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SOCIEDADE CIVIL
TÍTULO
AQUISIÇÃO
POSSE
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
FIANÇA
Sumário
I - Nenhum preceito do regime das sociedades civis — art.°s 980.° a 1021.° do C. Civil - atribui a alguns dos sócios direitos sobre bens determinados do património social. II - O contrato de sociedade não é título bastante para a aquisição por cada uma dos sócios da posse sobre o estabelecimento comercial.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
B………., residente no ………., .., ………., Vila Nova de Famalicão e C………., residente na Rua ………., .., ……, em Santo Tirso, deduziram providência cautelar não especificada contra D………. e marido E………., residentes na ………., …, ………., Santo Tirso, e contra F………., LDA., com sede na Rua ………., .., em Santo Tirso, pedindo:
A) - A restituição provisória e imediata, sem audiência prévia dos requeridos, da posse das requerentes sobre o estabelecimento "F………, Lda", sendo os requeridos notificados para lhes fornecerem as respectivas chaves, permitindo-lhes o exercício da actividade de venda de acessórios de moda e peças de arte e de cabeleireiro e "manicure".
B) - A notificação dos requeridos para que, no prazo entendido conveniente, mas que se sugere seja de 8 dias, facultem às requerentes, por si ou através de técnico de contas, todos os elementos contabilísticos decorrentes da actividade comercial do mesmo estabelecimento, desde a data da abertura e até ao momento, com exclusão da exploração da actividade de estética.
C) A notificação dos requeridos para que se abstenham de praticar qualquer acto de trespasse, alienação ou cedência por qualquer título, gratuita ou onerosa, do estabelecimento em causa ou denúncia do contrato de arrendamento, sem o consentimento escrito das requerentes.
Alegaram, para tanto, em síntese:
- Em meados do ano de 2007, as requerentes e a requerida D………. acordaram em que arrendavam, em conjunto, a cave e o rés-do-chão de um imóvel, sito na Rua ………., n.° .., em Santo Tirso. Mais ficou acordado que suportariam, em partes iguais, os custos da renda e das obras de remodelação, recuperação e decoração.
- Tal estabelecimento teria como finalidade o exercício da actividade de cabeleireiro e "manicure", cujos lucros deveriam ser repartidos em três partes iguais, a dividir pelas requerentes e requerida mulher; bem como as actividades de venda de acessórios de moda, (carteiras, cintos, etc), a explorar apenas pela requerente C………., a actividade de venda de peças de arte, a explorar apenas pela requerente B………., e a exploração de um espaço destinado a estética pela requerida D………., auferindo cada uma, relativamente às três últimas actividades indicadas, os respectivos lucros.
- Ficou ainda acordado que, iniciada a actividade comercial, seria reduzido a escrito o acordo acima referido e que, provisoriamente, apenas por uma questão de facilidade, figurasse como arrendatária no contrato de arrendamento a sociedade "F………., Lda.", entretanto constituída, que tem como única sócia e gerente a requerida D………., enquanto não fosse formalizado o acordo descrito.
- Foram iniciadas as obras recuperação, remodelação e decoração da parte do imóvel, suportando as requerentes, pelo menos, 2/3 dos custos, e pagas respectivas rendas, no valor mensal de € 1.500,00, a partir de Outubro de 2007, na proporção de 1/3 para cada uma das requerentes e para a requerida mulher, de acordo com o senhorio.
- As requerentes trabalharam directamente no estabelecimento, auxiliando na sua preparação para a abertura que ocorreu em 12.10.2007 e pagaram, em partes iguais com a requerida, as rendas correspondentes aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2007 e Janeiro e Fevereiro de 2008, bem como todos os vencimentos das funcionárias do cabeleireiro e "manicure" que todas admitiram e pagamentos a vários fornecedores.
- Para além disso, custearam o sistema informático, instalação telefónica e honorários do contabilista, cuja documentação não está na sua posse.
- Desde a data da abertura ao público do estabelecimento que as requerentes estavam convictas da sua qualidade de arrendatárias do imóvel, bem como da sua qualidade de proprietárias em comum desse estabelecimento comercial e passaram a dirigir a actividade de venda de acessórios de moda e de venda de peças de arte e, conjuntamente, com a requerida D………., a actividade comercial de cabeleireiro e "manicure".
