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AMBITO DO RECURSO
CONCLUSÕES
DIREITO A REMUNERAÇÃO
ONUS DA PROVA
CONDIÇÃO SUSPENSIVA
FACTO EXTINTIVO
CONTRATO DE AGENCIA
COMISSÃO
FACTOS IMPEDITIVOS
Sumário
I - O ambito do recurso e objectivamente delimitado pelas conclusões das respectivas alegações. II - O direito do agente (comissionista) a retribuição (comissão) nasce logo que o negocio com o terceiro e concluido, não ficando aquele direito sujeito a condição suspensiva. A devolução da mercadoria pode, porem, em cada caso, funcionar como causa impeditiva (ou extintiva) desse direito. III - E, nesse caso, ao empresario (proponente principal) que cumpre provar a devolução da mercadoria.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
A intentou, no 3 Juizo Civel do Porto, acção de processo ordinario contra Vinent Carreras, Lda, com sede no Porto, pedindo que a re fosse condenada a pagar-lhe a soma de 501102 escudos e 10 centavos, acrescida dos juros legais, vencidos e vincendos, para tanto alegando, designadamente, que, no exercicio da sua actividade profissional de comissionista, prestou serviços a re, de 1 de Janeiro de 1979 a
12 de Novembro de 1981, por virtude dos quais, conforme acordado, tem direito a haver da re as quantias descriminadas nas alineas a) e b) do artigo 17 da petição inicial e que perfazem aquela referida soma.
Defendeu-se a re na forma da contestação de folhas
63 e seguintes, (em que, pelo seu lado, deduziu reconvenção contra o autor) e houve, ainda, replica, treplica e quadruplica.
Findos os articulados, foram, a folhas 94-98, proferido o saneador e elaborados a especificação e o questionario, os quais, apos multiplas vicissitudes processuais que neste momento não interessa relatar (cfr. acordãos de folhas 144, 179 e 193) e mediante o aditamento, a folhas 202, das alineas o) e p) da especificação, vieram a ficar definitivamente organizados em 15 de Novembro de 1985.
Seguindo o processo ate julgamento, e tendo o tribunal colectivo respondido aos quesitos por acordão de folhas 227, veio, finalmente, a ser proferida a sentença de folhas 229 e seguintes, a qual, julgando improcedente a reconvenção, absolveu o autor do pedido contra ele formulado pela re e, julgando a acção parcialmente provada e procedente, condenou a re a pagar ao autor a quantia de 320147 escudos e 70 centavos, com juros a taxa de 15% desde 28 de Abril de 1982 ate integral pagamento.
Dessa sentença apelou a re, dela interpondo tambem o autor, por sua vez, recurso subordinado.
Em seu douto acordão de folhas 273 e seguintes, a Relação do Porto, negando provimento ao recurso de apelação interposto pela re e concedendo parcial provimento ao recurso subordinado do autor, apenas alterou a sentença na parte da condenação em juros, quanto as respectivas taxas, que ficou em 23%, desde
19 de Maio de 1983 ate 29 de Abril de 1987, e em 15%, desde 28 de Abril de 1982 a 18 de Maio de 1983 e desde 30 de Abril de 1987 ate integral pagamento, no mais confirmando a mesma sentença.
