Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
UNIÃO DE FACTO
IMÓVEL ADQUIRIDO
VALOR
PAGAMENTO
EMPRÉSTIMO BANCÁRIO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Sumário
I - Não pode, sem mais, considerar-se que a renda que seria devida como contrapartida de um contrato de locação do imóvel (fracção autónoma) seria igual à quota parte (metade) do valor das amortizações dos empréstimos e das despesas de condomínio que a ré devia suportar e que o autor vem pagando integralmente e considerar compensados os créditos de cada um deles. II - Devem as partes, que viveram em união de facto, ser remetidas para posterior liquidação, onde deverá ser encontrado o valor locativo da fracção autónoma, metade do qual (correspondente à fruição a que a ré também teria direito) que será deduzido aos encargos com as amortizações dos empréstimos e com os pagamentos do condomínio que deviam e devem ser suportados pela ré, correspondentes a metade de tudo o que neste âmbito o autor pagou desde a cessação da coabitação com aquela até ao presente. III - Só assim se encontrará o exacto «quantum» que o autor tem direito a haver da ré. IV - Quanto às obrigações futuras (prestações que o autor continuará — eventualmente — a pagar até amortização dos empréstimos e a título de encargos de condomínio), igualmente reclamadas na petição inicial, o regime do enriquecimento sem causa não as pode abarcar, por não haver quanto a elas ainda uma efectiva prestação que tenha causado o enriquecimento de uma das partes e o empobrecimento da outra, pelo que, nessa parte, a pretensão do autor tem que improceder.
Texto Integral
Proc. nº 8004/08 – 2ª Secção
(apelação)
______________________________
Relator: Pinto dos Santos
Adjuntos: Des. Cândido Lemos
Des. Marques de Castilho
* * *
Acordam nesta secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
1. Relatório:
B………., residente na Rua ………., nº …, .º Esq., na ………., em Matosinhos, instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo sumário, contra C………., residente na ………., nº .., em ………., alegando, no essencial (fls. 2 a 9), que:
● em 1997 decidiram (ele e a ré) viver em união de facto, com o propósito de fazerem vida em comum como se marido e mulher fossem;
● com tais objectivos decidiram comprar um imóvel para nele viverem e do qual fossem donos em partes iguais;
● em cumprimento desse propósito, em 15/11/2001, através de escritura pública, adquiriram, em comum e partes iguais, a fracção autónoma melhor identificada no art. 9 da p. i.;
● a compra dessa fracção autónoma foi feita com dinheiro que o D………. lhes emprestou (15.500.000$00) e lhes concedeu através de uma abertura de crédito (8.500.000$00), conforme consta também daquela escritura;
● tais empréstimo e crédito ficaram de ser pagos em prestações mensais e sucessivas, as quais tiveram o seu início em 15/12/2001;
● posteriormente, esses empréstimo e crédito foram transferidos (por vontade de ambos, autor e ré) para o E……….;
● na amortização do empréstimo e no pagamento do crédito referenciados, foram pagos € 24.414,33 ao D………. e, após a transferência acabada de mencionar e até à data da propositura da acção, € 11.347,62 ao E………., num total de € 35.761,95;
● estes pagamentos/amortizações foram integralmente suportados pelo demandante, já que só ele efectuou depósitos (provisionou) nas contas bancárias utilizadas pelos aludidos bancos para cobrarem as prestações periódicas devidas;
● também só o autor suportou as despesas do condomínio da fracção supra indicada, as quais ascendem a € 2.713,99;
● em Agosto de 2004 cessou a união de facto entre ele e a ré, tendo a fracção autónoma passado a ser exclusivamente fruída pelo autor, já que a ré foi viver para outro local;
● com base no instituto do enriquecimento sem causa, assiste-lhe (ao autor) o direito de “reclamar” da ré o pagamento de metade das quantias que despendeu e irá continuar a despender no pagamento/amortização da apontada fracção autónoma, bem como das quantias despendidas e a despender respeitantes ao condomínio.
Pediu, por isso, que a ré seja condenada a:
a) Pagar-lhe a importância de € 17.894,47 (equivalente a metade das despesas de amortização/pagamento da fracção autónoma), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo reembolso.
b) Pagar-lhe metade do valor de todas as prestações bancárias e das demais despesas inerentes aos financiamentos que porventura venha a pagar entre 05/10/2006 e o trânsito em julgado da decisão que aprecie esta acção, acrescendo a cada uma dessas prestações juros de mora, à taxa legal, contados do respectivo pagamento até real reembolso.
c) Suportar e pagar directamente ao E………. metade das prestações vincendas e das demais despesas inerentes aos aludidos financiamentos após o trânsito em julgado da decisão mencionada na alínea anterior.
d) Pagar-lhe a quantia de € 1.357,00 (correspondente a metade das despesas de condomínio suportadas), igualmente acrescida de juros de mora calculados nos termos referidos em a).
e) Pagar-lhe metade do valor das despesas de condomínio que o autor porventura venha a satisfazer no futuro a partir do trânsito em julgado da decisão que apreciar a acção, acrescendo a cada uma dessas prestações juros de mora calculados nos termos mencionados em b).
f) Suportar e pagar directamente ao condomínio metade das prestações relativas a este e vincendas após aquele trânsito em julgado enquanto a fracção se mantiver em compropriedade entre ele e a ré.
A ré, devidamente citada, contestou a acção (fls. 69 a 78), por excepção e por impugnação, e deduziu reconvenção.
Em defesa por excepção, invocou a excepção dilatória da ilegitimidade e a excepção peremptória da prescrição do direito que o autor exerce.
Na defesa por impugnação, contrariou grande parte da materialidade fáctica que o autor alegou na petição.
Em reconvenção, alegou que ela e o autor acordaram que este utilizaria/habitaria a dita fracção autónoma e que em substituição do pagamento, por essa ocupação, de uma renda à reconvinte seria ele a assegurar o pagamento integral das prestações ao banco, no montante mensal de € 250,00 e, bem assim, que de fora deste acordo ficou apenas a quantia de € 5.000,00 que a ré tinha depositada na conta conjunta indicada no art. 6 da p. i..
Concluiu pugnando:
1º - Pela procedência das excepções que invocou ou, caso tal não aconteça, pela improcedência da acção e sua absolvição do pedido.
2º - E pela procedência da reconvenção e consequente condenação do autor-reconvindo a pagar-lhe:
a) A referida quantia de € 5.000,00, depositada exclusivamente por si na dita conta conjunta;
b) A quantia de € 13.250,00, a título de rendas devidas pela fruição integral do imóvel pelo réu, conforme acordado entre ambos;
c) Juros de mora, à taxa legal, sobre as quantias indicadas nas duas alíneas anteriores, contados desde a data da notificação da reconvenção e até efectivo e integral pagamento;
d) E a importância que vier a ser liquidada em execução de sentença, a título de rendas vincendas.
