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CRÉDITO AO CONSUMO
JUROS
Sumário
O vencimento imediato e antecipado das prestações vincendas em contrato de mútuo destinado à compra e venda deve confinar-se à parcela do capital em falta, não incluindo a parcela dos juros remuneratórios que só seriam devidos se fossem mantidos os prazos de vencimento dessas prestações.
Texto Integral
Processo n.º 615/08.9TBAMT.P1 (Apelação)
Apelante: B………., SA
Apelado: C……….
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I – RELATÓRIO
B………., S.A., com sede na ………., nº .., Lisboa, intentou a presente acção declarativa condenatória, sob forma sumária, contra C………., residente no ………., ………., Amarante.
Alegou para o efeito e, em síntese, que no exercício da sua actividade concedeu ao réu um crédito destinado à aquisição de um veículo automóvel de marca Renault, modelo ………., com matrícula ..-..-XR, sob a forma de um contrato de mútuo titulado por documento particular, no valor de € 10.025,00, com juros à taxa nominal de 13,784%, devendo tal importância, juros, comissão de gestão, imposto de selo, prémio de seguro serem pagos em 72 prestações mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira em 10 de Agosto de 2007, e as seguintes, nos dias 10 dos meses subsequentes, mediante transferência bancária.
Foi, ainda, acordado que em caso de mora sobre o montante do débito, acrescia uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada, acrescida de 4 pontos percentuais, a título de cláusula penal.
Não tendo, porém, sido paga a 1ª prestação e seguintes (sendo o valor de cada uma de € 212,19), está em débito o montante de € 15.270,48, a que acrescem os juros, incluindo já a referida cláusula penal, desde a data de vencimento até integral pagamento.
O réu devidamente citado, não apresentou contestação.
Após terem sido confessados os factos alegados pelo autor, foi proferido saneador-sentença que julgou acção parcialmente procedente e condenou o réu a pagar ao autor a quantia de € 384,44 (trezentos e oitenta e quatro euros e quarenta e quatro cêntimos) respeitante ao débito do cartão de crédito emitido a seu favor, acrescida de juros vencidos e vincendos, desde 27 de Março de 2008, sobre a apontada quantia à taxa convencionada de 3,25% ao mês e, ainda, na quantia a liquidar em execução de sentença correspondente às prestações de capital respeitantes ao contrato de mútuo, não pagas, acrescidas de juros moratórios à taxa anual de 17,784% (correspondente a 13,784% + 4%), desde 11 de Agosto de 2007 até integral pagamento, e bem assim do Imposto de Selo de abertura do crédito.
Inconformado com tal decisão, na parte absolutória, apelou a autora, formulando, no essencial, as seguintes conclusões:
1. É errado e infundado o “entendimento” de que o vencimento antecipado das prestações de um contrato de mútuo oneroso por via do artigo 781º do Código Civil, apenas importa o vencimento das fracções da dívida de capital e não dos respectivos juros remuneratórios, porquanto o referido preceito legal não faz, nem permite fazer.
2. A obrigação do mutuário num mútuo oneroso é, desde logo, aliás, a restituição da quantia ou da coisa mutuada e a respectiva retribuição acordada, precisamente pela cedência do dinheiro ou da coisa posta à disposição do mutuário.
3. A Lei não só prevê e regula expressamente (distinguindo-os) a gratuitidade ou onerosidade do mútuo (cfr. artigo 1145° do Código Civil), como expressamente prevê no artigo 1147° do referido Código Civil que "No mútuo oneroso o prazo presume-se estipulado a favor de ambas as partes, mas o mutuário pode antecipar o pagamento, desde que satisfaça os juros por inteiro."
4. É pois manifestante errado o referido "entendimento" expendido na sentença da 1ª instância, pois que se já o era errado à luz apenas das regras do mútuo civil (como se procurou explicitar) ainda mais errado é à luz daquilo que foi expressamente acordado no contrato de mútuo dos autos e à própria natureza comercial do contrato em causa, sendo que, para além do mais, tal "entendimento" constitui uma evidente violação do principio da liberdade contratual prevista no artigo 405° do Código Civil.
