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FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO
BURLA
CONCURSO REAL DE INFRACÇÕES
INTERESSE PROTEGIDO
Sumário
Existe concurso real de infracções entre os crimes de falsificação de documentos e o de burla, pois que tutelam interesses juridicos diferentes: a falsificação dispensa protecção a fe publica dos documentos, necessaria a normalização das relações sociais; a burla abriga o patrimonio do burlado.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
Mediante acusação do Digno Agente do Ministerio Publico, respondeu, em processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo de Coimbra, o arguido A, solteiro, de 31 anos, tendo sido condenado, pela partica de um crime de falsificação previsto e punivel pelo artigo 228 n. 2 do Codigo Penal, na pena de um ano de prisão e trinta dias de multa a taxa diaria de 500 escudos, multa na alternativa de vinte dias de prisão, na taxa de justiça de 3 UCs e no minimo de procuradoria.
Nos termos do artigo 48 do Codigo Penal foi a referida pena declarada suspensa na sua execução, pelo periodo de dois anos.
Inconformado com tal decisão, dela interpos recurso o Ministerio Publico, motivando-o destramente nos seguintes termos:-
- O acordão recorrido violou o disposto nos artigos 30 n. 1 e 313 n. 1 do Codigo Penal, ao considerar que os crimes de falsificação e burla que a conduta do arguido preencheu se encontram numa relação de concurso aparente;
- Subjaz a primeira norma citada num criterio teleologico para a aferição do concurso de infracções, contrario a visão naturalistica surpreendida no acordão impugnado; e
- Assim, o arguido deveria ter sido condenado tambem pelo crime de burla previsto e punivel pelo artigo 313 n. 1 do Codigo Penal, na pena de 9 meses de prisão que, em cumulo juridico com a aplicada pelo crime de falsificação, que se afigura justa e equilibrada, perfazia um ano e seis meses de prisão, mantendo-se em tudo o mais (multa, suspensão da execução da pena e custas) o decidido no acordão.
Não foi apresentada contra-motivação.
Subiram os autos a este Alto Tribunal e, ouvido o Excelentissimo Representante do Ministerio Publico, proferido o despacho preliminar e colhidos os vistos, foi designado dia para a audiencia, que decorreu com inteiro respeito pelo ritual da lei, como da acta se infere.
Cumpre, pois, apreciar e decidir:-
Deu o douto Tribunal Colectivo de Coimbra como provadas as seguintes realidades "de facti":_
- No dia 8 de Setembro de 1989, o arguido encheu de gasolina o deposito do seu carro no posto de abastecimento situado na Avenida Afonso Henriques, nesta cidade;
- Tal operação cifrou-se no montante de 4500 escudos;
- Para pagar tal quantia o arguido passou e entregou ao empregado daquele posto o cheque cuja fotocopia consta de folhas 41 pertencente a B apondo o nome deste como se na realidade fosse seu;
- Ao actuar da forma descrita o arguido tinha perfeito conhecimento de que causava um prejuizo e pretendia aumentar o seu patrimonio de uma forma ilicita;
- Apresentado a pagamento o mesmo titulo por aquele mesmo empregado C foi devolvido por extravio;
- Ao fornecer aquele produto este empregado agiu no convencimento de que o modo de pagamento prestado pelo arguido tinha correspondencia com a realidade;
- E media a situação social e economica do arguido;
- Na altura dos factos o mesmo arguido atravessava uma fase de pertubação psicologica que era consequencia da sua dependencia do consumo de estupefacientes;
- Igualmente a sua conduta era ordenada por uma situação de crise a nivel familiar com rupturas a nivel efectivo entre os diversos componentes da mesma familia;
- O arguido confessou em termos relevantes para a descoberta da verdade encontrando-se arrependido; e
- O mesmo apresenta propositos de reinserção social.
Este o manancial factico averiguado e que este Supremo Tribunal tem de acatar como insindicavel, dada a sua dignidade de Tribunal de revista, atento o que preceituam os artigos 433 e 29 n. 1, respectivamente, do Codigo de Processo Penal e da Lei n. 38/87, de 23 de Dezembro, cumprindo-lhe tão somente a incumbencia de reapreciar o exame da materia de direito.
Descritos os factos, surge-nos a tarefa da sua determinação ou subsunção as normas juridico-criminais aplicaveis.
Foi o arguido trazido a ribalta do plenario pronunciado pela pratica das seguintes infracções: um crime de falsificação previsto e punivel pelos artigos 228 ns. 1 alinea a) e 2 e 229 n. 1 do Codigo Penal, e de um crime de burla previsto e punivel pelo artigo 313 n. 1 do mesmo diploma.
"Quid Juris"?
Examinando o contexto factico dado como firmado, duvidas não nos assaltam no sentido de que o arguido, com o seu actuar, retratou os elementos tipicos dos seguintes delitos:-
1- Um crime de falsificação de documento previsto e punivel pelas disposições combinadas dos artigos 228 n. 1 alinea a) e 2 e 229 do Codigo Penal.
Com efeito, mostra-se assente que o arguido, no condicionalismo de tempo e lugar referenciados:-
- abusou da assinatura de outrem, apondo-a num documento transmissivel por endosso - o cheque, cuja fotocopia se acha junta a folhas 4 - fabricando, assim, um documento falso;
- actuou com intenção de causar prejuizo a outrem e de alcançar para si um beneficio que a lei lhe não permitia.
