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PENHORA DE VEÍCULO AUTOMÓVEL
DILIGÊNCIA
RESPONSABILIDADE
SOLICITADOR DE EXECUÇÃO
Sumário
I – O disposto no art. 851º, nº2, do CPC não permite que a penhora de veículos seja precedida de apreensão para averiguação, seja da existência do veículo, seja do seu valor comercial. II – Mas a penhora de bens apenas é legalmente admissível se presumivelmente puder contribuir para o pagamento do montante exequendo. III – A lei não proíbe, antes impõe, atenta a finalidade do processo executivo, que é a satisfação dos interesses do credor, que, antes de se proceder à penhora do veículo, sejam pelo solicitador de execução realizadas diligências tendentes a saber se o veículo é susceptível de gerar um valor que exceda os custos do registo da penhora, dos honorários devidos ao solicitador e demais despesas por essa penhora criadas, única em que é razoável proceder à penhora do mesmo. IV – O solicitador de execução que proceda à penhora de um veículo sem ter efectuado essas diligências que lhe hajam sido solicitadas pelo exequente ou impostas pelos dados do caso concreto, nomeadamente os anos decorridos desde a data de matrícula do veículo, responderá perante o exequente pelos prejuízos que lhe causar tal actuação negligente ou dolosa.
Texto Integral
Proc. Nº 1969/07.0TJLSB-C.P1
Apelação
Decisão recorrida –
● Tribunal Judicial de Santo Tirso – .º Juízo Cível
● de 12 de Fevereiro de 2009
● Indeferiu o requerido no requerimento executivo pelo exequente no sentido de ser levada a efeito a apreensão do veículo nomeado á penhora nos autos antes de meramente registada a respectiva “penhora”
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
B………., SA, nos autos de execução em que é exequente e em que são executados C………. e D………., interpôs o presente recurso de apelação da decisão de fls. 65, na parte em que nele se indeferiu o requerimento do exequente onde este requeria a apreensão do veiculo que nomeou à penhora antes de se proceder ao registo formal da penhora do mesmo, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:
Requereu a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por acórdão que defira o que nos autos requerido foi pelo exequente.
Não foram apresentadas contra-alegações.
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QUESTOES OBJECTO DE RECURSO
1- Interpretação do disposto no artº 851º, nº 2 do Código de Processo Civil.
Para conhecimento do presente recurso ter-se-ão em consideração os seguintes factos provados por documento nos autos:
- O apelante instaurou em 23 de Fevereiro de 2009 processo de Execução para pagamento de quantia certa – 10.952,39 € (dez mil e novecentos e cinquenta e dois euros e trinta e nove cêntimos) proveniente de dívida comercial tendo apresentado como título executivo a sentença condenatória proferida no processo neste processo;
- Com a apresentação do requerimento executivo apresentou o apelante a seguinte declaração relativamente a um dos bens a penhorar ali indicados:
“veículo automóvel.
nota: não se autoriza o senhor solicitador de execução a registar a penhora antes da real e efectiva apreensão/penhora do veículo.”
- Posteriormente veio o apelante a apresentar nos autos o seguinte requerimento, junto a fls. 52 dos autos de execução:
“B………., S.A. nos autos de execução á margem referenciados, em que são executados C………. e MULHER, tendo sido notificado pelo solicitador de execução nos termos do requerimento por esta apresentado nos autos, vem requerer a V. Exa. se digne ordenar que a referida solicitadora de execução diligencie imediatamente pela apreensão do veiculo automóvel que nomeado foi á penhora nestes autos, apreensão a ser levada a efeito antes do mero registo formal da penhora, uma vez que só com a referida apreensão previa será possível ao exequente, ora requerente averiguar se o estado do veiculo justifica os gastos inerentes ao registo da penhora — vidé neste sentido o acórdão proferido em 24 de Setembro de 2008 pela 5ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, no processo n° 3857/08-5.
- A decisão recorrida, proferida sobre o requerimento acabado de transcrever é do seguinte teor:
“=CLS=
Fls. 51 e 52:
No regime introduzido pelo D.L. 38/2003, de 8 de Março, a penhora de veículo automóvel faz-se por comunicação à conservatória competente para efeitos da sua inscrição no registo e só depois de certificada esta inscrição é que se procede à apreensão do veículo, nos termos do disposto nos artigos 851.º, n.°s 1 e 2 e 838.°, n.° 1, ambos do Código de Processo Civil.
A lei não obsta, antes permite, que, previamente à comunicação à conservatória, o agente de execução colha informações sobre a existência do veículo e o seu estado e valor comercial- cfr. artigo 832.° do Código de Processo Civil -, mas não permite que se proceda à apreensão prévia do veículo com o fim de averiguar da sua existência, do seu estado e do seu valor comercial - neste sentido cfr. Acórdão da Relação do Porto de 9.9.2008, in www.dgsi.pt.
Assim, indefiro o requerido a fls. 52, por inadmissibilidade legal.”
