritos das partes, deve ser seguido o laudo dos peritos designados pelo tribunal não só pelas melhores garantias de imparcialidade que oferecem, como pela existência de competência técnica que o julgador, ao escolhê-los, lhes reconhece[3].
Estabelecendo o supra referido art.º 62.º do C.E, que o corpo de peritos é constituído por três membros designados pelo Tribunal e dois pelas partes, um por cada uma delas, pode concluir-se que o papel desempenhado por esses peritos é diferente, conforme a entidade que os nomeia. O que a lei pretende em relação aos peritos indicados pelo Tribunal é, essencialmente, garantir a sua isenção, imparcialidade e competência técnica. Em relação aos peritos nomeados pelas partes, sem prejuízo de também gozarem de tais qualidades, o que, fundamentalmente, a lei tem em vista é garantir que expropriante e expropriado possam defender os seus pontos de vista na realização de uma diligência que vai ser decisiva para a sentença final. No fundo, o que está em causa é mais uma manifestação do princípio do contraditório. Às partes em litígio, expropriante e expropriado, é dada a possibilidade de fazer valer os seus argumentos ao nível da peritagem, e utilizando a mesma linguagem técnica, enriquecendo com esses contributos o parecer dos peritos do Tribunal, corrigindo-o eventualmente, de forma a aproximá-lo do valor da justa indemnização, que a lei pretende.
Do exposto resulta, portanto, que a razão de ser do estabelecimento dos impedimentos aplicáveis aos peritos nomeados pelo Tribunal não se verifica quanto aos peritos indicados pelas partes, pois o papel desempenhado por uns e outros tem fundamento diverso e finalidades diferentes.
A lógica e equilíbrio do regime jurídico aplicável às expropriações demonstra que a essência da intervenção do perito do tribunal está na sua imparcialidade e isenção, enquanto que na intervenção dos peritos das partes o fundamental é a defesa das razões das próprias partes, como expressão do direito do contraditório.
Não faz, assim, qualquer sentido fazer uma interpretação extensiva do art.º 16.º do D. L. n.º 125/2002, de molde a abranger na sua previsão os peritos indicados pelas partes. Este diploma tem o seu âmbito de aplicação bem delimitado e destina-se apenas aos peritos nomeados pelo tribunal.
Aos peritos indicados pelas partes aplica-se o regime geral de impedimentos e suspeições, previsto no art.º 571.º do C.P.C que remete para o disposto no art.º 127.º do C.P.C.
Assim poderá questionar-se se o facto de o perito ser funcionário da expropriante, o colocaria no âmbito da previsão da alínea g) do n.º 1 do mencionado art.º 127.º do C.P.C. Segundo tal norma, haverá motivo de suspeição “se houver inimizade grave ou grande intimidade” entre o perito e algumas das partes.
Parece-nos que a intimidade referida pela norma não se prende com a relação existente entre um funcionário e a sua entidade patronal. O que se pretende evitar é que exista uma ligação pessoal de carácter íntimo que desvirtue a capacidade de discernimento do perito e vicie desse modo, a diligência. Ora, não é o caso em apreço, o perito da expropriante tinha com esta uma relação funcional é certo, mas não se pode considerar a mesma como uma relação de “intimidade”, prevista na lei.
Em suma, procedem, inteiramente, as conclusões da Expropriante e, consequentemente, merece o recurso de agravo inteiro provimento.
O Tribunal a quo, ao recusar o perito da Expropriante, com fundamento no disposto no art.º 16.º do D.L. n.º 125/2002 de 10 de Maio, fez indevida aplicação do referido diploma legal, pelo que deve ser revogado e substituído por outro que o admita.
Face à procedência do recurso, devendo a peritagem ser realizada, com a intervenção do perito que indevidamente foi recusado pelo tribunal a quo, impõe-se, necessariamente, a anulação do processado subsequente ao despacho recorrido que dependa absolutamente deste, mantendo-se os restantes.
Em consequência desta decisão, fica prejudicado o conhecimento da apelação, pelo que da mesma não se conhece.
IV- DECISÃO
Face ao exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em conceder provimento ao recurso de agravo, revogando o despacho recorrido devendo o mesmo ser substituído por outro que admita o perito indicado pela Recorrente, anulando-se o processado posterior ao despacho recorrido que dele dependa em absoluto.
Sem custas, nos termos do art.º2.º g) do C.C.J.
Porto, 19 de Janeiro de 2009
Maria de Deus Simão da Cruz Silva Damasceno Correia
Maria Adelaide de Jesus Domingos
Baltazar Marques Peixoto
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[1] Serão deste diploma os artigos mencionados sem indicação da proveniência.
[2] No mesmo sentido, acórdão do TRP de 04-05-2006, P.0631991, www.dgsi.pt.
[3] Acórdão da RP, 03-03-94, P.9330753, www.dgsi.pt