5. Acresce, ainda que, como está provado nos presentes autos, o A., ora recorrente, é uma instituição de crédito, nos termos e de harmonia com o disposto no artigo 3°, alínea i), do Regime Geral das Instituições de Créditos e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, pelo que, pode - como o fez - pedir juros moratórios sobre o valor total das prestações em débito, apesar de em tal total estarem já incluídos juros remuneratórios. E é nisso, precisamente, que consiste a capitalização de juros, actualmente os juros de juros, adquiriram estatuto de um uso bancário, permitido pelo nº 3 do artigo 560° do C. Civil e que o artigo 5° nº 6 do Dec-Lei n° 344/78, de 17 de Novembro consente para período não inferior a três meses.
6. Sendo que, aliás, no caso dos autos tal capitalização acontece desde logo, desde a celebração do contrato de mútuo, razão pela qual o referido Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de Setembro, manda calcular desde o início e fazer constar do contrato o chamado "custo total do crédito".
7. É, pois, inteiramente válido, legitimo e legal o pedido dos autos, sendo que é errada a decisão proferida, que ao decidir como o fez, interpretou e aplicou erradamente, o disposto nos artigos 236°, 405°, 560°, 781°, 1145° e 1147° do Código Civil, artigo 2°, alínea d) e e), artigo 4° e 9°, nºs 1 e 3 do referido Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de Setembro, bem como os artigos 5°, 6° e 7°, do Decreto-Lei 344/78, de 17 de Novembro, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 83/86, de 6 de Maio, o artigo 1º do Decreto-Lei 32/89, de 25 de Janeiro, o artigo 2° do Decreto-Lei 49/89, de 22 de Fevereiro, os artigos l° e 2° do Decreto-Lei 206/95, de 14 de Agosto, e o artigo 3°, alínea I, do Decreto-Lei 298/92, de 31 de Dezembro, que assim violou.
8. Nestes termos, deve ser dado inteiro provimento ao presente recurso de apelação e, por via dele, proferir-se acórdão que revogue a sentença recorrida substituindo-a por acórdão que julgue a acção inteiramente procedente e provada, condenando-se o R. na totalidade do pedido formulado.
Não foram apresentadas contra-alegações.
II- FUNDAMENTAÇÃO
A- Objecto do Recurso:
Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objecto do recurso nos termos dos artigos 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1 e 2 do CPC, sem prejuízo do disposto no artigo 660.º, n.º 2 do mesmo diploma legal, a questão essencial a decidir é saber qual o montante em dívida, o que pressupõe que se decida se os juros remuneratórios devem ser capitalizados nas prestações vencidas e não pagas, vencendo-se juros de mora sobre a totalidade formada pelo capital mutuado em falta e respectivos juros remuneratórios.
B- De Facto:
A 1.ª instância considerou provada a seguinte factualidade:
1. O autor no exercício da sua actividade comercial e com destino à aquisição de um veículo automóvel de marca Renault, modelo ………., com matrícula ..-..-XR, por acordo particular datado de 11 de Julho de 2007, concedeu ao réu um empréstimo no montante de €10.025 (dez mil e vinte e cinco euros) com juros à taxa nominal de 13,784% ao ano.
2. Mais acordaram autor e réu que a importância referida em 1., os aludidos juros, bem como a comissão de gestão, o imposto de selo de abertura de crédito e o prémio de seguro de vida seriam pagos em 72 prestações mensais e sucessivas com vencimento a primeira em 10 de Agosto de 2007 e as seguintes nos dias 10 dos meses subsequentes, devendo ainda a importância de cada uma das prestações ser paga conforme ordem irrevogável mediante transferências bancárias a efectuar aquando do vencimento de cada uma das referidas prestações, para a conta bancária titulada pelo autor.
3. Acordaram ainda autor e réu que em caso de mora sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, acrescia uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada (13,784%) acrescida de quatro pontos percentuais, ou seja, um juro à taxa anual de 17,784%.
4. E que a falta de pagamento de qualquer das referidas prestações na data do respectivo pagamento implicava o vencimento imediato de todas as demais prestações.
5. O autor é uma instituição de crédito.
6. O réu não pagou a 1ª prestação e seguintes, ou seja, nenhuma, não tendo providenciado pelas transferências bancárias referidas, sendo o valor de cada uma de €212,09.
7. O autor emitiu ainda em favor do réu um cartão de crédito ao abrigo de acordo de adesão a cartão de crédito com o mesmo celebrado em 11 de Julho de 2007.