Inconformada, a re recorreu, de revista, para este Supremo Tribunal, na sua alegação formulando as seguintes conclusões:
" 1- Conforme acordado expressamente entre Recorrente e Recorrido, este so tem direito a comissão quando não houver devolução de mercadorias pelos clientes;
" 2- Assim, os factos constitutivos dos direitos do Recorrido a remuneração estabelecida por força do contrato com o Recorrente eram: a realização de vendas e a não devolução das mercadorias vendidas, como resulta claramente da resposta dada ao quesito 12-A do douto questionario;
" 3- Portanto, a não devolução de mercadorias não e materia de excepção peremptoria, visto não se tratar de uma circunstancia modificativa de um direito pre-existente;
" 4- So com a alegação e prova da não devolução, quer se considere condição suspensiva do direito do recorrido, quer se tome por elemento constitutivo do seu direito, e que se consolida o direito a comissão, pois
" 5- Sem o cumprimento da obrigação que recai sobre o cliente, nunca o Recorrido auferiria qualquer comissão;
" 6- A contabilização do valor das comissões de vendas não determinava, so por si, o direito do Recorrido a recebe-la;
" 7- Nem, se o houvesse, a debitar da conta "Clientes" em contrapartida de creditar a conta "Mercadorias" significa a realização definitiva da venda, mas apenas uma operação contabilistica para justificar uma saida de mercadorias, quiça provisoria. Contudo,
" 8- Da materia de facto apurada apenas resulta que foram contabilizadas comissões de venda efectuadas pelo Recorrido;
" 9- Não foi alegado por este que as mercadorias vendidas, e sobre as quais recairam as comissões, não tenham sido devolvidas;
"10- Ou, pelo menos, que o terceiro/cliente tenha cumprido integralmente as suas obrigações, pois repete-se que no conjunto dos dois pontos referidos (9 e 10) reside a genese do direito a remuneração;
"11- Sendo certo que era ao Recorrido que competia esse onus, dado que era um facto constitutivo do seu direito, ou para quem o entender, condição suspensiva do seu exercicio - artigo 342, n. 1, e 343, n. 3, do Codigo Civil;
"12- Jamais uma circunstancia modificativa;
"13- Pelo que a acção devia ter sido julgada não provada e improcedente, na parte não confessada pelo Recorrente;
"14- O douto acordão recorrido violou, assim, entre outros o n. 1 do artigo 342 e o n. 1 do artigo 406 do Codigo Civil e o artigo 664 do Codigo de Processo Civil, pelo que deve ser revogado e condenada a Recorrente apenas em pagar ao Recorrido a quantia de 69516 escudos e 80 centavos."
Na sua contra-alegação, a Re, recorrida, rebateu os argumentos da Recorrente, sustentando os fundamentos do acordão impugnado, que quer ver mantido.
O Ministerio Publico teve vista no processo e nada requereu.
Colhidos nos autos os vistos da lei, cumpre decidir.
Porque o ambito do recurso e objectivamente limitado pelas conclusões da respectiva alegação (artigo 684, n. 3, do Codigo de Processo Civil, em correspondencia com o artigo 690, n. 1, do mesmo codigo) tem realmente de entender-se, conforme ja no acordão de folhas 179 se acentuou, que "e limitado pelas conclusões da Recorrente que o recurso deve ser apreciado e decidido".
Deste modo, a questão a resolver consiste apenas em saber se, no caso em apreço, para alem da "realização de vendas", "a não devolução das mercadorias vendidas" e elemento constitutivo do direito do autor, ou, pelo menos, funciona como condição suspensiva, ao proprio autor, portanto, em qualquer caso, cumprindo alegar e provar tal facto - a não devolução das mercadorias vendidas, por força do disposto no artigo 342, n. 1, ou no artigo 343, n. 3, do Codigo Civil.
Com efeito, segundo a recorrente, "não foi alegado pelo autor que as mercadorias vendidas, sobre as quais recairam as referidas comissões, não tenham sido devolvidas, ou, ao menos, que o terceiro cliente tenha cumprido integralmente as suas obrigações, pois, repete-se, no conjunto dos dois pontos referidos - realização de vendas e "não devolução das mercadorias vendidas" - reside a genese do direito a remuneração, sendo certo que era ao recorrido que competia esse onus, dado que era um facto constitutivo do seu direito, ou, para quem o entender, condição suspensiva do seu exercicio".
