EXECUÇÃO POR CUSTAS
MULTA
EXECUÇÃO DE CUSTAS CÍVEIS E MULTAS APLICADAS PELOS TRIBUNAIS CRIMINAIS
Sumário

I- As execuções de custas cíveis e multas aplicadas pelos tribunais criminais não correm perante os juízos de execução, de acordo com a norma do n° 3 do art° 102°-A.”.
II- A parte líquida da indemnização será da competência do Tribunal Criminal que a definiu, ao passo que havendo necessidade de liquidação prévia, esta será da competência da jurisdição cível.

Texto Integral

Proc. 7689/2008 – 2ª Secção
Relator: Cândido Lemos -1513
Adjuntos: Des. M. Castilho –
Des. H. Araújo –



ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:


No Juízo de Execução do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia B………….., residente em Vila Nova de Gaia vem requerer execução para pagamento de quantia certa com liquidação prévia contra o executado C……….., residente em Gulpilhares, da comarca, tendo por título executivo uma sentença criminal transitada que condenou este no pagamento de uma indemnização em parte líquida e em parte a liquidar em execução de sentença (parte relativa à IPP).
Previamente tentou a execução no Tribunal Criminal (4ºjuízo Criminal de VN Gaia).
Porém este apenas aceitou a execução quanto à parte líquida, considerando que a parte ilíquida teria de ser tramitada nos Juízos de Execução – despacho de 3 de Outubro de 2007, transitado em julgado.
Na sequência de tal decisão, surge então o presente requerimento executivo no Juízo de Execução.
Aqui chegado, o que se verifica nos autos é uma conclusão aberta ao Sr. Juiz com uma informação: dúvida do Sr. Funcionário sobre a competência material do Tribunal face ao título executivo.
Segue-se despacho a julgar verificada a excepção da incompetência material do Tribunal, declarando-se competente o Juízo Criminal, absolvendo-se o executado da instância.
Inconformado o exequente apresenta recurso desta decisão e na sua motivação formula as seguintes conclusões:
1ª- Não é materialmente competente o Juízo Criminal para execução na parte ilíquida da condenação por si proferida.
2ª- Verifica-se uma incompetência absoluta do Juízo Criminal, nos termosdo nº1 do art. 101 do CPC e 82º nº 1 do CPP.
3ª- Correndo pelos Tribunais de execução – por isso, civis – a execução da parte ilíquida duma condenação penal, servindo como título executivo a sentença penal.
4ª- Daí resultando que o Tribunal competente em razão da matéria é, efectivamente, no caso em apreço, o Juízo de Execução de Vila Nova de Gaia.
Pugna pela revogação do despacho, ordenando-se a prossecução dos autos.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Os factos com interesse para a decisão são os que se deixaram acima transcritos e que assim se sumariam:
- O executado é condenado em indemnização cível a pagar ao exequente, em processo crime, em quantia em parte líquida e em parte a liquidar em execução de sentença.
- Intenta a execução por apenso ao processo crime, tendo o Tribunal criminal aceite apenas executar a parte líquida, declarando competente para a parte ilíquida o Tribunal Civil.
- Tal decisão transitou em julgado.
- Na sequência intenta a execução da parte ilíquida no Juízo de Execução, que declara a sua própria incompetência material, no despacho posto ora em crise.
Sendo estes os factos, cumpre conhecer do objecto do recurso, delimitado como está pelas conclusões da respectiva motivação (arts. 684º nº 3 e 690º nº 1 do CPC).
A única questão a decidir é a de saber-se que Tribunal (civil ou criminal) é competente para executar uma condenação ilíquida de Tribunal Criminal.
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De acordo com o disposto no art. 82º nº 1 do C. P. Penal que possibilita a condenação “no que se liquidar em execução de sentença”, acrescenta-se: “neste caso a execução corre perante o tribunal civil, servindo de título executivo a sentença penal”.
Estando como está em questão a parte ilíquida de uma condenação em processo penal, o despacho em crise não só decide contra lei expressa, como desrespeita o caso julgado formado sobre a decisão do Tribunal Criminal transitada em julgado, violando também o disposto no art. 671º do CPC.
Com efeito a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (doravante designada por LOFTJ) é uma lei geral de organização e funcionamento. O art. 82º do CPP é lei especial em relação àquela, que se mantém mesmo na redacção da lei 48/2007 de 29 de Agosto.
Apesar das sucessivas alterações provocadas na LOTJ, Lei 3/99 de 13 de Janeiro (a última entra em vigor no início de 2009 – Lei 52/2008 de 28 de Agosto), nunca a disposição do Processo Penal foi revogada ou demonstrada intenção inequívoca de a revogar. Assim e face ao disposto no nº 3 do art. 7º do CCivil, está plenamente em vigor.
Aliás nem sequer o Ac. desta Relação de 21/5/2007 (Anabela Luna de Carvalho) – Proc. 0656949 in www.dgsi.pt diz o contrário. Aí apenas se afirma a competência do Tribunal Criminal para a execução de transacção lavrada em processo crime sobre o pedido Cível. Logo, sem necessidade de qualquer liquidação prévia.
Diga-se ainda que o Acórdão reproduz quase integralmente o de 26/1/2006 (Deolinda Varão) – proc. 0536697, que, para além de uma brilhante resenha histórica dos solavancos dos Juízos de Execução e sua competência, apenas decide ser da competência dos Juízos Criminais a execução de multas aplicadas em processo crime.
Se se tivesse lido este Acórdão com a atenção que o mesmo merece, ver-se-ia que o mesmo refere textualmente:
“Da articulação do disposto nos nºs 1, 2 e 3 do citado artº 102º-A resulta que as únicas decisões dos tribunais criminais cuja execução é agora da competência dos juízos de execução são as que condenam em indemnização a liquidar em execução da sentença, que nos termos do artº 82º, nº 1 do CPP devem correr perante o tribunal civil. [Embora esta norma tenha de ser articulada com a norma do artº 380º, nº 3 do CPC na redacção introduzida pelo DL 38/03, nos termos do qual a liquidação de sentença passou a ser feita através do incidente regulado nos artºs 378º e seguintes do mesmo Diploma]
As execuções de custas cíveis e multas aplicadas pelos tribunais criminais não correm perante os juízos de execução, já que, pese embora a sua natureza cível, são aplicadas em processo penal. Estão assim expressamente excluídas da competência dos juízos de execução pela norma do nº 3 do artº 102º-A.” (Negrito nosso).
De modo que a parte líquida da indemnização será da competência do Tribunal Criminal, como este expressamente aceitou, ao passo que havendo necessidade de liquidação prévia, esta será da competência da jurisdição cível, no caso o Juízo de Execução da comarca de VN Gaia.
É, assim, manifesta a razão do apelante.
DECISÃO:
Nestes termos se decide julgar totalmente procedente a apelação, revogando-se o despacho em crise e ordenando que os autos prossigam a sua normal tramitação.
Sem custas, por não serem devidas.

PORTO, 20 de Janeiro de 2009
Cândido Pelágio Castro de Lemos
Augusto José B. Marques de Castilho
Henrique Luís de Brito Araújo