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ASSINATURA A ROGO
CONFIRMAÇÃO PERANTE O NOTÁRIO
NULIDADE
Sumário
I - A não confirmação, perante o notário, da assinatura a rogo, acarreta a sua invalidade e, por acréscimo - já que ela é elemento integrante essencial e formalidade ad substantiam do documento particular onde consta - a nulidade da declaração negocial neste ínsita — art°s 373º n°s 1 e 4, 220º e 286º do CC e 154° do C. Notariado. II - Os efeitos da declaração de nulidade são, por via de regra, os determinados pelo disposto no art° 289° do CC. excepto, vg., se o contrato tiver sido economicamente cumprido ou outras circunstancias especiais a tal obviarem.
Texto Integral
Processo nº7137/08-8
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
1.
B………. instaurou contra C………., e esposa D………., acção declarativa, de condenação, com processo ordinário.
Pediu:
- Seja declarada a nulidade da cedência da posição contratual da A. em simultâneo com o negócio de cessão de quotas da sociedade e aludida no artigo 11.º da petição inicial;
- Sejam os RR. Condenados:
a)- A restituírem à A. a fracção em causa;
b)- No pagamento da quantia de € 2.000,00 por cada mês, a contar de 20 de Junho de 2000, ou da que seja considerada, a título de indemnização;
c)- No pagamento da quantia de € 3.477,67 respeitante às contribuições para o condomínio vencidas, desde Novembro de 2001 até 24/04/2002, e bem como no valor respeitante às vencidas desde esta data e vincendas que vier a apurar-se, até efectiva entrega;
d)- E nos juros legais até integral pagamento.
Alegou, para o efeito, em síntese:
Que cedeu ao réus a sua posição contratual, como promitente compradora, em contrato promessa relativa a fracção autónoma que melhor identifica.
Que devido a incumprimento do referido contrato, por parte dos requeridos, desde Julho de 2000 que lhes tem vindo a ser solicitada a restituição do estabelecimento, o que eles recusam, prosseguindo normalmente a exploração lucrativa do estabelecimento, e na fracção da requerente.
Que o contrato promessa de cessão, é nulo por falta de intervenção da requerente, e a assinatura a rogo não se achar reconhecida notarialmente, como obriga o disposto nos artigos 373.º, n.ºs 1 e 4 do Código Civil e 154° do Código do Notariado.
Que tendo em conta a área ocupada — de cerca de 370,70 m2 -, com duas divisões, e o local - aglomerado habitacional e de grande movimento comercial - tem um valor locativo não inferior a € 2.000 mensais (que era, aliás, ao que a requerente sabe, o valor pago pela anterior locatária, e já há alguns anos), que a detenção da fracção pelos requeridos tem impossibilitado a requerente de auferir.
Que os requeridos não mais pagaram as prestações de condomínio, que, desde Novembro de 2001, ascendiam em 24/4/2002 a € 3.477,67, conforme reclamado pelo banco chamado, na qualidade de “proprietário formal”.
Contestaram os réus.
Alegando, em síntese, que foi a autora e os seus filhos a incumprirem os contratos – o presente e o de cessão de quotas – pois que, para além do mais, não obtiveram licença de utilização do estabelecimento comercial sito na fracção ora em causa, como se comprometeram.
2.
Prosseguiu o processo os seus legais termos, tendo, a final, sido proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu os réus do pedido.
3.
Inconformada apelou a autora.
Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1ª A A. prometeu comprar ao E………., Chamado, uma fracção autónoma em imóvel;
2ª Na sequência do pagamento do preço e da entrega pelo promitente vendedor das chaves, a A. considera-se sua possuidora, ao que o Chamado não se opôs;
3ª Pelo que, não tendo sido produzida qualquer prova em contrário, afigura-se que o quesito 2º poderá perfeitamente considerar-se provado;
4ª Ainda assim, a A. tinha o uso do imóvel, por lhe ter sido entregue pelo promitente vendedor;
5ª Pelo que, a sua transmissão para terceiro, carecia da sua intervenção;
6ª A assinatura do contrato a rogo, não reconhecida notarialmente, sem a intervenção da A., importa a nulidade, como forma mais ampla de ineficácia;
7ª Assistindo, assim, à A. o direito a pedir a sua restituição;
8ª Acresce que, da prova documental junta aos autos, resulta um valor locativo do prédio, e como tal se considera que os quesitos 8º e 9º, deverão ter resposta positiva;
9ª Bem como o quesito 10º, face ao doc. 4 junto com a petição inicial;
10ª Com a consequente condenação dos RR. nos respectivos pagamentos;
11ª Ou, ainda, a não se entender, que se relegue para liquidação em execução de sentença.
12ª Consideram-se violadas as disposições dos art.s 220º, 287º, 289º, nº 1, 294º, 373º, nºs 1 e 4, do Cód. Civil; 154º, do Cód. do Notariado; 2º, nº 2, 661º, nº 2, do Cód. Proc. Civil.
4.
Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 690º do CPC - de que o presente caso não constitui excepção - o teor das conclusões define o objecto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:
1ª
Alteração da decisão sobre a matéria de facto.
2ª
Consequências do não reconhecimento notarial da assinatura da autora, feita a seu rogo, aposta no contrato promessa.
5.1
Primeira questão.
5.1.1.
Há que considerar que no nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº655º do CPC.
Perante o estatuído neste artigo pode concluir-se, por um lado, que a lei não considera o juiz como um autómato que se limita a aplicar critérios legais apriorísticos de valoração.
Mas, por outro lado, também não lhe permite julgar apenas pela impressão que as provas produzidas pelos litigantes produziram no seu espírito.
Antes lhe exigindo que julgue conforme a convicção que aquela prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação – cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.
Na verdade prova livre não quer dizer prova arbitrária, caprichosa ou irracional.
Mas quer dizer prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente, posto que em perfeita conformidade com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed. III, p.245.
5.1.2.
Por outro lado há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.
Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.
Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, dgsi.pt, p.03B3893.
Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída dialecticamente, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais.– AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.
Efectivamente, com a produção da prova apenas se deve pretender criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente num grau de probabilidade o mais elevado possível, mas em todo o caso assente numa certeza relativa, porque subjectiva, do facto.– cfr.Acórdão desta Relação de 14.09.2006, dgsi.pt, citando Antunes Varela.
Uma tal convicção existirá quando e só quando o Tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável.- Cfr. Figueiredo Dias, in Dto. Processual Penal I Pág. 205.
Nesta conformidade - e como em qualquer actividade humana - existirá sempre na actuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade, e, até, falibilidade, vg. no que concerne á decisão sobre a matéria de facto.
Mas tal é inelutável e está ínsito nos próprios riscos decorrentes do simples facto de se viver em sociedade onde os conflitos de interesses e as contradições estão sempre, e por vezes exacerbadamente, presentes, havendo que conviver - se necessário até com laivos de algum estoicismo e abnegação - com esta inexorável álea de erro ou engano.
O que importa, é que se minimize o mais possível tal margem de erro.
O que passa, tendencialmente, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objectiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.
É que a verdade que se procura, não é, nem pode ser, uma verdade absoluta -porque assente em premissas de cariz matemático-, mas antes uma verdade político-jurídica, a qual é consecutida se a sentença convencer os interessados directos: as partes – e, principalmente, a sociedade em geral, do seu bem fundado: isto é, a sentença valerá acima de tudo se for validada e aceite socialmente.
5.1.3.
Nesta perspectiva constitui jurisprudência uniforme que a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto não subverte, nem pode subverter, o princípio da livre apreciação das provas, nem pode significar a desvalorização da sentença de 1ª instância, que passaria a ser uma espécie de "ensaio" do verdadeiro julgamento a efectuar pelo Tribunal da Relação.