- Atendendo clientes e fornecedores e efectuando vendas e compras, pagando os vencimentos dos funcionários e procedendo ao arranjo e colocação no estabelecimento dos objectos destinados à venda., na convicção de exercerem o direito de propriedade em comum sobre o estabelecimento identificado, à vista de toda a gente, ininterruptamente e sem oposição de ninguém.
- A partir do final do passado mês de Janeiro, a requerida deixou de prestar quaisquer contas às requerentes, recusando-se a informar os resultados da exploração da actividade de cabeleireiro e "manicure" que acompanhava diariamente.
- Continuando a exigir que as requerentes suportassem as inerentes despesas, mas sem emitir qualquer documento comprovativo desses recebimentos e, muito menos, que eles se destinavam a suportar a actividade comercial do estabelecimento "F………., Lda".
- Após as requerentes terem feito saber à requerida D………., no final do passado mês de Janeiro, que apenas continuariam a suportar as despesas com o funcionamento normal da actividade comercial se fossem emitidos os correspondentes comprovativos, a requerida informou que não assinaria o que quer que fosse e, no dia 29.01.08, pelas 16,00 horas, a requerida recusou às requerentes consultarem as contas do exercício da actividade comercial e obrigou-as a sair do estabelecimento, alegando que as requerentes nada tinham relacionado com o estabelecimento.
- Posteriormente, com o único intuito de impedir o seu acesso, a requerida ordenou que fosse alterada a fechadura da porta do imóvel e comunicou que se recusava a reduzir a escrito o acordo celebrado com as requerentes e que estas não estavam, em nada, relacionadas com a actividade que era desenvolvida no estabelecimento designado "F………., Lda".
- Por carta datada de 11/02/08 e em resposta a carta das requerentes lhe dirigiram através da qual pretendiam fazer valer os seus direitos, a requerida D………. confirmou, por escrito, aquilo que já havia feito verbalmente e que a sociedade que explora o estabelecimento é a "F………., Lda", que representa como única sócia e gerente:
- Existe o sério risco do equipamento existente no estabelecimento, cuja aquisição foi custeada em partes iguais por requerentes e requerida D………, ser vendido ou dissipado, sem que as requerentes tenham disso conhecimento, face ao impedimento do acesso ao mesmo, e o mesmo acontece com toda a mercadoria, no valor de alguns milhares de euros, parte dela adquirida exclusivamente pelas requerentes, (acessórios de moda e peças de arte), e outra em conjunto com a requerida, (cabeleireiro e "manicure").
- Para além disso, atendendo à excelente localização do estabelecimento -………. de Santo Tirso - existe o valor do respectivo trespasse que ascende algumas dezenas de milhar de euros, que as requeridas poderão, a todo o momento e à revelia das requerentes, fazer seu.
- É voz corrente a intenção da requerida, por si ou através da sociedade unipessoal, proceder ao referido trespasse.
A Mma. Juíza, por despacho fundamentado, indeferiu liminarmente a presente providência cautelar, por manifesta improcedência, por entender que, a provarem-se todos os factos alegados, teria o Tribunal de declarar nulo o invocado contrato de sociedade celebrado entre as requerentes e a primeira requerida, com a consequente entrada da sociedade em liquidação, e não com a pretendida entrega às requerentes da chave do estabelecimento. Mais considerou a Mma. Juíza que o estabelecimento comercial não é passível de posse, não sendo possível a requerida restituição.
Inconformadas com o indeferimento, dele interpuseram as requerentes o presente recurso, apresentando as seguintes conclusões, que se transcrevem:
1- Foram alegados os requisitos necessários e fundamentais para que outra fosse a Douta Decisão recorrida.
2- Foi alegado o fundado receio de que os requeridos cansem lesão grave e dificilmente reparável do direito das recorrentes.
3- Nomeadamente, através da recusa e falta de prestação de contas do exercício da actividade comercial, do impedimento do acesso ao estabelecimento, da recusa da redução a escrito do acordo celebrado, do argumento utilizado que a sociedade unipessoal é aquela que explora, de forma exclusiva, tal estabelecimento e que foi quem suportou todas as despesas com a sua instalação,
4- Foi, ainda, alegado que se verifica o sério risco de dissipação de todo o equipamento e mercadorias, dos quais as requerentes são, pelo menos em parte, proprietárias.
