Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
CAUSALIDADE ADEQUADA
INFRACÇÃO
SINAL DE STOP
Sumário
I- Um facto é causal se faz acrescer, de maneira considerável, a possibilidade objectiva de realização do resultado ocorrido — para se considerar assim determinado facto da vida material, é necessário levar em conta as máximas da experiência, da razoabilidade. II- Dada a sua função, o condutor deve ter o máximo cuidado quando emite sinais luminosos; se se engana, deve obediência ao sinal feito, rectificando mais tarde a manobra quando não houver perigo para os outros usuários; cria uma situação perigosíssima manter o “pisca-pisca” a funcionar, anunciando, por esquecimento ou distracção, viragem à esquerda, quando o condutor irá prosseguir em frente a sua marcha. III- Não existe, objectivamente, qualquer violação dos preceitos de boa conduta estradal, por parte do Autor que tem perante si um sinal de cedência absoluta de passagem (“Stop”), em face de uma condutora que se apresentava na via prioritária mas que anunciava uma mudança de direcção à direita, logo uma inexistência de necessidade de ceder passagem, por parte do Autor.
Texto Integral
Rec. – 1411-02 Relator – Vieira e Cunha. Decisão de 1ª Instância de 26/11/07.
Adjuntos – Des. Mª das Dores Eiró e Des. Proença Costa.
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Os Factos
Recurso de apelação interposto na acção com processo ordinário nº1411/02, do ….º Juízo Cível da comarca da Maia.
Autor – B…………….
Ré – C……………, S.A.
Pedido
Que a Ré seja condenada a pagar ao Autor a quantia de € 6 347,43, acrescida de juros, à taxa legal, a contar da citação.
Tese do Autor
No dia 12/10/01, cerca das 17H., na cidade da Maia, ocorreu um acidente de viação entre os veículos ..-..-LN (ligeiro), propriedade e conduzido pelo Autor, e ..-..-HE (ligeiro), propriedade e conduzido por D…………, que havia segurado a respectiva responsabilidade civil derivada da circulação do respectivo veículo na empresa Ré.
Na verdade, provindo o Autor da Travessa Augusto Nogueira da Silva e no entroncamento desta com a Rua Augusto Nogueira da Silva, deparando-se-lhe um sinal de Stop, parou, usou de todos os cuidados para entrar na citada Rua, para onde pretendia virar para a esquerda e tomar a faixa de rodagem mais longínqua do ponto onde se encontrava, após iniciar a manobra e já dentro da via da Rua Augusto Nogueira da Silva, foi violentamente embatido pela segurada na Ré, na frente do veículo do Autor, por via de inadvertência e condução a velocidade excessiva.
Computa o valor do respectivo dano material no montante que peticiona.
Tese do Réu
Impugna a natureza e o montante dos danos invocado.
Quanto à culpa na ocorrência do acidente, atribui-a ao Autor, por violação da sinalização vertical de Stop.
Sentença
Na sentença proferida pela Mmª Juiz “a quo”, no pressuposto de não se haver provado o comportamento culposo de qualquer dos condutores intervenientes no acidente, a acção foi julgada parcialmente procedente e a Ré condenada a pagar ao A. a quantia global de € 2.298,71, acrescida de juros de mora, a contar da citação e até integral pagamento.
Conclusões do Recurso de Apelação da Ré (resenha):
I – O Recorrido desrespeitou um sinal de paragem obrigatória a cuja observância estava adstrito e atravessou-se na frente do veículo seguro na Recorrente.
II – A condutora do HE circulava em consonância com as normas estradais e dos deveres de zelo e cautela típicos de um condutor diligente e não teve sequer tempo para efectuar a manobra de travagem.
III – O Recorrido, que não cedeu passagem aos veículos que circulavam na via em que pretendia ingressar foi o único responsável pela produção do acidente.
IV – A sentença recorrida violou as normas dos artºs 562º nº2 e 566º C.Civ, 25º e 29º C.Est.
O Apelado não apresentou contra-alegações.
Factos Apurados em 1ª Instância
1 – O Autor é proprietário do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-LN, marca Opel e modelo Corsa.
2 – No dia 12/10/01, pelas 17h., o Autor conduzia o referido veículo pela Travessa Augusto Nogueira da Silva, Maia, pela sua mão de trânsito e a cerca de um metro da berma do seu lado direito.
3 – A via por onde circulava o Autor forma um cruzamento com a Rua Augusto Nogueira da Silva, existindo no mesmo um sinal de Stop.
