OFENSAS CORPORAIS INVOLUNTARIAS
NEGLIGENCIA CONSCIENTE
NEGLIGENCIA INCONSCIENTE
CONCEITO
UNIDADE DE INFRACÇÕES
MEDIDA DA PENA
Sumário

I - A negligencia consciente encontra-se prevista na alinea a) do artigo 15 do CP de 1982, situa-se na fronteira do dolo eventual, mas dele se distingue.
II - A negligencia inconsciente abrange todos os casos em que a Lei, na sua aspiração de evitar certos resultados danosos, pretende que estes sejam representados pelos agentes, a fim de ele procurar evita-los, como aqueles em que a lei, permitindo em homenagem ao progresso e as necessidades da vida actuações potencialmente perigosas, quer especialmente que os seus agentes prevejam as consequencias delas, para o efeito de, previamente, adoptarem as cautelas e as medidas necessarias tendentes a evitar essas mesmas consequencias.
III - Nos crimes involuntarios, embora possa haver uma pluralidade de eventos, ha um unico crime, funcionando os restantes eventos como agravantes.
IV - A determinação da medida da pena faz-se, nos termos do artigo 72 do CP, em função da culpa, tendo-se ainda em conta as exigencias de prevenção de futuros crimes e todas as circunstancias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I - Mediante acusação do Digno Agente do Ministerio Publico, respondeu, em processo comum e com a intervenção do Tribunal Colectivo de Tomar, o arguido A, casado, engenheiro quimico, de 49 anos, com os demais sinais dos autos, tendo sido condenado pela pratica de um crime de ofensas corporais por negligencia previsto e punivel pelas disposições conjuntas dos artigos 148 n. 1 e 58 n. 4, respectivamente, do Codigo Penal e do Codigo da Estrada, e pela contravenção prevista e punivel pelo artigo 7 n. 1 e 2 alinea b) do Codigo da Estrada, nas seguintes penas:
- pelo crime de ofensas corporais por negligencia: trinta dias de multa a taxa diaria de 1500 escudos, na alternativa de 20 dias de prisão; e
- por contravenção ao artigo 7 do Codigo da Estrada: cinco mil escudos.
Outrossim foi inibido de conduzir pelo periodo de 30 dias e condenado na taxa de justiça de 3 UCs e na procuradoria de 7000 escudos.
II - Não se conformando com tal decisão, dela recorreu o arguido, motivando-o nos seguintes termos:-
- Ocorrendo o embate a 7 metros do limite esquerdo da faixa de rodagem e a meio do veiculo do queixoso, o mesmo verifica-se quando o veiculo deste ocupa ainda cerca de 4,5 metros de comprimento da faixa de rodagem por onde circulava o arguido e não quando o veiculo do queixoso ja tinha entrado na estrada da Carregueira;
- Isso so seria possivel se o embate se desse lateralmente mas na parte de tras do veiculo do queixoso, o que não sucedeu;
- Resulta do acordão recorrido:
- que o queixoso virou a esquerda sem parar;
- que o queixoso antes de virar a esquerda tomou o eixo da via;
- que a estrada no local tem a largura de 6,5 metros;
- que o local do embate se deu a 7 metros do limite esquerdo da faixa de rodagem atento o sentido do arguido;
- que o arguido circulava a velocidade de 90 Kms hora; e
- que no local a visibilidade e pelo menos de 70 metros;
- com os elementos referidos atras verifica-se que quando o queixoso virou a esquerda ja o arguido era visivel;
- E sendo assim teremos de constatar que não foi o arguido quem causou o acidente e não se pode concluir pelo escuro de velocidade do arguido pois no espaço livre e visivel em que podia travar com segurança foi ocupado pelo queixoso;
- Quando o acordão diz que o queixoso se certificou de que quando virou não circulava nenhum veiculo em sentido contrario, isto so seria possivel se o arguido viesse a mais de 70 metros do local do embate, o que não aconteceu;
- existe, pois, no acordão erro notorio na apreciação da prova, pelo que deve ser reapreciado;
- e concluiu-se pela inocencia do arguido;
- Nos termos do artigo 6 n. 8 do Codigo da Estrada considera-se um local de visibilidade reduzida se a mesma for inferior a 50 metros;
- O arguido não estava, pois, obrigado a reduzir a sua velocidade, pois a curva não era de visibilidade reduzida;
- O arguido tinha um espaço livre e visivel a sua frente de pelo menos de 70 metros, espaço mais que suficiente para fazer imobilizar o veiculo e se o não imobilizou foi porque quando estava ja a menos de 70 metros do local do acidente o queixoso ocupou a sua faixa;
- A travagem deu-se a cerca de 30 metros do embate;
- Por isso não se pode considerar excessiva a velocidade do arguido;
- Excluindo a existencia da curva e do entroncamento, não existiam quaisquer outras condições que aconselhassem e muito menos obrigassem a redução de velocidade; e
- Assim, por todo o exposto, deve o arguido ser absolvido do crime e da contravenção.