Antes, porem, de entrarmos na apreciação de tal questão, comecemos pela indicação da materia de facto que, a tal respeito, vem dada como provada pelas instancias, com base na qual se havera de decidir de direito, e que e a seguinte:
O autor exerceu por conta propria, ate fins de 1981, a actividade profissional de comissionista;
No exercicio dessa sua actividade, por contrato celebrado com a re, a que foi posto termo em 12 de Novembro de 1981, o autor prestou a re os seus serviços;
Conforme o acordado, a remuneração do autor era estabelecida em função dos movimentos das vendas gerais mensais da re e calculava-se pela aplicação das seguintes percentagens: 8% sobre o montante das vendas totais da re de adornos de noiva (flores, luvas, toucados); 5% sobre os montantes das vendas totais da re nas regiões autonomas dos Açores e da Madeira; 3% sobre os montantes das vendas totais da re no continente;
A re creditava mensalmente na conta do autor os quantitativos das comissões a que este tinha direito, enviando-lhe, para seu conhecimento e controlo, os respectivos avisos de lançamento;
Ate 30 de Junho de 1981, a re creditou e liquidou ao autor todos os quantitativos a que este tinha direito;
Nos meses de Julho, Agosto e Setembro de 1981, a re enviou ao autor os avisos de lançamento referentes as comissões daqueles meses, creditando na conta deste as quantias de 145403 escudos e 70 centavos, 37871 escudos e 77873 escudos, e creditou-lhe ainda a quantia de 111403 escudos e 20 centavos, correspondente ao aviso de lançamento n. 602, como resulta do documento de folhas 71;
Depois de 30 de Junho de 1981, a re debitou ao autor a quantia total de 370000 escudos, no mesmo documento;
A percentagem com que o autor era remunerado abrangia as vendas que ele proprio angariava junto dos clientes da re que visitava, rendas que conseguia atraves de notas de encomenda, e abrangia tambem as vendas que a re fazia directamente aos seus clientes, que, para o efeito, telefonavam ou contactavam os escritorios da re;
O autor estava obrigado a promover os lançamentos das colecções de Verão (em Novembro / Dezembro) e das colecções de Inverno (em Maio / Junho), bem como a visitar periodicamente os clientes da re;
Conforme o acordado, o autor promovia a venda de produtos confeccionados e comercializados pela re, em regime exclusivo, não podendo promover a venda de artigos semelhantes, designadamente, vestidos de noiva e comunhão;
O autor era o unico comissionista que prestava serviço a re, promovendo a venda dos seus produtos no Pais e nas Regiões Autonomas;
Posteriormente ao termo do contrato (em 12 de Novembro de 1981), foram contabilizadas vendas devidas aos serviços que o autor prestou a re ate esse momento;
As comissões das vendas relativas aos meses de Outubro e Novembro de 1981 e as provenientes das vendas contabilizadas depois de 12 de Novembro de 1981 mas devidas aos serviços que ate esse momento o autor prestou a re perfazem 179000 escudos;
Depois de 30 de Junho de 1981, a re liquidou ao autor 50000 escudos;
As comissões eram creditadas ao autor no ultimo dia de cada mes;
A liquidação das comissões ao autor so era feita no caso de não haver devolução de mercadorias por ele vendidas, facto que determinava o atraso no pagamento, recebendo o autor adiantadamente por conta de comissões que viessem a ser creditadas.
