ARRENDAMENTO
TÍTULO EXECUTIVO
INDEMNIZAÇÃO
Sumário

I - O contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo da comunicação feita ao arrendatário do montante das rendas em dívida, a que alude o n.° 2 do art. 15.º do NRAU, constitui título executivo não só em relação aos arrendatários mas também em relação às pessoas que no dito contrato tenham assumido a obrigação de fiadores.
II - Porém, a força executória dos referidos documentos apenas abrange o montante das rendas em dívida constante da comunicação feita ao arrendatário, e não a indemnização prevista no n.° 1 do art. 1041.º do Código Civil nem quaisquer outras rendas vencidas posteriormente àquela comunicação.

Texto Integral

Proc. n.º 1358/07.6YYPRT-B
Recurso de Agravo
Autuado em 18-03-2009

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
1. B………. e C………., residentes em ……….., Funchal, instauraram, nos Juízos de Execução do Porto, acção executiva para pagamento de quantia certa contra D………. e E………., residentes na Rua ………., no Porto, e F………. e G………., residentes no ………., também no Porto, para cobrança coerciva da quantia de € 7.533,75 relativa a rendas vencidas e não pagas desde Janeiro de 2006 a Fevereiro de 2007 acrescidas da indemnização prevista no n.º 1 do art. 1041.º do Código Civil, sendo os dois primeiros executados demandados na qualidade de arrendatários e os dois últimos na qualidade de fiadores e principais pagadores.
Como título executivo juntou o contrato de arrendamento que consta a fls. 7 a 10 e os comprovativos das comunicações feitas aos quatro executados do montante das rendas em dívida, que constam a fls. 12 a 28.
No despacho liminar, certificado a fls. 29v a 30v, foi decidido:
a) Rejeitar a execução, in totum, em relação aos executados F………. e G………. (os fiadores), com o fundamento de que os documentos que serviam de base à execução não constituam título executivo relativamente a estes executados;
b) Rejeitar ainda a execução quanto aos executados D………. e E………. (os arrendatários), na parte que excede o montante de € 4.663,75, ou seja, na parte que se refere à indemnização prevista no n.º 1 do art. 1041.º do Código Civil e ainda à renda do mês de Fevereiro de 2007, também por falta de título executivo quanto a essas quantias.

2. Dessa decisão agravaram os exequentes, de cujas alegações extraíram as conclusões seguintes:
1.º - A rejeição da execução relativamente aos executados F………. e mulher G………., ou seja, aos fiadores, não pode aceitar-se porque viola o disposto no artigo 15.º, n.º 2, do NRAU.
2.º - É que, naquele dispositivo legal, o legislador diz que "o contrato de arrendamento é título executivo para a acção de pagamento de renda quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida".
3.º - Ora, quando refere o contrato de arrendamento, decerto teve em vista todos aqueles que nele se obrigaram e não apenas os locatários, devendo por isso a execução prosseguir também relativamente aos fiadores.
4.º - A não inclusão dos fiadores na presente execução, tal como se fez no despacho de que se recorre, levar-nos-ia a ter que concluir que o legislador criou mais uma norma em absoluta desconformidade com o princípio da economia processual.
5.º - Por outro lado, o entendimento do tribunal a quo desvirtua a obrigação do fiador que, tal como se dispõe no artigo 634.º do Código Civil, "… tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor".
6.º - Finalmente, a rejeição da execução quanto aos fiadores criaria naturalmente a dúvida quanto à delimitação processual das situações em que aos fiadores podem ser accionados na fase executiva.
7.º - Por outro lado, a rejeição da execução relativamente à indemnização prevista no artigo 1041.º do Código Civil também não pode ser aceite, porquanto viola o referido dispositivo legal, bem como o disposto no artigo 15.º, n.º 2, do NRAU.
8.º - É que, no montante da renda em dívida, ou seja, na obrigação não cumprida, inclui-se naturalmente a obrigação propriamente dita, bem como os encargos decorrentes do não cumprimento dentro do prazo estipulado ou legalmente previsto.
9.º - Consequentemente, a execução deve prosseguir contra todos os executados com a inclusão na quantia exequenda da indemnização prevista no artigo 1041.º do Código Civil.
10.º - Finalmente, deve ainda integrar-se na quantia exequenda a renda relativa ao mês de Fevereiro de 2007, em virtude de se tratar de uma mensalidade já vencida aquando da propositura da acção executiva.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Sr. Juiz manteve o despacho recorrido.