Contra-motivou o Ministerio Publico, afirmando em tal douta peça processual que o acordão deve ser mantido.
III - Subiram os autos a este Alto Tribunal e, proferido o despacho saneador, juntas as alegações escritas e colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
Deu o douto tribunal colectivo como provadas as seguintes realidades facticiais:-
- No dia 21 de Maio de 1988, cerca das 19 horas, o arguido conduzia o veiculo automovel ligeiro de passageiros de matricula OL-02-29, na Estrada Nacional n. 113, no sentido Estação de Fatima - Tomar;
- Na mesma ocasião, na dita Estrada, em sentido oposto, circulava o veiculo automovel ligeiro misto, de matricula IT-63-07, conduzido pelo seu proprietario B, transportando, como passageiros, sua esposa C, sua irmã D e seu cunhado E;
- Ao Km 35,6, no entroncamento da referida Estrada Nacional com a estrada que da acesso a povoação de Carregueira, o B pretendeu mudar de direcção para a esquerda, considerando o seu sentido de marcha, com o proposito de se dirigir a dita povoação de Carregueira;
- Para tanto, aproximou-se, com antecedencia, do eixo da faixa de rodagem e fez o sinal luminoso ("pisca-pisca"), indicador de mudança de direcção para a esquerda;
- Reduziu a velocidade e certificou-se de que não circulava qualquer outro veiculo, quer a sua rectaguarda, quer em sentido contrario;
- Tinha, então, visibilidade, para a frente, de cerca de 70 a 75 centimetros, digo de 70 a 75 metros;
- Depois, executou a manobra de mudança de direcção para a esquerda, em local onde a estrada descreve uma curva para a direita, considerando o sentido de marcha Tomar - Estação de Fatima;
- Sendo nessa curva que entronca a estrada que liga a povoação de Carregueira;
- A viatura do arguido circulava a velocidade de 90 Km/hora, quando ele se apercebeu de que o outro veiculo executava a dita manobra;
- O arguido accionou, então, os travões, deixando um rasto de travagem de cerca de 30 metros, parte do qual na zona de confluencia das estradas, onde existia alguma areia no pavimento - areia bem visivel;
- Mas não conseguiu imobilizar a sua viatura, que so parou quando embateu na parte lateral direita, sensivelmente ao meio, do veiculo do B;
- A colisão da parte frontal da viatura conduzida pelo arguido com o veiculo do queixoso Manuel ocorreu num ponto situado a cerca de 7 metros do limite da faixa de rodagem da Estrada Nacional - limite do lado esquerdo, considerando o sentido de marcha do arguido - e a cerca de
5 metros do limite do lado direito da faixa de rodagem da estrada proveniente de Carregueira, considerando o sentido Carregueira - Estrada Nacional n. 113;
- No momento do embate, a viatura do queixoso tinha entrado na referida estrada secundaria, onde se encontrava grande parte dela;
- Devido a violencia do embate a viatura do queixoso foi arrastada numa distancia de cerca de 5 metros;
- E ficou inclinada sobre o lado do condutor (com a parte inferior voltada para o lado da Estação de Fatima), na zona de confluencia das duas estradas, na berma do lado esquerdo, considerando o seu sentido de marcha;
- No local, a Estrada Nacional tem a largura de 6,5 metros;
- O veiculo do arguido ficou imobilizado na berma do lado direito, da Estrada Nacional, alem da zona de confluencia das estradas, considerando o seu sentido de marcha;
- O tempo estava bom;
- A cerca de 100 metros era visivel para o arguido uma placa indicativa de itinerario para localidades a direita, considerando o seu sentido de marcha;
- Em resultado da colisão, o condutor e os passageiros da viatura IT-63-07 sofreram alguns ferimentos;
- O arguido e de boa condição social e tem boa situação economica;
- E considerado bom condutor; e
- O veiculo que dirigia ficou com a parte da frente totalmente amolgada.