4 – No dia e hora referidos em 2 circulava o veículo de matrícula ..-..-HE na Rua Augusto Nogueira da Silva, e fazia-o com o sinal indicativo de mudança de direcção à direita accionado.
5 – No local referido em 2, a velocidade máxima permitida é de 50km/hora.
6 – O veículo de matrícula LN foi embatido no alçado lateral esquerdo pela frente, sobre o lado direito, do veículo de matrícula HE.
7 – O veículo HE circulava com o sinal indicativo de mudança de direcção à direita accionado.
8 – Na data emergente da circulação do veículo de matrícula ..-..-HE encontrava-se transferido para a ora Ré e através do contrato de seguro titulado pela apólice nº AU 21374526.
9 – Em virtude do embate, o veículo do Autor sofreu os danos discriminados no documento junto aos autos a fls. 7, cujo teor se dá aqui por reproduzido, e que mereceu o acordo dos serviços técnicos da Ré.
10 – A reparação do veículo do Autor importou na quantia de € 1.097,43.
11 – O Autor pagou o montante da reparação em 27/9/2002.
12 – Data em que o veículo lhe foi entregue reparado.
13 – E em que o Autor teve disponibilidade financeira para proceder ao seu pagamento.
14 – O Autor esteve impossibilitado de utilizar o seu veículo entre 12/10/01 e 27/9/02 (350 dias).
15 – O Autor utilizava o veículo nas suas deslocações de e para o local de trabalho e aos fins de semana nas deslocações a casa de familiares e amigos e em passeios de lazer.
Fundamentos
O recurso da Ré comporta apenas a apreciação da questão relativa à culpa na ocorrência do acidente e respectivas consequências, quanto à absolvição do pedido da Ré.
Passaremos a apreciar tal questão.
I
A Apelante alega ainda que as infracções rodoviárias cometidas pelo Autor foram as únicas e exclusivas causadoras do acidente, pelo facto de este Autor ter desrespeitado um sinal de cedência obrigatória de passagem.
Ora, em matéria de causalidade, desde logo e em tese geral, subscrevemos integralmente a formulação de Meneses Cordeiro, Obrigações, II-339, quando entende que, se a causalidade é integrada num comportamento humano e, nesse sentido, é sujeita a um juízo de licitude, a “fórmula vazia” da “causalidade adequada” tem que ser preenchida por uma valoração, uma valoração que incide sobre o comportamento humano (e é negativa, se se seguir à letra o preceito legal do artº 563º C.Civ.): “a adequação não pode, a não ser para efeitos de discussão e esclarecimento analíticos, ser cindida do comportamento, tal como o não pode a culpa”.
Em termos práticos, aquele Autor divisa na caracterização, seja da causalidade, seja da culpa, uma complexidade singular, antecedida de uma valoração, na qual entram já conceitos ancorados na ordem jurídica.
Finalmente, e a propósito, “quando o Direito desvaloriza uma conduta, desvaloriza automaticamente o fim e os meios necessários para a prosseguir”, fórmula que, adaptada à responsabilidade aquiliana baseada na mera culpa, se dirá: se uma norma prevê um resultado no respectivo âmbito de protecção, então devem ser censurados os comportamentos previstos pela norma que atingiram tal resultado.
Assim se justificará também a doutrina segundo a qual a avaliação da culpa ou do âmbito de protecção das normas que caracterizam a responsabilidade civil – ut artºs 483º nº1, 487º nºs 1 e 2 e 566º C.Civ. – não constitui um mero acervo ou constatação de contravenções praticadas pelos intervenientes aquando da ocorrência dos acidentes ou eventos lesivos.
Mais do que a violação formal de regras, deve procurar conhecer-se o processo dinâmico ou causal do acidente para, em conformidade, saber se essa violação formal da regra pode ou não considerar-se na origem do evento infortunístico – neste sentido, v.g. Ac.R.P. 20/11/90 Bol. 401/634 ou Ac.R.P. 8/1/91 Bol.403/477.
Sem olvidar que, como escreveu Vaz Serra (in Obrigação de Indemnização, Bol. 84º/nº5), “um facto é causal se faz acrescer, de maneira considerável, a possibilidade objectiva de realização do resultado ocorrido – para se considerar assim determinado facto da vida material, é necessário levar em conta as máximas da experiência, da razoabilidade”.
II
E quais são estas máximas, para o caso que nos ocupa?