É da decisão recorrida que tem sempre de se partir, porque um tribunal de recurso não julga ex novo.
Assim, a função do Tribunal da 2ª Instância deverá circunscrever-se a "apurar a razoabilidade da convicção probatória do 1º grau dessa mesma jurisdição face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos - Ac. do Trib. Constitucional de 3.10.2001, in Acórdãos do T. C. vol. 51º, pág. 206 e sgs e Ac. da Rel. de Lisboa de 16.02.05, dgsi.pt. com realce e sublinhados nossos tal como nas citações infra
«Assentando a decisão recorrida na atribuição de credibilidade a uma fonte de prova em detrimento de outra, com base na imediação, tendo por base um juízo objectivável e racional, só haverá fundamento válido para proceder à sua alteração caso se demonstre que tal juízo contraria as regras da experiência comum» -Ac. da Relação de Coimbra de 18.08.04, dgsi.pt.
Neste contexto, em recurso compete apenas sindicar a decisão naquilo em que de modo mais flagrante se opuser à realidade, pois há que pressupor que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade que se presume já que por virtude delas na formação da convicção do julgador entram, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova e factores que não são racionalmente demonstráveis.
Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade -, mais importante do que a validade científica dos mesmos, pois que o julgador pode não estar habilitado a avaliá-los nesta vertente– Ac. do STJ de 19.05.2005 dgsi.pt.
Na verdade: «considerando que, por força dos princípios da oralidade e da imediação, o julgador de primeira instância, se encontra muito melhor habilitado a apreciar a prova produzida – maxime a testemunhal – só em situações extremas de ilogicidade, irrazoabilidade e meridiana desconformidade, perante as regras da experiência comum, dos factos dados como provados em face dos elementos probatórios que o recorrente apresente ao tribunal ad quem, pode este alterar, censurando, a decisão sobre a matéria de facto» – cfr. Ac. da Relação de Lisboa de 16.01.2007, dgsi.pt, p.5673/2007-1.
5.1.4.
O caso vertente.
Pretende a recorrente, desde logo, que se dê como provado o quesito 2º no qual se perguntava, para além do mais se: «há mais de 01, 02, 03, 04, 05, 10 e 20 anos que a autora por si e seus antepossuídores e proprietários, se encontra na “posse” de tal fracção…».
Para tanto invoca que o chamado, banco E………., tendo tido conhecimento desta acção, a tal não se opôs.
É evidente que este facto, só por si, não tem qualquer relevância probatória para este efeito pretendido.
O facto de o chamado – que, ao que parece, celebrou com a recorrente contrato promessa de compra e venda relativamente á fracção em causa – nada ter dito não significa que ela tenha tido – ou não tenha tido - a posse da fracção, mais a mais pelo dilatado período de tempo referido na pergunta.
Tal silencio ou inacção é, afinal, perfeitamente inócuo. Até porque o chamado nem sequer interveio no processo, fosse que para que efeito fosse.
Por outro lado a esta matéria apenas foram inquiridas as duas testemunhas da autora.
Cujos depoimentos o Sr. Juiz desvalorizou por completo, às mesmas não atribuindo crédito, pois que, no seu entender, que aqui não pode ser sindicado exactamente devido à míngua daqueles princípios da imediação e da oralidade, elas: «depuseram com evidente parcialidade e com falta de sinceridade, a saber,…o filho da requerente…interessado na causa, apresenta uma versão mais “papista” que aquela que é sustentada pela requerente…e F………. apresentou o típico depoimento indirecto…».
Pretende ainda a recorrente que as respostas negativas dadas aos artigos 8º, 9º e 10º, sejam positivas.
Estriba-se, para tanto, em prova documental junta aos autos.
Os quesitos 8º e 9º respeitam ao valor locativo da fracção que ela alega não ser inferior a 2000 euros mensais (8º), valor este correspondente a uma renda em condições normais de mercado (9º).
