CHEQUE
PREENCHIMENTO ABUSIVO
FALSIFICAÇÃO
ABUSO DE DIREITO
Sumário

I – Para se poder invocar a excepção do preenchimento abusivo necessário se torna que o cheque tenha sido emitido em branco, que tenha havido acordo de preenchimento com o beneficiário e que o preenchimento efectivo não tenha respeitado o acordado.
II – Tendo o cheque sido entregue sem menção da data, enquanto não for apresentado a pagamento, o beneficiário pode apor-lhe a que entender, mesmo rasurando outra que haja anteriormente aposto, desde que, com isso, não viole o pacto de preenchimento havido ou qualquer alteração do mesmo que tenha sido, entretanto, negociada.
III – Se a opoente afirma que não entregou o cheque em branco mas preenchido, não pode provar a violação do pacto de preenchimento, mas a falsificação do respectivo teor.
IV – O pacto de preenchimento não pode consistir, pura e simplesmente, em não apresentar os cheques a pagamento, sob pena de isso integrar manifesto abuso do direito.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:




I.
Por apenso aos autos de acção executiva para pagamento de quantia certa instaurados por B………. e C………. contra D………., veio a executada deduzir oposição, suscitando a ilegitimidade activa da exequente mulher, e alegando ter emitido os cheques dados à execução nas datas de “2003-05-11” e “2003-05-18”, e não naquelas que os mesmos ostentam, “2006-05-11” e “2006-05-18”, para garantia do pagamento por parte da firma compradora do imóvel.
Mais alegou que os opostos lhe garantiram que jamais apresentariam tais documentos a pagamento e o oposto não alegou nada quanto à constituição da obrigação exequenda.

Recebida a oposição e notificados os exequentes para contestar, vieram eles dizer que a opoente emitiu os cheques com as datas em branco, solicitando ao exequente, porque não tinha saldo suficiente para pagamento dos mesmos, que os apresentasse a pagamento quando ela lhe desse instruções nesse sentido, pelo que a data que ostentam foi aquela em que ela lhe disse que os depositasse.
Mais alegaram que os cheques foram dados à execução não enquanto cheques stricto sensu, mas como documentos particulares que titulam a constituição ou o reconhecimento de uma obrigação pecuniária de montante determinado em parte e, noutra, determinável por simples cálculo aritmético, expondo-se no requerimento executivo os factos subjacentes à emissão dos mesmos.
Assim, se os cheques foram depositados quando a executada deu instruções ao exequente nesse sentido, o que lhes dá exequibilidade enquanto cheques, também a têm enquanto documento particular que encerra o reconhecimento unilateral de uma dívida, nos termos do art. 458.º do CC, sendo que no requerimento executivo se expõem os factos integradores da causa debendi.
A opoente, apesar de não ter sido parte no negócio que levou à emissão dos cheques, assumiu pessoal e individualmente o pagamento ao vendedor do preço em falta pela venda do prédio rústico.
Pedem a improcedência da oposição e o prosseguimento da acção executiva.

O processo foi saneado, julgando-se a exequente mulher parte ilegítima, condensado e instruído.

Procedeu-se ao julgamento e veio a ser proferida sentença que julgou procedente a oposição, declarando extinta a execução, por os títulos dados à execução não conterem todos os elementos necessários à exequibilidade dos mesmos.