IV - Extractados os factos, seguir-se-ia numa tecnica processual normal a determinação do seu significado juridico-criminal.
Antes, porem, convem alinhar algumas considerações sobre o problema de saber se este Supremo Tribunal pode alterar a prova dada como assente, como pretende o recorrente.
Não lhe assiste, porem, a minima razão.
Este Alto Tribunal, como e de todos sabido, como orgão de revista que e, tem, em principio, de acatar como intocavel a prova exarada no acordão apelado, cumprindo-lhe tão somente o re-exame da materia de direito, melhor dizendo: cumpre-lhe apenas a tarefa de aplicar o direito aos factos provados, nos termos dos artigos 433 e 29, respectivamente, do Codigo de Processo Penal e da Lei n. 38/87, de 23 de Dezembro.
Dissemos, em principio:-
E que, em determinadas circunstancias - casos mencionados no n. 2 do artigo 410 do citado Codigo de Processo Penal
(a insuficiencia para a decisão da materia de facto provada, a contradição insanavel da fundamentação e o erro notorio na apreciação da prova) - tem este Supremo Tribunal o poder de se ingerir na analise do aspecto factico, mas nunca a jurisdição de proceder, ele proprio, a renovação da prova, competindo-lhe tão somente assinalar o vicio ou vicios que enxergou e a determinar o reenvio do processo para novo julgamento (confira Maia Gonçalves in Codigo de Processo Penal - 3 edição - a paginas 539 e seguintes e o Acordão deste Supremo proferido no R. n. 40302 vindo do 2 Juizo Criminal de Lisboa).
Ora, fazendo incidir a nossa objectiva sobre o panorama factual dado como assente e nele meditando, não detectamos a existencia de qualquer dos vicios indicados, nomeadamente aquele em que se ancorou o agravante, ou seja o erro notorio na apreciação da prova.
O erro notorio na apreciação da prova, como e concebido, so existe quando esse erro e de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja quando o homem medio facilmente dele se da conta (confira obra e acordão atras referidos).
Finalmente se dira que o tribunal colectivo e soberano na indagação da materia de facto e, se, a descreveu, e porque, em sua convicção e consciencia, a aceitou como verdadeira ("judex judicare debet secundum allegata et probata partium et secundum conscientia sua").
Em suma:
A decisão quanto a materia de facto tem de considerar-se como insindicavel, ja que não se lobriga em tal peça processual qualquer dos vicios sublinhados no n. 2 do artigo 410 do Codigo de Processo Penal, designadamente o invocado pelo recorrente.
V - Apresentado, em apertada sintese, este proemio, passemos sem mais delongas a subsunção dos factos provados a sua dignidade criminal.
Foi o arguido trazido a barra do sinedrio judicial acusado, em autoria material, de haver cometido quatro crimes de ofensas corporais por negligencia previstos e puniveis pelas disposições dos artigos 148 e 58 n. 4, respectivamente, do Codigo Penal e do Codigo da Estrada, e da contravenção prevista e punivel pelo artigo 7 ns. 1, 2 alinea b) e 10 deste ultimo diploma.
Reza assim o mandamento do artigo 148:-
"1 - Quem causar, por negligencia, ofensas no corpo ou na saude de outrem sera punido com prisão ate seis meses ou multa ate 50 dias...".
