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ERRO SOBRE O VALOR DO OBJECTO DO NEGÓCIO
ERRO SOBRE AS QUALIDADES DO OBJECTO DO NEGÓCIO
CONTRATO-PROMESSA
Sumário
I - No que tange à qualificação do erro em que o demandado incorreu, também é manifesto que não incidiu sobre o valor (preço) do objecto do negócio, mas sim sobre qualidades/aptidões deste que eram essenciais para que ele aferisse da conformidade ou adequação do mesmo com o preço que estava disposto a dar para o adquirir. II - Como tal, por verificação dos pressupostos dos arts. 251° e 253°, do Código Civil não há dúvida que o negócio em apreço (contrato-promessa) era anulável e que o efeito decorrente do decretamento dessa anulação era a restituição dos € 75.000,00 que o réu havia entregue aos autores a título de sinal, nos termos do n° 1 do art. 289° do CCiv..
Texto Integral
Proc. nº 7882/08 – 2ª Secção
(apelação)
_________________________________
Relator: Pinto dos Santos
Adjuntos: Des. Cândido Lemos
Des. Marques de Castilho
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Acordam nesta secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório:
B………., Lda., C………. e mulher D………. instauraram contra E………., todos devidamente identificados nos articulados, a presente acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, pedindo:
- que seja declarado resolvido o contrato-promessa identificado no art. 1º da petição inicial, por incumprimento definitivo e culposo imputável ao réu;
- e que seja declarada perdida a seu (dos autores) favor a quantia de € 75.000,00 que o réu lhes entregou a título de sinal.
Para tal, alegaram que celebraram com o réu um contrato promessa de compra e venda de um terreno, do posto de combustível que nele está instalado e em exploração e, bem assim, de cedência das quotas que os segundos autores são titulares na primeira demandante, pelo preço global de € 1.000.000,00 (um milhão de euros), tendo o demandado entregue a quantia de € 75.000,00 a título de sinal e princípio de pagamento; que ficou acordado que a escritura pública do contrato prometido seria celebrada até ao final de Dezembro de 2005 e que ficava a cargo do réu notificar os autores do dia, hora e local em que se iria realizar a dita escritura; que tal prazo foi ultrapassado sem que a escritura se tivesse realizado, o que determinou a autora a enviar uma missiva ao réu advertindo-o que caso não marcasse a escritura até ao dia 23 de Janeiro de 2006, a sua atitude seria considerada como de incumprimento definitivo do contrato-promessa; que este respondeu referindo, além do mais, que se os autores persistissem em exigir o cumprimento do contrato, ver-se-ia obrigado a requerer a anulação do negócio, atitude que eles, autores, tomaram como de inequívoca recusa do réu em cumprir o contrato.
O réu, devidamente citado, contestou a acção, por impugnação e por excepção (peremptória) e deduziu reconvenção pedindo:
- que seja declarado o incumprimento definitivo do contrato-promessa pelos autores e que estes sejam condenados a restituir-lhe o sinal em dobro no valor de € 150.000,00
- e subsidiariamente que seja declarada a anulação do mesmo contrato-promessa por dolo, erro e usura e, por via disso, que os autores-reconvindos sejam condenados a restituir-lhe a quantia de € 75.000.00, entregue a título de sinal.
Alegou, no essencial, para procedência da reconvenção, que:
- os autores não lhe forneceram os elementos referentes à contabilidade da sociedade demandante, designadamente ao caixa, violando o dever de informação a que estavam obrigados e induziram-no em erro quanto à veracidade da contabilidade da sociedade autora, que mais tarde (já depois da outorga do contrato-promessa) veio a verificar que se encontrava adulterada, com activos inexistentes, passivos não declarados ou relevados e elevados riscos a nível fiscal, não lhe sendo exigível, depois de tal constatação, manter a vontade de adquirir a dita sociedade;
- os autores, através da gerente da sociedade demandante, H………., fizeram acreditar o réu-reconvinte numa série de factos (que minuciosamente descreveu) que eram falsos no intuito de o determinarem a celebrar o contrato-promessa, pelo preço de € 1.000.000,00, passando-lhe a ideia de que o resultado económico do ano de 2003, superior a 2.600.000 litros de combustível vendido, traduzia o volume normal de vendas daquela sociedade, que o inferior resultado económico do ano de 2004 foi excepcional e deveu-se a obras realizadas numa estrada contígua ao posto de abastecimento, que fizeram com que alguns clientes se tivessem ido abastecer a outros postos de combustíveis, e garantindo-lhe que no final de 2005 o valor das vendas andaria à volta dos mencionados 2.600.000 litros de combustível;
- estes resultados, após a assinatura do contrato-promessa, foram desmentidos por outra documentação da mesma sociedade, que solicitou aos autores e que consultou, os quais evidenciaram que a empresa prometida vender não era capaz de gerar os resultados económicos que lhe haviam sido indicados aquando das negociações que culminaram com a celebração do contrato-promessa, ficando muito aquém deles;
- se não tivesse sido induzido em erro acerca da real situação económica da empresa prometida, não teria celebrado o dito contrato-promessa nos termos (pelo valor) em que o fez, tendo-se os autores, através da dita gerente com quem negociou, aproveitado da sua inexperiência no ramo para, assim, tentarem vender-lhe uma empresa que valia cerca de um terço do preço acordado, sendo certo que estes sabiam da essencialidade, para o réu, devido ao preço envolvido no negócio, da real situação económica daquela.
Os Autores replicaram, impugnando a factualidade invocada pelo réu-reconvinte a título de defesa por excepção e a integradora do(s) pedido(s) reconvencional(is).
Houve tréplica.
Foi proferido despacho saneador e foram seleccionados os factos assentes e os controvertidos, sem reclamação das partes.
O réu requereu, além de outros meios de prova, a realização de uma perícia colegial, a qual foi admitida por despacho de fls. 290 verso.
Por não ter efectuado o preparo para despesas inerente à produção da prova pericial, foi, por despacho de fls. 314, determinada a não realização desta.
Inconformado com o teor de tal despacho, interpôs o réu recurso de agravo, cuja motivação, constante de fls. 361 a 370, culminou com as seguintes conclusões:
“I - Dispõe o artigo 44° do CCJ ser da responsabilidade de quem tenha requerido directa ou implicitamente a diligência em causa o pagamento dos preparos de despesas que lhe são inerentes.
II - Da dedução de quesitos por parte da A. se deduz, com toda a probabilidade, que a A. também pretende demonstrar factos da base instrutória com base neste meio de prova, razão pela qual, ao contrário do que foi decidido, o agravado também deveria partilhar com o agravante o custo da referida perícia.
III - Pelo que, salvo melhor opinião, faltando o pressuposto legal para que o agravante fosse obrigado a pagar aquele preparo na sua totalidade, não pode aplicar o tribunal a consequência preclusiva decorrente do artigo 45°. n° 1 a) do CCJ e, assim, dar sem efeito a perícia que antes havia ordenado.
IV - É indesmentível que a prova pericial e, em particular a prova pericial com o objecto que foi requerido, constitui, in casu, dada a natureza técnica dos factos que integram o objecto da prova, o meio mais adequado para a demonstração dos mesmos, designadamente no que se refere à análise da contabilidade da firma A..
V - É, também, incontroverso que nisso mesmo anuiu também a A., a qual não só (não) se opôs à realização da perícia requerida como até requereu o alargamento do seu objecto.
VI - Por outro lado, é também incontroverso que a perícia, apesar de ser requerida pelas partes, não é um meio de prova que o legislador tenha colocado (ou) esteja na exclusiva disponibilidade destas, pois que a mesma só será admitida se o tribunal entender que é necessária e adequada e, por isso, pertinente para a demonstração dos factos seleccionados e não se afigura dilatória.
VII - Porque assim foi e porque a perícia daqueles mesmos factos não perdeu a sua relevância, importância ou validade para a prova dos mesmos apesar de a aqui R. não ter cumprido a obrigação de pagamento do preparo para despesas.
VIII - A prova pericial mantém-se, pois, pertinente, por um lado, porque o incumprimento de uma obrigação tributária não pode extinguir ou destruir a sua relevância processual e, por outro, porque ao tribunal são conferidos, nesta sede, poderes inquisitórios.
IX - Daí que após ter julgado relevante a prova pericial requerida não possa o juiz a quo, sem mais, e apenas em virtude de um lapso que também foi da secretaria, dar sem efeito a perícia antes ordenada.
