ADVOGADO
RECUSA A DEPOR
SEGREDO PROFISSIONAL
Sumário

I - Uma vez que as entidades visadas se recusem a depor sobre factos cobertos pelo segredo profissional, e mediante a invocação deste segredo, a autoridade judiciária perante a qual o depoimento deve ser prestado procede a averiguações sumárias; se, após estas, concluir manifesta inviabilidade da escusa, ordena o depoimento, que não pode ser recusado;
II - Se concluir pela viabilidade da escusa, prescinde do depoimento ou requer ao tribunal superior que o ordene, usando para isso do processo regulado no n°3 do art° 135° C.P.Pen.
III - A apreciação da proporcionalidade e da proibição do excesso, na invocação do direito, cabe exclusivamente ao tribunal superior.
IV - Mesmo em matéria cível confrontam-se o dever de colaboração com o tribunal para a descoberta da verdade (art° 519º n°1 C.P.Civ.) ou também a tutela dos interesses particulares atendíveis dos cidadãos ou ainda o direito de acesso à justiça versus o dever de sigilo.
V - O parecer a que alude o art° 87° n°4 E.O.A. não possui força vinculativa para fora das relações internas Ordem-Advogado.
VI - Se o juízo de imprescindibilidade do depoimento é formulado após a produção de prova em audiência, pois que a Srª Advogada não foi previamente arrolada no processo; se a vontade manifestada por ela é a de não depor; e se a divergência entre as partes se manifestou em período posterior à sua efectiva, justifica-se a confirmação da pretensão de escusa por invocação de segredo profissional, em face da “tutela dos interesses particulares atendíveis dos cidadãos” ou do “direito de acesso à justiça”.

Texto Integral

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto

Os Factos
Incidente de prestação de testemunho, com quebra de segredo profissional, interposto na acção com processo especial de oposição à execução comum nº…./06.4TBVNG-A-D, do Juízo de Execução de Vila Nova de Gaia.
Executados/Oponentes – B………. e mulher C………. .
Exequente – D………. .

No decorrer dos presentes autos e designadamente da respectiva audiência de julgamento, foi, pelo Exequente requerido o que segue:
“D………., exequente nos presentes autos, no decurso da audiência de julgamento, por ter sido questionado pelo tribunal sobre a autoria do documento constante da declaração de dívida dada à execução, referiu ter sido o mesmo elaborado por advogado. E, atendendo às constantes insistências por parte do exequente junto da ilustre mandatária, Drª E………., com domicílio profissional na ………., …, …….., ….-… Vila Nova de Gaia, acedeu a mesma em prestar o seu depoimento; assim, por se considerar que se afigura essencial à descoberta da verdade, requer, nos termos do disposto nos artºs 536º e 645º C.P.Civ. seja admitida a distinta advogada a prestar o seu depoimento.”
Contra o requerido, invocaram os Oponentes:
“Os executados opõem-se ao requerido depoimento, uma vez que, como foi dito pelo exequente, no seu depoimento de parte, a mesma redigiu o documento denominado “confissão de dívida” em crise nos autos. Sendo assim, a ouvir-se a mesma, tal colidirá com o segredo profissional a que a mesma está obrigada, nessa medida devendo o presente requerimento ser indeferido.”
Admitido o depoimento, ao abrigo do disposto no artº 645º nº1 C.P.Civ., aos costumes a testemunha Drª E………. disse ter representado o exequente na elaboração da confissão de dívida em causa nos autos, bem como ter prestado esclarecimentos relativos à transmissão da sociedade, pelo que declarou pretender não depor, por a matéria estar abrangida pelo sigilo profissional.
Encerrada a audiência e marcada data para a leitura das respostas á matéria de facto, veio o Mmº Juiz “a quo”, nesse interim, a proferir despacho no sentido de que existem questões nos autos, debatidas em audiência e com versões testemunhais díspares e que poderiam ser decisivamente esclarecidas mediante o depoimento da identificada Srª advogada: 1) as circunstâncias em que foi elaborado o documento de confissão de dívida (título executivo) e 2) interpretação desse documento no segmento em que se refere “quantia de € 25.000, resultante de parte do preço devido pela cessão de quota”.
Assim, “nos termos do artº 135º nº3 C.P.Pen., aplicável por remissão do artº 519º nº4 C.P.Civ., o tribunal superior pode determinar a quebra ou dispensa do segredo profissional quando, tendo ele sido legitimamente invocado, como no caso se pensa que foi, entender que o interesse da descoberta da verdade o justifica, na sequência da intervenção suscitada pelo tribunal, oficiosamente ou sob requerimento”.

