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RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTE DE VIAÇÃO
CONCORRENCIA DE CULPAS
COLISÃO DE VEICULOS
ULTRAPASSAGEM
Sumário
E imputavel a ambos os condutores, em partes iguais, a culpa pela colisão verificada entre um veiculo que acabara de fazer uma ultrapassagem em cruzamento de visibilidade reduzida, e um outro que, vindo de estrada confluente, avançou sem prestar atenção ao transito e sem parar perante o sinal stop.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I - A e mulher, B, moveram a presente acção com processo sumario contra C e Metropole Seguros, Companhia de Seguros, requerendo a condenação solidaria dos reus a pagarem-lhes a indemnização de 1015118 escudos, com juros de mora a taxa legal desde a citação, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos e decorrentes do acidente de viação de que foram intervenientes.
Alegam que, seguindo no seu auto ligeiro de mercadorias (furgão), pela estrada nacional 335, no sentido Cantanhede-Aveiro, foram embatidos pelo auto ligeiro de passageiros PS, que, sem respeitar o sinal "stop", saiu duma rua a sua esquerda e entrou na dita estrada nacional, virando para Cantanhede; que toda a culpa do acidente se deveu ao condutor e dono do carro PS - o reu C -; e que dum tal embate resultaram para eles varios danos cujo valor computorizam.
Os reus contestaram, atribuindo toda a culpa do acidente ao autor A, por proceder a uma ultrapassagem num entroncamento, e reconvieram. A Companhia de Seguros pediu a condenação do autor e da interveniente Legal & General Assurance Society, Limitada, a pagarem-lhe a quantia de 43295 escudos, com juros legais desde a data da notificação ao autor do pedido reconvencional, importancia essa resultante do pagamento da assistencia medica prestada aos autores merce do acidente.
E o reu C pediu a condenação dos autores e da Companhia de Seguros Legal & General Assurance, (esta ate ao limite do seguro) a pagarem-lhe 1500000 escudos pelos danos sofridos no acidente.
Os autores contestaram os pedidos reconvencionais, o mesmo fazendo a companhia Legal & General Assurance.
Apos o despacho saneador, a especificação e o questionario, foi proferida a sentença, a qual condenou:
1- o reu C e a seguradora Metropole Seguros a pagarem aos autores a quantia de 382559 escudos, com juros de mora a taxa legal vigente em cada momento, a partir da citação, sobre 257759 escudos e sobre o total a contar de 13 de Outubro de 1989;
2- e condenou o autor A e a Seguradora Legal & General Assurance, (esta ate ao limite do seguro), a pagarem ao reu C a quantia de 408713 escudos e 50 centavos e metade dos lucros cessantes,
(a liquidar em execução de sentença), derivados da (sua) incapacidade parcial, permanente para o trabalho de que o mesmo reu ficou afectado.
Por outro lado absolveu o autor e a seguradora Legal & General Assurance do pedido contra eles formulado pela Companhia de Seguros Metropole.
Dessa decisão recorreram os autores e a Companhia de Seguros Metropole. O reu C recorreu subordinadamente.
A Relação negou provimento a qualquer dos recursos, confirmando a sentença.
Os autores recorrem desse acordão e a Companhia de Seguros Metropole tambem recorre, mas subordinadamente.
Nas suas alegações os autores defendem que o acidente se deveu a culpa exclusiva da reu C ou, quando assim não se entenda, deve declarar-se que esse reu teve uma culpa superior a 50%.
Formulam as seguintes conclusões: a) O reu C entrou no entroncamento sem parar e tomar qualquer atenção ao transito da respectiva direita, "com prioridade absoluta sobre ele", tendo violado, assim, a regra da prescrição absoluta 25 da alinea a) do n. 2 do artigo 4 do Regulamento do Codigo da Estrada. b) O entroncamento onde se deu o acidente não e de visibilidade reduzida, pois permite a visão de toda a largura da via em mais de 300 metros; c) a função do sinal "stop" e conceder prioridade a todos os condutores que circulem na via beneficiada; d) a ultrapassagem efectuada pelo autor não constitui causalidade adequada para a produção do acidente, tendo o mesmo ocorrido devido ao facto do reu C ter entrado na estrada nacional 335 sem imobilizar o seu veiculo ante o sinal "stop" ai existente; e) de qualquer forma a conduta contravencional do reu C foi sempre mais grave do que a dele, recorrente; f) foram violados os artigos 10 n. 5 e 6 n. 7 do Codigo da Estrada.