X - Não se pode aceitar, sem mais, por ser uma restrição do direito à tutela judicial efectiva manifestamente desproporcional, é que, sem qualquer aviso ou advertência de cominação e mesmo sem utilizar a aplicação da sanção da multa, o sujeito processual, designadamente, o aqui agravante, fique cerceado no seu direito à prova.
XI - Entre o fim que se visa conseguir com aquela norma do CCJ - o pagamento dos peritos - e a consequência jurídica do não pagamento atempado do preparo para despesas, existe uma manifesta desproporção que viola o direito à tutela judicial efectiva protegido pelo artigo 20° da CRP.
XII - O que, no caso concreto, é ainda mais grave na mediada em que uma parte dos factos que interessa ao aqui agravante demonstrar assumem um carácter marcadamente técnico de índole contabilístico que só a prova pericial, designadamente a análise da escrita da agravada se reputa como adequada.
XIII – Aliás, o artigo 45°, n° I a) do CCJ está em contradição clara com o artigo 280° do CPC, o qual revogou todas as normas que de modo directo ou indirecto fizessem depender a prática de qualquer acto processual ou o prosseguimento do processo em função do cumprimento de obrigações de natureza fiscal.
XIV - O pagamento de um preparo para despesas é uma obrigação tributária no sentido de que se trata do pagamento de uma taxa em virtude de um determinado serviço, neste caso, do trabalho e das despesas desenvolvidas pelos peritos.
XV - A aplicação da consequência vertida no artigo 45°. n° 1 a) do CCJ por parte do tribunal a quo foi errada por se tratar de norma manifestamente inconstitucional pelos argumentos que já atrás se invocaram.
XVI - Inconstitucionalidade, essa, que aqui se argúi, expressamente, requerendo-se ao tribunal ad quem que revogue a decisão recorrida em função da desaplicação, por inconstitucionalidade, do artigo 45°. n° 1 a) do CCJ.
Com estes fundamentos se requer a revogação da decisão proferida e a consequente produção da prova pericial, com o que V. Exas. farão JUSTIÇA”.
Não houve contra-alegações e o Mmo. Juiz «a quo» sustentou, tabelarmente, o despacho recorrido (fls. 398).
Os autos seguiram os seus termos com a realização da audiência de discussão e julgamento, no termo do qual foi dada resposta aos quesitos da base instrutória pela forma exarada no despacho de fls. 616 a 620.
Foi, depois, proferida sentença, a fls. 645 a 664, que julgou a acção totalmente improcedente e a reconvenção parcialmente procedente e, em consequência, absolveu o réu de todos os pedidos contra ele formulados pelos autores, absolveu estes últimos do pedido reconvencional de resolução do contrato-promessa e de restituição do sinal em dobro e anulou o mesmo contrato-promessa (de compra e venda) celebrado entre autores e réu, determinando a restituição ao demandado-reconvinte da quantia de € 75.000,00 paga, por este, a título de sinal.
Irresignados com o decidido, interpuseram os autores recurso de apelação, cuja motivação, junta a fls. 685 a 706, concluíram do seguinte modo:
“A) Da decisão sobre a matéria de facto:
1. A reposta à matéria constante dos artigos 12, 13, 14, 15, 16, 17, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 52, 55, 56, 57 da base instrutória deve (ser) rectificada, de forma a ser dada resposta negativa à mesma, pois não deveria ter sido julgada provada como, erradamente, o foi,
2. Dado que não foi produzida qualquer prova, nem suficiente, para sustentar resposta positiva a tal matéria e de forma a poder considerar-se provada,
3. E porque, ao invés, foi produzida prova em sentido contrário ou contra-prova à mesma matéria, através dos depoimentos das testemunhas H………., G………. e J………. e ainda pelo documento de fls. 96.
4. Foi dado como provado o teor do documento (gráfico) de fls. 96 (doc. 1 da contestação), o qual foi entregue ao R. antes da assinatura do contrato promessa, pelo que tomou este conhecimento dos volumes das vendas de 2001 - 2002 - 2004 e, inclusive, da projecção do volume de vendas total para o ano de 2005 no valor de 2.280.000 de litros.
5. Tendo ficado a saber que em todos os anos de vida do posto o volume de vendas foi sempre inferior a 2.600.000 litros.
6. Pelo que não é lógico, nem possível, que o R., pessoa de normal entendimento, se tenha deixado enganar em face do teor desse documento.
7. A resposta à matéria de facto aqui posta em crise deveria ter sido negativa, também porque a Mma Juiz a quo, contra o teor dos depoimentos de todas as testemunhas que tiveram intervenção directa nos factos e contra o teor do documento de fls. 96, alicerçou a sua resposta no depoimento indirecto da mulher do próprio Réu.
B) Da decisão de direito:
8. Dada a fundamentação da decisão de direito, e uma vez que a decisão sobre a matéria de facto dessa mesma questão deve ser negativa, por inexistência de prova bastante para tal, então, carece, assim, de fundamentação fáctica, a decisão de direito proferida na parte em que deu merecimento ao pedido reconvencional.
9. As partes do negócio são os AA. e o R, não sendo a referida H………. parte do mesmo.
10. Nos termos do disposto no artigo 221º CC, as estipulações verbais essenciais anteriores ou contemporâneas ao documento são nulas, pois que a excepção prevista neste dispositivo apenas se aplica às estipulações acessória e já não às essenciais.
11. Pelo que a condição essencial alegada pelo R. como determinante da sua vontade para celebrar o contrato, porque não reduzida a escrito, é nula.
12. O erro do R. não é um erro sobre as qualidades do objecto, a sua substância, suas qualidades essenciais, mas será apenas um erro quanto ao valor do objecto do negócio.
13. E porque se trata de um erro sobre o valor do objecto do negócio, e não sobre as suas qualidades essenciais ou identidade, não é atendível (RLJ, 107º - 40).
14. Os AA. não aceitaram, tácita ou expressamente, a essencialidade do motivo que terá determinado a vontade do R..
15. Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 394º CC, "é inadmissível a prova por testemunhas se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo... dos documentos particulares... quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele quer sejam posteriores".
16. Pelo que não é permitido ao R fazer prova (que não a fez) da existência de um acordo ou convenção adicional ao conteúdo do contrato por meio de testemunhas, nem pode o Julgador lançar mão de presunções ou conclusões.
Em consequência, deve ser revogada a decisão sobre a matéria de facto quanto aos pontos concretamente supra identificados e substituída por outra que julgue tal matéria como não provada.
(E) Deve a sentença de direito ser substituída por outra que julgue totalmente improcedente o pedido reconvencional do R. e, atendendo à matéria dada como provada alegada pelos AA., deve o pedido dos AA. ser julgado procedente.
Com tal, se fará a inteira e necessária JUSTIÇA”.
O réu-reconvinte contra-alegou, a fls. 719 a 746, em defesa e pela confirmação da sentença recorrida.
Foram colhidos os vistos legais.
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II. Questões a apreciar e decidir:
Sabendo-se que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes (art. 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3 do C.Proc.Civ.) e que este Tribunal não pode conhecer de matéria nelas não incluída, a não ser em situações excepcionais, as questões que importa apreciar e decidir neste acórdão são as seguintes:
1 – Saber se as respostas dadas pelo Tribunal «a quo» aos quesitos da base instrutória que vêm postas em crise pelos apelantes devem ser alteradas, como estes pretendem.
2 – Saber se o pedido de anulação do contrato-promessa reconvencionalmente deduzido pelo réu deve ser julgado improcedente e se, pelo contrário, deve proceder o pedido de resolução do mesmo contrato, formulado pelos autores, com a consequente perda, a favor destes, do sinal prestado (€ 75.000,00) pelo réu, com a inerente revogação da sentença recorrida.
3 – Finalmente e só no caso da sentença recorrida não ser confirmada, haverá que apreciar o objecto do recurso de agravo e saber:
a) Se a perícia requerida e ordenada podia ter sido dada sem efeito, como foi, por falta de pagamento, por parte do réu-requerente, do respectivo preparo para despesas;
b) … Ou se os autores também deviam suportar parte do preparo para despesas por terem aderido a tal meio de prova e ampliado o objecto da perícia.
c) Se o art. 45º nº 1 al. a) do CCJ é inconstitucional por violar o direito à tutela judicial conferido pelo art. 20º da CRP.
