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PRISÃO PREVENTIVA INJUSTIFICADA
ARGUIDO ABSOLVIDO
INDEMNIZAÇÃO
CADUCIDADE
Sumário
Em caso de absolvição (autónoma) do A. no processo-crime que lhe foi movido e por via do qual fora decretada a sua prisão preventiva, o prazo previsto no nº1 do art. 226º, do CPP conta-se a partir daquela absolvição, irrelevando, para tal efeito, a data do encerramento final do respectivo processo.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I.
B……… intentou a presente acção declarativa de condenação, na forma ordinária, contra o Estado Português, pedindo a condenação deste a pagar-lhe:
a) € 740.850,00 por danos patrimoniais; e
b) € 3.000.000,00 por danos não patrimoniais,
em ambos os casos acrescidos de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento.
Alegou ter sido preso preventivamente no início de 2002, tendo-se mantido nessa situação até Março de 2004, altura em que foi libertado, e sendo absolvido dos crimes que lhe eram imputados em 13.4.2004.
Atribui o decretamento da sua prisão preventiva a erro grosseiro, sendo que um juiz medianamente diligente e cuidadoso não poderia deixar de verificar a inconsistência, as contradições e as falsidades dos depoimentos que lhe atribuíam factos ilícitos, não devendo decretar a prisão preventiva.
Enumera danos das duas naturezas atrás enunciadas.
Contestou o M.ºP.º em representação do Estado, defendendo-se por excepção, ao suscitar a incompetência territorial do Tribunal de Penafiel, defendendo ser competente o Tribunal de Amarante; e a caducidade do direito de o A. accionar, por o acórdão que o absolveu ter transitado em julgado em 29.4.2004, sendo que a acção deu entrada em juízo em 24.10.2007, por conseguinte, muito para além do prazo de um ano fixado no n.º 1 do art. 226.º do CPP.
Impugnou também os factos articulados pelo A.
Independentemente da incompetência territorial, pediu que se considerasse extinto por caducidade o prazo para intentar a acção ou, se assim se não entender, que a mesma seja declarada improcedente, com a absolvição do Estado do pedido.
O A. replicou, defendendo que o Tribunal de Penafiel é o competente e que se não verifica a caducidade do direito de accionar, na medida em que, embora não por ele, que se conformou com o acórdão que o absolveu, foi interposto recurso pelos demais arguidos condenados, só tendo havido decisão definitiva em Janeiro de 2007.
Ora, afirma, sempre podia ver a sua situação afectada pela decisão que viesse a ser preferida pelos Tribunais Superiores, apesar de ter sido absolvido, o que aconteceria, por exemplo, se fosse considerada procedente alguma nulidade.
Assim, considera que o prazo de um ano estabelecido no n.º 1 do art. 226.º como limite para a propositura da acção de indemnização contra o Estado, só pode contar-se desde Janeiro de 2007, estando, por isso, a acção em tempo.
Foi proferido despacho a convidar o A. a apresentar nova petição inicial, nela suprindo as imprecisões de alegação da matéria de facto que foi considerado existirem na inicialmente oferecida.
O A. acatou o convite e apresentou nova petição.
No saneador foi julgada improcedente a excepção de incompetência territorial do Tribunal de Penafiel, que foi tido por competente, mas julgada procedente a excepção peremptória da caducidade, tendo o R. sido absolvido do pedido.
II.
Recorreu o A., concluindo:
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O M.ºP.º contra-alegou, pedindo a confirmação do julgado.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
Os factos com relevância são os que supra se mencionaram.
A questão a debater é a de saber se o prazo fixado pelo n.º 1 do art. 226.º do CPP se deve contar a partir da absolvição do A. no processo crime que lhe foi movido e por via do qual havia sido decretada a sua prisão preventiva, ou apenas a contar do encerramento final do processo, visto que os demais arguidos condenados interpuseram recurso do acórdão condenatório proferido em 1.ª instância.
III.
Tal como a questão é colocada pelo apelante na p.i. estamos perante uma situação de prisão injustificada e não de prisão ilegal, na medida em que a mesma terá sido decretada por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia, devendo o juiz de instrução, com base nos factos que lhe foram fornecidos, concluir pelo desrazoável da medida de privação da liberdade que impôs ao arguido.
É, pois, partindo desta argumentação que devemos analisar o problema.
Façamos uma rápida incursão pelas normas legais aplicáveis.
Dispõe o art. 225.º do CPP:
1 - Quem tiver sofrido detenção ou prisão preventiva manifestamente ilegal, pode requerer, perante o tribunal competente, indemnização pelos danos sofridos com a privação da liberdade.
2 - O disposto no número anterior aplica-se a quem tiver sofrido prisão preventiva que, não sendo ilegal, venha a revelar-se injustificada por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia. Ressalva-se o caso do preso ter concorrido, por dolo ou negligência, para aquele erro.