3. Ao presente recurso é ainda aplicável o regime processual anterior ao Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08, porquanto respeita a acção instaurada antes de 1 de Janeiro de 2008 (foi instaurada em 02-02-2007). E por força do disposto no n.º 1 do art. 11.º do Decreto-Lei n.º 303/2007, o regime introduzido por este diploma legal não se aplica aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor, que ocorreu em 1 de Janeiro de 2008 (art. 12.º do mesmo decreto-lei).
De harmonia com as disposições contidas nos arts 684.º, n.ºs 2 e 3, e 690.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redacção aplicável, são as conclusões que o recorrente extrai da sua alegação que delimitam o objecto do recurso, sem prejuízo das questões de que, por lei, o tribunal pode conhecer oficiosamente (art. 660.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelos agravantes, o objecto do recurso compreende as questões seguintes:
1.ª - se o contrato de arrendamento e os comprovativos das comunicações feitas aos arrendatários e respectivos fiadores sobre o montante das rendas em dívida constituem título executivo em relação a estes (aos fiadores), nos termos do art. 15.º, n.º 2, do Novo Regime do Arrendamento urbano (NRAU), aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27-02;
2.ª - se a sua exequibilidade tanto abrange o valor das rendas em dívida como a indemnização prevista no n.º 1 do art. 1041.º do Código Civil;
3.ª - e se a renda do mês de Fevereiro de 2007 deve considerar-se abrangida na dívida exequenda, apesar de não constar das comunicações feitas aos executados.
Assim, cumpridos os vistos legais, cabe decidir.

II – FUNDAMENTOS DE FACTO
4. Relevam para o conhecimento do objecto do recurso os seguintes factos certificados nos presentes autos:
1) No requerimento executivo, certificado a fls. 4 e 5, os exequentes alegaram que:
«A presente execução é proposta nos termos do art. 15.º, n.º 2, do NRAU.
Por contrato celebrado no dia 01-12-2004, (…) deram de arrendamento a D………., (…), e a E………., (…), a fracção "F", correspondente a uma habitação no ..º piso do prédio sito na Rua ………., n.º …, Porto.
No referido contrato foi convencionada a renda mensal de 350,00 €, actualizável nos termos da lei, que os inquilinos se obrigaram a pagar solidariamente.
A renda mensal devia ser paga no domicílio do representante dos senhorios no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que dissesse respeito.
Em virtude da actualização efectuada no dia 1/12/2005, actualmente a renda mensal é de 358,75 €.
No dito contrato de arrendamento, F………. e mulher G………., renunciando ao benefício de excussão prévia, assumiram solidariamente com os inquilinos o cumprimento de todas as obrigações emergentes do contrato em questão.
Ora, acontece que as rendas relativas aos meses de Janeiro a Dezembro de 2006 e Janeiro e Fevereiro de 2007 não foram pagas na data do respectivo vencimento, nem nos oito dias seguintes (…).
Presentemente encontra-se em dívida a quantia de 5.022,50 € relativa aos meses de Janeiro a Dezembro de 2006 e Janeiro e Fevereiro de 2007, à qual acresce uma indemnização de 50% nos termos do disposto no artigo 1041.º do Código Civil, o que perfaz o montante global de 7.533,75 €.
Pelo pagamento da quantia em dívida respondiam solidariamente os inquilinos e os fiadores.»
2) Com o requerimento executivo, os agravantes juntaram cópia do contrato de arrendamento, que consta a fls. 7 a 10, e os comprovativos de cartas registadas com aviso de recepção remetidas a cada um dos quatro executados, que constam a fls. 11 a 28.
3) Do contrato de arrendamento constam as assinaturas do representante dos senhorios H………. e dos ora executados D………. e E…………, na qualidade de arrendatários, e F………. e G………. na qualidade de fiadores, e o teor das suas cláusulas confirma os factos alegados no requerimento executivo transcritos em 1), os quais, por isso, se dão como provados.
4) Por cartas registadas com aviso de recepção remetidas em 24-10-2006, pelo representante dos senhorios a cada um dos quatro executados, endereçadas as dos arrendatários para a morada da fracção arrendada e as dos fiadores para o endereço que consta do contrato, foi-lhes comunicado, além do mais, que “as rendas relativas aos meses de Janeiro a Dezembro de 2006 não foram pagas na data do respectivo vencimento, nem nos oito dias seguintes … encontra(ndo)-se em dívida a quantia de 3.946,25 € … à qual acresce uma indemnização de 50%, nos termos do disposto no artigo 1041.º do Código Civil, o que perfaz o montante global de 5.919,37 € … (por cujo) pagamento … respondem solidariamente os inquilinos e os fiadores”.
5) Em 11-12-2006, o representante dos senhorios enviou novas cartas registadas com aviso de recepção aos arrendatários D………. e E………., para a morada da fracção arrendada, em que lhes comunicou, além do mais, que “as rendas relativas aos meses de Janeiro a Dezembro de 2006 e Janeiro de 2007 não foram pagas na data do respectivo vencimento, nem nos oito dias seguintes … encontra(ndo)-se em dívida a quantia de 4.663,75 € … à qual acresce uma indemnização de 50%, nos termos do disposto no artigo 1041.º do Código Civil, o que perfaz o montante global de 6.995,63 € … (por cujo) pagamento … respondem solidariamente os inquilinos e os fiadores”.
Perante estes factos, importa apreciar o objecto do agravo.