O autor replicou (fls. 87 a 95) à defesa por excepção apresentada na contestação e à factologia integradora da reconvenção, tendo concluído pela improcedência das excepções e do pedido reconvencional, com as legais consequências.
Foi proferido despacho saneador (fls. 104 e 105) – que, designadamente, julgou improcedente a excepção dilatória arguida pela ré e relegou para final o conhecimento da excepção peremptória por esta também invocada - e foram seleccionados os factos assentes e os controvertidos (fls. 105 a 111), tendo o autor reclamado, sem êxito, da base instrutória.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, no termo da qual, após produção da prova, foi proferido despacho de resposta aos quesitos da base instrutória (fls. 557 a 560), a que se seguiu a prolação da sentença (fls. 562 a 571) que julgou a acção e a reconvenção parcialmente procedentes e declarou “compensados os créditos que reciprocamente autor e ré detinham um sobre o outro, nada sendo devido”, pelo que absolveu “ré e autor, respectivamente, do pedido principal e do pedido reconvencional”.
Contra o assim decidido apelaram o autor, a título principal, e a ré, subordinadamente.
O autor concluiu as suas alegações (fls. 598 a 623) do seguinte modo:
“1ª. O presente recurso é interposto da sentença lavrada de fls. 562 a 570 verso.
2ª. Mesmo que a questão jurídica dos autos pudesse e devesse resolver-se com recurso às normas que regem a compropriedade e não às do enriquecimento sem causa, nunca essas normas poderiam conduzir à absolvição da Apelada dos pedidos formulados pelo Apelante nem à condenação deste nos pedidos reconvencionais daquela.
3ª. A circunstância de após a separação do Apelante e da Apelada aquele ter continuado a viver na fracção ajuizada não permite legalmente concluir que sendo o andar indivisível e não havendo acordo entre ambos os comproprietários para a sua utilização, possa e deva recorrer-se ao gozo indirecto, mediante a locação a um deles.
4ª. Paralelamente, a utilização que, após Apelante e Apelada se haverem separado, aquele fez, durante algum tempo, do andar em questão, não isenta a Apelada da obrigação de pagar metade do valor de todas as prestações bancárias e de todas as despesas de condomínio.
5ª. Assistindo ao Apelante e à Apelada o direito de usar a coisa, como dita o artigo 1406º, 1, do Código Civil, ambos têm de participar nos encargos dela como, por sua vez, também dita o artigo 1405°, 1, do mesmo diploma legal.
6ª. A decisão da sentença recorrida conduz a onerar eternamente o Apelante com todas as prestações bancárias e com todas as despesas de condomínio vencidas e vincendas mesmo após a eventual saída do Apelante do andar em questão, em termos de deixar de viver nele, e ainda que a Apelada (nele) resolvesse habitá-lo, quando é certo que um dia, à venda do mesmo andar, a Apelada receberia, como tem direito de receber, metade do valor dele.
7ª. A par de um gritante enriquecimento sem causa por parte da Apelada, estaríamos perante uma escandalosa imoralidade.
8ª. Desde o início da segunda quinzena de Julho que o Apelante deixou de usar a fracção, em virtude de a Apelada querer aceder a ela.
9ª. Assim sendo - como é -, constituiria um absurdo jurídico impor-se ao Apelante que suporte inteiramente, mesmo para futuro e até ao respectivo termo, o pagamento de todas as prestações bancárias e das despesas do condomínio, como decorre do decidido na sentença!
10ª. A solução é tanto mais ilegal e imoral quanto é certo que quando a fracção for vendida a Apelada tem direito a metade do produto dessa venda sem haver pago um cêntimo das prestações bancárias nem das despesas do condomínio!
11ª. Foi a própria Apelada quem reconheceu estar obrigada a pagar metade das prestações bancárias e metade das despesas do condomínio, embora, a abater nas primeiras, houvesse a importância mensal de € 250,00 que alegadamente ajustara com o Apelante (não o tendo provado) a título de retribuição pelo facto de o mesmo estar a usar em exclusivo, em termos de nela residir, a fracção.
12ª. Não sendo possível ao Apelante, como se demonstrou, recorrer às normas da compropriedade para receber da Apelada as importâncias a que tem direito respeitantes a metade das prestações bancárias e das despesas de condomínio, só lhe restava socorrer-se, como se socorreu, das do enriquecimento sem causa.
13ª. Decidindo como decidiu, a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 1405°, 1, 1406°, 1, 473° e 474°, todos do Código Civil.
Nestes termos, (…), deve ser concedido provimento à apelação, com as legais consequências”.
A ré, nas alegações do seu recurso subordinado (fls. 715 a 798), formulou as seguintes conclusões (que, claramente, não cumprem a fórmula sintética sugerida no nº 1 do art. 690º do CPC, pelo que apenas indicaremos as que têm importância directa para o conhecimento da sua apelação):
“I. O presente recurso versa apenas e só sobre a resposta dada ao quesito n.º 25 da base instrutória que fixou a matéria de facto controvertida, e respectiva decisão que o deu como provado (n.º 38 da matéria de facto).
II. Da sentença proferida pelo Tribunal a quo, mais concretamente do n.º 38 da matéria de facto, resulta que ficou provado que: "O A. só teve conhecimento do direito à restituição que reclama, em Janeiro de 2006."
III. Salvo melhor opinião, entende a ora Recorrente que, da apreciação da prova documental e testemunhal produzida em audiência de julgamento, poderia e deveria o quesito n.º 25 ter resultado em resposta diferente.
IV. Os depoimentos das testemunhas, prestados em audiência de julgamento, foram registados, pretende a Recorrente, com este mecanismo, impugnar a decisão de facto na parte em que é dado como provado o quesito nº 25, tudo nos termos e para os efeitos do disposto no art. 712º, n.º 1, alínea a) e 690º-A, ambos do CPC.
V a XI. (…).
XII. Ao quesito n.º 25, responderam as seguintes testemunhas arroladas pelo Recorrido:
a) F………., com o depoimento registado na Cassete n.° 1 - Lado A - 0007 a 1693).
b) G………., com o depoimento registado na Cassete n.° 1 - Lado B - 0946 a 2472 e Cassete n.º 2 - Lado A - 0007 a 0395.
c) H………., com o depoimento registado na Cassete n.º 2 - Lado A - 0396 a 2461 e Cassete n.º 2 - Lado B - 0007 a 1021.
d) I………., com o depoimento registado na Cassete nº 2 - Lado B - 1022 a 2468 e Cassete n.º 3 - Lado A - 0007 a 2465.
e) J………., com o depoimento registado na Cassete n.º 3 - Lado B - 0007 a 2460 e Cassete n.º 4 - Lado A - 0007 a 1057.