Assente que entre as partes vigorou, no periodo que decorreu de 1 de Janeiro de 1979 a 12 de Novembro de 1981, o contrato invocado pelo autor, esta tambem fora de discussão a sua qualificação como contrato da agencia ou representação comercial, o qual, sendo prescritamente regulado, como contrato tipico, pelo Decreto-Lei n. 178/86, de 3 de Julho, era, na data em que foi celebrado e enquanto vigorou entre as partes, um contrato atipico e inominado, caracterizado como oneroso e em que uma das partes (o agente, tambem designado por preposto, representante, comissionista), actuando por conta e em nome de outro empresario, proponente, principal) e em regime de colaboração estavel (não, necessariamente, exclusiva), exercia em determinada zona ou em determinado circulo de clientes, uma actividade de prospecção de mercado, conquista de clientela e promoção de produtos celebrando eventualmente negocios, quando para tanto estivesse munido de poderes especiais, mediante retribuição, que era geralmente tida como elemento do contrato (cfr., nomeadamente, Vaz Serra, na Rev. Leg. Jur., Anos 103, pagina 222, e 104, pagina 155,
Januario Gomes, "Da qualidade de comerciante do agente comercial", no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 313, pagina 17, e Acordão do Supremo Tribunal de Justiça de
7 de Março de 1969, no Boletim do Ministerio da Justiça n. 185, pagina 296. Veja-se, ainda, o preambulo do Decreto-Lei 178/86).
O citado Decreto-Lei n. 178/86, no seu artigo 1, define assim o contrato de agencia ou representação comercial:
"Agencia e o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover por conta da outra a celebração de contratos em certa zona ou determinado circulo de clientes, de modo autonomo e estavel e mediante retribuição."
O mesmo diploma legal admite tambem a figura do "agente com representação" (artigo 2) e impõe, como regra, o "direito de exclusivo", que as partes podem afastar por convenção escrita (artigo 4). Segundo o disposto nos seus artigos 12 e 13, o agente tem o direito de exigir da outra parte um comportamento segundo a boa fe, em ordem a realização plena do fim contratual, e, designadamente, tem direito a receber, periodicamente, uma relação dos contratos celebrados e das comissões devidas e ao pagamento da retribuição, nos termos acordados (alineas c) e e) do artigo 13).
No tocante ao direito do agente a comissão, reconheceu-lhe expressamente os arts 16 e 17 nos termos ai estabelecidos.
A recorrente não põe em causa o contrato, nem os seus termos, nem a sua qualificação, nem, mesmo, o direito do autor a retribuição convencionada, constituida por comissões sobre os movimentos das vendas gerais mensais da re, calculadas por aplicação das percentagens estipuladas sobre os montantes das vendas feitas pela re.
O que a recorrente discute e a parte da retribuição ainda devida ao autor, baseando-se, fundamentalmente, na resposta dada ao quesito 12-A, para sustentar que ao autor incumbia alegar e provar - o que ele não fez - que não houve devolução das mercadorias vendidas pela re, por isso que, na tese da recorrente, a não devolução das mercadorias vendidas e elemento constitutivo do direito do autor ou, pelo menos, funciona como condição suspensiva.
Esta tese da recorrente e, porem, manifestamente, inaceitavel.
Antes de mais, afigura-se-nos obvio que "a não devolução das mercadorias vendidas", por parte de terceiros, clientes da re, adquirentes dessas mercadorias, não e elemento constitutivo do direito do autor a retribuição dos serviços por ele prestados a re, na sua qualidade de agente (ou "comissionista"), nos termos do contrato, não e facto integrador do direito do autor as comissões convencionadas.
Entre as partes foi convencionada a remuneração do autor em função dos movimentos de vendas gerais mensais da re, segundo determinadas percentagens, e relativamente quer as vendas angariadas pelo autor junto de clientes da re, quer as vendas directamente feitas por este aos seus clientes, sendo o autor creditado mensalmente pela re, no ultimo dia de cada mes, pelas comissões a que tinha direito.
O direito do autor ficava, assim, desde logo, constituido.
Alias, o direito a remuneração adquire-o o agente quando cumpre as suas obrigações contratuais de prospecção de mercado, de conquista de clientela, de promoção dos produtos e das respectivas vendas.
A devolução de mercadorias vendidas, por parte de quem as comprou, e facto a que o agente e de todo estranho e que se processa no ambito das relações que se desenvolvem entre uma so das partes no contrato de agencia - o empresario - e terceiros, seus clientes, podendo a devolução ser motivada por diversas causas (v.g., devido a avaria, por defeito de fabrico ou falta de qualidade, por as mercadorias não corresponderem a amostra) imputaveis ao proprio empresario. Processa-se a margem da actividade do agente e ja depois de terminada a intervenção dele.