O Parecer do Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados foi no sentido de que deve ser julgada legítima a escusa da Srª Drª E………. para depor no âmbito do processo em causa, legitimidade que resulta de não existir fundamento, do que decorre estritamente do exarado nos autos, para a dispensa ou quebra da obrigação de segredo profissional que impende sobre a ilustre causídica.

Em parecer também largamente documentado, o MºPº acompanhou o laudo da Ordem dos Advogados, entendendo que a quebra de sigilo não deveria ser deferida.

No acórdão anteriormente proferido por este Colectivo, decidiu-se “determinar que, em 1ª instância, o Exequente seja notificado para, no prazo de 10 dias, invocar razões susceptíveis de caracterizar a possibilidade de autorização para levantamento do segredo profissional relativamente à sua anterior mandatária, Srª Drª E………., nos termos do artº 87º nº4 E.O.A., para que, após, o Mmº Juiz “a quo”, caso entenda as razões invocadas relevantes ou potencialmente relevantes, nos termos da norma referida, diligencie pelo levantamento do segredo profissional da ilustre Advogada junto do Presidente do Conselho Distrital respectivo da Ordem dos Advogados”.

Regressado o processo à Comarca, o ilustre mandatário do Exequente veio alegar ser “absolutamente essencial à descoberta da verdade que a ilustre Advogada presta informação sobre as circunstâncias em que foi elaborado o documento de dívida, a data de entrega do referido documento aos clientes para que fosse assinado e ainda as condições de fixação do preço estabelecido”, assim como “proceda à interpretação da expressão “quantia de € 25.000”, resultante de parte do preço devido pela cessão de quota”; acrescenta – “só a ilustre Advogada poderá prestar este depoimento”.

A Ordem dos Advogados manteve a posição anteriormente assumida no processo.

Factos Provados
Encontram-se provados os factos atinentes à alegação das partes, tramitação processual e despachos proferidos, tal como acima expostos.

Fundamentos
A questão em causa no presente incidente cinge-se a saber se existe fundamento legal para, no caso concreto, dispensar do sigilo profissional do advogado a anterior mandatária do ora Exequente, exercendo então em fase não judicial.