5- Bem como, que os requeridos estão na disposição de proceder ao trespasse do estabelecimento, sem que as recorrentes disso tenham conhecimento ou, por qualquer forma, o possam impedir.
6- Com base na factualidade alegada, a Mma. Juiz "a quo" entendeu que, mesmo que provados todos os factos alegados, o Tribunal teria que declarar nulo o contrato de sociedade por não ter sido reduzido a escritura pública.
7- Para além disso, também é entendimento plasmado na Douta Sentença que o estabelecimento comercial não é passível de posse, pelo que se considera que a acção a propor está destinada a malogro fatal e inevitável, pelo que, indeferindo o procedimento se evita uma inutilidade posterior.
8- Com a entrada em vigor do Dec. Lei n.° 76-A/2006 de 29 de Março e ao contrário do defendido pela Mma. Juiz "a quo", deixou de ser imposto que o contrato de sociedade seja celebrado por escritura pública.
9- A nova redacção do n.° 1 do art. 7.° do C.S.C, diz, apenas, que o contrato de sociedade deve ser reduzido a escrito.
10- Contudo, a questão que verdadeiramente se coloca nada tem relacionado com a eventualidade da declaração de nulidade do contrato de sociedade.
11- As recorrentes sempre poderiam, conjuntamente com a requerida D………., explorar a actividade em nome individual, sem constituírem qualquer sociedade comercial e, nessa medida, no entendimento da Mma. Juiz "a quo", já o seu direito seria passível de garantia.
12- A Douta Sentença recorrida contém um equívoco: Confunde o direito que as recorrentes pretendem acautelar.
13- Este não decorre da existência de uma sociedade irregular, mas da violação de um acordo ou contrato celebrado com a requerida D………. que implicou significativos custos e cujo valor, face ao seu comportamento incumpridor, existe o sério risco de não mais poder ser recuperado.
14- O direito das apelantes resulta, em última instância, da responsabilidade pré-contratual ou in contraendum, (culpa na formação dos contratos), tendo consagração legal no artigo 227.° do CC.
15- É de considerar não ser lícito a qualquer das partes romper arbitrariamente as negociações havidas depois delas terem alcançado um tal desenvolvimento que seja de molde a atraiçoar a confiança que qualquer delas pôs na ulterior concretização do contrato em vista.
16- Mesmo no caso de o contrato ser nulo por falta de forma legalmente exigida, a nulidade do contrato não obsta a que fique o caso subtraído à previsão do artigo 227 do C.C., que nada distingue, e porque o preceito prevê para os preliminares ou para o momento da sua formação.
17- Neste sentido decidiu o Acórdão do STJ com o n.° 086417, datado de 26.04.95.
18- Apesar de o Tribunal não se encontrar adstrito à providência concretamente requerida, (n.° 3 do artigo 392.° do CPC), pelo que sempre poderia deferir, apenas, o requerido em B) e C) da petição, também no que se refere à restituição provisória e imediata do estabelecimento se verifica o desacordo das recorrentes, relativamente ao decidido.
19- Ao contrário do que defende a Mma. Juiz "a quo" entendem as recorrentes que o estabelecimento comercial é, hoje, passível de posse como, aliás, defendem os mais brilhantes mestres que se debruçaram sobre tal matéria, incluindo o insigne Prof. Orlando de Carvalho.
20- O Prof. Orlando de Carvalho em estudo publicado na RLJ -122.°-107 e sob o título "objectos passíveis de posse, afirma: "Passíveis de posse são todos os bens passíveis de domínio, ou seja, e genericamente, todas as coisas.
21- Na possessio rei só o eram as coisas corpóreas e simples as -unitae corporales - mas a sensibilidade dominial evoluiu, e hoje, o conceito de coisa estende-se às coisas incorpóreas e complexas, (mormente às coisas compostas funcionais, em que se inclui o estabelecimento mercantil).
22- ...O estabelecimento mercantil, independentemente da sua determinação precisa, que é o seu grande problema, é visto universalmente como objecto de posse, de tal sorte essa intuição do comércio se impôs ao nível jurídico..."
23- Aceitando tal valorizado entendimento, ou seja, que o estabelecimento se inclui no conceito de coisa, temos de admitir, como corolário, o facto de ser objecto de posse e, consequentemente, passível de ser ordenada a sua restituição.