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III. Factos dados como provados na 1ª instância:
Na douta sentença da 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
a) No dia 3 de Setembro de 2005, AA. e R. celebraram e assinaram um acordo denominado contrato-promessa de compra e venda e de cessão de quotas, através do qual, a A. sociedade prometeu vender ao R. o seu terreno sito na freguesia de ………., Trofa e o seu posto de combustível da marca "F………." que naquele está instalado e que explora, bem como prometeram os AA. marido e mulher ceder ao R. as quotas de que são titulares na sociedade A., tudo pelo preço global de € 1.000.000,00 [al. A da MFA].
b) Nas cláusulas terceiras e quarta daquele acordo, foi exarado que o R. entregou à A. a quantia de € 75.000,00 a título de sinal e principio de pagamento daquele preço, e que o remanescente do preço seria pago no acto da prometida escritura [al. B da MFA].
c) Na cláusula segunda ficou consignado que a sociedade ora Autora, na qualidade de "proprietária da Firma" e do terreno indicado, prometia vender ao ora Réu "sem quaisquer reservas, ónus ou encargos e responsabilidade, nomeadamente hipotecários, pagamentos a fornecedores, segurança social e de origem fiscal e administrativa", constando da cláusula sexta que faziam parte da "compra e venda todos os móveis, utensílios, máquinas, ferramentas e em geral todos os elementos que integram a compra e venda, excepto os combustíveis" [facto retirado do contrato-promessa junto a fls. 27 a 29].
d) Ainda nos termos do acordado entre AA. e R., ficou fixado na cláusula oitava do mesmo contrato-promessa o seguinte: "a escritura pública de compra e venda será celebrada até ao final de Dezembro de 2005” e na cláusula sexta ficou estabelecido que: "fica a cargo do Segundo Outorgante notificar a Primeira Outorgante do dia, (d)a hora e (d)o local em que se vai realizar a respectiva escritura de compra e venda ..." [al. C da MFA].
e) No Verão de 2005, o Réu foi contactado por um senhor de nome G………., que o abordou, apresentando-lhe a possibilidade de compra de um posto de combustível sito na Trofa, posto esse para o qual o Sr. G………. estava incumbido de angariar potenciais compradores [respostas aos quesitos 3º e 4º da Base Instrutória].
f) No final do Verão, o Réu, em virtude daquele contacto, iniciou conversações com a D.ª H………. para a compra do referido posto, pois os autores haviam encarregado aquela H………. de proceder a tais negociações em seu nome e como sua representante, decidindo e ajustando com o réu as condições do negócio, tendo todas as negociações sido realizadas por aquela e não pelos autores [resp. aos ques. 5º, 6º e 7º da BI].
g) Após alguns contactos, o Réu deslocou-se, em Agosto, ao posto de combustível da Autora, sito na Trofa, para examinar alguns documentos contabilísticos e para recolher informação que o ajudasse a avaliar o preço proposto [resp. ao ques. 8º da BI].
h) No decurso das negociações que antecederam a celebração do contrato-promessa referido em a), H………. apresentou ao Réu documentos que mostravam um volume de vendas de combustível superior a 2.600.000 litros no ano de 2003 e reflectiam um decréscimo de cerca de 100.000 litros no ano de 2004, explicando-lhe que a descida do volume de vendas verificada em 2004 se havia ficado a dever às obras efectuadas no referido ano na estrada fronteira ao posto e que, terminadas as obras, a tendência era para melhorar [resp. aos ques. 9º a 17º da BI].
i) O Réu celebrou o acordo mencionado em a) porque estava convencido (de) que o volume médio de vendas do posto era da ordem do verificado em 2003, ou seja, 2.600.000 litros [resp. ao ques. 21º da BI].
j) O facto aludido em i) era do conhecimento de H………., que prestou ao Réu as informações e deu a explicação referidas em h) [resp. aos ques. 22º e 23º da BI].
I) Quando o Réu se deslocou ao posto de combustível, a Dª. H………. apresentou-lhe, pelo menos, os modelos 22 (IRC) de 2003 e de 2004 e um balancete de Fevereiro de 2005 [al. M da MFA].
m) Após a assinatura do acordo mencionado em a), o marido da D.ª H………. disse ao Réu que o volume de vendas de combustível previsto para o ano de 2005 era de 2.280.000 litros [al. N da MFA].
n) Dias após a assinatura do referido contrato-promessa, o Réu tomou conhecimento de que o volume de vendas de 2003 (superior a 2.600.000 litros) se tinha ficado a dever ao encerramento temporário de um outro posto de combustível da F………. existente na Trofa e obteve o gráfico de fls. 96 da autoria do marido de H………. e por ele manuscrito, cujo teor aqui se dá por reproduzido [resp. aos ques. 24º a 28º da BI].
o) Em momento posterior à assinatura do referido contrato-promessa, o Réu soube que o imóvel onde funcionava o posto de abastecimento não dispunha ainda de licença de utilização para o efeito [resp. ao ques. 33º da BI].
p) Por carta datada de 30.10.2005, o R. solicitou aos AA. diversos documentos "tendo em vista a execução do contrato-promessa", bem como pediu "o favor de me indicarem um dia da vossa conveniência na segunda quinzena de Dezembro de 2005 para ser marcada a escritura." Nessa mesma carta, escreveu, ainda, o R. o seguinte: "... num dos últimos encontros havidos foi-me referido que o posto estava a vender o equivalente a 2.200.000 litros/ano, o que me deixou surpreso, visto que quando negociamos e celebramos o contrato-promessa foi-me afiançado que o posto vendia 2.600.000 a 2.700.000 litros/ano, tendo sido esse um elemento fundamental para a definição do preço e, especialmente, para a determinação da minha vontade de comprar" [al. D da MFA].
q) Por carta registada com aviso de recepção, em 15.12.2005, a A. enviou ao R. os documentos por este solicitados para a marcação da escritura e, quanto aos documentos comprovativos de venda de combustíveis, solicitou que o R. os consultasse no posto de venda [al. E da MFA].
r) A A. informou o R. que este poderia marcar a escritura para o dia 26 de Dezembro de 2005, respondendo-lhe, ainda, que: "... não corresponde à verdade que Vos tenha sido "afiançado" o número de litros de combustível vendido indicado na V/ carta, tanto mais que V. Exª reconhece que vos foi dito que o posto vende cerca de 2.200.000 litros/ano.
E note-se que nunca soubemos, nem nunca nos foi dito que V. Exª só estava interessado na compra do posto de combustível porque julgava que o mesmo vendia 2.600.000 litros/ano de combustível, nem sequer o preço foi negociado entre nós sob tal pressuposto.
Não há razão para só agora manifestar tal preocupação, dado estarmos prestes a outorgar as prometidas escrituras" [al. F da MFA].
s) Por carta datada de 22.12.2005, o R. acusou a recepção daquela carta da A. e solicitou (que) lhe fossem fornecidas datas e horas para poder consultar documentação referente a contas bancárias e prestação de contas de 2003 e 2004, afirmando, ainda, que: "a noticia que o posto estava a vender menos este ano é recente e posterior à assinatura do contrato-promessa, sendo muito estranho e de mau indício que V. Exªs não tenham prestado a informação que solicitei sobre o volume das vendas do combustível" [al. G da MFA].
t) Em resposta a esta carta do R., a A. enviou ao mesmo a sua carta de 26 de Dezembro de 2005, na qual, além do mais, refere: "por forma a consultar a documentação solicitada, vimos indicar os dias 28, 29 e 30 de Dezembro de 2005, no gabinete de contabilidade (...), em horas normais de expediente", conforme consta de fls. 36 [al. H da MFA].
u) Apesar do pedido feito pelo R. na sua carta de 30.11.2005, para que lhe fosse indicada uma data para o mesmo marcar as prometidas escrituras e apesar de a A., através da sua carta de 15.12.2005, ter sugerido o dia 26.12.2005, o R. não marcou as prometidas escrituras, nem para a data sugerida pela A., nem para qualquer outro dia [al. I da MFA].
v) No dia 30 de Dezembro de 2005, o Réu e uma pessoa (da) sua confiança deslocaram-se ao gabinete de contabilidade I………. por forma a analisar a documentação cuja consulta havia pedido à Autora, verificando que o volume de vendas do posto de combustível, no ano de 2003, foi superior a 2.600.000 litros e, em 2004, de 2.536.477,40 litros, bem assim que, no ano de 2005, a facturação ficou nos 2.280.000 litros [al. O da MFA].
x) Aquando do referido na alínea que antecede, o Réu verificou, ainda, que o valor do caixa social, em 31.12.2004, era de € 149.801,32, para o que a Autora havia regularizado várias contas que transitaram com montantes errados, nomeadamente as contas de Depósitos à Ordem [al. P da MFA].
z) A pessoa que acompanhava o Réu testou aquele valor de caixa para 2005 e concluiu que para tal ano constava, depois de efectuadas as necessárias correcções, um valor próximo do de 2004 [al. Q da MFA].
