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DESPEJO
CADUCIDADE DA ACÇÃO
LEGITIMIDADE
ACÇÃO DE APRECIAÇÃO NEGATIVA
Sumário
Estando pendente uma acção de despejo contra os inquilinos, a sogra e mãe destes, que reside ha anos no predio objecto daquela acção, não tem legitimidade para propor acção declarativa de simples apreciação negativa com base na caducidade do direito de acção de despejo, não so porque o seu interesse e apenas mediato ou reflexo, mas tambem por ser contrario ao principio, estabelecido no artigo 489 do Codigo de Processo Civil, de que toda a defesa deve ser deduzida na contestação.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
Nesta acçao declarativa de simples apreciaçao negativa, com processo ordinario, que A propos contra
- B, viuva,
- C,
- D,
- E, todas solteiras,
- F e
- G, ambas casadas, pretende a Autora que, por nisso ter interesse, seja julgado como inexistente, por caducado, o direito de acção de despejo que as aqui Res estão a exercer atraves do processo n. 9578 da 1 secção do 5 Juizo
Civel da comarca do Porto, contra H e esposa I, actualmente emigrados na Republica do Zaire.
Em sintese alega a Autora que reside desde 1 de Maio de 1975 no predio objecto daquela acção e isso porque e sogra e mãe daqueles referidos inquilinos e que, tendo ja 80 anos de idade, o despejo iria causar-lhe gravissimos prejuizos, dado que nenhum dos seus filhos a pode acolher.
Porem o Meritissimo Juiz, considerando que so aos reus na acção de despejo cabe alegar a caducidade e que a Autora não tem interesse directo, julgou-a parte ilegitima, nos termos do artigo 26 do Codigo de
Processo Civil, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 474 , n. 1, alinea b) do mesmo diploma, indeferiu liminarmente a petição inicial.
Interpos a Autora recurso de agravo para a Relação do Porto mas esse Tribunal negou-lhe provimento, pelo que, ainda inconformada, vem agora a Autora recorrer para este Supremo Tribunal de Justiça. Tendo formulado na respectiva minuta as seguintes conclusões:
1 - Não e pressuposto, e muito menos, condição da acção de mera apreciação negativa, a utilidade da acção e o interesse em agir, conforme o Profesor Castro Mendes in "Direito Processual Civil", vol I, folhas 320, e o Acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Março de 1964, publicado no Boletim Ministerio Justiça n. 135, pagina 322.
2 - Ainda que assim não fosse, sempre a Autora seria parte legitima, dado o interesse e utilidade, para si, na definição da relação juridica em apreço nos autos, conforme alegou e ensina o professor Anselmo de Castro, in "Direito Processual Civil Declarativo" e e jurisprudencia dominante.
3 - Assim não entendendo violou o douto acordão recorrido o disposto no artigo 4 e 26 , do Codigo de Processo Civil.
Termos em que esse acordão deve ser revogado.
As recorridas contra-alegaram extensa e abalizadamente, não se poupando a citações de consagrados doutrinadores para defenderem a bondade da decisão recorrida.
E, mais do que isso, citam passagens dos proprios Professores Anselmo de Castro e Castro Mendes que apontam em sentido diferente daquele que a recorrente lhes atribui na sua alegação.
Assim, ao longo dessas alegações são referidas obras e locais que passaremos a enunciar:
- de Manuel de Andrade "As Noções Fundamentais do Processo Civil", paginas 79, 83, 87 e 382;
- de Miguel Teixeira de Sousa "A Legitimidade Singular em Processo Declaratorio", in Boletim do Ministerio da Justiça n. 292, pagina 78;
- de Carlos Lopes do Rego "A Legitimidade das Partes e Interesse em Intervir em Processo Civil", na Revista do Ministerio Publico, ano 11 , n. 41, paginas 43 e 55;
- de Alberto dos Reis o "Codigo de Processo Civil Anotado", vol I, paginas 77 e 83;
- de Antunes Varela o "Manual de Processo Civil", paginas 135, 158 e 179;
- de Mota Pinto a "Teoria Geral do Direito Civil", pagina 178;
- de Anibal de Castro a "Caducidade na Doutrina, na Lei e na Jurisprudencia", pagina 54.
E o que, na verdade, poderemos concluir das posições ai tomadas por cada autor sobre a problematica da legitimidade e que, no caso dos autos, de modo algum se justifica que a Recorrente possa demandar as Recorridas nos termos em que o fez.