24- Daí que, também quanto a esta matéria e salvo o devido respeito, merece censura a Douta Decisão recorrida.
25- A Douta Sentença recorrida violou, entre outras, as disposições dos artigos 381. ° e n.° 1 do 387.°, ambos do CPC e efectuou interpretação errada do disposto nos artigos 202.° e 227.° do CC,
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Através da presente providência pretendem as recorrentes obter a restituição provisória da posse sobre o estabelecimento que identificam - pretensão principal -, a notificação dos requeridos para facultar às requerentes os elementos contabilísticos decorrentes da actividade comercial do mesmo estabelecimento e a notificação dos requeridos para que se abstenham de praticar qualquer acto de trespasse, alienação ou cedência por qualquer título, gratuita ou onerosa, do estabelecimento em causa ou denúncia do contrato de arrendamento – pretensões acessórias, consequências, que são do exercício da posse a que pretendem ver-se restituídas.
E foi devidamente instaurada como procedimento cautelar comum, nos termos do art.º 395.º do CP. Civil, por não concorrer in casu o requisito da violência exigido pelo art.º 393.º do mesmo diploma, ainda que as recorrentes houvessem, à semelhança do procedimento especial de restituição provisória da posse regulado nos art.ºs 393.º e 394.º, requerido o decretamento da providência sem a prévia audiência dos requeridos.
A Mma. Juíza indeferiu liminarmente a requerida providência, entre outros fundamentos, por considerar que o estabelecimento comercial, não é passível de posse, louvando-se nos ensinamentos do Prof. Ferrer Correia e na doutrina consagrada pelo Ac. S.T.J. de 30.10.86 (B.M.J., nº 360, pág. 505). No mesmo sentido podemos ainda encontrar o Ac. desta Relação de 03-02-97, JTRP00020620, acessível através de www.dgsi.pt.
Posteriormente, na esteira dos ensinamentos do Prof. Orlando de Carvalho, em “Critério e Estrutura do Estabelecimento Comercial” e no estudo citado pelas recorrentes, publicado na RLJ -122.°-107, a doutrina evoluiu no sentido de considerar o estabelecimento comercial como objecto passível de posse. Com a reforma processual introduzida pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, que criou a norma do art.º 862.º-A, possibilitando a penhora estabelecimento comercial como um todo, passou a ser pacífico na jurisprudência que ele é susceptível de posse (cfr. Acs. desta Rel. de 18-09-2006, JTRP00039473, de 07-07-2003, JTRP00036257, de 14-01-99, JTRP00023885), posse essa que a diligência de penhora visa precisamente privar ou limitar.
Ponto é que as requerentes demonstrem posse sobre o estabelecimento merecedora da tutela do direito, dado que só o possuidor que for perturbado ou esbulhado pode recorrer ao tribunal para que este lhe mantenha ou restitua a posse, conforme dispõe o artigo 1.277º do Código Civil.
Define o artigo 1.251.º do Código Civil a posse como "o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real". A posse pressupõe a existência cumulativa de um elemento material - o "corpus"- e de um elemento psicológico, o "animus". O elemento material ou "corpus" identifica-se com os actos materiais praticados sobre a coisa, com o exercício de certos poderes sobre a coisa. A intenção de se comportar como titular do direito real correspondente aos actos praticados traduz o elemento psicológico ou "animus". A falta de qualquer um destes elementos implica a inexistência de posse.
Perante a matéria alegada, poderão as recorrentes haver-se como tendo praticado sobre o identificado estabelecimento quaisquer actos de domínio ou de gozo correspondentes aos do proprietário ou do titular de outro direito real limitado? A resposta, salvo melhor opinião, é negativa.
Vem alegado pelas recorrentes no seu requerimento inicial que:
1- Em meados do ano de 2007, as requerentes e a requerida mulher acordaram em que:
1.1 - Arrendavam, em conjunto, a cave e o rés-do-chão do imóvel sito na Rua ………., n.° .., em Santo Tirso;
1.2 - Suportariam, em partes iguais, os custos da respectiva renda, bem como das obras de remodelação, recuperação e decoração do espaço arrendado, com vista à abertura e exploração de um estabelecimento comercial, que denominaram de "F………., Lda";
1.3 - Tal estabelecimento teria como finalidade o exercício da actividade de cabeleireiro e "manicure", cujos lucros deveriam ser repartidos em três partes iguais, a dividir pelas requerentes e requerida mulher;
1.4 - Bem como, a actividade de venda de acessórios de moda, (carteiras, cintos, etc), a explorar apenas pela requerente C………. que auferiria os respectivos lucros;
1.5 - A actividade de venda de peças de arte, a explorar apenas pela requerente B………., que auferiria os respectivos lucros;
1.6 - E, ainda, a exploração de um espaço destinado a estética, cujas máquinas foram adquiridas pela requerida D………. e cuja exploração lhe competia em exclusivo.