III – FUNDAMENTOS DE DIREITO
5. O recurso dos agravantes coloca, como questão essencial, apreciar quais os pressupostos e âmbito de exequibilidade do contrato de arrendamento urbano na acção destinada a obter o pagamento coercivo da renda, a que alude o art. 15.º, n.º 2, do NRAU: se constitui título executivo apenas em relação ao arrendatário ou se também abrange o fiador; e se é limitado às rendas em dívida ou também compreende o valor da indemnização prevista no art. 1041.º, n.º 1, do Código Civil.
Contextualizando, importa observar que nem o despacho recorrido questiona a exequibilidade, em relação aos arrendatários, do conjunto de documentos formado pelo contrato de arrendamento e pelo comprovativo da comunicação ao arrendatário do montante das rendas em dívida, nem os agravantes divergem nesse ponto do despacho recorrido.
As divergências que os recorrentes opõem ao despacho recorrido colocam-se a partir desse pressuposto e compreendem os seguintes aspectos: se o conjunto dos mesmos documentos também constitui título executivo em relação à obrigação assumida pelos fiadores e se também abrangem, em relação a todos os obrigados (arrendatários e fiadores), a indemnização prevista no n.º 1 do art. 1041.º do Código Civil, bem como as rendas vencidas até à instauração da execução. O que sugere uma concepção mais ampla do título executivo, que importa aferir se a lei a admite e suporta.