Para que se verifique tal delito exige o preceito penal em foco que se observem os seguintes elementos tipicos:-
1 - O evento, concretizado em ofensas no corpo ou na saude de determinada pessoa;
2 - que o agente actue com negligencia; e
3 - um nexo de causalidade entre a conduta culposa do agente e o resultado ou evento.
Verificar-se-ão todos eles no caso do litigio?
E o que seguidamente vamos averiguar.
No que atine ao primeiro pressuposto, mostra-se ele certificado nos autos, ja que se deu como provado que, em resultado da colisão, o condutor e os tres passageiros da viatura IT-63-07 sofreram alguns ferimentos.
E com isto, passemos ao segundo requisito, ou seja a negligencia.
Mas quando e que o agente actua com negligencia?
A resposta e-nos oferecida pelo artigo 15 do Codigo Penal, que expressamente textua:-
"Age com negligencia quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstancias, esta obrigado e de que e capaz: a) - Representa como possivel a realização de um facto correspondente a um tipo de crime, mas actua sem se conformar com sua realização; b) - Não chega sequer a representar a possibilidade da realização do facto".
Deste normativo legal se alcança que a nova lei penal distingue duas modalidades de negligencia: a consciente (referida na antecedente alinea a)), que e a mais grave, quase nas fronteiras do dolo eventual, mas que dele se distingue, e a inconsciente que se observa quando o agente não previu, como podia e devia ter previsto, a realização do acontecimento (alinea b)).
Quanto a esta ultima categoria de negligencia, ha que sublinhar que ela abrange todos os casos em que a lei, na sua ansia de evitar certos resultados danosos, pretende que estes sejam representados pelo agente a fim de ele procurar a todo o transe evita-los, como aqueles em que a lei, permitindo em homenagem ao progresso e as necessidades da vida, actuações potencialmente perigosas, quer especialmente que os seus agentes prevejam as consequencias delas para o efeito de, previamente, a tempo e horas, adoptarem as cautelas e os cuidados necessarios tendentes a evitar essas mesmas consequencias.
E quando essas precauções são inobservadas, o agente deve ser censurado pelo evento, com o fundamento de haver actuado com negligencia inconsciente (confira com interesse Beleza dos Santos in R. Decana 67- paginas 162 e 70 pagina 225 e Eduardo Correia in Direito Criminal volume II - a paginas 437).
Expostas "appertis verbis" as linhas gerais da negligencia, ja nos achamos em condições de dar resposta a pergunta que atras formulamos, no sentido de saber se o arguido assim agiu com negligencia.
O douto requisitorio do Ministerio Publico aponta no sentido de que tal elemento se acha consubstanciado em tres pilares:-
- a inobservancia do artigo 7, ns. 1, 2 alinea b) e 10 do Codigo da Estrada;
- a impericia; e
- a inconsideração.
Relativamente ao primeiro fundamento, determina o dispositivo estradal em causa o seguinte:
Artigo 7:
"1 - Os condutores devem regular a velocidade dos veiculos de modo que, atendendo as circunstancias destes, as condições da via, a intensidade do trafego e a quaisquer outras circunstancias especiais, não haja perigo para a segurança das pessoas e das coisas, sem perturbação ou entrave para o transito.
Considera-se excessiva a velocidade sempre que o condutor não possa parar o veiculo no espaço livre visivel a sua frente, ou exceda os limites de velocidade fixada nos termos legais.
2 - A velocidade deve ser especialmente reduzida nos seguintes casos:_
................. b) Nas curvas e cruzamentos ou entroncamentos de visibilidade reduzida...".