II.
Recorreu o exequente/oposto, concluindo:
A) Os cheques dados à execução são títulos executivos.
B) Não estavam incompletos quando da entrega ao exequente, mas completos, tendo data de vencimento.
C) Nessa data, foi exigido pela executada, por intermédio de seu marido e sócio, que não fossem apresentados a pagamento, sob ameaça de não terem provisão e não serem pagos, e com a promessa de que iriam ser substituídos por outros, promessa que não foi cumprida.
D) Se nos termos do art. 13.º da LUC, ao cheque sem data pode ser aposta uma data que não seja contra o convencionado, por maioria de razão a um cheque que por exigência do subscritor não foi apresentado a pagamento com promessa de ser substituído por outro, após isso não ter sido cumprido, o beneficiário pode apor-lhe nova data para o apresentar a pagamento.
E) Só se considera preenchimento abusivo quando o cheque é rasurado com data anterior àquela que dele constava anteriormente, para ser apresentado a pagamento antes da data que nele havia sido aposta inicialmente.
F) …
G) O exequente adquiriu o cheque de boa fé, reconhecendo a própria executada que lho entregou.
H) …
I) O comportamento da executada, pedindo a dilação do pagamento do cheque e a sua atitude de invocar a ilegitimidade da data que lhe foi aposta integra abuso do direito (art. 334.º do CC).
J) Mesmo que se entenda que os cheques não são títulos executivos enquanto documentos cambiários, valem como quirógrafos, uma vez que preenchem os requisitos do art. 46.º-c) do CPC.
L) Dos mesmos consta a assinatura do devedor e o reconhecimento de uma obrigação pecuniária, através da aposição de uma quantia certa e determinada.
M) …
N) …
O) Uma das correntes maioritárias, seguida por Lebre de Freitas, defende que o título cambiário vale como título executivo, enquanto documento particular, desde que no requerimento executivo se alegue a relação jurídica subjacente.
P) Outra corrente, seguida por Alberto dos Reis, Anselmo de Castro e Pinto Furtado, defende que o cheque é título executivo, independentemente de se alegar a relação subjacente, já que, enquanto documento particular, contém uma declaração de dívida unilateral e, nos termos do art. 458.º/1 do CC, o credor estaria dispensado de provar a relação fundamental, presumindo-se a sua existência e, consequentemente, não tinha que a alegar.
Q) No caso sub judice, quer se adira a uma tese que à outra, a decisão recorrida terá de ser revogada, admitindo-se que os cheques são títulos executivos.
R) Pois o exequente no requerimento executivo alegou a relação fundamental, dizendo que se fundava num negócio celebrado com a sociedade E………, Lda, de que é sócia-gerente a executada, tendo esta assumido pessoalmente o pagamento da dívida ao emitir o cheque, comprometendo-se ao seu pagamento.
S) Em qualquer caso, nos termos do art. 458.º/1 do CC, o credor está dispensado de alegar a relação fundamental, por a mesma se presumir.
T) A executada reconhece e confessa a existência da dívida na oposição, alegando, todavia, que os cheques foram emitidos para pagamento por parte da sociedade, mas o que é certo é que com a emissão assumiu o pagamento da dívida.
U) …
Pede a revogação da sentença, julgando-se improcedente a oposição à execução.

A opoente respondeu, pedindo a confirmação da sentença.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

III.
As questões suscitadas no recurso são a validade dos cheques enquanto títulos cambiários e também como documentos particulares que consubstanciam o reconhecimento unilateral de uma dívida.

IV.
Factos considerados provados na sentença:
I.- Nos autos principais foram dados à execução 2 cheques da F………., em que figura como titular da conta – D………. e beneficiário B………. – cfr. documentos juntos a fls. 22 dos autos de execução, para os quais se remete e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (cfr. al. A).
II. – Em ambos os cheques dados à execução consta como data de emissão o dia 18 do mês 5 do ano de 2006, sendo que este último dígito (número) foi escrito no mesmo local onde antes constava o número 3 - cfr. documentos juntos a fls. 212 dos autos de execução, para os quais se remete e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (cfr. al. B).
III.- Ambos os cheques dados à execução foram devolvidos pela F………., ag. ………., Gondomar a 22.05.2006, com a menção: “Devolvido por falta de provisão” - cfr. documentos juntos a fls. 22(verso dos mesmos) dos autos de execução, para os quais se remete e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (cfr. al. C).
IV.- A oponente emitiu os cheques supra referidos, com excepção da data, para garantia do pagamento do preço por parte da firma “E………., Lda” devido pela compra de um prédio rústico, contrato esse referido no requerimento executivo (cfr. al. D).
V.- As datas mencionadas nos cheques juntos aos autos foram apostas pelo embargado (exequente) B………. (cfr. resposta ao quesito 1).
VI.- Foi o exequente quem alterou a data aposta nos dois cheques no que respeita ao ano, substituindo os dois “3” do ano por “6” passando a constar “2006”-05-19” e “2006-05-18”(cfr. resposta ao quesito 2).