XIII. Contudo, os seus depoimentos já não mereceram o mesmo grau de valoração e credibilidade, atentas as inúmeras contradições, "presunções" e "suposições" que atestavam (cfr. fls. 557 a 560).
XIV. Depoimentos que foram transcritos em sede de alegações e de onde resulta que relativamente ao depoimento de F………., amigo do Recorrido, com o depoimento registado na Cassete n.º 1 - Lado A - 0007 a 1693, concluiu o Tribunal a quo que este apenas sabia generalidades, conhecendo superficialmente o relacionamento do casal (cfr. fls. 560).
XV. Pelo que podemos concluir, salvo melhor opinião, que não foi o seu depoimento considerado no que se refere à resposta dada ao quesito n.º 25.
XVI. Por sua vez, do depoimento da testemunha G………., cunhado do Recorrido, com o depoimento registado na Cassete n.° 1 - Lado B - 0946 a 2472 e Cassete n.º 2 - Lado A - 0007 a 0395, nomeadamente, a instâncias do mandatário do Recorrido resulta que não tem conhecimento pessoal dos factos relativos ao quesito n.º 25, sabe apenas aquilo que lhe terá sido transmitido pelo Recorrido: "Eu tive conhecimento, que foi ele que me contou que recebeu várias cartas para marcar uma reunião juntamente com a advogada da C………. e ..."
XVII. No entanto, a instâncias da mandatária da Recorrente, já refere que não discutia com o Recorrido estes assuntos, pelo que se verifica ser o depoimento desta testemunha contraditório e inconsistente.
XVIII. A testemunha H………., irmã do Recorrido, com o depoimento registado na Cassete n.º 2 - Lado A - 0396 a 2461 e Cassete n.º 2 - Lado B - 0007 a 1021, a instâncias do mandatário do Recorrido, refere “O meu irmão afirmou-me recorrentemente, eu não quero a casa. Casas há muitas. Diz-me ele. Simplesmente, eu não posso parar de pagar a casa, enquanto não houver uma definição, porque senão, um dia depois que precise de um crédito o meu nome está manchado perante a banca."
XIX. Porém, a instâncias da mandatária da Recorrente, quando interpelada se "Nunca equacionaram a possibilidade de ele vir pedir este dinheiro ao Tribunal?", refere que não equacionavam um litígio, nomeadamente, um pedido de reembolso porque estavam ainda numa expectativa de reconciliação.
XX. A testemunha I………. amigo do Recorrido, com o depoimento registado na Cassete n.º 2 - Lado B - 1022 a 2468 e Cassete n.º 3 - Lado A - 0007 a 2465, a instâncias do mandatário do Recorrido, quando interpelada sobre o momento em que o Recorrido terá tido conhecimento do seu direito de pedir o reembolso, refere que "Isso coincidiu efectivamente com a ... na altura as cartas que recebeu por parte da C………. e da advogada, sua representante, não é. Pronto, penso que é isso que terá dado início à situação toda. Recordo-me, tal como agora, variadíssimas vezes falávamos e falou comigo sobre as cartas, chegou inclusivamente a mostrar as cartas, também.
XXI. E presumiu igualmente que o Recorrido tivesse falado com um amigo que é advogado, pedindo aconselhamento.
XXII. Mais uma vez estamos perante uma testemunha que não tem conhecimento directo e pessoal dos factos, sabe apenas aquilo que alegadamente o Recorrido lhe terá dito. XXIII. Contudo, a instâncias da mandatária da Recorrente afirma peremptoriamente que o assunto da casa nunca foi discutido no seio dos amigos.
XXIV. Finalmente, relativamente à testemunha J………., amigo do Recorrido, com o depoimento registado na Cassete n.º 3 - Lado B - 0007 a 2460 e Cassete n.º 4 - Lado A - 0007 a 1057, o Tribunal a quo considerou-o "bastante comprometido com o Recorrido, parecendo saber coisas que, normalmente, não se contam a ninguém e desconhecendo outras mais evidentes, desde que elas pudessem prejudicar a versão do Recorrido" (cfr. fls. 560).
XXV. No entanto, já relativamente, ao quesito n.º 25, foi a evidente e reconhecida parcialidade desta testemunha colocada de lado pelo Tribunal a quo, que entendeu quanto a esta matéria considerar o seu depoimento.
XXVI. Embora o Tribunal a quo refira que os afloramentos feitos, por esta testemunha e outras testemunhas do Recorrido, e relativos à matéria vertida no quesito n.º 25, "foram feitos de forma que pareceu corresponder à verdade ..." (cfr. fls. 560).
XXVII. Ora, salvo melhor opinião, o depoimento de cada uma das testemunhas tem que ser valorado no seu todo, não podendo ser considerado pouco credível e parcial numa parte e credível noutra.
XXVIII. Nem a convicção formulada pelo Tribunal pode assentar naquilo que "pareceu ser verdade".
XXIX. Os depoimentos das testemunhas ou são considerados claros, sérios e convictos, sem hesitações e explicativos, como constatou a Tribunal a quo relativamente ao depoimento de K………., pai da Recorrente, ou caso contrário não poderão ser valorados.
XXX. A falta de clareza, convicção, as constantes suposições e presunções, das testemunhas arroladas pelo Recorrido à matéria vertida no quesito n.º 25 é, salvo melhor opinião, por demais evidente conforme se alcança da transcrição dos seus depoimentos.
XXXI. Da transcrição dos depoimentos das testemunhas do Recorrido que responderam ao quesito n.º 25, resulta que, no mínimo, e cotando a credibilidade da mesma forma, também nos mínimos, não se pode concluir que tenha sido em Janeiro de 2006 que o Recorrido teve conhecimento do direito à restituição que reclama.
XXXII. Estes depoimentos, salvo melhor opinião, só poderiam ser aproveitados se o Tribunal tivesse ficado, sem qualquer reserva, convicto da sua isenção e veracidade.
XXXIII. Porém, como se referiu supra, o Tribunal a quo, formou a sua convicção nos depoimentos que "foram feitos de forma que pareceu corresponder à verdade ..." e, porque pareceu ser verdade, não hesitou o Tribunal em dar como provado o quesito n.º 25.
XXXIV. Contudo, os mesmos critérios de valoração dos depoimentos já conduziram à resposta negativa do quesito n.º 28 (cfr. fls. 560).
XXXV. Isto apesar de ter considerado esses mesmos depoimentos pouco credíveis e mesmo parciais, no que concerne aos restantes factos que as testemunhas arrogaram ter conhecimento, mas que não convenceram o Tribunal.