Por seu turno, o art. 226 n.º 1 do mesmo diploma estabelece:
O pedido de indemnização não pode, em caso algum, ser proposto depois de decorrido um ano sobre o momento em que o detido ou preso foi libertado ou foi definitivamente decidido o processo penal respectivo.
Voltando às coordenadas do problema, aquilo que temos de decidir, precisamente porque se não trata de prisão ilegal, mas injustificada, é como deve interpretar-se o último segmento deste último normativo: foi definitivamente decidido o processo penal respectivo.
O apelante propugna uma tese que leva a que se considere atempada a propositura desta acção, visto que o processo crime só terá ficado decidido definitivamente em Janeiro de 2007, por ter havido recurso por parte dos demais co-arguidos que se não conformaram com a sentença condenatória.
No entanto, afirmou na p.i. que esteve preso preventivamente mais de dois anos, tendo sido libertado em Março de 2004 e sido absolvido em 13.4.2004.
Há, por isso, que definir se para o A. o processo penal ficou definitivamente decidido com o acórdão absolutório da 1.ª instância, ou se pode dizer-se que, por via do recurso interposto pelos co-arguidos, só quando foi proferida decisão já não susceptível de mais recursos é que começou a contar o termo inicial de um ano para a propositura desta acção.
A posição a tomar passa por saber em que medida é que uma decisão parcialmente absolutória, da qual resultou a exculpação de um dos arguidos, pode ser alterada por via de recursos interpostos por co-arguidos condenados.
E também por definir em que moldes há caso julgado para o arguido absolvido, sendo certo que o M.ºP.º se conformou com a decisão absolutória.
No acórdão do STJ de 07-02-2006, Nº do Documento: SJ200602070040491, www.dgsi.pt, adianta-se uma interpretação do n.º 1 do art. 226.º no sentido de, havendo vários arguidos, a decisão definitiva do processo penal dever ter-se como reportando-se apenas à parte do processo criminal respeitante ao arguido que deduziu pedido de indemnização. Isto porque atento o disposto nos arts. 403.º, n.ºs 1 e 2, al. d), e 411.º, n.º 1, do CPP, o recurso, interposto exclusivamente pelo co-arguido e relativo à condenação que lhe foi imposta nunca poderia afectar a sentença absolutória aplicada ao recorrente, dado o trânsito em julgado quanto à mesma.
O artº 402º do C. P. P. dispõe:
1. Sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, o recurso interposto de uma sentença abrange toda a decisão.
2. Salvo se for fundado em motivos estritamente pessoais, o recurso interposto:
a) Por um dos arguidos em caso de comparticipação, aproveita aos restantes;
b) Pelo arguido, aproveita ao responsável civil;
c) Pelo responsável civil aproveita ao arguido, mesmo para efeitos penais.
3. O recurso interposto apenas contra um dos arguidos, em casos de comparticipação, não prejudica os restantes.
E o artº 403º:
1. É admissível a limitação do recurso a uma parte da decisão quando a parte recorrida puder ser separada da parte não recorrida, por forma a tornar possível uma apreciação e uma decisão autónomas.
2. Para efeito do disposto no número anterior, é nomeadamente autónoma a parte da decisão que se referir:
a) A matéria penal, relativamente àquela a que se referir a matéria civil;
b) Em caso de concurso de crimes, a cada um dos crimes;
c) Em caso de unidade criminosa, à questão da culpabilidade, relativamente àquela que se referir à questão da determinação da sanção;
d) Em caso de comparticipação criminosa, a cada um dos arguidos, sem prejuízo do disposto no artº 402º, nº 2, alíneas a) e c);
e) Dentro da questão da determinação da sanção, a cada uma das penas ou medidas de segurança.
3. A limitação do recurso a uma parte da decisão não prejudica o dever de retirar da procedência daquele as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão recorrida.
A jurisprudência dominante do Supremo Tribunal de Justiça vem decidindo que em casos de comparticipação, e tendo em conta, nomeadamente, o disposto na alínea d) do nº 2 do artigo 403º, forma-se caso julgado parcial em relação aos arguidos não recorrentes, mesmo em caso de condenação dos mesmos, passando eles a cumprir pena, sem prejuízo do recurso interposto por qualquer dos comparticipantes lhes poder aproveitar (v.g. Pº de Habeas Corpus nº 2546/05, 5ª secção, de 7/7/05, nº 888/06, 3ª secção de 8/3/06, nº 2184/06,3ª secção de 7/6/06, ou 463/07, 3ª secção de 7/2/07). Por isso se fala em relação a eles de caso julgado sob condição resolutiva, a partir da disciplina do artº 403º (cfr. Cunha Rodrigues, Jornadas de Direito Processual Penal. O Novo Código de Processo Penal, p. 388, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, p. 335, Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, p. 73) – cfr. acórdão de 27.9.2007, SJ200709270035095.
