FUNDO DE GARANTIA SALARIAL
Sumário

I- O legislador consagrou um sistema de colocação do Fundo no lugar do trabalhador, transferindo para aquele todos os direitos que a este competiam, na medida em que os tenha satisfeito.
II- Daí que, face à legislação vigente, se pague na totalidade o crédito do FGS, procedendo-se a rateio dos créditos dos trabalhadores ainda em débito.

Texto Integral

Proc. 7363/2008- 2ª Secção
Relator: Cândido Lemos- 1518
Adjuntos: Des. M. Castilho –
Des. H. Araújo –

ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:


No Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, 2º Juízo, corre termos o processo de Insolvência de B……………., L.da.
Apresentado que foi o mapa de rateio pelo Snr. Liquidatário, prevendo o pagamento ao Fundo de Garantia Salarial de toda a quantia paga aos trabalhadores (€323.734,94) e procedendo ao rateio do restante pelos mesmos trabalhadores, vem a trabalhadora C…………….. (nº 113 do rateio) apresenta o requerimento de fls. 995 e seguintes em que pede a rectificação do rateio, de modo a não se verificar o pagamento ao FGS enquanto os trabalhadores virem integralmente pagos os seus créditos ou, se assim se não entender, rateando-se os créditos dos trabalhadores e do FGS.
Mereceu o seguinte despacho:
“De acordo com o regime instituído pelo Decreto Lei n.º 219/99, de 15.06 e pelos artigos 316.° a 326 do Regulamento do Código de Trabalho (Lei n.º 35/2004, de 29.07), o Fundo de Garantia Salarial suportou o pagamento de créditos salariais relativos a retribuições e indemnizações por cessação dos respectivos contratos de trabalho, tendo ficado sub-rogado nos respectivos direitos e privilégios, por força do disposto no artigo 322.° deste Regulamento.
Em consequência, quando o Fundo de Garantia Salarial reclama nos autos o pagamento está apenas a "ocupar" a posição jurídica daqueles trabalhadores a quem adiantou o pagamento dos seus créditos laborais. Isto é, tudo se passa como se fossem os trabalhadores a concorrer na graduação; a diferença está apenas em que é o FGS que recebe os montantes provenientes do rateio — cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20/11/2007, processo n.° 8484/2007- 8.
Ora, apesar de no exercício das minhas funções de Juiz ser um defensor intransigente do pagamento dos créditos laborais, atenta a natureza alimentar dos referidos créditos, o certo é que a posição que agora começa a ser aventada pelos trabalhadores ultrapassa o que é razoável. Diferente, seria se, em outras questões, defendessem com o rigor que se impõe os respectivos créditos, nomeadamente, quando em confronto com os créditos hipotecários, o que habitualmente não sucede.
Assim sendo e face ao exposto, indefere-se o solicitado a fls. 996.”
Inconformada a reclamante apresenta este recurso de agravo e nas suas alegações formula as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso de agravo interposto do conteúdo do douto despacho de fls. ...., datado de 28.07.2008, que indeferiu o requerimento de fls. 996, apresentado pala Recorrente.
2. O F.G.S. pagou aos ex-trabalhadores reclamantes as quantias constantes de fls. ...
3. E, posteriormente, veio o F.G.S. subrogar-se por referência aos créditos verificados dos ex-trabalhadores, na medida do que pagou.
4. Ora, salvo o devido respeito, o mapa de rateio apresentado pelo Sr. Liquidatário, prevê o pagamento da totalidade dos montantes que restam para os trabalhadores ao F.G.S., por sub-rogação deste, desrespeitando as prioridades legais, em prejuízo dos trabalhadores/Reclamantes, e bem assim desrespeitando os direitos dos trabalhadores.
5. Na verdade, nos termos legais, o F.G.S. "assegura o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho da sua violação ou cessação", que não foram satisfeitos pela entidade patronal por motivo de falência ou outro.
6. A letra da lei, salvo melhor opinião, permite, assim, a interpretação de que a sub-rogação só deve operar depois de os trabalhadores terem recebido a totalidade dos seus créditos.
7. A ser de outra forma, o F.G.S. não estaria a assegurar o pagamento dos créditos, mas antes, a adiantar parte dos mesmos.
8. Assim, no presente caso, enquanto os trabalhadores/Reclamantes não tiverem recebido a totalidade dos seus créditos reconhecidos e verificados, não deve efectuar-se o pagamento de qualquer quantia ao Fundo de Garantia Salarial.
9. O F.G.S., ao subrogar-se, passou a ocupar a posição que cabia aos trabalhadores – designadamente beneficiando dos mesmos privilégios creditórios especiais que àqueles cabiam.