A Companhia de Seguros Metropole contra-alegou, defendendo que deve ser negado provimento ao recurso interposto pelos autores e deve ser dado provimento ao recurso por ela interposto, revogando-se o acordão recorrido e absolvendo-o do pedido.
Formula as seguintes conclusões: a) o sinal "stop" não era oponivel ao segurado dela, recorrente, porquanto estava localizado na placa central da via e, portanto, do lado esquerdo em relação ao sentido de marcha do mesmo. b) a entender-se o contrario, o autor não provou que o segurado dela, recorrente, podia ver o dito sinal antes de entrar no cruzamento - facto que nem sequer alegou - e dai que tal materia não podia ser tomada em consideração pelo acordão recorrido. c) não era exigivel ao reu C prestar atenção (ao transito) ao transito que se processasse na estrada
335 no sentido sul-norte, (Cantanhede-Aveiro), porquanto não lhe era exigivel prever, ou contar, que o autor procedesse a uma ultrapassagem sobre um entroncamento de visibilidade reduzida; d) foram violados os artigos 1 n. 1, 3 n. 1, 10 n. 5 do Codigo da Estrada, 7 n. 2 do Regulamento do dito codigo, 664 do C.P.C. e 342 e 487 n. 2 doC. Civil.
A seguradora Legal and General Assurance Society, Limitada, tambem alegou e, apesar de não ter recorrido nem aderido ao recurso dos autores, pede a revogação do acordão recorrido e a sua absolvição, pois considera que toda a culpa do acidente cabe ao reu C por não ter respeitado o sinal "stop".
II - Com interesse para a decisão que nos e pedida estão provados os seguintes factos:
Na estrada nacional n. 335, lugar de Campanas, cerca de 10 metros para sul do entroncamento formado para essa estrada e a estrada que liga Covões a Quinta do Cedro, ocorreu uma colisão entre o auto-ligeiro de mercadorias DM, propriedade dos autores e conduzido pelo autor A, que seguia no sentido Cantanhede- -Aveiro, (sul-norte), e o auto ligeiro de passageiros PS, propriedade do reu C e por ele conduzido.
Este reu vinha da estrada dos covões, que fica a esquerda da estrada nacional 335, (considerando o sentido de marcha do autor), pretendendo "aceder" a estrada nacional 335, - o que fez, pela metade a sua direita, rumo a Cantanhede.
Na referida estrada dos covões existia, alguns metros antes do entroncamento, uma placa oblonga sobre o eixo da via onde estava implantado um sinal grafico vertical de sentido obrigatorio pela metade direita da faixa de rodagem, (sinal n. 69 do quadro I, anexo ao Regulamento do Codigo da Estrada), e ja no entroncamento, (mas ainda sobre o piso da estrada dos covões) existiam duas placas triangulares, - uma ao centro da meia-faixa do lado direito, (considerando o sentido de marcha do carro PS), e a outra ao centro da meia-faixa do lado esquerdo, havendo sobre a primeira destas um sinal vertical de "stop", (igual ao do n. 53 do quadro anexo ao Regulamento), destinado ao transito de sentido igual ao do carro PS, e outro de sentido proibido, (igual ao do n. 30 do mesmo quadro anexo), para o transito que provem de Cantanhede.
No acesso a estrada nacional n. 335, e a direita do reu C, existiam grandes sebes e arbustos. Este reu não parou ao sinal "stop" nem prestou qualquer atenção ao transito que pela estrada 335 circulava no sentido sul-norte.
Quando a colisão ocorreu o autor tinha acabado de ultrapassar um auto-ligeiro que circulava no mesmo sentido, encontrando-se o DM sobre a meia faixa do lado esquerdo, considerando o seu sentido de marcha.
Ao ver o veiculo PS entrar na estrada 335, rumo a Cantanhede, o autor tentou, repentinamente, atingir a meia faixa de rodagem do seu lado direito, mas a colisão deu-se quando o DM ainda não tinha recuperado aquela meia faixa de rodagem - deu-se a cerca de 1,5 metros da berma do seu lado esquerdo, (considerando o seu sentido de marcha).
O local da colisão e uma recta e tem visibilidade para norte e para sul a mais de 300 metros de distancia.