O quesito 10º reporta-se das prestações do condomínio em dívida desde Novembro de 2001 e até 24.04.2002, no total de 3.477,67 euros.
Vejamos.
Quanto aos artºs 8º e 9º.
Os documentos que se reportam ao valor locativo da fracção são os documentos de fls. 154 e155, emitidos pelas Finanças, as quais, para efeitos tributários, atribuíram à mesma um valor locativo de 1.200.000$00, ou seja, 500,00 euros mensais em moeda actual.
À falta de outros elementos de prova que infirmem estes elementos oficiais, e dada a sua convincente força probatória, há que ter como bom tal valor, pelo menos a título aproximativo ou referencial.
O facto de a autora alegar que o valor de arrendamento não é inferior a 2000 euros, em nada prejudica uma resposta restritiva a tais quesitos, pois que ela se contem, qualitativa e quantitativamente, no perguntado.
O mesmo se diga no que concerne ao teor do artº 10º, relativamente ao qual o documento junto a fls 17 emitido pelo E………. é inequívoco quanto ao respectivo montante exigível à autora, nos termos da clausula 4ª do contrato promessa pelo Banco com esta celebrado e que consta a fls.7 a 9.
Mantendo-se a resposta negativa ao quesitos 9º, por prova bastante não ter sido feita.
Destarte, assiste, neste particular, parcial razão à recorrente, pelo que as respostas aos quesitos 8º e 10º passarão a ter a seguinte redacção:
Artigo 8º
Provado apenas que a fracção tem uma área de cerca de 370,70 m2, duas divisões, situando-se num aglomerado habitacional de grande movimento comercial e tendo um valor locativo de cerca de 500,00 euros mensais.
Artigo 10º
Provado.
5.1.5.
Nesta conformidade os factos a considerar são os seguintes:
Existe um prédio fracção autónoma designada pelas letras “DJ”, a que corresponde o local composto pela loja nº …., do G………., em Vila Nova de Gaia, fazendo parte do prédio urbano sito na ………, nºs .., …, …, … e …, e na ………., nº .., no ………., em Vila Nova de Gaia, em regime de propriedade horizontal, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº 00026, freguesia de ………., inscrito na respectiva matriz sob o Artigo nº 7138.
Foi celebrado contrato-promessa de compra e venda, de 10/10/96, celebrado com H………., S. A. (actualmente, o chamado E………., S. A.), como promitente vendedor, e a A., como promitente compradora, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
Foi celebrado contrato, denominado de contrato promessa de cessão de quotas e de cedência de posição contratual, sendo que a cedência de quotas em sociedade foi celebrada entre I………. e J………., e a cedência de posição contratual foi celebrado entre A. e R. marido, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. A assinatura a rogo não se acha reconhecida notarialmente.
A A. na sequência do contrato referido em B) começou a usar o dito prédio, por o mesmo lhe ter sido entregue pelo promitente vendedor.
Na sequência do contrato de C) os referidos I………. e J………. fizeram entrega das chaves e do estabelecimento de padaria, pastelaria, cafetaria e snack-bar que ali funcionava ao R.
Os RR. invocaram nulidade do contrato em acção proposta pela sociedade proprietária do referido estabelecimento - Proc. nº …/2002, da .ª Vara Mista desse Tribunal.
A fracção tem uma de cerca de 370,70 m2, com duas divisões, e situada num local - aglomerado habitacional e de grande movimento comercial e tendo um valor locativo de cerca de 500,00 euros mensais.
As prestações de condomínio desde Novembro de 2001, ascendem em 14.04.2002, a 3.477,67 euros.
Em princípios de 2007 o estabelecimento comercial encerrou.
5.2.
Segunda questão.
5.2.1.
Estatui o artº 373º do CC
1. Os documentos particulares devem ser assinados pelo seu autor, ou por outrem a seu rogo, se o rogante não souber ou não puder assinar.