V.
Comecemos por analisar a primeira questão suscitada pelo apelante: a da validade dos cheques enquanto títulos cambiários.

Extrai-se do disposto no art. 13.º da LUC que a ordem jurídica atribui validade ao cheque a que falta a aposição da data da emissão, o chamado cheque em branco, admitindo que, posteriormente, o mesmo seja completado pelo beneficiário ou portador, presumindo-se o acordo das partes quanto aos termos do respectivo preenchimento – cfr. Anotações ao mencionado artigo daquela Lei, anotada por Abel Delgado (5.ª ed., p. 135-136.
Também decorre da mencionada norma que a inobservância desses acordos quanto ao preenchimento posterior não é motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido o cheque de má-fé ou mediante cometimento de uma falta grave.
Naturalmente, refere-se o artigo às relações mediatas, porquanto nas relações imediatas tudo se passa como se a obrigação cambiária deixasse de ser literal e abstracta, ficando sujeita às excepções que, nessas relações pessoais, são invocadas.
O cheque está no domínio das relações imediatas quando não saiu do âmbito das relações entre um subscritor e o sujeito cambiário imediato, isto é, ainda se encontra no domínio em que os sujeitos cambiários são, também, sujeitos das convenções extracartulares; e está no domínio das relações mediatas quando está na posse duma pessoa estranha às convenções extracartulares (ibid., p. 168).
Neste caso, o cheque encontra-se no domínio das relações imediatas, visto que os sujeitos cambiários o são também da convenção extracartular, pelo que podiam ser invocadas quaisquer excepções pela opoente, nomeadamente, podia ela opor ao exequente a quem entregou os cheques a inobservância das cláusulas do acordo de preenchimento (ibid., p. 138).

Pois bem, o que foi alegado pela opoente a este propósito é que foi ela quem apôs nos títulos as datas originais de “2002-05-11” e “2002-05-18” (art. 3.º da oposição à execução) e depois, em contradição com essa afirmação, que lhes apôs as datas de “2003-05-11” e “2003-05-18” (cfr. art. 13.º do mesmo articulado).
Por conseguinte, em vez de dizer que entregou os cheques em branco no respeitante à data, afirmou que preencheu essa data com menção diversa da apresentada pelos mesmos na altura em que foram apresentados a pagamento, o que terá sido feito pelo oposto que, assim, falsificou esses títulos cambiários.
Mas o que se provou foi algo bem diferente, como decorre dos factos IV., V., VI.:
“IV.- A oponente emitiu os cheques supra referidos, com excepção da data, para garantia do pagamento do preço por parte da firma “E………., Lda” devido pela compra de um prédio rústico, contrato esse referido no requerimento executivo (cfr. al. D).
V.- As datas mencionadas nos cheques juntos aos autos foram apostas pelo embargado (exequente) B………. (cfr. resposta ao quesito 1).
VI.- Foi o exequente quem alterou a data aposta nos dois cheques no que respeita ao ano, substituindo os dois “3” do ano por 6” passando a constar “2006”-05-19” e “2006-05-18”(cfr. resposta ao quesito 2)”.

Para se poder invocar a excepção do preenchimento abusivo necessário se torna que o cheque tenha sido emitido em branco, que tenha havido acordo de preenchimento com o beneficiário, e que o preenchimento efectivo não tenha respeitado o acordado.
Ao dizer que foi ela que apôs nos cheques uma determinada data e que o beneficiário a alterou, a opoente não está a invocar qualquer acordo de preenchimento, porquanto afastou à partida a possibilidade de este fazer qualquer preenchimento, por não existir qualquer elemento em falta. O que haveria, isso sim, como ela disse, era uma falsificação da data que havia sido por ela aposta nos cheques.
Assim, se não alegou o preenchimento abusivo, também o não podia provar.