aa) Na sequência do referido em x) e z), a pessoa que acompanhava o Réu referiu a este que se tratava de um montante anormalmente elevado para o caixa [resp. ao ques. 35º da BI].
bb) Por isso, nessa mesma deslocação, a pessoa que acompanhava o Réu pediu que lhe fosse permitida a contagem do caixa, o que lhe foi, de imediato, negado e, até à data, não lhe foi permitido; a pessoa que acompanhou o Réu na referida deslocação também constatou que o valor dos depósitos bancários existentes era inferior à realidade contabilística [resp. aos ques. 36º, 37º, 38º e 39º da BI].
cc) Foi, nessa altura, também constatado que a Autora tinha dívidas à segurança social em atraso, que pagou em 21.12.2005 [resp. ao ques. 40º da BI].
dd) A referida pessoa concluiu, ainda, pela análise da contabilidade da sociedade, que esta havia apresentado em 2004 um resultado líquido do exercício de cerca de € 50.000, mas que tal havia sido conseguido com a diminuição dos custos ao mínimo suportável, pelo que, com toda a probabilidade, o resultado iria de futuro ser negativo [resp. aos ques. 44º a 48º da BI].
ee) A referida pessoa concluiu que o valor do objecto do acordo referido em a) se situaria nos € 35.000,00 [resp. ao ques. 50º].
ff) Quer antes, quer depois da assinatura do acordo mencionado em a), os Autores omitiram ao Réu que a sociedade tivesse dívidas ao Estado, bem como que existisse divergência entre as quantias em bancos e no caixa [resp. ao ques. 52º da BI].
gg) O Réu não tinha qualquer experiência anterior em postos de combustível [resp. ao ques. 54º da BI].
hh) A referida H………. tinha conhecimento desse facto, bem como sabia que, com toda a probabilidade, não seria possível obter os resultados líquidos de exercício do ano de 2004 [resp. aos ques. 55º a 57º da BI].
ii) Os AA. enviaram ao R., em 11 de Janeiro de 2006, uma carta registada com aviso de recepção onde constava: "... Nos termos do fixado no contrato-promessa de compra e venda e de cessão de quotas, entre nós celebrados em 03 de Setembro de 2005, V. Exª obrigou-se a marcar até ao dia 31 de Dezembro de 2005 a prometida escritura de compra e venda do prédio ... e de cessão das quotas da sociedade ...
Acontece que V. Exª não marcou aquela prometida escritura no prazo fixado no contrato- promessa, nem sequer o fez até à presente data.
Ora, dado todo o tempo decorrido, e uma vez que as prometidas escrituras deveriam ter sido realizadas até ao 31 de Dezembro de 2005, vimos pela presente notificar V. Exª para o seguinte:
- Caso não sejam marcadas e outorgadas aquelas prometidas escrituras de compra e venda e de cessão de quotas até ao dia 23 de Janeiro de 2006, será essa v/ atitude considerada como incumprimento definitivo do citado contrato-promessa por v/ causa, bem como manifestamos, desde já, o n/ completo desinteresse na execução e cumprimento do mesmo ..." [al. J da MFA].
jj) Por carta datada de 20 de Janeiro de 2006, enviada aos AA., o R. acusou a recepção daquela carta dos AA. e veio dizer o seguinte: "... quando celebrei o contrato promessa ... fi-lo no pressuposto que a vossa sociedade valia, a preço de mercado, cerca de € 1.000.000,00, que gerava um resultado líquido positivo de cerca de € 100.000,00 e que vendia de combustível mais de 2.600.000 litros por ano ...
... da análise dos elementos que foi possível realizar no dia 30.12.2005 ..
... pelo que o valor actual da vossa empresa situa-se entre os € 175.000,00 e € 336.000,00. ..
... resulta que os pressupostos com base nos quais me determinei a contratar com V. Exªs são bem diferentes da realidade e foram intencionalmente escamoteados e deturpados colocando-se numa situação de erro sobre os elementos fundamentais e que V. Exªs, mais do que ninguém, sabiam.
Assim, se V. Exªs não aceitarem a redução do preço combinado no contrato-promessa para valores equivalentes ao valor da vossa empresa ou se persistirem em exigir o cumprimento do contrato, vejo-me obrigado a requerer a anulação do negócio ..." [al. K da MFA].
II) Em resposta a esta carta, a A. enviou ao R., com data de 31.01.2006, uma outra onde referia que "se persistirem em exigir o cumprimento do contrato, vejo-me obrigado a requerer a anulação do negócio”, tal atitude só pode ser considerada como incumprimento definitivo do contrato por parte do mesmo; mais afirmou a autora ao réu que "… antes da outorga do contrato- promessa consultou e foram-lhe facultados todos os elementos e documentos que … solicitou" [al. L da MFA].
mm) Os € 75.000,00 foram entregues aos segundos Autores [resp. ao ques. 2º da BI].
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IV. Apreciação do recurso:
1. Breve referência ao recurso de agravo e remissão do seu eventual conhecimento para momento posterior ao da apreciação do objecto da apelação.
De acordo com o preceituado no art. 710º nº 1 do C.Proc.Civ. (diploma que será o citado quando outra menção não for feita), os recursos, sejam eles de apelação ou de agravo, são, em princípio, apreciados pela ordem da sua interposição, o que, no caso dos autos, levaria a que se conhecesse em primeiro lugar do agravo que foi interposto pelo réu por ter sido dada sem efeito, por falta de pagamento do preparo para despesas, a realização da prova pericial que ele havia requerido e que havia sido admitida.
Acontece, porém, que a parte final do nº 1 daquele normativo prescreve que “os agravos interpostos pelo apelado que interessem à decisão da causa só são apreciados se a sentença não for confirmada”.
Como o agravante não recorreu da sentença final, ocupando, por isso, a posição de apelado, logo se vê que “in casu” o recurso de agravo só deverá ser apreciado depois do conhecimento do objecto do recurso de apelação e apenas no caso da sentença recorrida não ser confirmada, ou seja, caso proceda a apelação (cfr. Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil Anotado”, Coimb. Ed., vol. 3º, pg. 91, anotação 2, que expressamente refere que “o nº 1 só impõe o conhecimento dos agravos interpostos pelo apelado que interessem à decisão da causa se a sentença apelada não for confirmada”, ao passo que “quanto aos agravos interpostos pelo apelante, a sua apreciação precede a do recurso de apelação”; idem, Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, pg. 465 e Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 7ª ed., pgs. 197 e 198).
Deste modo, relega-se para momento posterior o eventual conhecimento do dito agravo.
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2. Se as respostas dadas na 1ª instância aos quesitos 12º a 17º, 21º a 28º, 52º e 55º a 57º da base instrutória devem ser alteradas (por ter havido errada interpretação dos meios de prova apreciados pelo Tribunal «a quo»).
A parte fulcral do recurso em apreço versa sobre matéria de facto, quer pela extensão que a respectiva impugnação tem na motivação da apelação interposta pelos autores, quer por, em grande parte, a impugnação (e a solução) da questão de direito (o mérito) da sentença recorrida estar também dependente do resultado da parte do recurso referente à dita materialidade fáctica.
Pretendem os apelantes que os quesitos 12º a 17º, 21º a 28º, 52º e 55º a 57º da BI obtenham respostas diferentes das que lhes foram dadas pela 1ª instância, mais precisamente que todos eles sejam dados como “não provados”.
Segundo o nº 1 do art. 690º-A, na redacção que aqui é de considerar (anterior às alterações introduzidas pelo DL 303/2007, de 24/08), “quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, acrescentando o nº 2 que “no caso previsto na alínea b) (…), quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 522º-C”. Este art. 522º-C, por sua vez, refere, no seu nº 2, que “quando haja lugar a registo áudio ou vídeo, deve ser assinalado na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento”.
Olhando para as alegações e inerentes conclusões dos recorrentes, logo se vê que, na parte em que impugnam a decisão da matéria de facto, cumpriram integralmente os ónus fixados no art. 690º-A, pois:
● indicaram os concretos pontos dessa materialidade que consideram incorrectamente julgados, com referência ao que foi decidido no despacho de fixação da matéria de facto provada e não provada
● e referiram os concretos meio de prova que, na sua óptica, impunham decisão diversa, sem deixar de assinalar, no que diz respeito à prova gravada, os “locais” dos CD’s e das cassetes onde estão registados os depoimentos das testemunhas em que se estribam para verem atendida a sua pretensão de alteração da aludida factologia.
Estabelece, por sua vez, o nº 1 do art. 712º que “a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690º-A, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou”.