…
4. O rogo deve…ser dado ou confirmado perante notário, depois de lido o documento ao rogante.
E prescreve, reproduzindo quase quase ipsis verbis o citado preceito, o artº 154º do Código do Notariado:
1. A assinatura feita a rogo só pode ser reconhecida como tal por via de reconhecimento presencial e desde que o rogante não saiba ou não possa assinar.
2. O rogo deve ser dado ou confirmado perante o notário, no próprio acto do reconhecimento da assinatura e depois de lido o documento ao rogante.
O Código Civil de 1966 inovou no que à assinatura a rogo concerne.
Por um lado apenas permite a assinatura a rogo se, comprovadamente, o rogante não souber ou não puder assinar.
Por outro, exige que o rogo seja dado ou confirmado perante o notário, depois de lido o documento ao rogante.
Não bastando, como na anterior legislação, que a assinatura seja acompanhada da impressão digital deste – cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, 2ª ed. p.306.
Tudo se compreendendo, naturalmente, pelo propósito de se evitarem abusos e de se proteger o rogante.
Daí que, pelo menos maioritariamente, se entenda que se a assinatura a rogo não satisfizer as formalidades nos mencionados preceitos, tal acarreta a sua invalidade.
E porque a assinatura é um elemento integrante e essencial do documento particular, a falta daquelas exigências legais implica preterição de formalidade ad substantiam do documento, com a consequente nulidade da declaração negocial nele ínsita, de conhecimento oficioso: artºs 220º e 286º do CC – cfr- Ac. da Relação do Porto de 28-06-2001, dgsi.pt, p. 0130729; Acs da Relação de Lisboa de 07-05-91 e de 27-11-2008, dgsi.pt, ps. 0031511 e 9044/2008-6 e Acs do STJ de 11-05-94 e de 17-03-98, ps. 085127 e 98A167.
Sendo que no que ao contrato promessa concerne, tal resulta, outrossim, do disposto no artº 410º nº 2 do CC, o qual, para a validade do mesmo, exige a assinatura – obviamente que aposta regular e validamente – do promitente que se vincula ou por ambos, caso se trate de promessa bilateral.
5.2.2.
No caso concreto tal nulidade foi também declarada pelo Acórdão do Supremo junto aos autos que se debruçou sobre a acção instaurada contra os aqui réus pela sociedade K………., titular do estabelecimento comercial em causa e de que os filhos da autora são os únicos sócios e, até, defendido pelos próprios réus.
Não se podendo assim, salvo o devido respeito, acompanhar a tese do Sr. Juiz a quo sufragada no entendimento que: «…no direito civil…tudo é permitido, salvo haja norma expressa em contrário»… e que: «…o contrato foi celebrado, e que do mesmo não resulta qualquer vício formal ou qualquer vicio da vontade, que o fulmine com a nulidade».
Tudo ao que parece, por virtude da convicção – plasmada na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto - de que a autora se encontra subordinada aos interesses dos seus filhos, os quais decidem o que fazer.
Mas precisamente por isto, e porque, ao que parece, a autora não sabe ler nem escrever, importaria dar cumprimento aos normativos supra expostos, sendo o contrato lido perante ela por oficial acreditado, para se poder aquilatar – pelo menos formalmente - sobre se o teor do contrato em causa respeitava a sua vontade e ela não estava a ser manipulada pelos descendentes.
5.2.3.
Consequências da nulidade do contrato.
5.2.3.1.
Como se alcança do teor do contrato promessa e, outrossim, é reconhecido no Ac. do STJ que consta no processo o qual também sobre aquele se debruçou, ele encerra dois contratos distintos, embora conexionados, a saber:
- um contrato promessa de cessão da totalidade das quotas da supra referida sociedade entre os filhos da autora e os réus;
- e um contrato promessa de cessão da posição contratual em contrato de compra e venda da fracção em causa, na qual se encontra o estabelecimento comercial da dita sociedade, em que é cedente a ora autora e cessionários os réus.