I
Como escrevemos em anterior acórdão proferido, e continua a revelar-se atinente à concreta ponderação de interesses nos autos, nos termos do artº 87º nº1 al.a) E.O.A., o advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha no exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente os factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste.
Este dever de segredo ou de sigilo profissional delimita negativamente o dever de colaboração dos advogados com todos os tribunais, respondendo a perguntas ou praticando em geral todos os actos que lhe foram determinados, no escopo do apuramento da verdade – artº 519º nº1 C.P.Civ.
Na verdade, a recusa de colaboração é legítima se importar violação do sigilo profissional – artº 519º nº3 al.c) C.P.Civ.
Mais acrescenta o normativo do citado artº 519º que, deduzida escusa com fundamento em sigilo profissional, é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado.
Ora, que dispõe o processo penal nesta matéria?
A norma directamente em causa é a do artº 135º nºs 2 e 3 C.P.Pen. A redacção do nº3, que infra citaremos, foi introduzida pelo D.-L. nº317/95 de 28 de Novembro, em resultado da revisão do Código Penal levada a efeito pelo D.-L. nº48/95 de 15 de Março.
Na citada revisão do Código Penal foi eliminada a redacção dos artºs 184º e 185º C.Pen.82, substituídos por um novel artº 195º C.Pen.95, o qual prevê e estatui: “Quem, sem conhecimento, revelar segredo alheio de que tenha tomado conhecimento em razão do seu estado, ofício, emprego, profissão ou arte, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias”.
Particularmente importante, porém, no que concerne a matéria que nos ocupa, foi a revogação do citado artº 185º, do seguinte teor: “O facto previsto no artigo anterior” – o artº 184º versava sobre a matéria da violação do segredo profissional – “não será punível se for revelado no cumprimento de um dever jurídico sensivelmente superior ou visar um interesse público ou privado legítimo, quando, considerados os interesses em conflito e os deveres de informação que, segundo as circunstâncias, se impõem ao agente, se puder considerar meio adequado para alcançar aquele fim”.
Na ausência de uma tal norma de ponderação de direitos e de interesses em conflito, entendeu-se bastarem ao caso os princípios gerais dos artºs 31ºss. C.Pen., nomeadamente em função do princípio geral da prevalência do interesse preponderante e do direito de necessidade, respectivamente previstos nos artºs 205º nºs 1, 2 e 3 C.R.P. e 34º C.Pen. (ut, neste sentido, Ac.R.P. 14/5/97 Col.II/229).
O esquema resultante da revisão do Código Penal, em 1995, foi mais tarde completado pela revisão do processo penal, designadamente no nº3 do artº 135º C.P.Pen. (a mudança, todavia, neste normativo, em pouco alterou o regime de pretérito, significando apenas a adaptação do processo penal ao novo regime substantivo).
Dispõem, assim, estes normativos do citado artº 135º:
Nº2 – Havendo dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias. Se, após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena, ou requer ao tribunal que ordene, a prestação do depoimento.
Nº3 – O tribunal imediatamente superior àquele onde o incidente se tiver suscitado, ou, no caso de o incidente se ter suscitado perante o Supremo Tribunal da Justiça, o plenário das secções criminais, pode decidir da prestação de testemunho com quebra de segredo profissional sempre que esta se mostre justificada face às normas e princípios aplicáveis da lei penal, nomeadamente face ao princípio da prevalência do interesse preponderante. A intervenção é suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento.
As duas normas são aparentemente contraditórias – na primeira, prevê-se que o tribunal possa concluir pela ilegitimidade da escusa; na segunda, prevê-se que o juiz suscite a questão perante o tribunal superior, em caso de necessária ponderação “das normas e princípios da lei penal” e do “princípio da prevalência do interesse preponderante”.
Na exegese dos normativos, Maia Gonçalves propôs uma concatenação simples e, aliás, clara (Código Anotado, artº 135º, nota 3): uma vez que as entidades visadas se recusem a depor sobre factos cobertos pelo segredo profissional, e mediante a invocação deste segredo, a autoridade judiciária perante a qual o depoimento deve ser prestado procede a averiguações sumárias; se, após estas, concluir pela manifesta inviabilidade da escusa, ordena o depoimento, que não pode ser recusado.
Todavia, se concluir pela viabilidade da escusa, prescinde do depoimento ou requer ao tribunal superior que o ordene, usando para isso do processo aqui regulado.
Este critério foi aliás usado, em matéria de sigilo bancário, no Ac.Jurispª S.T.J. 2/2008, in D.R. Is., de 31/3/08.
Aparentemente, foi também este o critério sufragado pelo Mmº Juiz “a quo” – se o juiz aceita que a escusa à colaboração é, pelo menos, formalmente legítima ou fundamentada, como é o caso nos autos, não lhe cabe efectuar qualquer ponderação de valores ou direitos em jogo (balancing rights) – artº 18º nº2 C.R.P. – assim, a apreciação da proporcionalidade e da proibição do excesso, na invocação do direito, cabe exclusivamente ao tribunal superior.
II
O âmbito do sigilo profissional do advogado é entendido em termos amplos.
Assim António José de Lima, Do Segredo Profissional, 1939, cit. in Ac.R.L. 9/3/95 Col.II/67, escrevia: “a profissão de advogado tem de inspirar uma confiança sem limites e assegurar uma discrição absoluta (…). Pode dizer-se que a profissão de advogado se assemelha, de certo modo, à do confessor e é assim uma espécie de sacerdócio que impõe, a quem o exerce, deveres indeclináveis e obrigações rigorosas”.