Por outro lado, nada no contrato foi estabelecido donde se possa inferir que a não devolução das mercadorias vendidas pela re e elemento constitutivo do direito do autor a retribuição dos seus serviços.
Se e certo que o contrato de agencia não funda uma relação de emprego (relação laboral), certo e tambem que ele funda uma relação de serviços.
Conforme ja antes da publicação do Decreto-Lei n. 178/86 geralmente se entendia na doutrina e na jurisprudencia,
"o agente tem direito a uma comissão, que pode ser uma percentagem do valor dos contratos que promover para o principal, mesmo, por vezes, dos que este concluir na zona respectiva sem intervenção do agente". (Rev.
Leg. Jur. Ano 103, pagina 229). Foi isto, precisamente, o que, no caso em apreço, as partes convencionaram, nos termos atras indicados, estabelecendo que a retribuição do autor consistiria nas ditas comissões sobre os movimentos das vendas gerais mensais da re, calculadas por aplicação das referidas percentagens sobre os montantes das vendas feitas pela Re, mesmo das vendas efectuadas directamente pela re sem a intervenção do autor.
Não se podera, pois, deixar de entender que, nos proprios termos do contrato, o direito do autor as comissões nasceu logo que pela re foram realizadas as vendas.
Por outro lado, tambem se não trata de um negocio sob condição suspensiva.
Na verdade, não se pode considerar condicional, mas contrato puro, o contrato de agencia que as partes celebraram, ao qual não apuseram nenhuma condição.
Manuel Andrade, ao dar a noção de condição como clausula acessoria tipica dos negocios juridicos, definiu-a como
"a clausula por virtude da qual a eficacia de um negocio (o conjunto dos efeitos que ele pretende desencadear) e posta na dependencia dum acontecimento futuro e incerto, por maneira que ou so verificado tal acontecimento e que o negocio produzira os seus efeitos.
(condição suspensiva), ou então so nessa eventualidade e que o negocio deixara de os produzir (condição resolutiva)", esclarecendo que tambem costuma designar-se por condição o proprio evento condicionante. (Teoria Geral da Rel. Jur., II, pagina 356 cfr. Castro Mendes
"Da Condição", estudo publicado no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 263, paginas 37 e seguintes, e Mota Pinto, "Teoria Geral do Direito Civil" - 1976, pagina
436 e seguintes. Veja-se o artigo 270 do Codigo Civil, que da a noção de condição).
Pela sua principal caracteristica, a condição liga a um acontecimento futuro um efeito juridico. O negocio sob condição suspensiva não produz efeitos desde a sua realização, mas so a partir da verificação da condição.
Na pendencia da condição, o credor condicional não tem ainda um direito exercitavel em relação ao devedor: a sua posição subjectiva consiste numa mera expectativa de aquisição eventual dum direito com a correspondente obrigação da outra parte. Os efeitos do negocio sob condição suspensiva estão em suspenso, não tendo ainda existencia actual.
E não e isto o que sucede no caso "sub-judice", como logo resulta evidente da materia de facto que as instancias julgaram provada.
Na sua ja referida anotação ao acordão de 7 de Março de 1969 deste Supremo Tribunal (Rev. Leg. Jur., Ano 103, paginas 216 e seguintes), Vaz Serra, na pagina 229, na nota (1), diz que, no direito alemão, o direito a "provisão" (retribuição tipica do agente, consistindo numa quota ou percentagem no valor do negocio) "nasce logo que o negocio com o terceiro e concluido, sob a condição suspensiva de este ser total ou parcialmente executado".
Entre nos, sendo geralmente tido como valido o principio de que o direito do agente a retribuição nasce logo que o negocio com o terceiro e concluido, a verdade e que não existia disposição legal donde resultasse a sujeição do direito a "comissão suspensiva" de o negocio com o terceiro ser total ou parcialmente executado.