E, como bem se expende no mencionado Aresto, a nulidade decorrente da falta da confirmação notarial da assinatura a rogo apenas afecta este contrato.
Nos termos do artº 289º do CC a declaração de nulidade tem efeito rectroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado, ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
In casu apesar de não se ter provado que os réus têm a posse da fracção, apurou-se que após a celebração do contrato a autora lhes entregou a chave do estabelecimento sito na fracção. O que clama a conclusão que eles continuam a ter a sua disponibilidade.
Assim eles devem restituir a fracção à autora.
E porque não se apurou que esta tenha recebido qualquer contrapartida pela cessão no contrato promessa de compra e venda – versus o que sucedeu no outro negócio, tendo logo ficado consignado que os cedentes já tinham recebido dois mil contos como sinal e princípio de pagamento – não há que condenar a autora a restituir aos réus seja o que for.
Note-se, porém, que, como os réus tomaram logo posse da fracção e nela exploraram o estabelecimento comercial, o contrato foi - na perspectiva dos mesmos - economicamente cumprido, pelo que, se a autora alguma coisa tivesse de restituir, ao respectivo montante haveria que deduzir os frutos da loja, os quais, em princípio, seriam precisamente os correspondentes ao seu valor locativo – cfr. mutatis mutandis, o artº434º nº2 do CC.
5.2.3.2
Nem há que condenar os réus no pagamento deste valor locativo, na medida em que, afinal, eles detinham a posse da fracção não sem qualquer título – inexistência – mas sim com base em título outorgado pelas partes relativamente ao qual apenas agora é declarada a sua invalidade, rectius nulidade.
Ora os efeitos desta são, pelo menos por via de regra, apenas os previstos no citado artº 289º.
Mas mesmo que assim não fosse ou não se entenda, há a considerar que a questão central reporta-se, segundo alegam as próprias partes, ao incumprimento do contrato por cada uma delas.
Pelo que, as indemnizações devidas, em princípio, situam-se e restringem-se no âmbito dos condicionalismos e aos montantes previstos no mesmo - relativamente à cessão de quotas mas que é sintomático no que concerne ao contrato que ora nos ocupa as partes estipularam a perda de sinal ou a sua restituição em dobro - e das normas legais aplicáveis.
Porém a autora limitou-se a alegar, genericamente, tal incumprimento por parte dos réus não tendo alegado e provado factos concretos relativos ao mesmo.
Nem, inclusive, tendo provado – respostas negativas aos artºs 5º e 6º que não impugnou – que tem vindo a solicitar aos réus a restituição da fracção e que estes se recusam a entregá-la, prosseguindo a exploração lucrativa do estabelecimento.
5.2.3.3
Acresce que apesar de os dois contratos serem formalmente autónomos, eles estão substancialmente conexionados.
Resultando da interpretação global do contrato de fls.10 e sgs. que temos por melhor, que as quantias adiantadas pelos réus no âmbito da cessão de quotas quiseram também abranger o devido para a cessão da fracção.
Desde logo porque no atinente a esta – versus no concernente aquela - nada foi convencionado quanto a pagamentos antecipados relativamente à escritura final.
E sendo certo que necessitando obrigatoriamente o estabelecimento comercial e o negócio nele explorado pelos réus do espaço físico da fracção, esta com aqueles estava indissociavelmente ligada.
5.2.3.4
Enfim, há – dado que, até certo ponto, tratam das mesmas questões ou questões diversas mas interdependentes e reciprocamente condicionantes - e para que, tanto quanto possível, se consecuta, através da manutenção do equilíbrio das prestações, a justiça material do caso concreto, que concatenar o neste processo decidido com o já deliberado no citado Ac. do STJ nestes autos constante.