No caso concreto, nem o apelante alegou oportunamente em que termos é que havia sido acusado, se em comparticipação criminosa ou não, embora resulte da certidão com que o M.ºP.º instruiu a contestação que o foi em co-autoria material com os demais arguidos.
O certo é que o apelante foi restituído à liberdade em 5.3.2004 (fls. 178 e 179) e absolvido por acórdão de 13.4.2004 (fls. 402).
E embora a data da restituição à liberdade não esteja em causa, porque se não trata de prisão ilegal, já o estará a data da prolação da decisão penal absolutória transitada em julgado para o apelante, por ter ele invocado a prisão injustificada por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos.
Se pode falar-se em caso julgado sob condição resolutiva para os arguidos condenados que não interpuseram recurso, mas em que há impugnação da decisão por outros co-arguidos o haverem interposto, por maioria de razão se pode falar de caso julgado quando se trate de decisão penal absolutória, dado que nesta hipótese já não pode ser alterada a decisão.
É que, se um arguido condenado e não recorrente ainda pode ver a sua posição alterada pela decisão do recurso interposto por outro, já assim não sucede com um arguido absolvido, o qual não tinha fundamento para recorrer (art. 401.º/1-b) do CPP), mas que vê o M.ºP.º concordar com a decisão que lhe respeita.
O artigo 409.º do CPP tem como epígrafe Proibição de reformatio in pejus e dispõe:
1 — Interposto recurso de decisão final somente pelo arguido, pelo Ministério Público, no exclusivo interesse daquele, ou pelo arguido e pelo Ministério Público no exclusivo interesse do primeiro, o tribunal superior não pode modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida, em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrentes.
2 — A proibição estabelecida no número anterior não se aplica à agravação da quantia fixada para cada dia de multa, se a situação económica e financeira do arguido tiver entretanto melhorado de forma sensível.
Desta forma, o apelante não podia ser prejudicado pela decisão que viesse a ser proferida. Se houvesse sido condenado é que podia beneficiar do recurso interposto por algum dos comparticipantes.
O instituto da proibição da reformatio in pejus mais que um princípio geral das impugnações será um princípio do processo (Damião da Cunha, O Caso Julgado Parcial, Porto, Universidade Católica, 2002, p. 229), que «vale, não por si mesmo, mas como tradução (ou mera consequência) de uma ideia de "equidade" ou de "justiça" do caso concreto» (p. 436), e, por isso, «um princípio da função jurisdicional, enquanto garantia do direito de defesa, que vale para qualquer Direito e processo sancionatório público» (p. 437). No fundo, a proibição da reformatio in peius não é mais que uma decorrência do próprio princípio da acusação (ps. 656 e ss.). Porque «um processo de estrutura acusatória, assente num juízo equitativo, não é senão um processo que garante todos os direitos de defesa face a uma acusação que define os limites do tema em discussão» (p. 660).
Aliás, o princípio já estava plasmado no n.º 2 do art. 402.º, ao dizer que, salvo se for fundado em motivos estritamente pessoais, o recurso interposto por um dos arguidos em caso de comparticipação, aproveita aos restantes; e o interposto pelo responsável civil aproveita ao arguido, mesmo para efeitos penais.
E, finalmente, ao fazer constar do n.º 3 que o recurso interposto apenas contra um dos arguidos, em casos de comparticipação, não prejudica os restantes.
Deste modo, a proibição da reformatio in pejus não é mais do que a confirmação da filosofia já consagrada neste preceito, da qual decorre que um arguido nunca pode ser prejudicado pelo recurso interposto por outrem, mas tão somente beneficiado.
Posto o que estamos em condições de dizer que quando o apelante instaurou a presente acção já há muito se esgotara o prazo consagrado no art. 226.º/1 para o efeito, por há muito ter transitado em julgado relativamente a ele a decisão penal absolutória.
Caducou, por isso, o seu direito, decorrido que foi um ano sobre esse trânsito em julgado parcial da decisão que o absolveu.
Afirma o apelante que esta interpretação viola o art. 32.º da Constituição, apesar de não especificar este seu raciocínio.
Este preceito insere-se no TÍTULO II - «Direitos, liberdades e garantias», CAPÍTULO I - «Direitos, liberdades e garantias pessoais», tratando das garantias de processo criminal.
Não se vê, pois, como a interpretação dada ao art. 226.º/1 do CPP possa contender com a norma da Lei Fundamental, sendo ainda certo que a mesma é uniformemente aceite pela jurisprudência.
Face ao exposto, julga-se apelação improcedente e confirma-se o saneador-sentença.
Custas pelo apelante.
Porto, 22 de Janeiro de 2009
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo
Mário Manuel Baptista Fernandes
José Manuel Carvalho Ferraz