O nº 2 acrescenta, ainda, que “no caso a que se refere a segunda parte da alínea a) do número anterior, a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados”.
Já foi pacífico na jurisprudência (e na doutrina) o entendimento de que a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto não poderia envolver a reapreciação de toda a prova produzida em audiência na 1ª instância, permitindo apenas a detecção e a correcção de pontuais e concretos erros de julgamento, pois considerava-se que o contrário implicaria a completa subversão do princípio da livre apreciação das provas, previsto no art. 655º nº 1, de acordo com o qual o julgador – que seria, em primeira linha, o da 1ª instância, por ser perante ele que a prova “aconteceu” e foi produzida - decide “segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto” entrando na formação dessa convicção, necessariamente, elementos que a gravação da prova não regista.
Actualmente, porém, está a formar-se um outro entendimento que reforça os poderes efectivos da 2ª instância na reapreciação da prova e o direito das partes processuais a um verdadeiro e pleno segundo grau de jurisdição, de acordo com o qual nenhum entrave legal existe a que toda a prova produzida na 1ª instância seja impugnada no recurso interposto para os Tribunais da Relação, desde que o recorrente, ao impugná-la, dê cabal cumprimento aos ónus fixados no art. 690º-A. Traçam este novo rumo os recentíssimos Acórdãos do STJ de 18/11/2008, de 02/12/2008 e de 12/03/2009 (respectivamente, procs. nºs 08A3406, 08A3489 e 08B3684, todos publicados in www.dgsi.pt/jstj), salientando o segundo destes doutos arestos que “o que o legislador quis certamente não foi impor a reapreciação da prova segundo um critério puramente quantitativo, mas antes proibir a impugnação genérica da decisão da matéria de facto, mediante simples manifestação de discordância, impondo específicos ónus de impugnação” e que “pode, …, bem suceder que o recorrente entenda ter razões para discordar da decisão proferida sobre a matéria de facto, de toda a matéria de facto, e nem por isso, o seu direito poderá ficar coarctado, mesmo que seja extenso o âmbito do seu dissentimento”.
É a esta segunda orientação que damos a nossa adesão, por ser a que mais garantias em matéria de recurso (impugnação da factualidade fixada) proporciona aos sujeitos processuais.
Se quanto ao âmbito do recurso de impugnação da matéria de facto houve a mudança que se deixou anotada, alteração houve também relativamente aos concretos poderes de reapreciação da prova na 2ª instância.
Inicialmente dominou uma tese restritiva que sustentava que os Tribunais da Relação não podiam procurar uma nova convicção, antes deviam limitar-se a apreciar se a do julgador «a quo», vertida nos factos provados e não provados e na fundamentação desse seu juízo valorativo, tinha suporte razoável no que a gravação permitiria percepcionar e em conjugação com os demais elementos probatórios que os autos fornecessem; ou seja, o Tribunal de Recurso teria que cingir a sua actividade (de reapreciação da matéria de facto) ao apuramento da razoabilidade da convicção do julgador da 1ª instância, restringindo os poderes de alteração da matéria fáctica aos casos de flagrante desconformidade com os elementos de prova disponíveis (com interesse sobre esta problemática, cfr., i. a., os Acs. desta Relação de 10/07/2006, proc. 0653629 e de 29/05/2006, proc. 0650899, publicados in www.dgsi.pt/jtrp; no primeiro decidiu-se que “a apreciação da prova na Relação envolve riscos de valoração de grau mais elevado que os que se correm em 1ª instância, onde são observados os princípios da imediação, da concentração e da oralidade, (…) já que a transcrição dos depoimentos e até a sua audição, quando gravados, não permite colher, por intuição, tudo aquilo que o julgador alcança quando tem a testemunha ou o depoente diante de si”, pois neste caso “pode apreciar as suas reacções, apercebe-se da sua convicção e da espontaneidade ou não do depoimento, do perfil psicológico de quem depõe; em suma, daqueles factores que são decisivos para a convicção de quem julga, que afinal é fundada no juízo que faz acerca da credibilidade dos depoimentos”; no segundo sentenciou-se que “existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencie e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por qualquer outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores”; em sentido idêntico vejam-se, ainda, os Acs. desta Relação de 04/04/2005, proc. 0446934, in www.dgsi.pt/jtrp e do STJ de 20/09/2005, de 27/09/2005 e de 29/11/2005, todos in www.dgsi.pt/jstj).
Mais recentemente começou a formar-se uma tese mais ampla que, embora reconheça que “a gravação dos depoimentos áudio ou vídeo não consegue traduzir tudo quanto pôde ser observado no tribunal «a quo»”, designadamente, o modo como as declarações são prestadas, “as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória” e que existem “aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia”, entende, ainda assim, que na reapreciação da prova as Relações têm “a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância, devendo proceder à audição dos depoimentos ou fazer incidir as regras da experiência, como efectiva garantia de um segundo grau de jurisdição”. Quando um Tribunal de 2ª instância, ao reapreciar a prova produzida na 1ª instância, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção (a que também está sujeito), “conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão, fazendo jus ao reforço dos poderes que lhe foram atribuídos enquanto tribunal de instância que garante um segundo grau de jurisdição” (neste sentido, Abrantes Geraldes, in “Reforma dos Recursos em Processo Civil”, Revista Julgar, nº 4, Janeiro-Abril/2008, pgs. 69 a 76, Amâncio Ferreira, ob. cit., pg. 228, e Acs. do STJ de 08/03/2003, CJ-STJ ano XI, 2, 151, de 10/10/2004, CJ-STJ ano XII, 3, 72, de 01/07/2008, proc. nº 08A191 e de 25/11/2008, proc. nº 08A3334, ambos in www.dgsi.pt/jstj e de 12/03/2009, supra citado).
Cremos, com o devido respeito pelos defensores da primeira, que é a segunda orientação que deve ser seguida, pelos mais amplos poderes de reapreciação da prova que confere à 2ª instância, sem descurar, contudo, as limitações a que também atrás fizemos referência.
Feitas estas considerações, vejamos então a factualidade posta em causa e o que se afere dos meios de prova que na 1ª instância estiveram na base das respostas que foram dados aos respectivos quesitos da base instrutória.
Ouvidos integralmente os depoimentos registados/gravados das seis testemunhas inquiridas em julgamento, comecemos por indicar, embora sinteticamente, o que cada uma delas disse de relevante:
● G………. (foi quem primeiro contactou o réu na qualidade de angariador de potenciais interessados na aquisição do posto de abastecimento de combustíveis em questão, de que a sociedade autora era titular): começou por dizer que foi três vezes com o réu ao dito posto de abastecimento de combustíveis (de ora em diante apenas designado de “posto”) e que numa ocasião este fez-se acompanhar de outra pessoa; que logo no primeiro contacto do réu com a D. H………. (testemunha) – foi ele que apresentou o réu à D. H………. - que era a gerente da sociedade autora, no referido “posto”, que situou em finais de Agosto de 2005, viu que aquela entregou ao réu, a solicitação deste, diversos documentos da contabilidade da sociedade (referiu balanços e balancetes que “deviam ser” dos dois anos anteriores, embora não saiba a que meses e/ou anos em concreto diziam respeito, nem se ela entregou ao demandado todos os docs. que este lhe solicitou, já que não “lhe passaram pelas mãos”) e um mapa/gráfico das vendas efectuadas pelo “posto”; confrontado com o doc. junto a fls. 96-97, disse que o mapa/gráfico a que se referiu é este (mas não lhe foi exibido mais nenhum, nem explicou por que razão diz ter a certeza disso, tanto mais que, tal como os demais documentos que diz que a H………. entregou então ao réu, esse mapa também “não lhe passou pelas mãos”, para usar a expressão já atrás referida); afirmou que pelo que se apercebeu, o réu era pessoa experiente em negócios e na análise de documentos; disse que foi ele, testemunha, que redigiu os termos do contrato-promessa junto aos autos, na presença do réu; nunca ouviu deste qualquer afirmação acerca dos valores/montantes das vendas de combustível; que antes da outorga do contrato-promessa o réu referiu-lhe a relevância que a facturação do “posto” tinha para ele e para a realização do negócio; quanto ao volume de vendas, disse que sempre ouviu falar que andava à volta dos dois milhões e duzentos e poucos mil litros de combustíveis por ano; que logo na 1ª reunião (em finais de Agosto de 2005) entre a D. H………. e o réu ouviu da boca daquela a explicação para o facto – constatado pelo réu que a confrontou com isso em função dos documentos que consultou - de no ano de 2004 o “posto” ter sofrido uma quebra de vendas de combustíveis, e que ela informou o demandado que isso se deveu a obras que decorreram numa estrada fronteira ao “posto” que lhe retiraram temporariamente alguns clientes; que numa ocasião que situou antes da celebração do contrato-promessa, o réu foi ao “posto” acompanhado de outro indivíduo (que não soube identificar) que pareceu auxiliá-lo na análise da contabilidade da empresa autora (quanto ao que fazia tal indivíduo, a testemunha titubeou, pois umas vezes, ao longo do seu depoimento, disse que ele se limitou a ouvir o que a D. H………. e o réu diziam, enquanto noutras referiu que esse indivíduo também consultou a documentação que a D. H………. entregou ao réu; que algum tempo depois da assinatura do contrato-promessa, o réu confidenciou-lhe que queria desistir do negócio dos autos e que não se interessava pelos € 75.000,00 que tinha entregue aos autores a título de sinal, embora o mesmo nunca lhe tenha revelado o porquê desse desinteresse pelo negócio; e que só depois da outorga do contrato-promessa se apercebeu de algumas conversas entre o réu e a testemunha J………. .