5.1. De harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 45.º do Código de Processo Civil, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva.
Segundo ARTUR ANSELMO DE CASTRO (em A acção executiva singular, comum e especial, 3.ª edição, Coimbra Editora, 1977, p. 14), o título executivo é “o instrumento que é considerado condição necessário e suficiente da acção executiva”. É condição necessária porque sem ele não pode praticar-se nenhum dos actos em que se desenvolve a acção executiva; e é condição suficiente no sentido de que “na sua presença, seguir-se-á imediatamente a execução sem que se torne necessário efectuar qualquer indagação prévia sobre a real existência ou subsistência do direito a que se refere”. Isto porque o próprio título já contém a declaração ou “acertamento” desse direito e, consequentemente, contém a definição dos elementos subjectivos e objectivos da relação jurídica que é objecto da acção executiva (cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS, em A acção executiva depois da reforma, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2004, p. 20-21 e 35).
Esta especial relevância que a lei confere ao título executivo deriva da segurança tida por suficiente da existência do direito substantivo cuja reparação se pretende efectivar por via da acção executiva. Por conseguinte, “o fundamento substantivo da acção executiva é a própria obrigação exequenda, constituindo o título executivo o seu instrumento documental legal de demonstração. Ele constitui, para fins executivos, condição da acção executiva e a prova legal da existência do direito de crédito nas suas vertentes fáctico-jurídicas, assumindo, por isso, autonomia em relação à realidade que envolve” (cfr. o ac. do STJ de 17-04-2008 (em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 08B1052).
Neste sentido, o título executivo é, no dizer do ac. do STJ de 19-02-2009 (em www.dgsi.pt(jstj.nsf/ proc. n.º 07B4427), “o invólucro sem o qual não é possível executar a pretensão ou o direito que está dentro. Sem invólucro não há execução, embora aquilo que vai realizar-se coactivamente não seja o invólucro mas o que está dentro dele”.
Quer isto dizer que é pelo conteúdo do título que se há-de determinar qual o objecto da execução e quem pode ser executado (arts. 45.º, n.º 1, e 55.º, n.º 1, do CPC). Que é o mesmo que dizer que prestação ou prestações podem ser coercivamente exigidas e de quem. O que impõe a apreciação em concreto do âmbito de exequibilidade dos documentos que constituem o título executivo.

5.2. O n.º 1 do art. 46.º do Código de Processo Civil prescreve que apenas podem servir de base à execução os títulos enunciados nas respectivas alíneas. O que quer dizer que essa enumeração é taxativa. E, portanto, só são exequíveis os documentos que se enquadrarem em alguma das espécies de títulos aí enumeradas.
A executoriedade do contrato de arrendamento urbano está prevista no art. 15.º do NRAU para duas situações: 1) para obter a entrega do lacado, em caso de cessação do contrato por alguma das causas referidas nas als. a) a f) do n.º 1, desde que acompanhado pelo documento comprovativo da causa da cessação, aludido naquelas alíneas; 2) para a acção de pagamento da renda quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida.
Em qualquer das apontadas situações, os referidos documentos compreendem-se na espécie de títulos executivos enumerada na al. d) do n.º 1 do art. 46.º do Código de Processo Civil, que prescreve que são títulos executivos “os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva” (cfr. LEBRE DE FREITAS, em Código de Processo Civil Anotado, vol. 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, p. 96).
É apenas a segunda modalidade de execução referida, destinada a obter o pagamento das rendas em dívida, que aqui nos interessa destacar.
O título executivo é constituído, nos termos do n.º 2 do art. 15.º do NRAU, pelo conjunto de documentos que compreende o contrato de arrendamento e o documento comprovativo da comunicação ao arrendatário do montante em dívida. Estamos pois em face de um título executivo de feição complexa, integrado por dois elementos corpóreos: o contrato de arrendamento escrito e o documento comprovativo da comunicação ao arrendatário do montante das rendas em dívida (cfr. ac. da Relação de Lisboa de 12-12-2008, em www.dgsi.pt/jtrl.nsf/ proc. n.º 10790/2008-7).
Será, pois, no confronto do conteúdo dos dois referidos documentos que se há-de alcançar a resposta sobre o que pode ser exigido (objecto da execução ou quantia exequenda) e de quem pode ser exigido (sujeitos do lado passivo da execução ou executados). Sendo importante realçar que o fundamento substantivo da acção executiva é a obrigação exequenda, a qual tem de constar do título executivo, e que é este que delimita objectiva e subjectivamente o âmbito da execução (arts. 45.º, n.º 1, e 55.º, n.º 1, do CPC).