Na verdade e se mais não houvesse – que há, como se viu –importa não olvidar e ter presente que, a aplicação judiciária do direito não pode limitar-se à mera subsunção lógico-formal a conceitos legais. Mas partindo do facto, aplica a este a norma concretizadora do direito de que o facto é revelação, como sua emergência social. A decisão assumirá a função concretizadora e criativa do direito, realizando-o, no momento da sua aplicação – cfr Acórdão do STJ de 13.07.2004, in dgsi.pt, p.04B2176.
Ora naquele aresto concluiu-se pela validade do contrato de cessão de quotas, mas entendeu-se que a falta do alvará de licença de utilização e das suas consequências apenas se deve colocar por ocasião da celebração/não celebração do contrato prometido. Assim se considerando não se ter provado incumprimento por parte dos ali autores pelo que foi confirmado o indeferimento dos aí – e aqui – réus de verem restituído o sinal em dobro.
Ou seja, por via daquela acção os ali autores, em princípio, terão o direito de manter suas as quantias já recebidas dos réus.
Em contrapartida há a considerar que estes utilizaram e fruíram a fracção e desenvolveram a actividade comercial durante cerca de sete anos, da qual -presumivelmente, pois que se assim não fosse não o fariam por tão alargado lapso de tempo – terão auferido proventos.
A entrega da fracção, a ordenar nos presentes autos - sendo, a priori, que é o que essencialmente interessa, como se viu e salvo o devido respeito por opinião diversa, a mais consentânea com a melhor interpretação dos normativos legais pertinentes - acabará, em termos prático-económicos, e até porque a mesma já está encerrada, precisamente por atingir – posto que seguramente por aproximação e na medida do possível – o mencionado equilíbrio neste intrincado complexo negocial no qual, ao que parece, todos os intervenientes terão tido, em maior ou menor grau, uma actuação menos conforme ao anuído.
Sendo que, se por qualquer motivo, os cedentes das quotas tiverem de restituir aos réus as quantias por eles recebidas, então – e dada a supra verificada conexão e interdependência substancial ou económica entre os dois contratos e porque os réus fruíram da fracção – se poderá eventualmente colocar em questão, com maior acuidade e pertinência, quanto mais não seja por virtude da residual figura do enriquecimento sem causa, o dever de estes terem de restituir o valor correspondente a tal fruição o qual, referencialmente, corresponderá ao mencionado valor locativo, porventura ainda deduzido das despesas de conservação e exploração de 36% a que se alude no termo de avaliação constante a fls.154 dos autos.
5.3.
Resumindo e concluindo:
1. A não confirmação, perante o notário, da assinatura a rogo, acarreta a sua invalidade e, por acréscimo - já que ela é elemento integrante essencial e formalidade ad substantiam do documento particular onde consta - a nulidade da declaração negocial neste ínsita – artºs 373º nºs 1 e 4, 220º e 286 do CC e 154º do C. Notariado.
2. Os efeitos da declaração de nulidade são, por via de regra, os determinados pelo disposto no artº 289º do CC. excepto, vg., se o contrato tiver sido economicamente cumprido ou outras circunstancias especiais a tal obviarem.
3. Assim, numa situação de negociação abrangente de dois contratos que, apesar de juridicamente distintos são substancial e economicamente conexos e com condições negociais comuns, a realização da justiça material que passa pela defesa do equilíbrio das prestações, impõe que a declaração de nulidade de um não produza todos os efeitos do artº 289º, se, por virtude de decisão proferida em acção ao outro atinente, tais efeitos afectarem aquela justiça e equilíbrio.
6.
Deliberação.
Termos em que se acorda conceder parcial provimento ao recurso e, consequentemente, declarar a nulidade da cessão aos réus da posição da autora no contrato promessa de compra e venda da fracção e, decorrentemente, ordenar aos réus a restituição da mesma à autora.
No mais se mantendo a sentença.
Custas pelas partes na proporção de metade para cada.
Porto, 2009.02.17
Carlos António Paula Moreira
Maria da Graça Pereira Marques Mira
Mário António Mendes Serrano