● H………. (que ao tempo era a gerente da sociedade autora e foi nessa qualidade, “mandatada” pelos segundos autores, que participou nas negociações com o réu): disse que as negociações com vista à aquisição, pelo réu, do “posto” iniciaram-se no final de Agosto de 2005, tendo sido a testemunha G………. que lhe apresentou o demandado; que logo nessa reunião entregou vários docs. ao réu, nomeadamente o mapa/gráfico que está junto a fls. 96-97; que nessa ocasião também lhe forneceu o contacto da empresa de contabilidade que prestava apoio à sociedade autora; que nunca garantiu ao réu que o “posto” tinha um volume de vendas de cerca de 2.600.000 litros de combustíveis; que o réu nunca lhe falou do volume de vendas da ordem dos 2.600.000 litros de combustíveis como condição essencial para a realização do negócio (incluindo a outorga do contrato-promessa), até porque esse valor nunca foi falado entre eles; que o terreno onde está instalado o “posto”, que integraria o objecto do contrato definitivo, valia então mais de € 300.000,00, que a cobertura do mesmo “posto” valia cerca de € 100.000,00; que o seu marido, J………., não trabalhava no estabelecimento de combustível; que no citado primeiro encontro também informou o réu que em 2003 tinha havido um acréscimo de vendas de combustível devido ao fecho temporário de um outro estabelecimento similar também na Trofa; mas que nunca falou com ele de variações de vendas no “posto” derivadas de obras em ruas/estradas das imediações; que além dos docs. que entregou ao réu aquando do indicado primeiro contacto entre ambos, entregou-lhe outros documentos da contabilidade do “posto”, a solicitação dele, nos dias seguintes, mas também anteriores à data da assinatura do contrato-promessa.
● J………. (marido da testemunha anterior e que foi também sócio da sociedade autora até 2003 ou 2005): começou por dizer que não participou nas negociações que culminaram com a outorga do contrato-promessa junto aos autos e que o primeiro encontro entre ambos só ocorreu depois da assinatura de tal contrato, numa ocasião em que o réu foi ao “posto” e esta testemunha estava lá por acaso (a reparar uma máquina de lavar carros); que não entregou ao réu qualquer documento, designadamente o mapa/gráfico de fls. 96-97, apesar de ter sido ele que o elaborou; pensa que quem o entregou àquele foi a sua mulher, a testemunha anterior, logo no início das negociações que houve entre eles, antes da assinatura do contrato-promessa (mas não referiu a razão de ciência desta afirmação); que a sua principal actividade está ligada à construção civil e que por isso pouco lidava com as questões do “posto”, do qual estava entregue a mulher; que até à venda do “posto” (e da sociedade autora) aos segundos demandantes, em 2003 ou 2005 (disse que na 1ª data a venda foi provisória e que na segunda é que foi definitiva), não houve quebras sensíveis nas vendas do “posto”; que durante cerca de dois meses, de ano que não mencionou, houve obras numa estrada das imediações do “posto”, mas não referiu se daí resultou quebra relevante das vendas deste; que em Outubro ou Novembro de 2003 ou 2004 houve um mês em que ocorreu um “pico” anormal de vendas no “posto” por problemas que aconteceram num outro estabelecimento de combustíveis, igualmente na Trofa; que em 2003, segundo crê, houve redução de pessoal do “posto” de nove para cinco funcionários.
● K………. (faz parte da sociedade “I……….” que é a empresa que faz a contabilidade da sociedade autora desde 2003): começou por dizer que o réu esteve no seu gabinete de contabilidade antes da assinatura do contrato-promessa, mais propriamente em finais de Agosto ou início de Setembro de 2005; que o réu foi acompanhado de outra pessoa que devia ser contabilista; que lhe solicitaram diversos documentos da contabilidade da sociedade autora (balanços e balancetes – entre estes havia-os posteriores ao mês de Fevereiro de 2005) e que lhes entregou esses documentos que eles (réu e acompanhante) consultaram; que os resultados líquidos dos anos de 2004 e 2005 foram semelhantes; que se houve redução de custos devido a diminuição de pessoal do “posto” isso foi antes de 2004; que o terreno onde está implantado o “posto” tem mais de 2.000m2 e vale entre € 150,00 e € 170,00 por m2, embora não saiba avaliá-lo com exactidão; que as dívidas da sociedade autora ao Estado estavam retratadas na contabilidade da empresa; depois, a instâncias da ilustre mandatária do réu, já não soube situar no tempo, mesmo que apenas aproximadamente, nem se antes ou depois da outorga do contrato-promessa, a data em que o réu e o acompanhante foram ao seu escritório de contabilidade, o que levou a Mma. Juíza o alertá-lo da contradição em que estava a incorrer, tendo ele referido não poder precisar quando tal “visita” aconteceu; confirmou, no entanto, que o réu entregou a documentação que lhe forneceu ao tal acompanhante que a consultou conjuntamente com aquele; não soube dizer o porquê de no caixa constar a menção de valores monetários muito elevados (de cerca de € 150.000,00), nem se esse valor era real ou fictício.
● L………. (cônjuge do réu): afirmou que o réu lhe disse que ia comprar um posto de combustíveis, na Trofa, que vendia na ordem dos 2.500.000 / 2.600.000 litros de combustíveis, por ano; que numa ocasião foi com o réu ao “posto”, onde estava a D. H……….; nessa ocasião esta última, a interpelação do réu, informou-o que a quebra de vendas no no ano de 2004 tinha sido por causa de obras numa estrada situada nas imediações (que temporariamente lhe retirou clientes); que ela, nesse encontro, não referiu ao réu qualquer acréscimo de vendas de combustíveis devido a problemas havidos noutro posto da zona; que quando o réu a interpelou acerca da questão supra referida, a D. H………. mostrou-se algo nervosa; que a depoente logo ficou reticente em relação ao negócio e disso informou o marido, o qual, ainda assim, mostrou interesse em celebrar o contrato-promessa, como veio a acontecer; que mais tarde, já depois de celebrado o contrato-promessa, em data que não soube precisar, o marido – que nesse dia tinha ido ao “posto” - contou-lhe que o marido da D. H………. lhe tinha mostrado e entregue um gráfico (que é o que está junto a fls. 96 e 97, já que nesse mesmo dia o marido lho mostrou pela 1ª vez) que exibia subidas e descidas de vendas de combustíveis diferentes das que a D. H………. lhe tinha (ao réu) referido aquando das negociações que culminaram com a celebração daquele contrato; que só depois disso, em data que não precisou, é que o réu contactou um técnico de contas da sua confiança (a testemunha que de seguida será identificada) para ver a origem das discrepâncias nas vendas; que o réu confiou nas informações prestadas pela D. H………. e foi por isso que assinou o contrato-promessa; que o volume de negócios que a D. H………. referiu ao réu foi importante para a concretização de tal contrato e pelo valor/preço prometido; que o réu começou a aperceber-se da inviabilidade do negócio (pelas aludidas discrepâncias de vendas e por o estabelecimento estar a funcionar sem licença) algum tempo depois (que não concretizou mais) da outorga do contrato-promessa e tentou amigavelmente chegar a acordo com os autores no sentido de porem termo ao mesmo, dando-o sem efeito; que na troca de correspondência com os autores, o réu visou essencialmente levá-los a aceitarem pôr fim ao contrato.