Ora, rememorando, no aspecto em causa, o complexo facticial dado como assente e considerando especialmente que o arguido, na conjuntura dos factos:
- Circulava por uma estrada com a largura de 6,5 metros e faixa total de rodagem, portanto, de diminuta dimensão, a uma velocidade de 90 Km horarios - a maxima que e permitida aos veiculos automoveis, nos termos da portaria n. 332/76, de 3 de Junho;
- ao aproximar-se de uma curva para a sua esquerda, em que a visibilidade não ultrapassava os 75 metros de um entroncamento;
- que a cerca de 100 metros era para si visivel uma placa, que na estrada se achava implantada, indicativa de itinerario para localidades a direita, considerando o seu sentido de marcha;
- não reduzindo a sua velocidade;
- e so quando se apercebeu de que o outro veiculo executava a manobra de mudança de direcção, accionou os travões, deixando um rasto de travagem de cerca de 30 metros, parte do qual na zona de confluencia das estradas, onde existia alguma areia no pavimento, areia bem visivel;
- não conseguindo, porem, imobilizar a sua viatura, que so parou quando embateu na parte lateral direita, sensivelmente ao meio, do veiculo do B;
- que a colisão da parte frontal da viatura conduzida pelo arguido com o veiculo do queixoso ocorreu num ponto situado a cerca de 7 metros do limite da faixa de rodagem da Estrada Nacional - limite do lado esquerdo, considerando o sentido de marcha do arguido - e a cerca de 5 metros do limite do lado direito da faixa de rodagem da estrada proveniente da Carregueira - Estrada Nacional n. 113;
- no momento do embate, a viatura do queixoso tinha entrado na referida estrada secundaria, onde se encontrava grande parte dela;
- devido a violencia do embate a viatura do queixoso foi arrastada numa distancia de cerca de 5 metros; e
- ficou inclinada sobre o lado do condutor (com a parte inferior voltada para o lado da Estação de Fatima), na zona de confluencia das duas estradas, na berma do lado esquerdo, considerando o seu sentido de marcha; positivamente que deste manancial factico, tão pormenorizado, temos de extrair seguramente as seguintes conclusões:-
A primeira a de que a circunstancia de não ter podido parar o seu veiculo no espaço livre visivel a sua frente se ficou devendo a velocidade excessiva com que circulava, velocidade que não reduziu, face ao condicionalismo então reinante, como lhe cumpria.
A segunda a de que revelou uma certa impericia, na medida em que, em vez de passar pela rectaguarda do veiculo do queixoso, pois, para tanto tinha espaço suficiente, cortou na direcção do veiculo deste, indo nele embater violentamente.
A terceira a de que o seu comportamento revelou manifestamente falta de atenção na condução.
De tudo quanto exposto ficou resulta claramente que o arguido actuou com negligencia, ja que não tomou as cautelas que o comando estradal do artigo 7 n. 1 e o dever geral de previdencia lhe impunham e que ele podia e devia tomar.
Mas actuou ele com culpa exclusiva?
Seguramente que a resposta tera de ser positiva.
Com efeito, deu o acordão como provados, no aspecto em causa, a seguinte materialidade factica:-
- Ao Km 35,6, no entroncamento da referida Estrada Nacional com a estrada que da acesso a povoação de Carregueira, o B pretendeu mudar de direcção para a esquerda, considerando o seu sentido de marcha, com o proposito de se dirigir a dita povoação de Carregueira;
- Para tanto, aproximou-se, com antecedencia do eixo da faixa de rodagem e fez o sinal luminoso ("pisca-pisca"), indicativo de mudança de direcção para a esquerda;
- Reduziu a velocidade e certificou-se de que não circulava qualquer outro veiculo, quer a sua rectaguarda, quer em sentido contrario;
- Tinha, então, visibilidade para a frente, de cerca de 70 a 75 metros; e
- Depois, executou a manobra de mudança de direcção para a esquerda, em local onde a estrada descreve uma curva para a direita, considerando o sentido de marcha Tomar - Estação de Fatima.
Ora, debruçando-nos sobre tais ocorrencias de facto, temos forçosamente de rematar que o condutor do veiculo IT-63-07 cumpriu, na emergencia, todos os cuidados e recomendações que o preceito do artigo 11 do Codigo da Estrada lhe prescrevia para proceder a manobra de mudança de direcção e a nada mais era obrigado.
A conflagração do acidente ficou-se, assim, a dever exclusivamente a negligencia do arguido e ora recorrente.