Pelo contrário, o exequente/oposto provou que os cheques lhe foram entregues em branco e que ele apôs a data que os mesmos ostentam. Que tenha sido aposta primeiramente uma outra data é irrelevante, na medida que a mesma foi também aposta pelo exequente e porque a opoente a não preencheu, presumindo-se que tal preenchimento foi feito em conformidade com o acordado entre a sacadora e o beneficiário. O certo é que tendo sido entregue sem menção da data, enquanto não for apresentado a pagamento, o beneficiário pode apor-lhe a que entender, mesmo rasurando outra que haja anteriormente aposto, desde que, com isso, não viole o pacto de preenchimento havido ou qualquer alteração do mesmo que tenha sido, entretanto, negociada.
Se a opoente afirma que não entregou o cheque em branco mas preenchido, não pode provar a violação do pacto de preenchimento, mas a falsificação do respectivo teor, como se propôs, mas não conseguiu fazer – cfr. resposta ao quesito 1.º.
Face a isto, não vemos que, ao contrário do que se diz na sentença, a opoente tenha logrado fazer a prova dos factos constitutivos do seu direito, “nomeadamente, que os cheques dados à execução não são juridicamente considerados títulos executivos, mas antes documentos quirógrafos da suposta dívida”.

A fundamentação da decisão de facto, constante de fls. 213-214, é esclarecedora, apesar de servir, apenas, para que o Juiz passe de convencido a convincente, permitindo que se compreendam as razões que estiveram na origem das respostas dadas aos quesitos, não se substituindo, assim, aos factos provados, mas dizendo porque o foram nesses termos.
Nela se diz:
“No entanto, relativamente à matéria de facto referida nos quesitos 1 e 2, a decisão assentou basicamente no depoimento das testemunhas: G……….; e H………. ambas filhas do exequente (B……….), que depuseram com isenção e credibilidade, dizendo, em substância, que os primeiros dois cheques foram emitidos com datas de pagamento para Maio de 2002.
A testemunha I………. (marido da executada) disse ao seu pai que não tinha dinheiro e pediu-lhe os cheques, rasgando-os. Depois entregou-lhe os cheques juntos aos autos, já completamente preenchidos excepto a data dizendo-lhe que iam ser pagos meio ano depois.
Posteriormente, a pedido do marido da embargante (I……….) os cheques não foram apresentados a pagamento, dizendo-lhe que se o fizesse não receberia nada. O Sr. I………. (marido da executada) pediu ao seu pai (exequente) para esperar mais meio ano e então o seu pai apôs nos cheques a data que aí constava (18.5.2003), com o acordo do próprio I………. .
Contudo, este (I……….) ameaçou o seu pai que se metesse os cheques a pagamento não os pagava. O seu pai (B……….) começou a andar preocupado fez várias diligências junto da embargante (D……….), mas não conseguia cobrar a dívida. Por aconselhamento de pessoas amigas da família, o seu pai mudou então a data para o ano de 2006”.

Esta fundamentação ainda frisa mais a razão do lado do exequente, pois que este apenas não apresentou os cheques a pagamento na data que primeiramente lhes apôs, 18.5.2003 (esqueçamos o facto de a primeira emissão feita pela executada ter ficado sem efeito por os cheques terem sido destruídos pelo marido dela), por o marido da executada o ter ameaçado de lhos não pagar, não tendo aquele conseguido cobrar a dívida desde então, apesar das várias diligências feitas junto da opoente. Até que lhes apôs a data que deles consta, substituindo a anterior.
A dar-se relevância à alteração da data nos termos considerados na sentença, o exequente, que cedeu à pressão do filho para que não apresentasse os cheques a pagamento, ainda era punido por ter-lhes aposto uma data posterior, dessa forma concedendo um prazo mais dilatado para o pagamento (três anos), como se tivesse ele que provar que tinha havido um acordo de preenchimento nesse sentido, o que implica uma inversão do ónus da prova.
A opoente é que tinha de alegar e provar, nos termos do art. 342.º/2 do CC, que tinha havido pacto de preenchimento e que ele foi violado.
A sentença é esclarecedora ao referir:
“Neste sentido está comprovado que não houve acordo de preenchimento dos cheques nas datas neles apostas, que resultaram apenas de um acto astucioso e de má fé do marido da oponida – I………., tudo como consta da motivação da decisão da matéria de facto de fls. 214, cujo teor no mais se dá aqui por reproduzida, ou seja: os cheques dados à execução foram subscritos (assinados) pela executada – D………. (e não pelo marido desta)”.
Todavia, afigura-se-nos injustificado o que se diz a seguir:
“Ora, está comprovado que o oponido - B……….., sem o acorda da oponente – D………., rasurou a data que antes havia sido aposta nos cheques. Fê-lo, agora, porém, sem o acordo da executada (oponente)”.
É que, se o exequente tinha aposto a data anterior, mesmo que por acordo com o marido da opoente, ou para o favorecer e a ela, não se tendo comprometido, porque isso não decorre dos factos provados, a apor-lhes qualquer outra data, era livre de os preencher quando e como quisesse, sem que daí resultasse a violação de qualquer pacto, inexistente. É que o pacto não pode consistir, pura e simplesmente, em não apresentar os cheques a pagamento, sob pena de isso integrar manifesto abuso do direito.