XXXVI. Assim, entende a Recorrente que deve ser reapreciada a matéria de facto dada como provada no quesito n.º 25 da base instrutória, considerando-se como não provada, através da gravação dos registos dos depoimentos em audiência, conforme se prevê no art. 712°, n.º 1, alínea a), com referência ao art. 690º-A, ambos do CPC, por forma a ser reconhecida a prescrição do direito à restituição do Recorrido, peticionada na Petição Inicial, com todas as consequências daí advindas.
TERMOS EM QUE,
Deve o presente recurso ter provimento nos moldes em que vêm as alegações formuladas e por conseguinte ser revogada a decisão recorrida e só assim se fará (…) Justiça”.
A ré apresentou contra-alegações (fls. 807 a 820) à apelação principal (do autor) e o autor fez o mesmo (fls. 827 a 846) relativamente ao recurso subordinado (daquela), pugnando, cada um deles, pela improcedência do recurso do outro.
Foram colhidos os vistos legais.
* * *
2. Questões a apreciar e decidir:
Em atenção à delimitação decorrente das conclusões das alegações do apelante - art. 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3 do C.Proc.Civ. -, as questões que importa apreciar e decidir traduzem-se em saber:
● Se [apreciando o recurso da ré] a resposta ao quesito 25º da base instrutória - cuja factualidade consta do nº 38 dos factos provados elencados na sentença recorrida - deve ser alterada no sentido proposto pela ré nas conclusões da sua apelação, ou se tal resposta é indiferente para apreciação da excepção peremptória da prescrição invocada pela mesma na contestação, com a consequente inutilidade de reapreciação da prova gravada para resposta àquele quesito.
● E se [apreciando o recurso do autor] a decisão de direito constante da sentença recorrida é merecedora de censura e deve ser alterada no sentido defendido pelo demandante.
* * *
3. Factos provados:
Na sentença da 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1) Tanto o A. como a R. são divorciados, tendo iniciado entre si, em 1997, uma relação afectiva [al. A da Matéria de Facto Assente].
2) No desenvolvimento desta, algum tempo depois, decidiram comungar mesa, leito e habitação, passando a fazer vida em comum, idêntica à de casados [al. B da MFA].
3) Com tais objectivos resolveram comprar um imóvel para viverem [al. C da MFA].
4) Assim, por escritura de 15 de Novembro de 2001, lavrada no 3º Cartório Notarial do Porto, compraram à «L………., Lda.», em comum e partes iguais, a fracção autónoma designada pela letra Q, correspondente a uma habitação no quinto andar esquerdo, com entrada pelo n.º … e, na cave, a um lugar de estacionamento e arrumos, com entrada pelo n.º …, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ………., n.ºs … e …, da freguesia da ………., do concelho de Matosinhos, então omissa na respectiva matriz e hoje nela inscrita sob o artigo 5324-Q e descrita na CRP sob o n.º 01939-Q [al. D da MFA].
5) Logo após a sua compra, A. e R. rechearam-na e apetrecharam-na com vista a viverem nela [al. E da MFA].
6) Pela escritura referida em 4) e para a compra da dita fracção, solicitaram ao «D………., SA» um empréstimo de 15.500.000$00, a que coube o número …………./…. - empréstimo hipotecário [al. F da MFA].
7) Também para a compra da dita fracção, por escritura de 15/11/2001, solicitaram ao D………. uma abertura de crédito de 8.500.000$00, a que foi atribuído o número …………./…. - empréstimo hipotecário [al. G da MFA].
8) O empréstimo referido em 6) seria pago em prestações mensais e constantes de capital e juros, a que acrescia, também mensalmente, o prémio do seguro de vida do A. e da R. e o prémio do seguro multiriscos da fracção, vencendo-se a primeira prestação a 15 de Dezembro de 2001 e as restantes no dia 15 de cada um dos meses seguintes [al. H da MFA].
9) O crédito referido em 7) seria pago em prestações mensais e constantes de capital e juros, a que acrescia, também mensalmente, o imposto de selo, o prémio do seguro de vida do A. e da R. e o prémio do seguro multiriscos da fracção, vencendo-se a primeira prestação em 15 de Dezembro de 2001 e as restantes no dia 15 de cada um dos meses seguintes [al. I da MFA].
10) Por escritura de 11 de Fevereiro de 2005, lavrada no 1º Cartório Notarial de Vila Nova de Gaia, A. e R. obtiveram do «E1……….» um empréstimo de € 63.488,07, a que coube o n.º ……….. - crédito habitação remunerado [al. J da MFA].
11) Por escritura de 11 de Fevereiro de 2005, também lavrada no 1º Cartório Notarial de Vila Nova de Gaia, A. e R. obtiveram do «E1……….» um outro empréstimo de € 56.525,93, a que foi atribuído o n.º ……….. - complementar crédito habitação remunerado [al. L da MFA].
12) Com a transferência dos financiamentos do D………. para o E………., houve que liquidar ao D………. os empréstimos referidos em 6) e 7), tendo a liquidação do primeiro ascendido a € 64.974,85 e a do segundo a € 40.885,38, sendo que ambas estas importâncias foram cobertas pelos empréstimos referidos em 10) e 11) [al. M da MFA].
13) O empréstimo referido em 10) deve ser pago no prazo de 360 meses, em prestações constantes, mensais e sucessivas, compreendendo cada uma capital e juros, a que acresce, mensalmente, o prémio do seguro multiriscos da fracção e, anualmente, o prémio do seguro de vida do A. e da R., tendo-se vencido a primeira prestação no dia 5 de Abril de 2005 e vencendo-se a última no termo do contrato [al. N da MFA].
14) O empréstimo referido em 11) deve ser pago no prazo de 360 meses, em prestações constantes, mensais e sucessivas, compreendendo cada uma capital e juros, a que acresce, mensalmente, o imposto de selo e, anualmente, o prémio do seguro de vida do A. e da R. e o prémio do seguro multiriscos da fracção, tendo-se vencido a primeira prestação no dia 5 de Abril de 2005 e vencendo-se a última no termo do contrato [al. O da MFA].
15) As prestações pagas ao D………. foram-no através da conta n.º .-……., titulada em nome do A. e da R. na dependência daquela instituição de crédito sita nos ………., no Porto [al. P da MFA].
16) As prestações pagas ao E………. foram-no através da conta n.º …………, titulada em nome do A. e da R. na dependência daquela instituição de crédito sita no ………., no Porto [al. Q da MFA].
17) A R. transferiu para a conta do F………. referida em 15) a quantia de € 5.000,00, proveniente de uma Conta Poupança Habitação sua [al. R da MFA].