8. O autor por carta datada de 21 de Janeiro de 2008 rescindiu o acordo referido em 7 com efeitos a partir de 5 de Fevereiro de 2008;
9. E em 5 de Fevereiro de 2008 em consequência de pagamentos que o autor suportou com referência a despesas feitas pelo réu e que o mesmo liquidou através da utilização do dito cartão estava em débito a quantia de €384,44 (trezentos e oitenta e quatro euros e quarenta e quatro cêntimos).
10. De harmonia com o acordado entre autor e réu em caso de incumprimento do contratado em 7 sobre a importância do débito incidiriam juros à taxa de 3,25% ao mês.
C- De Direito:
Conforme enunciado, importa determinar qual o montante em dívida, o que pressupõe saber se os juros remuneratórios devem ser capitalizados nas prestações vencidas e não pagas, vencendo-se juros de mora sobre a totalidade formada pelo capital mutuado em falta e respectivos juros remuneratórios.
Nos termos das cláusulas contratuais apostas no contrato de crédito ao consumo, que as partes celebraram, e ao qual se aplica o regime previsto no Decreto-Lei n.º 359/91, de 21.09, e alterações subsequentes, está adquirido que as prestações peticionadas e relativas ao capital mutuado (todas as devidas, já que nenhuma foi paga), devem considerar-se vencidas, desde a data em que o réu entrou em mora, ou seja, a partir de 11 de Agosto de 2007, vencendo-se automaticamente, a partir dessa data, todas as prestações subsequentes (artigo 817.º do Código Civil [CC] e cláusula 8.a) do contrato junto aos autos).
Porém, nos termos das cláusulas 4.b) e 5.c) do mesmo contrato, e conforme consta do supra pontos 1 e 2 da matéria de facto provada, cada prestação mensal incluía uma parcela do capital a amortizar, acrescida de uma parcela de juro remuneratório estipulado, à taxa anual de 13,784%, contado dia a dia sobre o capital que em cada momento se encontrar em dívida.
Assim sendo, a obrigação de restituição do capital mutuado seria realizada mediante prestações fraccionadas, enquanto a obrigação de pagamento de juros remuneratórios tinha por objecto prestações periódicas, em que se mostra essencial o decurso do tempo aprazado.
De facto, sendo o juro um rendimento do capital em função do tempo, constituindo uma remuneração pela indisponibilidade do capital mutuado, o crédito a juros nasce à medida e na medida em que o tempo decorre, e só se mantém enquanto existir obrigação de restituir o capital mutuado. Donde resulta, que vencida a obrigação de restituição do capital, inexiste já qualquer indisponibilidade do capital e, consequentemente, não nasce a obrigação de pagamento de juros, nem a possibilidade dos mesmos serem capitalizados.
Consequentemente, e por estas razões, em relação ao vencimento dos juros remuneratórios, é inaplicável o regime de perda do benefício do prazo a que se refere o artigo 871.º do CC.
Assim sendo, o vencimento imediato e antecipado das prestações vincendas (no caso todas as estipuladas) deve confinar-se à parcela do capital em falta, não incluindo a parcela dos juros remuneratórios, que só seriam devidos se fossem mantidos os prazos de vencimento dessas prestações, e não o sendo, não ocorre o respectivo vencimento.
Bastaria esta razão para afastar o entendimento expendido pela apelante, uma vez que só faz sentido falar em capitalização de juros se, em primeiro lugar, a obrigação de juros nascer e, se, em segundo lugar, existir vencimento da mesma.[1]
Contudo, e acautelando entendimento diverso, sempre se dirá que em relação à invocação do artigo 1147.º do CC, dado o carácter oneroso do contrato de mútuo em apreciação, e à possibilidade de antecipação do pagamento, com satisfação dos juros por inteiro, que tal regime geral é derrogado no âmbito do regime do contrato de concessão de crédito ao consumo, pelo regime do cumprimento especial quando há cumprimento antecipado (voluntário, o que é diverso do cumprimento forçado, que é o que está em causa em situações de incumprimento), previsto no artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 359/91, de 21.09.
Ainda que se entenda que, também por via deste último preceito, o pagamento antecipado do capital, permite a capitalização de juros remuneratórios no caso de não vencimento da obrigação pelo decurso do tempo, entende-se que o chamado “custo total do crédito”, na expressão utilizada pela apelante, já está coberto pelo funcionamento da cláusula penal estipulada em 4 pontos percentuais acima da taxa de juro contratual, a qual cobre o eventual prejuízo que o mutuante sofra pela frustração do seu esforço financeiro.