2- um crime de burla previsto e punivel pelo artigo 313 n. 1 do Codigo Penal.
Na verdade, acha-se plenamente demonstrada facticialmente que o arguido:-
- Teve a intenção, com o seu procedimento, de obter para si um enriquecimento ilegitimo (enriquecimento de alguem, consequente empobrecimento de outrem, o nexo de causalidade entre o enriquecimento do primeiro e o empobrecimento do segundo e a falta de causa justificativa do enriquecimento);
- Com tal objectivo, astuciosamente, induziu em erro o ofendido empregado do posto de gasolina, fazendo crer que o cheque era seu e que tinha cobertura; e
- assim determinando este a vender-lhe o combustivel, com prejuizo para si.
Perfectibilizados se mostram, desta forma, todos os elementos tipicos dos crimes rectro mencionados.
Sufraga-se, assim, a posição perfilhada pelo ilustre recorrente, quando terça armas no sentido da conferencia, no caso "sub-judicibus", do concurso dos dois referenciados delitos, e não apenas de um so, como defendeu o douto acordão recorrido.
E que o eixo a roda do qual se desenvolve a problematica do caso do pleito e o comando estatuido no artigo 30 n. 1 do Codigo Penal, que "expressis emeris", reza assim:-
"1- O numero de crimes determina-se pelo numero de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo numero de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente...".
Procedendo a exegese do preceito penal em foco, a conclusão segura apostamos no sentido de que neste se abraça a tese do criterio teleologico para se operar a distinção entre unidade e pluralidade de infracções.
E, assim, com vista a determinação do conceito de pluralidade de infracções ha que indagar se o procedimento do agente viola ou não disposições que consagram e protegem interesses diferentes.
Ora, no caso da demanda, por certo temos que os crimes que demos como certificados, ou mais precisamente as normas legais que os consignam -
- falsificação e burla - tutelam interesses juridicos diferentes: a falsificação dispensa protecção a fe publica dos documentos necessaria a normalização das relações sociais; e por sua banda a burla obriga o patrimonio do burlado.
Não ha, pois, que considerar, na hipotese consubstanciada no processo, o instituto do concurso aparente, como foi entendido.
Trata-se da doutrina seguida por este Alto Tribunal, em muitos arestos, nomeadamente nos Acordãos de 24/3/83 in Recurso n. 36918, de 4/7/86 in Boletim 358-242 e de 28/1/87 in Boletim 363 a paginas 280, catequese que desde ha muito vimos adoptando.
Qualificados os factos no ambito de Direito Criminal, entremos, sem mais delongas, na recta final, concretizada no aspecto dosimetrico das penas a aplicar.
Sob este angulo, forçoso se torna, dado o mandamento do artigo 72 do Codigo Penal, tomar em consideração tais importantes vectores: a culpa do agente, a prevenção e todas as circunstancias que, não fazendo parte do tipo ou tipos do crime, deponham a favor do agente ou contra ele.
Os limites minimos e maximos das penas aplicaveis, em abstracto, situaram-se:
- quanto ao crime de falsificação: em 1 e 4 anos de prisão e multa de dez a noventa dias; e
- no que concerne ao crime de burla: em 30 dias e 3 anos de prisão.
O grau de ilicitude dos factos patenteia-se elevado e modestas foram as suas consequencias.
O dolo com que o arguido actuou (dolo directo) mostra-se intenso.
A atenuar a sua responsabilidade militam as seguintes circunstancias;-
- de ter confessado em termos relevantes para a descoberta da verdade; encontrando-se arrependido;
- de haver apresentado propositos de reinserção social;
- de, na conjuntura dos factos, atravessar uma fase de pertubação psicologica que era consequencia da sua dependencia do consumo de estupefacientes; e
- de, igualmente a sua actuação ser ordenada por uma situação de crise a nivel familiar com rupturas a nivel efectivo entre os diversos componentes da mesma familia.
E media a situação social e economica do arguido.
Ora, ponderando todos estes ingredientes de factos, somos de parecer de que as reações criminais que se ajustam a estigmatização das criminosas manifestações objectivas cometidas pelo arguido são as seguintes:-
- pelo crime de falsificação previsto e punivel pelas disposições conjuntas dos artigos 228 ns. 1 alinea a) e 2 e 229 do Codigo Penal: um ano de prisão e trinta dias de multa a taxa diaria de quinhentos escudos; e
- pelo crime de burla previsto e punivel pelo artigo
313 n. 1 do Codigo Penal: nove meses de prisão.
Operando o cumulo, nos termos do artigo 78 do Codigo Penal, fica o arguido condenado na pena unitaria de um ano e seis meses de prisão e em trinta dias de multa a taxa diaria de quinhentos escudos, multa esta na alternativa de vinte dias de prisão.
Fica, assim, alterado o acordão agravado.
Desta sorte e pelos expostos fundamentos, decidem os juizes deste Supremo Tribunal de Justiça conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministerio Publico e, consequentemente, alterar o acordão recorrido, nos termos sobreditos, confirmando-se na parte restante, designadamente na parte fiscal e na suspensão da execução da pena imposta, pelo periodo de dois anos.
Lisboa, 12-6-1991
Ferreira Dias,
Jose Saraiva,
Armando Bastos,
Fernando Sequeira.
Decisão impugnada:
Acordão do Circulo Judicial de Coimbra de 90-11-09.