● M………. (revisor oficial de contas): disse que a primeira vez que tomou contacto com o negócio aqui em causa já o contrato-promessa tinha sido celebrado há algum tempo, pois foi por volta de Novembro de 2005 que o réu lhe pediu que o acompanhasse ao escritório de contabilidade da sociedade autora para o auxiliar na análise da respectiva contabilidade; que na sequência disso, mais propriamente no dia 30/12/2005 (data que fixou por ter sido na véspera do seu aniversário de casamento) foi com o réu às instalações da empresa que fazia a dita contabilidade e consultaram ambos diversa documentação daquela; que também lá estava a D. H……….; que foi nessa altura que constatou os elevados valores do caixa e que apesar de ter pedido à D. H………. para ver se se tratava de valores reais ou fictícios, ela recusou-se a exibir-lhe o caixa; que não é normal haver nos estabelecimentos de abastecimento de combustíveis grandes valores monetários, até pelo elevado número de assaltos de que são alvo; que constatou, pela documentação que consultou, que a sociedade autora, em 2004, tinha tido um lucro de cerca de € 50.000,00, alcançado à custa de redução dos custos de actividade e com pessoal, os quais foram reduzidos ao mínimo possível e não permitiriam outro resultado idêntico nos anos seguintes; que também constatou que o volume de vendas da empresa não era na ordem dos 2.600.000 litros de combustível de que o réu lhe havia falado, mas bastante abaixo; que os elementos que consultou também lhe permitiram ver que os resultados financeiros de 2005 iriam ser, como efectivamente foram, negativos e que os de 2006 também não seriam muito diferentes, como acabou por acontecer, já que houve apenas um rendimento líquido de € 5.000,00; que a sociedade autora apresentava a contabilidade mal efectuada; que as contas de 2004 estavam inflacionadas em, pelo menos, cerca de € 149.000,00 correspondentes ao mesmo montante que ficticiamente constava como do caixa; que o real valor do negócio em causa não era superior a € 350.000,00, embora desconheça a exacta extensão do objecto do contrato-promessa celebrado entre as partes; que o valor do terreno onde está implantado o “posto” é de cerca de € 124.000,00; que as lojas e a cobertura do “posto” que nele existem têm o valor de cerca de € 210.000,00 e que os demais equipamentos não excedem os € 100.000,00.
Apreciando criticamente toda esta prova e conjugando-a, para formação da sua convicção, com a documentação constante dos autos, designadamente com o teor (e a data) do contrato-promessa, com o aludido mapa/gráfico e com as missivas (e respectivas datas) que foram trocadas entre autores e réu, a Mma. Juíza «a quo», na fundamentação das respostas que deu aos quesitos 9º a 17º e 21º a 28º (que englobam, portanto, os quesitos 12º a 17º e 21º a 28º que os apelantes querem ver reapreciados), consignou o seguinte:
“Pode ter-se por certo que, logo no primeiro contacto com o Réu, H………., assumidamente encarregada pelos Autores para proceder às negociações relativas ao posto em seu nome e como sua representante (o Autor referiu que apenas teve um contacto de 5/10 minutos com o Réu no dia da celebração do contrato-promessa), explicou ao Réu que as vendas de combustível tinham descido, em 2004, devido às obras efectuadas na estrada fronteira ao posto e que, terminadas as obras, a tendência era para melhorar. Na verdade, isso mesmo foi atestado pelo intermediário G………. e em parte admitido pela própria H………. que assumiu ter referido nesse primeiro contacto que houve obras na rua do posto que originaram o desvio de alguns carros”.
Nesta parte da fundamentação só discordamos do que consta da sua parte final, pois a testemunha H………. em momento algum do seu depoimento admitiu ter falado das obras em questão ao réu e de qualquer interferência delas com a actividade do posto de abastecimento de combustíveis. Contudo, este facto não retira o mais que a Mma. Juíza «a quo» referiu em sustentação das respostas aos aludidos quesitos, pois em função do depoimento de G………. ficámos, também nós, plenamente convictos (senão porque é que ele se ia lembrar desse episódio que o réu conta na sua contestação; aliás, o marido da dita H………., J………., também deu crédito àquele testemunho e a esta versão do réu, já que referiu a existência das ditas obras numa estrada/rua das imediações do posto de combustível) que o que a testemunha H………. explicou ao réu foi o abaixamento de vendas em 2004 e não a sua subida em 2003 e que esta deu-a ela a entender como normal, ao passo que aquela seria a anormal (é o que cristalinamente resulta do depoimento do citado G………. que também afirmou que o réu lhe pareceu pessoa experiente nos negócios – e era certamente, já que era proprietário de farmácias - e que sabia valorar os documentos contabilísticos, o que também torna mais verosímil a versão que o próprio réu relata na contestação-reconvenção, tanto mais que o negócio que estava em causa não era de “dois tostões”, perdoe-se-nos a expressão, mas de um milhão de euros). No confronto, quanto à concreta questão em apreço, entre os depoimentos das testemunhas G………. e H………., claramente divergentes um do outro, consideramos mais credível o primeiro, já que, apesar de tudo, bem menos interessado que o da segunda no desfecho da acção e na manifesta tentativa desta em sair imaculada do modo como negociou com o demandado e de inviabilizar a respectiva anulação, pretendida pelo demandado.
Acrescenta logo de seguida a Mma. Juíza que:
“(…) é deste facto que, face às regras da experiência e da lógica, é possível extrair algumas conclusões que reforçam o depoimento - indirecto, é certo, mas que se nos afigurou isento - da mulher do Réu, L………., que afirmou que só depois de assinar o contrato-promessa é que o Réu tomou conhecimento do gráfico que espelhava uma situação diferente da inicialmente descrita pela referida H………. - gráfico de fls. 96 -, só nessa altura lhe tendo sido dada a explicação de que o volume de vendas verificado em 2003 se tinha ficado a dever ao encerramento temporário de um outro posto que estava em obras, tendo ela própria visto o dito gráfico no mesmo dia em que, segundo o marido, aquele lhe foi dado a conhecer.
Com efeito, só faz sentido apresentar uma explicação, tal como o fez a referida H………., para uma descida no volume de vendas de determinado ano se a informação prévia dada sobre o habitual volume de vendas corresponder a um valor superior ao do ano em causa - a excepção é que justifica uma razão extraordinária -, não sendo lógico que uma tal explicação tivesse surgido - como fez crer a referida H………. no seu depoimento - em simultâneo com a da justificação dos valores de 2003, na medida em que transmitido o conhecimento sobre a excepcionalidade de um determinado facto, dentro de uma sequência habitual de factos, nenhuma razão existe para justificar com novo facto excepcional o mero retorno à normalidade (tanto mais que 2004 ainda apresentava, de acordo com o dito gráfico, um valor acrescido de mais de 200.000 litros de venda em relação ao ano de 2002)”.
Quanto a esta parte da fundamentação, temos como certo que a testemunha H………. deu ao réu a explicação em questão, não porque ela própria a tenha admitido no decurso do seu depoimento, mas porque a testemunha G………. o disse em julgamento e ficámos convencidos da veracidade do depoimento desta, como já atrás afirmámos.
E a Mma. Juíza «a quo» continuou assim a sua fundamentação:
“Daí que, não obstante o depoimento da dita H………. - que tão pouco se pode ter por corroborado pelo depoimento de G………., já que este se refugiou, depois de contra-instado, no facto de os documentos não lhe terem "passado pelas mãos" - e de J………., marido desta (que negou ter entregue qualquer gráfico ao Réu), esteja o Tribunal em condições de concluir da forma como o fez, designadamente, sobre, excluídos os pormenores que rodearam o facto, se o momento em que o Réu teve conhecimento do gráfico de fls. 96 e soube da razão do volume de vendas atingido em 2008 foi ou não posterior à celebração do contrato promessa.
Acresce que, face às regras da experiência e ao teor do depoimento do próprio G………. - que admitiu ser certo que o Réu estava interessado na facturação e que, por isso, pediu documentos e procedeu à sua análise -, fácil é de concluir que o conhecimento do volume de vendas apresentado como habitual teve influência na decisão tomada pelo Réu, certo também que qualquer pessoa de mediana compreensão e experiência colocada na posição de H………., no âmbito das negociações em causa, de tal, necessariamente, saberia”.
Também neste segmento a douta fundamentação não merece censura e mostra-se devidamente escorada na prova produzida, particularmente nos depoimentos de G………. (que até referiu que ouviu do réu, antes da outorga do contrato-promessa, a relevância que para ele tinha o volume de vendas da sociedade) e de L………. e nas regras da experiência, sendo certo que o próprio valor envolvido no negócio (€ 1.000.000,00) indicia a correcção do raciocínio da Sra. Juíza - que também é o nosso -, pois ninguém investe tal montante numa actividade empresarial sem pretender o respectivo “retorno” e rentabilização num prazo razoável, pelo que à luz de qualquer juízo de razoabilidade/normalidade das coisas a facturação/volume de vendas do “posto de abastecimento em questão” seria sempre elemento preponderante quer para a fixação do “preço” do negócio, quer na determinação da vontade do interessado na respectiva aquisição em concretizá-lo.