Tal relação contratual corresponde inteiramente ao conceito do contrato de sociedade, definido pelo artigo 980º do Código Civil como “aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa actividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa actividade”, ainda que a repartição dos lucros das actividades mencionadas em 1.4, 1.5 e 1.6 se não efectuasse em partes iguais. Tratando-se de uma sociedade que tinha por objecto a prática reiterada de actos de comércio, tem a natureza de sociedade comercial, pelo que o contrato de sociedade deveria ter sido reduzido a escrito e as assinaturas dos seus subscritores reconhecidas presencialmente, tal como exigido pelo n.º 1 do art.º 7.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), na redacção do Dec. Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março. A consequência da inobservância da forma legal prescrita é a nulidade do contrato enquanto acto constitutivo de uma sociedade comercial com personalidade jurídica, e até ao momento em que a declaração de nulidade do contrato de sociedade determine a entrada da sociedade em liquidação, conforme o previsto no art.º 52.º, n.º 1, do CSC, são aplicáveis às relações estabelecidas entre os sócios e com terceiros as disposições sobre as sociedades civis – art.º 36.º, n.º 2 do CSC.
Ora, nenhum preceito do regime das sociedades civis – art.ºs 980.º a 1021.º do C. Civil - atribui a alguns dos sócios direitos sobre bens determinados do património social. O que o n.º 1 do art.º 985.º prevê é que, na falta de convenção em contrário, todos os sócios têm igual poder para administrar, provendo os n.ºs 2 e 3 quanto à resolução das divergências que entre os sócios venham a surgir. Uma vez dissolvida a sociedade, designadamente por falta de sanação atempada do vício formal que inquinou a sua constituição, então sim, há lugar à sua liquidação, com o direito ao levantamento por cada um dos sócios dos bens por ele atribuídos em uso e fruição (art.º 1017.º do CC) e, extintas as dívidas sociais, ao reembolso das entradas efectuadas e partilha do activo restante (art.º 1.018.º do CC).
Temos, pois, que o contrato de sociedade não é titulo bastante para a aquisição por cada uma das requerentes da posse sobre o identificado estabelecimento comercial. Não vem ainda alegado pelas requerentes qualquer dos modos de aquisição da posse elencados no art.º 1263.º do CC. Logo, independentemente da intenção de exercerem sobre o estabelecimento os poderes que cabem ao proprietário ou comproprietário, tal intenção - tal "animus" - não se demonstra como tendo sido materializado através do correspondente "corpus".
Ora, como se referiu supra, a ausência de "corpus" determina a ausência de posse. Assim, não podem as recorrentes qualificar-se juridicamente como possuidoras do estabelecimento, pressuposto necessário da tutela possessória a que se arrogam.
Por fim, nada faz à questão a responsabilidade pré-contratual ou in contraendum, invocada pelas recorrentes e prevista no artigo 227.° do CC. Em primeiro lugar, existe no caso vertente uma figura contratual, de sociedade irregular, com regras próprias que afastam as da responsabilidade pré-contratual. Depois, ainda que tais regras fossem aplicáveis, elas unicamente desencadeariam a obrigação de indemnizar pela requerida D………. nos termos gerais da responsabilidade civil pela prática de factos ilícitos, de acordo com o disposto no artigo 483° do Código Civil. E não é isso o que as recorrentes se propõem obter com a presente providência.
Assim, bem andou a Mma. Juíza em rejeitar liminarmente o presente procedimento cautelar.
Decisão
Em conformidade com o exposto, acordam os juízes desta Relação em negar provimento ao recurso, confirmando o despacho recorrido.
Custas pelas Requerentes.
Porto, 2009/05/12
João Carlos Proença de Oliveira Costa
Carlos António Paula Moreira
Maria da Graça Pereira Marques Mira