5.3. O contrato de arrendamento não suscita dúvidas de interpretação quanto aos elementos da obrigação de pagar a renda: nem quanto ao seu montante (a quantia mensal de 350,00€ acrescida da actualização posterior, devidamente documentada, que a fixou em 358,75€) e prazo de vencimento (no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que disser respeito), nem quanto aos respectivos devedores, que atribui em igualdade de condições aos arrendatários e aos fiadores, na medida em que estes renunciaram ao benefício da excussão prévia, assim se assumindo como pagadores principais (art. 640.º, al. a), do Código Civil).
O que quer dizer que, perante o teor do contrato, as rendas em dívida podem ser exigidas coercivamente de quaisquer devedores ou de todos em conjunto. Incluindo, portanto, os fiadores. O que também decorre do art. 634.º do Código Civil, que dispõe que a fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor.
Esta conclusão não é contrariada pela norma do n.º 2 do art. 15.º do NRAU. A qual, diferentemente do que é afirmado no despacho recorrido, não limita à pessoa do arrendatário o carácter executivo do contrato de arrendamento. Com efeito, o que aí se diz é que “o contrato de arrendamento é título executivo para a acção de pagamento de renda quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida”. Mas não diz que é título executivo apenas em relação ao arrendatário.
Como esclarece o acórdão da Relação de Lisboa de 12-12-2008 (em www.dgsi.pt/jtrl.nsf/ proc. n.º 10790/2008-7), a exigência do comprovativo da comunicação ao arrendatário do montante em dívida não tem em vista demonstrar a constituição da dívida exequenda, já que esta emerge do próprio contrato. E também não se destina a interpelar o devedor, porquanto está-se perante uma obrigação pecuniária de montante já determinado e de prazo certo. Daí que a única justificação para a exigência da prévia comunicação ao arrendatário é a de obrigar o exequente a proceder a liquidação prévia das rendas em dívida, de forma a conferir maior grau de certeza quanto ao montante da dívida exequenda, tendo em conta a vocação tendencialmente duradoura do contrato e o carácter periódico das rendas.
A mesma exigência já não se justifica em relação ao fiador por dois motivos: primeiro, porque a fiança não é elemento do contrato de arrendamento, pode existir ou não existir; segundo, porque o fiador, quando existe, garante a satisfação da obrigação principal, independentemente de interpelação, como decorre dos arts. 627.º e 634.º do Código Civil, bastando que esta (a interpelação) seja efectuada na pessoa do devedor, salvo se se tiver estipulado diversamente (cfr. acs. do STJ de 04-12-2003 e de 01-07-2008, em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ procs. n.º 03B3909 e 08A1583), o que não foi o caso.
Parece, assim, evidente que a referência da norma ao “comprovativo da comunicação ao arrendatário” não tem em vista limitar ao arrendatário o carácter executório do contrato de arrendamento e de excluir o fiador, quando exista, mas tão só a de tornar obrigatória a comunicação prévia ao arrendatário do valor das rendas em dívida. Passando então o conjunto dos referidos documentos (contrato e comprovativo da comunicação ao arrendatário) a valer como título executivo em relação a todos os obrigados ao pagamento da renda, incluindo o fiador.
Donde se conclui que os documentos apresentados pelos autores, constituídos pelo contrato de arrendamento assinado por todas as partes e pelo comprovativo da comunicação aos arrendatários do montante das rendas em dívida, também constituem título executivo em relação aos fiadores, ou seja, os executados F………. e G………. . Sendo certo que, no caso, até aconteceu que os senhorios também fizeram aos fiadores a primeira comunicação prévia que fizeram aos arrendatários sobre o montante das rendas em dívida e também juntaram o comprovativo dessa comunicação prévia. Assim cumprindo também em relação a estes todos os requisitos de exequibilidade do contrato que a lei exige.