Há, assim, que concluir, quanto às respostas aos quesitos que ficaram apreciados, que o decidido na 1ª instância está devidamente fundamentado e merece a nossa total concordância, pois também nós responderíamos - e respondemos enquanto tribunal que, igualmente, conhece da matéria de facto - aos quesitos 12º a 17º e 21º a 28º da BI nos precisos termos (e, igualmente, sem mais pormenorização, pelas razões apontadas pela Mma. Juíza julgadora) exarados no douto despacho de fls. 616 e segs., respostas que, por isso, aqui e agora se mantêm integralmente, não colhendo as razões apontadas pelos apelantes nas conclusões 2 a 7 das suas alegações já que, por um lado, de prova que foi produzida acerca de determinados pontos da base instrutória pode o Tribunal induzir argumentação para resposta a outros quesitos da mesma peça processual, desde que a factualidade de uns e outros esteja directamente conexionada, e, por outro, porque os recorrentes partem de premissas que têm como certas – como acontece com as afirmações que fazem nas conclusões 4 e 5 – quando, na verdade, elas não constam do elenco dos factos dados como provados, pois não se apurou (nem podia, pela falta de credibilidade, nesta parte, dos testemunhos de H………. e de J……….) que o gráfico junto a fls. 96-97 tenha sido entregue ao réu pela dita H………. e em data anterior à da outorga do contrato-promessa, tendo sim ficado provado que tal documento só chegou às mãos do demandado em data posterior à da assinatura do mesmo contrato, embora sem se saber se entregue por H……… ou se pelo marido desta, J………. .
No que diz respeito à restante factologia que vem posta em crise, impõe-se dizer, como o fez a Sra. Julgadora «a quo», que determinante para o seu apuramento foi o depoimento de M………., Revisor Oficial de Contas, que, a solicitação do réu, procedeu à avaliação da contabilidade da sociedade autora, em finais de Dezembro de 2005 e constatou as situações aludidas nas respostas aos respectivos quesitos, as quais, assim, são também de manter integralmente, porque ajustadas à argumentação lógica desenvolvida no despacho de fls. 616 e segs..
Daí que o recurso da matéria de facto tenha que soçobrar e, outrossim, tenha que ser mantida, nos precisos termos, a factualidade que vem dada como provada pela 1ª instância.
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3. Se a sentença recorrida merece censura nas soluções jurídicas a que chegou.
Os apelantes põem também em causa a solução jurídica encontrada na douta sentença recorrida, mesmo no caso da matéria fáctica se manter inalterada, como acontece efectivamente, sustentando que aquela não pode ser mantida por três ordens de razões:
● por nulidade da condição que ali foi considerada essencial para o réu ter celebrado o contrato-promessa (o volume de negócios da sociedade autora), decorrente do facto de não ter sido incluída, como devia, na sua perspectiva, no próprio contrato (nas suas cláusulas), em violação, por isso, do estabelecido no art. 221º do CCiv.,
● por aquela condição ter sido dada como provada unicamente com base em prova testemunhal que, em seu entender, não era admissível, em atenção ao prescrito no art. 394º nº 1 do mesmo corpo de normas
● e por o erro do réu ser sobre o valor do objecto do negócio e não sobre as suas qualidades essenciais ou identidade, o que o torna inatendível.
Vejamos sucintamente se assiste razão aos recorrentes.
A sentença recorrida concluiu pela “existência de um vício na formação da vontade do réu, determinante da anulabilidade do negócio celebrado”, devido a “uma actuação conscientemente enganante” da identificada H………. que interveio nas negociações em nome e devidamente «mandatada» pelos segundos autores, a qual se aproveitou conscientemente “de números reais para a partir deles construir uma imagem ilusória da globalidade do objecto negociado”, apesar de ser do seu conhecimento “que o réu celebrava o acordo mencionado em a) (dos factos provados) porque estava convencido que o volume médio de vendas do posto era da ordem do verificado em 2003, ou seja, de 2.600.000 litros”, tendo, por isso, ela “consciência de que se tratava de engano relevante para a determinação da vontade do réu”. E com base no disposto nos arts. 253º nº 1 e 289º nº 1 do CCiv. decretou a anulação do contrato-promessa celebrado entre autores e réu e determinou que aqueles restituíssem a este a quantia de € 75.000,00 que haviam recebido dele a título de sinal.
Os apelantes entendem que aquela anulação e esta restituição não podem ser mantidas, por os arts. 221º nº 1 e 394º nº 1 do CCiv. não consentirem esta solução jurídica.
Estão, no entanto, com o devido respeito, a confundir “cláusulas” ou “condições” contratuais com “motivos” ou “razões” determinantes da vontade de contratar e só aquelas, quando acessórias e anteriores ou contemporâneas ao documento (estipulações ou cláusulas acessórias “são as que trazem algo de modificativo ao negócio” – Pereira Delgado, in “Do Contrato-Promessa”, 3ª ed., pg. 139, nota 1), estão sujeitas à disciplina do art. 221º (ou do art. 222º, quando a forma escrita é voluntariamente adoptada). O que os apelantes pretendem que devia ter sido incluído no contrato-promessa não é nenhuma cláusula ou condição sujeita à forma escrita legalmente imposta (art. 410º nºs 1 e 2 do CCiv.) para o contrato (se o fosse, aí sim, a sua não inclusão neste torná-la-ia nula, por ser anterior ou, pelo menos, contemporânea, dele); tem unicamente a ver com motivos que estiveram na base da celebração do contrato-promessa por parte do demandado. E não faz sentido nenhum que se incluísse no contrato qualquer referência à essencialidade que valores na ordem dos 2.600.000 litros de combustíveis vendidos anualmente pela sociedade autora tinham para o réu concluir o negócio pelo preço de € 1.000.000,00, nem que aquele valor era o resultado da documentação que a gerente da sociedade lhe facultou e da explicação que lhe deu acerca da diminuição de vendas no ano de 2004 relativamente ao volume de vendas do ano anterior.
Como tal, sem necessidade de outros considerandos, há apenas que dizer que não é por aqui que a douta sentença recorrida pode ser posta em causa na solução jurídica que decretou.
Não estando, como não está, face ao que acabámos de dizer, em questão qualquer convenção contrária ou adicional ao conteúdo do referido contrato-promessa, também não se coloca aqui, contrariamente ao que entendem os apelantes, o problema da proibição ou inadmissibilidade da prova testemunhal a que alude o citado art. 394º, pelo que o réu não estava proibido de provar por testemunhas o erro dolosamente provocado de que fala a sentença recorrida.
No que tange à qualificação do erro em que o demandado incorreu, também é manifesto que não incidiu sobre o valor (preço) do objecto do negócio, mas sim sobre qualidades/aptidões deste que eram essenciais para que ele aferisse da conformidade ou adequação do mesmo com o preço que estava disposto a dar para o adquirir.
Como tal, por verificação dos pressupostos dos arts. 251º e 253º, como o proclamou a decisão recorrida, não há dúvida que o negócio em apreço (contrato-promessa) era anulável e que o efeito decorrente do decretamento dessa anulação era a restituição dos € 75.000,00 que o réu havia entregue aos autores a título de sinal, nos termos do nº 1 do art. 289º do CCiv..
Bem andou, pois, a Mma. Juíza «a quo» ao ter decidido os pedidos de autores e réu nos termos em que o fez na douta sentença recorrida, a qual se mostra conforme aos ditames legais pertinentes em função da factologia apurada.
Improcede, assim, «in toto» a apelação.
E deste modo, nos termos da parte final do nº 1 do art. 710º do C.Proc.Civ., fica definitivamente prejudicado o conhecimento do recurso de agravo.
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V. Decisão:
Nesta conformidade, os Juízes desta secção cível da Relação do Porto acordam em:
1º) Julgar improcedente a apelação e confirmar a douta sentença recorrida, quer quanto à matéria de facto provada, quer no que diz respeito à solução jurídica do caso.
2º) Não tomar conhecimento do recurso de agravo, por prejudicado, nos termos da parte final do nº 1 do art. 710º do C.Proc.Civ..
3º) Condenar os apelantes nas custas.
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Porto, 2009/03/17
Manuel Pinto dos Santos
Cândido Pelágio Castro de Lemos
Augusto José Baptista Marques de Castilho