A segunda questão levantada pelo apelante, a de os cheques integrarem documentos particulares que consubstanciam o reconhecimento unilateral de uma dívida, afigura-se-nos prejudicada pela solução dada à primeira, mas mesmo assim achamos oportuno dizer algo sobre o tema.
Quanto à eficácia executiva dos cheques sacados pela opoente como quirógrafos, tem-se entendido que a ordem de pagamento dada ao banco, concretizada no cheque, implica, em princípio, o reconhecimento unilateral de uma dívida, pelo que pode valer como título executivo, sendo ao devedor, nos termos do art. 458.º/1 do CC, que incumbe a prova da inexistência ou da cessação da respectiva causa – cfr. Acórdãos do STJ de 11.5.99, CJ STJ VII, 2, 88, RC de 3.12.98, CJ XXIII, 5, 33, RL de 27.6.2002, CJ XXVII, 3, 121, 24.6.99, em www.dgsi.pt e desta Relação de de 5.12.2000, no mesmo site.
Apesar de o cheque, como mero documento particular da dívida causal não ser fonte autónoma de obrigações, a declaração negocial dele constante e a ordem de pagamento que traduz criam a presunção da existência de relações negociais e extra-negociais, ou seja, a relação fundamental referida pelo art. 458.º/1 do CC, sendo esta a verdadeira e concreta fonte da obrigação. Fica, por isso, o credor dispensado da prova da relação fundamental, cuja existência se presume, impendendo sobre o executado, mais uma vez, o ónus de provar a inexistência originária ou subsequente da relação (art. 342.º/2 do CC).
Pelo que, mesmo perdendo os cheques a força executiva como títulos cambiários, podem envolver o reconhecimento de uma dívida, cuja existência se presume, devendo, nesse circunstancialismo, ser-lhes atribuída força executiva nos termos do art. 46.º-c) do CPC – cfr. Acórdão desta Relação de 20.4.2009, proferido na Apelação n.º 7359/08 – 3.ª Secção.

Não obstante, a relação subjacente ou fundamental está provada no facto “IV.- A oponente emitiu os cheques supra referidos, com excepção da data, para garantia do pagamento do preço por parte da firma “E………., Lda” devido pela compra de um prédio rústico, contrato esse referido no requerimento executivo (cfr. al. D)”.
Assim, a opoente, apesar de não ser parte no negócio de compra e venda, garantiu o pagamento do preço ou de parte dele perante o vendedor/exequente, sendo essa a relação fundamental subjacente à emissão dos cheques. E garantiu-o porque, como decorre da escritura junta ao requerimento executivo, era sócia gerente da sociedade comercial por quotas E………., Lda, compradora, em cuja representação a opoente interveio na escritura de compra e venda do imóvel adquirido por aquela sociedade ao exequente e sua mulher.
Para afastar a exequibilidade dos cheques como quirógrafos, havia de ter alegado que, entretanto, o preço fora pago, assim afastando, por motivo subsequente, a obrigação de pagamento.

Face ao exposto, a apelação deve proceder.

Decidindo, julga-se a apelação procedente e revoga-se a sentença, julgando-se a oposição improcedente e determinando-se o prosseguimento da execução.

Custas pela apelada.

Porto, 28 de Maio de 2009
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo
Mário Manuel Baptista Fernandes
José Manuel Carvalho Ferraz