Para finalizar, se dira que patentemente se evidencia, no caso "sub judice", o nexo de causalidade entre o actuar negligente do arguido e o evento, ja que firmado ficou que em resultado da colisão, o condutor e os tres passageiros da viatura IT-63-07 sofreram alguns ferimentos.
Preenchidos se encontram, deste modo, todos os predicados que a lei exige para a verificação do crime de ofensas corporais por negligencia previsto e punivel pelas disposições combinadas dos artigos 148 n. 1 e 58 n. 4, respectivamente, do Codigo Penal e do Codigo da Estrada.
Mas tera o arguido cometido um so crime - como perfilha o acordão recorrido - ou quatro crimes como sufraga o douto libelo deduzido pelo Ministerio Publico?
Consultando a jurisprudencia do nosso mais Alto Tribunal, quer anterior, quer posterior ao Codigo Penal de 1982, deduz-se que a tese defendida "una voce", vai no sentido de que, em materia de crimes involuntarios, comete um unico crime e não quatro crimes o arguido que, com a sua actuação culposa, mate ou fira quatro pessoas (confira em identico pendor, entre outros, os Acordãos deste Supremo Tribunal de 26/05/1985 in Boletim 347 - paginas 214 e de 25/06/86 in Boletim 358 - paginas 283), funcionando os restantes eventos como um mal alem do do crime.
Em conformidade com o que exarado ficou, podemos tirar a conclusão de que o procedimento do arguido desenha a contravenção prevista e punida pelo artigo 7 ns. 1 e 10 do Codigo da Estrada e, em função dela, da sua impericia e inconsideração, retratou ele os elementos configurantes do artigo 148 do Codigo Penal, constituindo-se seu autor material.
VI - Subsumidos os factos no ambito criminal, compete-nos pouco ao aspecto dosimetrico das sanções a aplicar.
A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, far-se-a em função da culpa do agente, tendo-se ainda em conta as exigencias de prevenção de futuros crimes que, neste aspecto, pela sua frequencia e consequencias, trazem a comunidade em sobressalto, e todas as circunstancias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele (confira artigo 72 do Codigo Penal).
Os limites minimo e maximo da pena aplicavel situam-se, quanto ao crime, em 30 dias e 6 meses de prisão ou multa de 10 a 50 dias.
Elevado se mostra o grau de ilicitude do facto, mas pequenas se apresentam as suas consequencias.
Intenso o grau de culpa com que o arguido agiu.
Agrava a responsabilidade da conduta do arguido a pluralidade de ofendidos.
A minimizar essa responsabilidade verificam-se as circunstancias de o arguido:-
- não ter precedentes criminais (vide folhas 42); e
- ser considerado como bom condutor.
E de boa condição social e tem boa situação economica.
Ora, ponderando todos estes ingredientes de facto e tendo em atenção o criterio para a escolha da pena consignado no artigo 71 do Codigo Penal, somos de parecer de que as penas com que a 1 instancia sancionou a actuação do arguido - trinta dias de multa a taxa diaria de mil e quinhentos escudos, multa essa na alternativa de 20 dias de prisão, pelo crime de ofensas corporais por negligencia, e cinco mil escudos pela contravenção prevista no artigo 7 ns. 1 e 10 do Codigo da Estrada
- se mostram equilibradamente doseadas, merecendo o nosso aplauso e confirmação.
E igual ratificação nos merecem tambem os montantes da parte fiscal e o periodo de inibição de conduzir, bem como o demais decidido.
Improcede, assim, toda a dialectica utilizada pelo agravante para infirmar a decisão em estudo.
VII - Dest'arte e pelos expostos fundamentos, decidem os juizes deste Supremo Tribunal de Justiça negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar o douto acordão recorrido, salvo quanto a previsão da contravenção, nos termos sobreditos.
O recorrente pagara de taxa de justiça 10 Ucs e de procuradoria 1/4 da referida taxa.
Lisboa, 9 de Janeiro de 1991.
Ferreira Dias;
Cerqueira Vahia;
Pereira dos Santos;
Lopes de Melo.
Decisão impugnada:
Acordão do Tribunal Judicial de Tomar de 15/05/1990.