Conforme os autos mostram, sendo a filha e o genro da Recorrente (e não esta) inquilinos das Recorridas, não invocaram na contestação da acção de despejo que por elas lhes foi instaurada, a excepção da caducidade do direito do pedido formulado nessa acção pelas ora Recorridas.
Sendo assim, a presente acção constitui uma forma de remediar a falta de alegação dessa excepção.
Sem duvida que, residindo a Recorrente no predio locado, e ela afectada pela procedencia da acção de despejo instaurada contra a filha e o genro. So que os inconvenientes ou males que dai lhe adveem não lhe conferem aquele interesse que a lei exige para que alguem possa recorrer aos Tribunais em seu proprio nome e em defesa dos seus direitos.
Ao começar a definir no artigo 5 do Codigo de Processo Civil quem são as partes no processo, vem o legislador a precisar no artigo 26 desse diploma que:
"1. O autor e parte legitima quando tem interesse directo em demandar; o reu e parte legitima quando tem interesse directo em contradizer.
2. O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedencia da acção; o interesse em contradizer, pelo prejuizo que dessa procedencia advenha.
3. Na falta de indicação da lei em contrario, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação material controvertida".
Ora, atenta a doutrina construida em redor desse preceito - e de que os autores citados são notaveis obreiros - logo se verifica que a Recorrente não tem legitimidade para propor a presente acção. E isso porque o seu interesse na vigencia do contrato de arrendamento e apenas mediato ou reflexo e porque não e sujeito da relação material controvertida. Sujeitos dessa relação juridica são unicamente, de um lado, a filha e o genro da Recorrente e, do outro, as Recorridas. Logo, so aqueles e que tem interesse directo em pugnar pela manutenção do arrendamento.
Nao se ignora que, conforme diz o Professor Anselmo de Castro, a lei não poderia abstrair das muitas situações em que terceiros são profundamente interessados na definição da relação juridica de outrem. E, assim, venha a conferir o direito de acção não apenas aos sujeitos da relação material, mas ainda a outros que o não são. Este fenomeno da ampliação do direito de acção verifica-se sempre que o objecto da acção se apresente como algo de prejudicial em relação as pretensões de outros sujeitos (relações conexas) ou afecte interesses publicos - ver obra citada pela Recorrente, vol II, pagina 169).
Todavia, passando aquele Professor a referir os casos a que se aplica essa previsão da lei, não encontramos nenhum que se assemelhe ao caso dos autos, o que nos leva a concluir que ai se não pretende desdizer tudo o que por ele foi escrito nas diversas passagens daquela obra citada, desta vez, pelas Recorridas: pagina 121 do vol I e paginas 117, 173, 174, 168, 169, 181, 183, 251, 253 e 255, do vol II.
Como advertem as Recorridas, so a titulo excepcional e que a lei admite que em lugar do proprio titular do direito ou da obrigação, outrem intervenha na causa; e que, no caso sub judice, não e a posição da A. subsumivel a este conceito de legitimidade indirecta, que visa abranger precisamente aquelas situações em que a alguem e facultado agir em juizo em nome proprio num processo que versa sobre relação juridica total ou parcialmente alheia.
Tambem nos cremos que no caso dos autos não goza a Recorrente de estatuto que lhe permita vir a Tribunal, tanto mais que, ao faze-lo, esta a tentar infringir regras processuais que não podem deixar de ser observadas, sob pena de grave subversão da ordem juridica.
Com efeito, impõe o artigo 489, do Codigo de Processo Civil, que toda a defesa deve ser deduzida na contestação e que, depois dela, so podem ser deduzidas as excepções que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente.
Ora, não se verificando aquelas duas primeiras situações, sucede que a caducidade e uma excepção que não pode ser aqui conhecida oficiosamente, uma vez que estamos perante materia não excluida da disponibilidade das partes (v. artigo 333, n. 2, do Codigo Civil)
Deste modo, não so por via indirecta mas, tambem, atraves de terceira pessoa, conseguiriam os Reus demandados na acção de despejo ladear a proibição do citado artigo 489, do Codigo de Processo Civil, o que aos olhos das ali Autoras e dos Juizes não pode deixar de ser considerada uma inadmissivel habilidade.
E esta e mais uma razão para se negar provimento ao agravo, como decidimos negar.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 2 de Julho de 1991.
Marques Cordeiro,
Leite Marreiros,
Beça Pereira.
Decisões impugnadas:
I - Sentença do 9 Juizo Civel da Comarca do Porto de 90/06/05.
II - Acordão do Tribunal da Relação do Porto de 90/12/19.