18) O A., após a separação da R., continuou a viver na Rua ……….. n.º …, .º esquerdo, na ………., em Matosinhos [al. S da MFA].
19) A R. auferia e aufere mensalmente um rendimento líquido de cerca de € 1.000,00 [al. T da MFA].
20) A. e R. passaram a habitar a fracção referida em 4) no decurso do segundo semestre de 2002 [resposta ao quesito 1º da Base Instrutória].
21) A transferência dos empréstimos do D………. para o E………. foi feita de acordo entre A e R. [resp. ao ques. 2º da BI].
22) O montante de todas as importâncias pagas ao D………. em consequência do empréstimo e da abertura de crédito referidos em 6) e 7) ascendeu a € 24.414,33 [resp. ao ques. 3º da BI].
23) E o de todas as satisfeitas ao E………. até ao mês de Outubro de 2006, em decorrência dos empréstimos descritos em 10) e 11), a € 11.347,62 [resp. ao ques. 4º da BI].
24) Todas as prestações foram até hoje pagas, exclusivamente pelo A. [resp. ao ques. 5º da BI].
25) Embora as contas referidas em 15) e 16) estejam tituladas em nome do A. e da R., todas as importâncias nelas depositadas foram-no exclusivamente pelo A., com excepção das creditadas pelos Bancos aquando da concessão dos respectivos créditos e da quantia referida em 17) [resp. ao ques. 6º da BI].
26) A importância referida em 17) foi gasta para pagar a sisa respeitante à compra da fracção, documentos necessários às escrituras referidas em 4) e 7) e o custo das mesmas, registos e para a compra de móveis para a casa do casal [resp. ao ques. 7º da BI].
27) O A. suportou exclusivamente todas as prestações do condomínio relativas à fracção identificada em 4) e vencidas desde a sua aquisição até à presente data [resp. ao ques. 8º da BI].
28) Essas prestações elevaram-se, até Outubro de 2006, a € 2.713,99 [resp. ao ques. 9º da BI].
29) A partir de Agosto de 2004, A. e R. deixaram de se relacionar [resp. ao ques. 10º da BI].
30) Desde Maio de 2003, a R. passou a viver em casa de seus pais, à ………., n.º .., em ………. [resp. ao ques. 11º da BI].
31) A. e R. apenas viveram naquele imóvel, como se de marido e mulher se tratasse, entre Dezembro de 2002 e Maio de 2003 [resp. ao ques. 14º da BI].
32) Desde Maio de 2003, A. e R. não mais viveram juntos [resp. ao ques. 15º da BI].
33) A R., por vezes, suportava as despesas com a alimentação [resp. ao ques. 18º da BI].
34) Ficou acordado entre ambos que, atendendo à discrepância de rendimentos auferidos, a R. contribuiria sempre de acordo com o seu rendimento e salvaguardando sempre o necessário para fazer face às suas despesas pessoais, gasolina, vestuário, calçado, etc. [resp. ao ques. 19º da BI].
35) E foi sempre dentro deste limite que a R. contribuiu para as despesas, enquanto durou a relação e com a anuência do A. [resp. ao ques. 20º da BI].
36) O A. auferia um rendimento mensal líquido de aproximadamente € 2.000,00 [resp. ao ques. 21º da BI].
37) A R. solicitou ao A. a venda da casa e o A. sempre recusou essa venda [resp. aos ques. 23º e 24º da BI].
38) O A. só teve conhecimento do direito à restituição que reclama, em Janeiro de 2006 [resp. ao ques. 25º da BI].
39) Tal e tanto na sequência de 3 cartas que lhe endereçou a mandatária da R., de 4 reuniões que com ela teve em seguimento dessas cartas e por força dos esclarecimentos que lhe prestou o mandatário judicial que, fruto de umas e de outras, consultou [resp. ao ques. 26º da BI].
40) Quando cessou a relação entre o A. e a R., esta levou da casa do seu casal tudo o que quis, num camião [resp. ao ques. 27º da BI].
* * *
4. Apreciação dos recursos:
I) Conhecimento da apelação (subordinada) apresentada pela ré.
A ré, na sua apelação subordinada, pretende apenas ver alterada a resposta dada ao quesito 25º da base instrutória, de “provado” para “não provado”, com a consequente alteração da decisão recorrida no que tange à solução jurídica que foi dada à excepção peremptória da prescrição arguida pela demandada na contestação.
Embora se trate de recurso subordinado e devesse, em princípio, de acordo com o estabelecido no art. 710º nº 1, 1ª parte, do CPC, ser apenas apreciado depois do conhecimento do recurso principal (que o antecedeu na ordem de interposição) interposto pelo autor, impõe-se, no entanto, «in casu», que se comece por ele por duas razões: por versar sobre matéria de facto e por a respectiva factualidade dizer respeito a excepção peremptória (prescrição) cujo conhecimento deve sempre preceder o do mérito (fundo) da acção.
Não perderemos tempo a aferir da observância pela ré do estabelecido no art. 690º-A nºs 1, als. a) e b), e 2 do CPC, já que se mostra evidente que aquela cumpriu as exigências deste normativo, pois especificou o(s) concreto(s) ponto(s) da matéria de facto (apenas o quesito 25º da base instrutória) que considera incorrectamente julgado(s) e os concretos meios de prova (depoimentos das cinco testemunhas que indica nas conclusões XII e segs. das suas alegações) que impunham, na sua perspectiva, decisão diversa sobre esse(s) mesmo(s) ponto(s) da matéria de facto impugnada, tendo não só assinalado os locais das cassetes com a prova gravada onde estão registados os depoimentos que pretende ver reapreciados e o que disseram as testemunhas em questão (o que era suficiente para os efeitos do nº 2 do citado art. 690º-A), como também procedeu à respectiva transcrição (o que até é desnecessário desde a entrada em vigor do DL 183/2000, de 10/08, que acabou com o dever de transcrição que estava a cargo do recorrente que impugnava a matéria de facto, desde a Reforma do Processo Civil de 1995, introduzida pelo DL 329-A/95, de 12/12).
O quesito 25º da BI tinha a seguinte redacção: “O A. só teve conhecimento do direito à restituição que reclama, em Janeiro de 2006?”.
A factualidade exarada neste quesito (e, bem assim, do quesito seguinte – nº 26º) da base instrutória assentou no que o autor alegou nos arts. 9 a 12 da réplica, em resposta à excepção da prescrição que a ré havia invocado na contestação.
O Tribunal «a quo» respondeu afirmativamente (deu-o como “provado”) àquele quesito (e ao 26º, com ele conexionado), como decorre da 2ª página do despacho de resposta aos quesitos da BI constante de fls. 557 e segs..