Os advogados exercem a respectiva actividade numa área de privacidade e bolem muitas vezes com o núcleo fundamental da dignidade dos respectivos clientes ou de terceiros – pessoas ou empresas – nos assuntos que lhes são cometidos.
A violação do segredo profissional assume interesse e ordem pública – impõe-se ao tribunal, não se limitando às relações advogado – cliente (Ac.R.C. 20/1/93 Bol.423/618).
Já vimos como o tribunal superior deve intervir em termos de ponderação de direitos. A doutrina criminal possui um largo discorrer sobre a matéria, designadamente no que toca ao interesse da boa administração da justiça versus a manutenção do sigilo (por todos, Ac.S.T.J. 21/4/05 Col.II/186). Mutatis mutandis, em matéria cível confrontam-se o dever de colaboração com o tribunal para a descoberta da verdade (artº 519º nº1 C.P.Civ.) ou também a tutela dos interesses particulares atendíveis dos cidadãos (Ac.R.C. 14/2/06 Col.I/29) ou ainda o direito de acesso à justiça (artº 1º C.P.Civ. e Ac.R.P. 13/11/06 Col.V/171) versus o dever de sigilo.
No caso dos autos, um problema prévio se coloca: o advogado pode ficar desvinculado da obrigação do segredo profissional e divulgar os factos que ao abrigo desse dever lhe foram confiados, mas para que tal aconteça, com quebra do sigilo profissional, terá o advogado de ser expressamente autorizado a fazê-lo pelo Presidente do Conselho Distrital da Ordem dos Advogados, ou pelo seu Bastonário, em caso de recurso da decisão daquele (por todos, S.T.J. 19/12/06 in www.dgsi.pt, pº nº 06B4446, relator: Salvador da Costa, Ac.R.L. 14/12/95 in www.dgsi.pt, pº nº 0006062, relator: Santos Bernardino ou Ac.R.P. 5/3/07 in www.dgsi.pt, pº nº 0656518, relatora: Anabela Luna de Carvalho), pese embora tal parecer não possua força vinculativa para o exterior, isto é, para fora das relações internas Ordem-Advogado (nomeadamente não vinculando a jurisdictio, consoante S.T.J. 21/4/05 Col.II/186).
É o que resulta do disposto no artº 87º nº4 EOA, onde se estabelece que a quebra ou cessação do dever de sigilo profissional do advogado, só existirá e será autorizada, quando se mostre absolutamente necessária para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do seu cliente ou dos seus representantes.
Assim, pese embora o interesse público do segredo profissional, este segredo ou dever de sigilo pode caracterizar-se como relativamente disponível, nas condições a que alude o disposto no artº 87º nº4 cit., mediante avaliação prévia da Ordem dos Advogados.
Note-se porém que, ainda que dispensado do sigilo nos termos da citada norma legal, o Advogado não pode ser obrigado à revelação de factos abrangidos pelo sigilo – é o que resulta da conjugação dos nºs 4 e 7 do artº 87º E.O.A., no sentido de que o advogado, ainda que podendo revelar factos abrangidos pelo sigilo, em face da norma excepcional do nº4 e após autorização da Ordem dos Advogados, pode ainda, por sua livre vontade, manter o segredo profissional (nº7).
Ora, sabemos como foi vontade manifestada pela Srª Advogada a de não prestar depoimento, pese embora ter sido chamada a juízo pela própria parte a quem prestou serviços.
III
Passemos pois à ponderação de interesses do caso concreto.
A Srª Advogada patrocinou o Exequente na redacção do documento particular dado à execução e nas negociações com a parte contrária que conduziram à assinatura do dito documento “confissão de dívida”, com assinatura aposta por parte dos Oponentes/Executados.
Todavia, pese embora a alegação do Exequente e o despacho proferido pelo Mmº Juiz “a quo” indiciarem que se torna imprescindível para o Exequente a prestação de depoimento por parte daquela Srª Advogada, para o eventual convencimento do Tribunal quanto à veracidade da tese do Exequente, não deveremos esquecer que este juízo de imprescindibilidade é formulado após a produção de prova em audiência, pois que aquela Srª Advogada não foi arrolada no processo, pelo Exequente, em devido tempo, antes requerida (e deferida) a respectiva inquirição ao abrigo do disposto no artº 645º nº1 C.P.Civ.
E assim, ignora-se se o depoimento da Srª Advogada será o único que corrobore a tese do Exequente ou se será mais um a levar em conta, tendo em vista a dita tese já exposta por outras testemunhas, e que possa, ou não, fazer vencimento no processo.
Por outro lado, a vontade manifestada pela Srª Advogada em não depor indicia tratar-se de matéria sensível na relação entre as partes, que o advogado, enquanto profissional, só em última análise possa ser chamado a esclarecer, vista a importância e o melindre dos interesses que lhe estão confiados, que compreendem, note-se, os interesses daquelas pessoas que, quer convirjam ou divirjam do cliente, tenham confiado no advogado, no exercício das respectivas funções (cf. Sousa Magalhães, Estatuto Anotado, 4ª ed., pg. 125).
Finalmente, não podemos esquecer que a divergência entre as partes se manifestou em período posterior à obrigação assumida pelos Executados/Oponentes no documento “confissão de dívida”, dado à execução, e prende-se com o montante ou parte do preço a que o documento não faz referência, isto é, que o documento não titula.
Sendo assim, não é também, por esta via, seguro que o depoimento da Srª Advogada se constitua como essencial ou imprescindível para o Exequente.
Tal fragilização quer da necessidade do depoimento, quer da sua imprescindibilidade, torna outrossim mais frágil o raciocínio que se faça em matéria de “tutela dos interesses particulares atendíveis dos cidadãos” ou de “direito de acesso à justiça”, no confronto com a obrigação de sigilo profissional do advogado.
O acervo de razões supra conduz-nos à confirmação da pretensão de escusa por invocação de segredo profissional, formulada pela Srª Advogada no processo.