O apelante fundamenta o seu recurso em razões de ordem lógica que se prendem com a finalidade da execução, ou seja: a satisfação do seu crédito e a necessidade de não se praticarem no processo actos inúteis que em vez de conduzirem à cobrança coerciva do montante em dívida – fim último da execução – acabam efectivamente por agravar a situação do exequente que não só não vê o seu crédito satisfeito como a ele acrescem as despesas originadas pelas diligências inúteis tendentes à sua cobrança.
A circunstância de que o pagamento destas despesas competirá a final ao executado decorre apenas de uma visão formal do processo que se abstrai da circunstância de que as despesas são antecipadas pelo exequente que apenas será pago delas se o executado mostrar condições de solvabilidade para tanto.
Cremos que o apelante apresenta nesta matéria uma visão adequada do processo executivo e manifesta um legítimo direito de protecção dos seus interesses patrimoniais.
Com fundamento em considerações desta ordem é que surgiram decisões de vários tribunais da Relação que admitiram que antes da penhora do veículo – a efectuar por comunicação da penhora do mesmo à Conservatória do Registo Automóvel – se proceda à apreensão daquele com vista à sua avaliação e à ponderação da oportunidade dessa penhora.
Com efeito, simples será concluir que um veículo automóvel só deve ser penhorado se ele se apresentar como um bem com valor superior aos custos que o registo da penhora implica. Se a execução é para realização coerciva da dívida todas as diligências tendentes a aumentar essa dívida estão logicamente proibidas, na medida em que mais que actos inúteis são actos prejudiciais aos interesses do credor.
Dir-se-á que o mesmo pode acontecer relativamente à penhora de qualquer outro bem que, por regra vem a ser vendido por valor muito inferior ao que se pensava que valia. Mas os veículos automóveis é sabido que se depreciam com uma enorme rapidez, que podem ser objecto de sinistro de um dia para o outro que anule completamente o seu valor, apresentarem um estado de degradação por mau uso que lhes retire valor comercial, ou mesmo não serem sequer localizados, pese embora constar o registo do direito de propriedade a favor do executado. O mesmo não ocorre, ou pelo menos não acontece com os mesmos limites e facilidade com um imóvel que, por sua natureza se não desloca do local onde se encontra e, podendo ser objecto de grande depreciação, por regra terá sempre um valor que supere os custos que o registo da penhora dele origine.
Acontece porém que nos termos do artigo 851º/2 do C.P.C. “a penhora de veículo automóvel é seguida de imobilização, designadamente através da imposição de selos e, quando possível, da apreensão dos respectivos documentos; a apreensão pode ser efectuada por qualquer autoridade administrativa ou policial, nos termos prescritos na legislação especial para a apreensão de veículo automóvel requerida por credor hipotecário; o veículo apenas é removido quando necessário ou, na falta de oposição à penhora, quando conveniente”, sendo esta norma uma inovação da reforma da acção executiva.
São opções do legislador que os Tribunais não podem deixar de aplicar ainda que se lhes imponha que quando as soluções legislativas se apresentem em desconformidade com a realidade e, como neste caso concreto em contradição com o fim último a que se destinam – satisfação do montante exequendo – hajam de ser aplicadas com as cautelas possíveis que permitam a não desvirtuação do seu fim último. Como fazê-lo?
Como se pode ler no Código de Processo Civil Anotado por Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Vol 3º, Coimbra Editora, pág. 436/437, quanto ao citado preceito:
“O nº2 constitui importante inovação, baseada nas experiências canadianas e francesa.
No regime anterior, consistindo a penhora na apreensão do veículo automóvel e seus documentos, que podia ser feita por qualquer autoridade administrativa ou policial, nos termos da apreensão requerida por credor hipotecário, tal importava a sua remoção para depósitos. No novo regime, além de bastar à penhora a comunicação à conservatória, que logo desencadeia os seus efeitos, tornando inoponível qualquer posterior acto de disposição ou oneração que o executado pratique (artigo 819º do Código Civil) e garantindo a preferência ao exequente (artigo 822º/1 do CC) há a possibilidade de, em alternativa à apreensão material do veículo, proceder à sua imobilização, onde for encontrado, mediante a aposição de selos. A lei marca a sua preferência pela imobilização, ao estatuir que a remoção do veículo só se dá com base num juízo de necessidade, substituído por um juízo de mera conveniência quando o executado não se tenha oposto à penhora”.
No mesmo sentido se pronuncia Lopes do Rego, em Comentários ao CPC, V II, 2ª edição, 2004, em anotação ao mesmo preceito refere que o nº2, altera o regime de apreensão de veículo automóvel, que constava dos nº5 do artigo 848, e 4 do artigo 849; para além da precedência na feitura do registo “constitutivo”, nos termos do artigo 838, nº1, dispensa-se a efectiva apreensão e subsequente depósito do veículo, substituído pela sua imobilização (feita por qualquer autoridade administrativa ou policial), mediante imposição de selos, -cfr., Portaria nº 700/03 de 31 de Julho dispensando-se em regra a remoção da viatura penhorada e imobilizada. Sendo “necessário” ou “conveniente” proceder à apreensão material da viatura ou documentos respectivos é aplicável o preceituado no DL: nº 54/75 de 12/2.