No contrato de agencia, constituem obrigações fundamentais das partes a promoção negocial, do lado do agente, e o pagamento da retribuição, do lado do principal.
Trata-se, na verdade, dum contrato oneroso, do qual a retribuição e um elemento essencial, correspondendo a um direito fundamental do agente.
O Decreto-Lei n. 178/86, de 3 de Julho, no seu artigo
18, n. 1, expressamente consagrou o principio de que o agente adquire o direito a comissão logo que e celebrado o contrato; relativamente a exigibilidade da comissão, e que veio, de certo modo, torna-la dependente do cumprimento das obrigações do terceiro, dispondo que a comissão "so e exigivel na medida em que o terceiro cumpra as suas obrigações."
No direito alemão, acentua-se a importancia da execução do negocio pelo terceiro, não tendo lugar a "pretensão a provisão" se o terceiro não efectua a sua prestação.
(387, alinea 2, do Codigo Comercial Alemão. No direito italiano, cfr. artigos 1748 e 1749 do Codigo Civil, conforme Vaz Serra, Rev. Cit, paginas 229 e seguintes, nota (1)). Mas "a provisão e de pagar o mais tardar com a execução pelo terceiro".
No citado artigo 18 do Decreto-Lei n. 178/86, não se fala na execução do negocio pelo terceiro nem se diz que a retribuição do agente não tem lugar se o terceiro não efectua a prestação. E ai não se contempla a hipotese de eventual devolução de mercadorias vendidas.
Respeita esse preceito, tão so, ao momento da exigibilidade da comissão (ou a medida em que esta e exigivel), reportando-se ao cumprimento, por parte do terceiro, das suas obrigações.
Bem diferente e a situação de que tratam os presentes autos. Aqui não esta em causa a determinação do momento da exigibilidade das comissões a que o autor tem direito, nem, mesmo, se pos alguma vez a questão de saber se (e/ou em que medida) os terceiros (clientes da re, adquirentes das mercadorias por esta vendidas) cumpriram, ou não, as suas obrigações.
E, seguramente, a não devolução das mercadorias vendidas não foi tida pelas partes como "evento condicionante" não constituiu objecto de qualquer clausula do contrato e nem mesmo se provou que pelas partes tivesse sido considerada na celebração do mesmo contrato.
Os quantitativos das comissões a que o autor tinha direito, nos termos acordados, eram-lhe pela re creditados mensalmente, no ultimo dia de cada mes, enviando-lhe a re, para seu conhecimento e controlo, os respectivos avisos de lançamento. Ate ao fim de Junho de 1981, a re creditou e pagou ao autor, regularmente, todas as comissões a que ate então ele tinha direito. Depois disso, relativamente aos meses de Julho, Agosto, Setembro e, em parte, Outubro de 1981, a re continuou a lançar a credito do autor os quantitativos das respectivas comissões, tendo-lhe enviado, ainda, os avisos de lançamento referentes a Julho, Agosto e Setembro.
Posteriormente ao termo do contrato, ocorrido em 12 de Novembro de 1981, foram ainda pela re contabilizadas vendas devidas aos serviços que o autor prestou a re ate esse momento; e as comissões das vendas relativas a Outubro e Novembro e as respeitantes as vendas contabilizadas depois de 12 de Novembro de 1981 mas devidas aos serviços ate então prestados pelo autor, comissões essas que a re não chegou a creditar ao autor, perfazem 179000 escudos. A re, porem, depois de 30 de Junho de 1981, so pagou 50000 escudos ao autor.
E certo que se provou a materia constante do quesito 12-A, ou seja, que "a liquidação de comissões ao autor so era feita no caso de não haver devoluções de mercadoria por si vendida, facto que determinava o atraso no pagamento, recebendo o autor adiantadamente por conta das comissões que viessem a ser creditadas".