Resumindo a fundamentação:
I – Uma vez que as entidades visadas se recusem a depor sobre factos cobertos pelo segredo profissional, e mediante a invocação deste segredo, a autoridade judiciária perante a qual o depoimento deve ser prestado procede a averiguações sumárias; se, após estas, concluir pela manifesta inviabilidade da escusa, ordena o depoimento, que não pode ser recusado; todavia, se concluir pela viabilidade da escusa, prescinde do depoimento ou requer ao tribunal superior que o ordene, usando para isso do processo regulado no nº3 do artº 135º C.P.Pen.
II - A apreciação da proporcionalidade e da proibição do excesso, na invocação do direito, cabe exclusivamente ao tribunal superior.
III – Mesmo em matéria cível confrontam-se o dever de colaboração com o tribunal para a descoberta da verdade (artº 519º nº1 C.P.Civ.) ou também a tutela dos interesses particulares atendíveis dos cidadãos ou ainda o direito de acesso à justiça versus o dever de sigilo.
IV – O parecer a que alude o artº 87º nº4 E.O.A. não possui força vinculativa para fora das relações internas Ordem-Advogado.
V – Se o juízo de imprescindibilidade do depoimento é formulado após a produção de prova em audiência, pois que a Srª Advogada não foi previamente arrolada no processo; se a vontade manifestada pela Srª Advogada é a de não depor; e se a divergência entre as partes se manifestou em período posterior à efectiva intervenção da Srª Advogada no documento dado à execução, justifica-se a confirmação da pretensão de escusa por invocação de segredo profissional, em face da “tutela dos interesses particulares atendíveis dos cidadãos” ou do “direito de acesso à justiça”.

Com os poderes conferidos pelo disposto no artº 202º nº1 da Constituição da República Portuguesa, decide-se neste Tribunal da Relação:
Ao abrigo do disposto no artº 135º nº3 C.P.Pen., ex vi artº 519º nº4 C.P.Civ., julgar legítima a escusa da Srª Drª E………. para depor no âmbito do presente processo, por inexistência de fundamento para dispensa da obrigação de sigilo profissional.
Sem custas.
Dê conhecimento ao Conselho Distrital da Ordem dos Advogados e ao Digno Agente do Ministério Público.

Porto, 3/III/09
José Manuel Cabrita Vieira e Cunha
Maria das Dores Eiró de Araújo
João Carlos Proença de Oliveira Costa