10. Assim, o F.G.S. não poderá ser pago preferencialmente aos créditos remanescentes dos trabalhadores (entre os quais se encontra o da aqui Recorrente), mas sim, ser pago rateadamente com estes.
11. Finalmente, e relativamente ao Acórdão mencionado no despacho de que ora se recorre (Ac. Trib Relação de Lisboa de 20.11.2007), não se descortina, da sua leitura integral, como possa sustentar aquele despacho.
Pugna pela revogação do despacho recorrido, ordenando-se a elaboração de novo mapa de rateio em conformidade, ou seja, não se pagando ao F.G.S. enquanto os trabalhadores Reclamantes não virem os seus créditos integralmente satisfeitos, ou quando assim se não entenda, rateando-se os créditos dos trabalhadores e os do F.G.S. em posição de igualdade.
O despacho foi tabelarmente mantido.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Os factos com interesse para a decisão são os que resultam do antecedente que, para melhor compreensão assim se sumariam:
- É decretada a insolvência de uma empresa com diversos trabalhadores os quais reclamam os seus créditos;
- Estes recorreram ao Fundo de Garantia Salarial que lhes pagou determinadas quantias;
- Por sua vez este veio ao processo reclamar o seu crédito equivalente às quantias dispendidas com os trabalhadores;
- Foi apresentado o rateio, pagando-se por inteiro o crédito do FGS e fazendo-se rateio do remanescente em relação aos créditos dos trabalhadores.
Cumpre agora conhecer do objecto do recurso, delimitado como está pelas conclusões das respectivas alegações (arts. 684º nº 3 e 690º nº 1 do CPC).
A única questão a decidir prende-se com a interpretação do art.322º da Lei nº 35/2004 de 29/7 que regulamenta o Código do Trabalho: “O Fundo de Garantia Salarial fica sub-rogado nos direitos de crédito e respectivas garantias, nomeadamente privilégios creditórios dos trabalhadores, na medida dos pagamentos efectuados acrescidos dos juros de mora vincendos.”
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Sub-rogação legal.
Refere o art. 380º do Código do Trabalho: “A garantia do pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, que não possam ser pagos pelo empregador por motivo de insolvência ou de situação económica difícil é assumida e suportada pelo Fundo de Garantia Salarial, nos termos previstos em legislação especial.”
Vem posteriormente a Lei 35/2004 a regulamentar tal disposição num capítulo especialmente dedicado ao FGS (arts. 316º a 326º).
Aqui se refere que “o Fundo de Garantia Salarial assegura, em caso de incumprimento pelo empregador, ao trabalhador o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação nos termos dos artigos seguintes” – art. 317º.
O art. 318º diz respeito às situações abrangidas (1- O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos a que se refere o artigo anterior, nos casos em que o empregador seja judicialmente declarado insolvente).
O art. 319º aos créditos abrangidos, estabelecendo o artigo seguinte o limite das importâncias a pagar.
Daqui a primeira conclusão de que o Fundo não pagará eventualmente todos os créditos a que o trabalhador tenha direito.
A segunda será a de que o Fundo tentará reaver as quantias pagas ao trabalhador, para tanto consagrando a lei a figura da sub-rogação (no caso a legal – art. 592º do CC).
Ora os seus efeitos vêm especificados no artigo seguinte:
“1. O sub-rogado adquire, na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a este competiam.
2. No caso de satisfação parcial, a sub-rogação não prejudica os direitos do credor ou do seu cessionário, quando outra coisa não for estipulada.
3. Havendo vários sub-rogados, ainda que em momentos sucessivos, por satisfações parciais do crédito, nenhum deles tem preferência sobre os demais.”
Assim, o legislador consagrou um sistema de colocação do Fundo no lugar do trabalhador, transferindo para aquele todos os direitos que a este competiam, na medida em que os tenha satisfeito.
Daí que, face à legislação vigente, não se possa defender solução diversa da tomada no despacho em crise: paga-se na totalidade o crédito do FGS, procedendo-se a rateio dos créditos dos trabalhadores ainda em débito.
DECISÃO:
Nestes termos se decide negar provimento ao agravo.
Custas pela agravante.

PORTO, 17 de Fevereiro de 2009
Cândido Pelágio Castro de Lemos
Augusto José B. Marques de Castilho
Henrique Luís de Brito Araújo