Face ao referido preceito – artº 851º, nº 2 do Código de Processo Civil a requerida apreensão do veículo antes de efectuada a penhora só pode ser indeferida por ser diligência que contraria o que se mostra ali estabelecido ainda que tal apreensão vise poupar o custo da penhora consubstanciada na inscrição no registo e o pagamento de honorários ao solicitador de execução.
A lei é expressa que a penhora começa pela sua inscrição no registo, segue-se a imobilização do veículo e, só se necessário, mas sempre posteriormente, a sua apreensão, como foi intenção do legislador, e está bem explícito no preâmbulo do DL. 38/2003 de 8 de Março, sendo também esse o entendimento doutrinário, conforme autores citados, em anotação ao artigo 851, 2 do CPC.
Todavia porque a execução não existe para criar receitas para a Conservatória do Registo Automóvel ou pagar honorários ao solicitador de execução devendo estas despesas ser um acidente na execução, um mal necessário e não uma finalidade em si mesma pelo que deverá o solicitador da execução, ou o Tribunal a requerimento do exequente, sempre que “atentas as circunstâncias concretas levem a duvidar da sua existência ou valor comercial”, colher informação sobre se o bem existe e tem valor comercial.
A lei não só não obsta como até permite que tais diligências prévias sobre a existência do veículo e o seu estado e valor comercial sejam realizadas, no âmbito das consultas prévias a que alude o art. 832.º do Código de Processo Civil. Será mesmo sensato que elas sejam levadas a cabo sempre que pela análise do ano de matrícula do veículo, ou qualquer outro dado se admita, como muito provável, a grande depreciação do seu valor comercial, com vista a evitar que se proceda à penhora de um veículo que possa estar parcialmente desmantelado, abandonado num canto da ilha qualquer ao sabor das intempéries, provavelmente sem qualquer valor comercial porque o valor dos metais que o compõem não darão na sucata o bastante para proceder à sua remoção.
De acordo com o disposto no artº 808º do Código de Processo Civil o solicitador da execução é designado pelo exequente ou pela secretaria e tem deveres de diligência legalmente definidos na lei sendo responsável pessoal e profissionalmente por actuações negligentes ou dolosas que venham a prejudicar o fim da acção executiva. Assim, sempre que a sua actuação seja apenas de fazer um clic no computador para registar uma penhora que sabe, ou não deveria ignorar que apenas resultará em prejuízo do exequente deverá ser responsabilizado por essa actuação. Para tanto o exequente terá não que pedir a apreensão prévia do veículo, como ocorreu neste caso, mas a realização prévia de diligências que permitam concluir pela oportunidade da realização dessa penhora, podendo, depois responsabilizar o solicitador da execução quando, não as tendo efectuado, se vier a verificar-se que essa penhora apenas causou prejuízo económico ao exequente e isto independentemente de vir a verificar-se que o executado dispõe de meios para suportar as despesas originadas com a execução.
Mesmo o executado não poderá ser obrigado a suportar despesas tidas com o processo executivo que hajam sido causadas por incúria do solicitador da execução.
Em conclusão:
- O disposto no artº 851º, nº 2 do Código de Processo Civil não permite que a penhora de veículos seja precedida de apreensão para averiguação seja da existência do veículo seja do seu valor comercial.
- Mas a penhora dos bens apenas é legalmente admissível se presumivelmente puder contribuir para o pagamento do montante exequendo.
- A lei não proíbe, antes impõe, atenta a finalidade do processo executivo que é satisfação dos interesses do credor que antes de se proceder à penhora do veículo, sejam pelo solicitador de execução realizadas diligências tendentes a saber se o veículo é susceptível de gerar um valor que exceda os custos do registo da penhora, dos honorários devidos ao solicitador e demais despesas por essa penhora criadas, única situação em que é razoável proceder à penhora do mesmo.
- O solicitador de execução que proceda à penhora de um veículo sem ter efectuado essas diligências que lhe hajam sido solicitadas pelo exequente ou impostas pelos dados do caso concreto, nomeadamente os anos decorridos desde a data de matrícula do veículo, responderá perante o exequente pelos prejuízos que lhe causar tal actuação negligente ou dolosa.
Confirma-se, pois, a decisão recorrida ao abrigo do disposto no artº 851º, nº 2 do Código de Processo Civil.
Deliberação:
Acorda-se, em vista do exposto, nesta Relação, em julgar improcedente o presente recurso, e, em consequência confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artº 138º nº 5 do Código de Processo Civil).
Porto, 2009.04.30
Ana Paula Fonseca Lobo
Deolinda Maria Fazendas Borges Varão
Evaristo José Freitas Vieira