Com base na respectiva materialidade fáctica, a Mma. Juíza da 1ª instância, na douta sentença recorrida, julgou improcedente a dita excepção peremptória [transcreve-se o excerto da sentença em que tal aconteceu: “Como já vimos e ficou provado, independentemente de a ré, a partir de Maio de 2003 não mais ter vivido na casa do casal e a acção só ter sido proposta em Novembro de 2006, ou seja, mais de três anos volvidos sobre aquela data, a verdade é que o autor só teve conhecimento do direito à restituição que reclama em Janeiro de 2006 e, por isso mesmo, estaria em tempo quando propôs a acção”], embora logo tenha acrescentado que se tratava de uma falsa questão por, em seu entender, o enquadramento jurídico da problemática em causa nos autos não estar correctamente formulado, pois “a questão jurídica pode e deve resolver-se com recurso às normas que regem a compropriedade”, que se sobrepõem ao regime do enriquecimento sem causa que tem natureza subsidiária, operando apenas quando a solução do caso concreto não encontra fundamento noutro instituto ou regime jurídico [cfr. a 7ª página da sentença, correspondente a fls. 568 dos autos].
Mas, dizemos nós agora, aquela excepção sempre seria de julgar improcedente independentemente da resposta que fosse dada ao dito quesito 25º (e ao 26º), o(s) qual(is), aliás, não devia(m) sequer ter sido formulado(s).
Passaremos à justificação desta afirmação, começando por dizer por que razão não devia(m) aquele(s) quesito(s) ter sido formulado(s), para, de seguida, fundamentarmos porque é que a aludida excepção peremptória sempre seria julgada improcedente, mesmo que o quesito 25º (e o 26º) obtivesse a resposta de “não provado”, ora pretendida pela ré na sua apelação subordinada – e daí a inutilidade em reapreciar a prova gravada para aferirmos da correcção da resposta que lhe(s) foi(ram) dada(s).
Entendemos, em primeiro lugar, que o referido quesito 25º (e o 26º) não tem, com o devido respeito, razão de ser e não deveria ter sido incluído na base instrutória, porque era à ré que, nos termos dos arts. 303º e 342º nº 2 do CCiv., competia alegar e provar toda a factualidade integradora da excepção peremptória da prescrição que arguiu na contestação, ou seja que entre a data em que o autor teve conhecimento do direito que pretende exercer através desta acção e a data em que apresentou em juízo a petição inicial que está na origem dos autos decorreu o prazo de prescrição fixado no art. 482º daquele corpo de normas (prescrição do direito à restituição por enriquecimento sem causa – que foi o fundamento expressamente invocado pelo autor para a procedência das pretensões que deduziu na p. i.) [cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª Ed. rev. e act., Coimbra Editora, pgs. 305 e 306 e Meneses Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português”, I, Parte Geral, Tomo IV, Almedina, 2005, pgs. 164, 165 e 466 a 468]. Não era ao autor que cabia a alegação e prova de factos que afastassem tal excepção, pois a este apenas competiria alegar e provar factologia que integrasse alguma causa de suspensão ou de interrupção da prescrição, previstas nos arts. 318º e segs. e 323º e segs. do mesmo corpo de normas, mas tão-só para o caso da excepcionante (a ré) lograr demonstrar que entre as duas datas relevantes para a procedência da excepção decorreu o prazo de três anos estatuído no referido art. 482º. Contudo, como é fácil constatar, a factualidade incluída no quesito cuja resposta vem posta em crise (bem como no 26º) – baseada, repete-se, no que o demandante alegou nos arts. 9 a 12 da réplica - não se reconduz a nenhuma destas situações cuja prova competiria ao autor.
●E consideramos, em segundo lugar, que qualquer que fosse a resposta dada ao quesito em apreço (e ao 26º) sempre a excepção da prescrição teria que ser julgada improcedente pelos seguintes motivos:
● Por um lado, porque a ré não logrou provar (e, verdadeiramente, nem sequer o alegou correctamente nos arts. 1º a 25º da contestação) que o autor teve conhecimento do direito que exerce através desta acção mais de três anos antes de a ter instaurado e da ré ter sido citada – o que interrompe a prescrição é a citação e não a propositura da acção, como estabelece o art. 323º nº 1 do CCiv. - [o que aquela alegou nos referidos artigos da contestação foi que entre a data da cessação da união de facto com o autor – que situou no momento em que deixaram de coabitar juntos na fracção autónoma identificada nos autos – e a da sua citação para os termos desta acção decorreram mais de três anos], sendo certo, como atrás dissemos, que era a ela que competia a inequívoca prova dos factos integradores desta causa extintiva do direito que o autor pretende ver declarado.
● Por outro, porque nem sequer se mostra indubitavelmente provado que entre a data da cessação da união de facto e a da citação da ré na acção tenha decorrido aquele prazo prescricional, pois se é verdade que desde Maio de 2003 ela e o autor não mais viveram juntos [nº 32 dos factos provados], também é certo que não é pela cessação da coabitação que acaba inequivocamente uma união de facto [esta não se esgota naquela, podendo manter-se sem ela; aliás, este argumento até sai reforçado pelo que ficou provado nos nºs 1 a 4, 20 e 31 do ponto 3 deste acórdão, pois se a união de facto entre eles começou “algum tempo depois de 1997”, altura em que passaram “a fazer vida em comum, idêntica à de casados”, se em 15/11/2001 compraram a fracção autónoma referenciada nos autos e se só em Dezembro de 2002 a foram habitar, é porque a mesma se iniciou sem coabitação), sendo certo que no caso em referência só a partir de Agosto de 2004 eles deixaram de se relacionar [nº 29 dos factos provados]. E este último é que é um facto inequívoco da cessação da união de facto (cessando todo e qualquer relacionamento entre eles, cessou necessariamente tal união). Como entre tal data (Agosto de 2004) e a da citação da ré (que ocorreu a 09/11/2006, como se afere do teor do A/R junto a fls. 67) não decorreram os três anos a que alude o referido art. 482º, manifesto é que também por aqui a excepção da prescrição teria que improceder, já que o direito que o autor exerce na acção só faz sentido em função do termo da união de facto com a demandada e, por isso, só a partir desse momento (cessação da união de facto) se poderia iniciar a contagem do prazo para a propositura destes autos.
Por ser assim, como pensamos que é, não faz sentido reapreciar a prova gravada com vista a aferir se a resposta ao quesito 25º da BI foi bem ou mal dada pelo Tribunal «a quo» e se há lugar à alteração pretendida pela ré, pois tal actividade seria totalmente inútil (e o art. 137º do CPC preceitua que “não é lícito realizar no processo actos inúteis) já que a excepção peremptória a que se reporta sempre continuaria a merecer a mesma solução (de improcedência) que lhe foi dada na 1ª instância.