5.4. Já não nos parece que se possa sustentar que o objecto da execução também deva abranger o valor da indemnização prevista no n.º 1 do art. 1041.º do Código Civil e, muito menos ainda, o valor das rendas que se venceram após a comunicação efectuada aos arrendatários, como aqui ocorre com a renda do mês de Fevereiro de 2007.
Com efeito, no que respeita a esta renda, não tendo constado da comunicação feita aos arrendatários, terá que ser, obviamente, excluída da execução, por falta de título executivo, como foi decido, e bem, no despacho recorrido. Assim o exige o preceito do n.º 1 do art. 45.º do Código de Processo Civil.
No tocante à indemnização a que alude no n.º 1 do art. 1041.º do Código Civil, as razões da sua exclusão são outras.
Com efeito, não obstante a liquidação desta indemnização ter sido incluída na comunicação feita previamente aos devedores, tal circunstância não lhe confere nem garante força executiva, por três razões:
1) Primeiro, porque o preceito do n.º 2 do art. 15.º do NRAU, que confere força executiva ao contrato de arrendamento, apenas refere “a acção de pagamento da renda”, excluindo da norma qualquer referência à indemnização pelo atraso no pagamento da renda. Sem que se possa invocar que esta omissão se deveu a mero lapso, porquanto o legislador não podia ignorar que a referida indemnização decorre da lei e está prevista no n.º 1 do art. 1041.º do Código Civil. E também não parece legítimo que se possa invocar que tal menção era desnecessária, porquanto, em relação aos juros de mora, o legislador fez constar do n.º 2 do art. 46.º do Código de Processo Civil que se consideram abrangidos pelo título executivo. O que, devidamente conjugado, deve ser interpretado no sentido de que o legislador não quis estender a força executiva do contrato de arrendamento à indemnização prevista no n.º 1 do art. 1041.º do Código Civil.
2) Segundo, em reforço da interpretação anteriormente referida, porque, ao contrário do que sucede com a obrigação de pagar a renda, que constitui uma obrigação contratual do arrendatário e consta expressamente do contrato que, por isso, lhe serve de título executivo, a pretendida indemnização decorre da lei, e não do contrato. Daí que, não estando prevista no contrato, este não pode constituir título executivo em relação à referida indemnização (quod non est in titulo non est in mundo).
3) Terceiro, porque esta indemnização tem o carácter de uma sanção pelo atraso no pagamento da renda, e não de obrigação contratual que tenha sido expressamente aceite e assumida pelo arrendatário. E como sanção legal que é, a sua aplicação não é automática em relação a todos os casos de mora no pagamento da renda, mas, como dispõe o n.º 1 do art. 1041.º do Código Civil, funciona apenas nos casos em que o contrato não for resolvido com o mesmo fundamento. O que sempre exigiria a confirmação documental de que o senhorio não resolveu o contrato com fundamento na falta de pagamento das mesmas rendas.
Donde se impõe concluir que a obrigação de pagar a indemnização prevista no n.º 1 do art. 1041.º do Código Civil, para além de não constar do contrato que serve de título à execução, também não está reconhecida e definida por qualquer outro documento assinado pelos devedores ou a que a lei confira força executiva. Não bastando, para o efeito, que tenha sido comunicada ao arrendatário e comprovada essa comunicação.
Consequentemente, do que aqui se trata é de falta de título a que a lei confira força executiva.

6. De modo que, concluindo:
1- O contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo da comunicação feita ao arrendatário do montante das rendas em dívida, a que alude o n.º 2 do art. 15.º do NRAU, constitui título executivo não só em relação aos arrendatários mas também em relação às pessoas que no dito contrato tenham assumido a obrigação de fiadores.
2 - Porém, a força executória dos referidos documentos apenas abrange o montante das rendas em dívida constante da comunicação feita ao arrendatário, e não a indemnização prevista no n.º 1 do art. 1041.º do Código Civil nem quaisquer outras rendas vencidas posteriormente àquela comunicação.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, concede-se parcial provimento ao agravo e, consequentemente:
1) Revoga-se o despacho recorrido, na parte em que rejeitou a execução em relação aos executados F………. e G………., na qualidade de fiadores.
2) Determina-se que seja proferido novo despacho que ordene o prosseguimento da execução em relação aos quatro executados, para pagamento das rendas em dívida relativas aos meses de Janeiro de 2006 a Janeiro de 2007, no montante de € 4.663,75.
3) Mantém-se em tudo o mais o que foi decidido no despacho recorrido.
4) Custas pelos recorrentes, considerando o seu total decaimento em relação ao valor do recurso e que os recorridos não deduziram qualquer oposição ao recurso (art. 446.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

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Relação do Porto, 12-05-2009
António Guerra Banha
Anabela Dias da Silva
Maria do Carmo Domingues