De um lado, uma condutora que, surgindo à esquerda do Autor, na via por onde o Autor pretendia seguir, continuando a sua marcha, efectua um sinal de mudança de direcção à direita, precisamente antes da via de onde provinha o Autor e antes do entroncamento dessas vias.
O Autor, que se encontrava junto do entroncamento das ditas vias, possuía, à entrada do entroncamento um sinal de cedência absoluta de passagem – um sinal de “Stop”.
O Autor entrou no entroncamento e o acidente verificou-se nessa confluência de vias, não tendo a condutora segurada na Ré efectuado qualquer manobra de mudança de direcção à direita, antes tendo seguido em frente.
Ora, se é verdade que o sinal de “Stop” impõe uma paragem obrigatória numa confluência de vias e uma cedência absoluta de passagem (sinal vertical B2, previsto no Regulamento de Sinalização do Trânsito - Decreto Regulamentar n.º 22-A/98, de 1 de Outubro), não menos verdade é que, para o Autor, e em face da sinalização da segurada na Ré, não se colocava qualquer questão ou hipótese de “cedência de passagem” à dita segurada.
O sinal indicativo de mudança de direcção à direita, como os demais sinais dos condutores, “devem ser feitos com a devida antecedência, por forma bem visível e que não deixa dúvidas aos demais utentes das vias sobre a intenção do seu autor” (ut Oliveira Matos, Código Anotado, 4ª ed., pg. 34).
E prossegue o citado Autor:
“Dada a sua função, o condutor deve ter o máximo cuidado quando emite sinais braçais ou luminosos; se se engana, deve obediência ao sinal feito, rectificando mais tarde a manobra quando não houver perigo para os outros usuários; cria uma situação perigosíssima manter o “pisca-pisca” a funcionar, anunciando, por esquecimento ou distracção, viragem à esquerda, quando o condutor deseja ir para a direita, ou vice-versa, tomando inopinadamente direcção inversa daquela que aquele dispositivo indicava”.
Do que se segue que não podemos acompanhar a conclusão da sentença em crise, quando não divisa qualquer culpa ou causalidade na ocorrência do acidente, da análise do comportamento estradal dos dois condutores.
A causalidade e a culpa na ocorrência do acidente devem imputar-se à condutora do veículo HE, segurado na Ré, pois que não existiu, objectivamente, qualquer violação, por parte do Autor, do sinal de cedência de passagem, pelo menos enquanto tal era expectável, face à “confiança” necessária no desempenho da condução, ligada ao facto de que os demais utentes das vias cumprem as disposições legais e regulamentares a que se encontram adstritos.
Não se pode analisar a infracção de regras ou preceitos de bom comportamento estradal em abstracto, mas antes em necessária conexão com os concretos eventos ocorridos, os quais podem restringir, modificar ou mesmo excluir a culpa resultante de quaisquer presunções de primeira aparência.
Em conclusão, somos de inteira opinião que a pretensão da Recorrente está destinada a naufragar, e apenas a proibição da reformatio in pejus (artº 684º nº4 C.P.Civ.) nos obriga a confirmar, como confirmamos, a sentença recorrida.
A fundamentação poderá resumir-se por esta forma:
I – Um facto é causal se faz acrescer, de maneira considerável, a possibilidade objectiva de realização do resultado ocorrido – para se considerar assim determinado facto da vida material, é necessário levar em conta as máximas da experiência, da razoabilidade.
II - Dada a sua função, o condutor deve ter o máximo cuidado quando emite sinais luminosos; se se engana, deve obediência ao sinal feito, rectificando mais tarde a manobra quando não houver perigo para os outros usuários; cria uma situação perigosíssima manter o “pisca-pisca” a funcionar, anunciando, por esquecimento ou distracção, viragem à esquerda, quando o condutor irá prosseguir em frente a sua marcha.
III - Não existe, objectivamente, qualquer violação dos preceitos de boa conduta estradal, por parte do Autor que tem perante si um sinal de cedência absoluta de passagem (“Stop”), em face de uma condutora que se apresentava na via prioritária mas que anunciava uma mudança de direcção à direita, logo uma inexistência de necessidade de ceder passagem, por parte do Autor.
Com os poderes que lhe são conferidos pelo disposto no artº 202º nº1 da Constituição da República, decide-se neste Tribunal da Relação:
Julgar improcedente, por não provado, o recurso de apelação interposto, em consequência confirmando na íntegra a sentença recorrida.
Custas pela Apelante.
Porto, 12/V/09
José Manuel Cabrita Vieira e Cunha
Maria das Dores Eiró de Araújo
João Carlos Proença de Oliveira Costa