Como tal, o recurso subordinado não poderá ter outra solução que não seja a da sua improcedência.
*
*
II. Conhecimento da apelação do autor.
Passando à apreciação do recurso do autor, importa começar por dizer que não podemos aqui atender ao que vem referido na conclusão 8ª das suas alegações, por se tratar de “facto novo” que não foi alegado no momento e pelo meio adequado nem foi objecto de prova nos autos, sendo certo, conforme decorre do disposto nos arts. 676º nº 1 e 684º nº 3 do CPC, que nos recursos não se pode conhecer de questões que as partes anteriormente não tenham colocado à apreciação do tribunal que julga em 1ª instância, a não ser que estejam em causa situações em que a lei expressamente determine o contrário ou se trate de matéria de conhecimento oficioso, o que, manifestamente, não acontece «in casu» [sobre esta problemática das “questões novas” nos recursos, cfr., i. a., Acs. do STJ de 07/04/2005, proc. 05B175 e de 01/07/2004, proc. 04B221, ambos in www.dgsi.pt/jstj]. Trata-se, pois, de facto/argumento absolutamente irrelevante para o objecto do recurso.
O autor não se conforma com a solução jurídica plasmada na sentença recorrida, entendendo que a mesma deveria passar sempre pelo crivo do regime do enriquecimento sem causa.
Vejamos se tem razão.
A douta sentença apelada afastou a aplicação do regime do enriquecimento sem causa por ter considerado que a questão jurídica dos autos “pode e deve resolver-se com recurso às normas que regem a compropriedade” [cfr. 7ª pg. da sentença, que corresponde a fls. 568 dos autos. E continuou depois, chamando à colação o prescrito no art. 1405º nº 1 do CCiv., do seguinte modo:
“Tendo ficado provado que todas as prestações dos empréstimos bancários celebrados por autor e ré para aquisição da fracção em causa, bem como todas as prestações do condomínio, foram feitas pelo autor, não há dúvida que o mesmo tem direito a ser ressarcido de metade desses montantes, tendo em conta que aquela fracção foi adquirida em comum e partes iguais por ambos.
Este direito advém-lhe do facto de ter adquirido o imóvel em compropriedade com a ré, sendo que apenas ele suportou os encargos inerentes”.
Este excerto da douta sentença não merece reparo (a não ser, como adiante melhor esclareceremos, na parte em que diz que a questão jurídica dos autos se resolve apenas com recurso às normas que regem a compropriedade), na medida em que se mostra conforme à factualidade provada (particularmente sob os nºs 3, 4, 5, 22 a 25, 27, 28, 34 e 35) e ao estabelecido no art. 1405º nº 1 do CCiv., segundo o qual “os comproprietários exercem, em conjunto, todos os direitos que pertencem ao proprietário singular; separadamente, participam nas vantagens e encargos da coisa, em proporção das suas quotas (…)”, sendo certo que ambas as partes aceitam que a fracção autónoma em questão lhes pertence, em comum e partes iguais, por ter sido nisso que acordaram quando, na vigência da união de facto, decidiram adquiri-la.
Prossegue depois a douta sentença recorrida com a seguinte argumentação:
“Há, contudo, que operar, aqui, duas restrições importantes.
A primeira deriva do facto de autor e ré terem vivido em situação análoga à de cônjuges, partilhando mesa, leito e habitação, até Maio de 2003 e, durante esse período, estar assumido que ambos contribuíam para as despesas da casa de acordo com os seus rendimentos (…), ou seja, autor e ré participavam de acordo com os seus rendimentos no passivo da comunhão e, nessa medida, vivendo em união de facto, em situação análoga à de cônjuges, deve assumir-se que, até ao momento em que surgiu a ruptura da união de facto, ficaram liquidadas as contas, pela contribuição que cada um deu de acordo com os seus rendimentos para a vida do casal. (…)
A partir do momento em que cessou a vida em comum deste casal, estariam, então, os dois obrigados a participar nos encargos da coisa na proporção das suas quotas”.
Este segmento do decidido também não é merecedor de reparos por traduzir aquilo que foi a vontade das partes enquanto perdurou a união de facto, já que com o acordo descrito nos nºs 34 e 35, conjugado com o que consta dos nºs 26, 33 e 35, todos dos factos provados, e interpretando-o à luz do preceituado nos arts. 236º nº 1 e 237º, parte final, do CCiv., houve como que uma compensação operada entre eles que tornou iguais, para efeitos jurídicos, comparticipações diferentes de cada um deles para o “bolo” comum dessa união, quer no que diz respeito aos gastos/despesas inerentes a essa vida em comum, quer no que tange às obrigações decorrentes das amortizações dos empréstimos contraídos para a aquisição da fracção autónoma e dos encargos com esta relacionados, aqui se incluindo as despesas do respectivo condomínio.
Como tal, temos também como certo que a ré nada tem que pagar ao autor pelas despesas que este suportou com tais amortizações e encargos até à data em que cessou a coabitação da fracção autónoma (e não necessariamente até à data em que cessou a união de facto, atento o que atrás se disse aquando da apreciação do recurso da ré) [aliás, diga-se agora, que também esta conclusão levaria à improcedência da excepção peremptória da prescrição que a ré invocou na contestação, relativamente aos pagamentos efectuados até ao momento acabado de citar].
Estamos também de acordo, por encontrar substrato legal no art. 1406º nº 1 do CCiv., com o segmento da sentença que se segue à parte acabada de analisar, até onde vem dito que “no caso dos autos, tendo cessado a vida em comum entre autor e ré e mesmo qualquer tipo de relacionamento entre ambos, não poderiam os dois usar a fracção em simultâneo, pelo que o uso por parte do autor priva a ré de fazer uso idêntico”.
Diz-se, finalmente, na sentença que:
“Não sendo o andar divisível e não havendo acordo entre ambos os comproprietários para a sua utilização, pode e deve recorrer-se ao gozo indirecto, mediante a locação a um deles.
A ré alegou a existência de um acordo nesse sentido, mas não logrou efectuar prova do mesmo. Tudo o que se provou foi que a ré pretendia que o imóvel fosse vendido e que o autor se recusou a tal, tendo ficado a habitar o mesmo.
Esta fruição do autor, do imóvel, a título individual, tem que ter uma contrapartida e, pese embora não se tenha provado a existência do acordo no sentido da compensação da eventual renda devida pelo valor da parte da prestação que incumbiria à ré pagar ao Banco, a verdade é que só através dessa compensação se conseguirá obter o desiderato de autor e ré, como comproprietários com quotas iguais, participarem nas vantagens e encargos da coisa na proporção das suas quotas - artigo 1405° do Código Civil - ou seja, através do chamado gozo indirecto a que já nos referimos, traduzido na locação a uma das partes, mediante uma renda que não é paga, mas é compensada pelo valor que a outra parte teria que suportar de pagamento da prestação ao banco.