Tal quesito foi, por despacho de folhas 112-113, aditado ao questionario de folhas 97, mediante reclamação da re, ora recorrente, na qual esta, para ver aquela materia tambem quesitada, invocou o que alegara nos artigos
22 e 23 da contestação, dizendo tratar-se de factos controvertidos com interesse para a decisão da causa
(v. folhas 101).
Ora, o alegado pela re nos citados artigos 22 e 23 da contestação respeitava unicamente a impugnação da materia constante dos artigos 14 a 16 da petição inicial relativa ao direito invocado pelo autor a juros moratorios, e visava, tão so, demonstrar que não havia lugar ao pagamento de qualquer quantia a titulo de juros, conforme a re afirmara no artigo 21 da contestação.
O objectivo da re, ao alegar tais factos, era apenas o de mostrar que não devia juros moratorios, pela simples razão de que nunca esteve em mora. Assim e que, nos artigos 17 e 18 da treplica, a re voltou a afirmar:" A re nunca esteve em mora: efectuou todos os pagamentos a que o autor tinha direito, tempestivamente. A razão pela qual as comissões creditadas ao autor não eram imediatamente pagas, esta em conexão com a eventual hipotese da devolução da mercadoria, ja referida no artigo 56 da contestação."
Note-se que a propria re, nos seus articulados, fez referencia a eventual devolução de mercadoria como mera hipotese e com a unica finalidade de afastar a mora que o autor lhe imputava.
Deste modo, a re absteve-se, nos articulados, de invocar a inexecução, total ou parcial, dos negocios por parte dos terceiros a quem vendeu as mercadorias, como não fez qualquer referencia ao facto de os terceiros não terem cumprido as suas obrigações, designadamente, não terem efectuado as suas respectivas prestações. Somente aludiu a uma eventual hipotese de devolução de mercadoria, e com a referida finalidade.
As partes não subordinaram o direito do autor as comissões contratualmente fixadas a não devolução das mercadorias vendidas. Nem por alguma exigencia da lei a não devolução das mercadorias vendidas constitui requisito essencial para que o contrato de agencia celebrado pelas partes entre si produzisse, desde logo, como efectivamente produzem, os seus efeitos.
O que sucedia era que, no caso de haver devoluções de mercadoria, não tinha lugar a liquidação das correspondentes comissões. E isto e perfeitamente natural e compreensivel, pois que, sendo a mercadoria devolvida (por alguma justa causa e com o assentimento da re), a venda não chegou a concluir-se, ou ficou sem efeito.
Portanto, nos proprios termos do contrato, a não devolução de mercadoria não funcionava como condição suspensiva do exercicio do direito as comissões, nem, mesmo, como requisito da exigibilidade das mesmas comissões.
O direito a comissão não estava sujeito a condição suspensiva.
A devolução de mercadoria e que, em cada caso, funcionava como causa impeditiva (ou extintiva) desse direito.
Não era, pois, ao autor que cabia o onus de alegar e provar "a não devolução das mercadorias vendidas".
A re e que, por força das regras do onus da prova (artigo 342, n. 2, do Codigo Civil e artigos 487, n. 2, e 493, n. 3, do Codigo de Processo Civil),incumbia alegar e provar as devoluções de mercadorias que se tenham verificado, se e que alguma houve, e não o fez.
Não se comete, portanto, no acordão recorrido a acusada violação do disposto nos artigos 342, n. 1, 343, n. 3, e 406 do Codigo Civil, não se vendo como o mesmo aresto possa ter violado o preceito do artigo 664 do Codigo de Processo Civil.
Improcedem, assim, as conclusões da alegação da recorrente.
Por tudo o exposto, nega-se a revista, confirmando-se o acordão recorrido, com custas pela recorrente.
Lisboa, 26 de Junho de 1991.
Albuquerque de Sousa,
Castro Mendes,
Mario Noronha.