Para além disso, sempre se dirá que outro entendimento, e contrariamente ao referido pela apelante, significa que retiraria do incumprimento do contrato um benefício excessivo, muito superior ao que obteria pelo cumprimento do contrato, traduzido no vencimento imediato do capital, mais o vencimento de todos os juros remuneratórios como se fossem valores fraccionados de uma prestação de capital e, ainda, o ganho que resulta da aplicação sobre o montante global de juros moratórios à taxa de 13,784%, ainda com o acréscimo dos referidos 4 pontos percentuais.
Invoca, ainda, a apelante que o entendimento perfilhado na sentença, viola o expressamente acordado à luz da liberdade contratual, prevista no artigo 405.º do CC, a natureza comercial e os usos do comércio nesta matéria.
No que concerne ao princípio da liberdade contratual e à interpretação da cláusula 8.b) das condições do contrato, que prevê que “A falta de pagamento de uma prestação na data do respectivo vencimento, implica o imediato vencimento de todas as restantes”, afigura-se-nos que, face às regras de interpretação estabelecidas no artigo 236.º do CC, ao estipulado sobre interpretação de cláusulas ambíguas, no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25.10, alterado pelos Decretos-Leis n.º 220/95, de 31.08 e n.º 249/99, de 07.07 (regime das cláusulas contratuais gerais), e face às apertadas exigências consignadas nos artigos 6.º a 8.º e 18.º do já referido Decreto-Lei n.º 359/91, de 21.09, um declaratário normal não interpretaria essa cláusula no sentido preconizado pela apelante, ou seja, de que a falta de pagamento de uma mensalidade acarretaria o pagamento de todos os juros que nasceriam até ao fim do contrato.
Trata-se, efectivamente, de um sentido interpretativo absolutamente desfavorável ao devedor e nem o contexto da actividade comercial (bancária) subjacente a este tipo de contratos de mútuo, faz supor que um consumidor indeterminado normal a pudesse subscrever, se tivesse como certa e segura essa interpretação.
Por outro lado, não está demonstrado que as partes tenham celebrado qualquer convenção de capitalização dos juros posterior ao vencimento, nem que o credor tenha notificado o devedor para esse efeito, nos termos exigidos pelo n.º 1 do artigo 560.º do CC, e isto independentemente o preceituado no n.º 3 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 344/78, de 17.11, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 83/86, de 06.05.
Na verdade, o n.º 3 do referido artigo 7.º, no que concerne à matéria do anatocismo, apenas dispõe quanto ao período mínimo exigível para a capitalização de juros, em detrimento do n.º 2 do artigo 560.º do CC, mas não derroga os requisitos previstos no n.º 1 dessa norma.
A que acresce que não é evidente que haja regras e usos legítimos do comércio bancário que justifiquem a inaplicabilidade do n.º 1 do citado artigo 560.º do CC.
Em síntese:
Não é aplicável o disposto no artigo 871.º do CC à obrigação de pagamento de juros remuneratórios de um contrato de crédito ao consumo, por esta obrigação ter por objecto prestações periódicas, em que se mostra essencial o decurso do tempo aprazado, para o respectivo vencimento.
Consequentemente, quando ocorra o vencimento e não pagamento de uma prestação, determinativo do vencimento automático das restantes, o credor tem direito a receber o capital em falta e não os juros remuneratórios que integrariam cada uma das prestações convencionadas.
Nestes termos, improcedem, na totalidade, as alegações da apelante, mantendo-se a decisão recorrida.
Dado o decaimento, a apelante suportará as custas da apelação (artigo 446.º, n.º 1 e 2 do CPC).
III- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença na parte impugnada.
Custas pela apelante.
Porto, 27 de Abril de 2009
Maria Adelaide de Jesus Domingos
Baltazar Marques Peixoto
José Augusto Fernandes do Vale
________________________
[1] Por existir inúmera jurisprudência sobre a temática, dispensamos, no texto, as referências jurisprudenciais. De qualquer modo, o entendimento que perfilhamos tem sido defendido maioritariamente pelo Supremo Tribunal de Justiça, embora não unanimemente, conforme se pode constatar no Ac. de 14.11.2006, proc. 06A2718, que aqui referimos a título exemplificativo. De referir que, no texto, seguimos de perto o Ac. RL, de 11.03.2008, proc. 1819/2008-7, em contraponto com o Ac. RP, de 30.10.2008, proc. 0835341. Todos os acórdãos mencionados estão disponíveis, em versão integral, em www.dgsi.pt.