Tal pedido foi efectuado pela ré a título reconvencional e, nessa medida, é legítimo operar a compensação dos valores.
Idêntico raciocínio é válido para a quantia peticionada a título de metade das prestações de condomínio.
Já o valor com que a ré participou no activo da comunhão, ficou englobado nas contas dessa mesma comunhão, não podendo agora ser restituído”.
Nesta parte, embora estejamos de acordo com a premissa inicial (da equiparação do uso exclusivo que o autor vem fazendo do imóvel em questão à locação) discordamos, no entanto, da solução a que a sentença chegou e é precisamente na solução a dar que consideramos que deve ser chamado à colação o regime do enriquecimento sem causa [que, de acordo com o art. 473º do CCiv., pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos: que haja um enriquecimento de alguém, que o enriquecimento careça de causa justificativa e que tenha sido obtido à custa de quem quer a restituição, ou do seu antecessor – cfr. Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 9ª Ed., Almedina, 1998, pgs. 495 e segs.], em complemento das normas da compropriedade que não dão solução cabal à situação dos autos – não deixando, assim, aquele regime de funcionar supletivamente, como impõe o art. 474º do CCiv. [foi também o regime do enriquecimento sem causa que o Ac. desta Relação de 19/02/2004, proc. 0325347, in www.dgsi.pt/jtrp, admitiu para solução de litígio atinente à “partilha” de bens móveis e imóveis que foram adquiridos durante a união de facto entre as partes nesse litígio e que entretanto cessou; e foi com recurso às regras do enriquecimento sem causa que o Ac. da Rel. de Guimarães de 29/09/2004, proc. 1289/04-1, in www.dgsi.pt/jtrg, solucionou questão derivada da cessação da união de facto e referente aos bens adquiridos por um deles, à custa dos proventos da sua actividade, na constância dessa união].
Como ponto de partida para a resolução da problemática atinente ao facto da fracção autónoma – que pertence em compropriedade a ambas as partes – estar a ser usada e fruída unicamente pelo autor, seguimos o entendimento do Prof. Carvalho Fernandes [in “Lições de Direitos Reais”, 2ª Ed. rev. e act., Quid Juris, 1997, pg. 328] quando refere que “na falta de acordo (como acontece no caso «sub judice»), as alternativas são as de não permitir o uso de qualquer dos comproprietários e a de encontrar uma solução sucedânea da prevista na lei” que pode “ser a de o comproprietário, que venha a ter o uso exclusivo, compensar os demais pelo valor do uso que exceda a sua quota”, tanto mais que “do ponto de vista económico-social, afigura-se-nos ser esta uma solução acertada”. Esta compensação pelo uso exclusivo da coisa comum por apenas um dos comproprietários pressupõe o recurso ao valor locativo do imóvel.
Se este uso exclusivo da fracção pelo autor fosse desconsiderado no cômputo das vantagens e encargos relacionados com tal imóvel e não fosse deduzido, na devida proporção, ao montante das prestações que a ré devia – e deve - suportar e que vêm sendo suportadas apenas por aquele, daí derivaria também inequívoca, mas ilegítima, vantagem patrimonial para o demandante que fruiria sozinho da respectiva habitação sem qualquer contrapartida à ré (comproprietária dela, como ele), apesar de no final, em caso de alienação da fracção autónoma, o respectivo preço dever ser repartido igualmente por ambos.
Até aqui, como já atrás dissemos, ainda não existe verdadeira divergência relativamente ao que consta da douta decisão recorrida. Onde tal divergência ocorre é na solução que seguidamente foi dada pela 1ª instância.
Com efeito, sem substrato factual em que pudesse estribar-se – até pela resposta negativa que tiveram os quesitos 12º e 13º da BI -, pensamos que a decisão recorrida não poderia, sem mais, considerar que a renda que seria devida como contrapartida de um contrato de locação do imóvel (fracção autónoma) seria igual à quota parte (metade) do valor das amortizações dos empréstimos e das despesas de condomínio que a ré devia suportar e que o autor vem pagando integralmente e considerar compensados os créditos de cada um deles.
Pensamos, outrossim, que o que havia – e há - a fazer era – e é - remeter as partes para posterior liquidação, onde deverá ser encontrado o valor locativo da fracção autónoma, metade do qual (correspondente à fruição a que a ré também teria direito) será deduzido aos encargos com as amortizações dos empréstimos e com os pagamentos do condomínio que deviam e devem ser suportados pela ré, correspondentes a metade de tudo o que neste âmbito o autor pagou desde a cessação da coabitação com aquela até ao presente. Só assim se encontrará o exacto «quantum» que o autor tem direito a haver da ré.
Quanto às obrigações futuras (prestações que o autor continuará – eventualmente – a pagar até amortização dos empréstimos e a título de encargos de condomínio), igualmente reclamadas na petição inicial, o regime do enriquecimento sem causa não as pode abarcar, por não haver quanto a elas ainda uma efectiva prestação que tenha causado o enriquecimento de uma das partes e o empobrecimento da outra, pelo que, nessa parte, a pretensão do autor tem que improceder.
É nos precisos termos que se deixam expostos que a apelação do autor merece acolhimento, com a consequente revogação parcial da douta sentença recorrida.
* * *
5. Decisão:
Em conformidade com o exposto, os Juízes desta secção cível da Relação do Porto acordam em:
1º. Julgar parcialmente procedente a apelação do autor e revogar, também em parte, a douta sentença recorrida e, em consequência:
a) Condenar a ré a pagar-lhe o que vier a ser liquidado posteriormente a este acórdão relativamente aos montantes que o mesmo suportou, a título de amortização/reembolso dos empréstimos e de encargos com o condomínio, indicados nos factos provados, desde a data da cessação da coabitação de ambos (no âmbito da união de facto) na fracção autónoma em causa, até ao presente, deduzindo-se à parte a cargo da ré (metade do que aquele pagou) metade do valor locativo daquela fracção, que vier ali a ser apurado.
b) Absolver a mesma ré do mais que o demandante peticionou.
2º. Julgar improcedente a apelação subordinada apresentada pela ré, mantendo-se o decidido na 1ª instância quanto à excepção peremptória da prescrição por ela invocada na contestação.
3º. Condenar autor e ré nas custas, na proporção de 2/5 a cargo do primeiro e de 3/5 a cargo da segunda.
* * *
Porto, 2009/03/31
Manuel Pinto dos Santos
Cândido Pelágio Castro de Lemos
Augusto José Baptista Marques de Castilho