A cerca de 100 metros para sul do entroncamento existe, na estrada 335 e destinado ao transito sul-norte, um sinal de aproximação de "cruzamento com estrada sem prioridade", (igual ao do n. 20 do quadro anexo ao Regulamento do Codigo da Estrada) a estrada nacional 335 tem, no local do acidente, a largura de faixa de rodagem de 6,70 metros.
III - Para alem destes factos, tanto a sentença da primeira instancia como o acordão recorrido consideraram provado que o entroncamento formado pela estrada dos covões com a estrada nacional 335 era de visibilidade reduzida, quer para quem, vindo da estrada dos covões, entrasse na estrada nacional n. 335, quer para quem circulasse por esta ultima estrada no sentido sul-norte, devido a existencia de grandes sebes e arbustos situados a direita de quem, vindo dos covões, entrava na estrada nacional n. 335, em direcção a Cantanhede.
IV - Colhidos os vistos legais cumpre decidir:
Toda a questão posta pelos recorrentes se situa no plano da culpa, embora os autores afirmem que a sua conduta "não constitui causalidade adequada para a produção do acidente".
Na primeira instancia considera-se que o reu C e o autor A concorreram com culpas iguais para a produção do acidente:- o primeiro porque não respeitou um sinal "stop" e o segundo porque fez uma ultrapassagem num entroncamento de visibilidade reduzida, - tendo ambas as infracções sido causais do acidente.
Com um tal entendimento concordou o acordão recorrido, que confirmou a sentença.
Os autores, todavia, não concordam.
Dizem que a ultrapassagem por eles efectuada não foi causal do acidente, porquanto o local da colisão e uma recta com uma visibilidade, para eles, tanto para norte como para sul, de mais de 300 metros.
Ao falarem deste modo, desde logo ignoram a existencia do cruzamento, (pois dum cruzamento parece tratar-se, e não dum entroncamento, como se deduz do croqui de folhas 270). Quer o cruzamento, quer o entroncamento são formados por duas vias. Se elas se cruzam, o cruzamento e definido pelo espaço em que as duas faixas de rodagem se sobrepõem. E, se uma delas apenas entronca na outra, o entroncamento e delimitado pelo espaço desta ultima compreendido no prolongamento da faixa de rodagem da primeira.
Ora, quando se diz que um cruzamento ou entroncamento e de visibilidade reduzida, não se esta a por a questão relativamente a estrada por onde se circula, mas sim em relação a via que com ela cruza ou entronca.
Por isso não interessa a visibilidade que o autor A podia ter da estrada nacional 335. Interessava, sim, a visibilidade que ele poderia ter da estrada dos covões (uma vez que ia atravessar o cruzamento). E, relativamente a essa, as instancias a consideraram reduzida.
Sendo assim, a ultrapassagem por ele feita em tal cruzamento foi indevida ou contravencional, e, por conseguinte, causal do acidente. Com efeito e proibida a ultrapassagem nos cruzamentos ou entroncamentos de visibilidade reduzida, (artigo 10 n. 5 do Codigo da Estrada). Se ele não tem feito essa ultrapassagem nunca o acidente se teria dado.
Para mais estava avisado, atraves do respectivo sinal, colocado cerca de 100 metros antes do cruzamento, da existencia deste.
O facto de tal sinal indicar que se tratava dum "cruzamento com estrada sem prioridade" não significava que ele pudesse fazer a ultrapassagem. Significava apenas que a estrada por onde circulava tinha prioridade em relação a outra.
Quanto a possibilidade da ultrapassagem, ficava ela dependente de a circunstancia do cruzamento ser, ou não, de visibilidade reduzida.
Mas, quanto a isso, nada dizia o sinal.
Apenas alertava os condutores para a existencia do cruzamento, indicando ate o lado donde se apresentava: lado esquerdo.
Dai que o autor não podia efectuar a ultrapassagem, nem inicia-la sequer, antes de tomar conhecimento da natureza do cruzamento.
Como assim não procedeu, e o dito cruzamento era de visibilidade reduzida, violou o indicado preceito e contribuiu culposamente para a produção do acidente.
Por sua vez o reu C tambem contribuiu para esse acidente, pois violou a obrigação que lhe era imposta pelo sinal "stop" existente na estrada dos covões, por onde ele seguia.
Diz ele que tal sinal não lhe era oponivel porquanto estava localizado na placa central da via e, portanto, do lado esquerdo em relação ao seu sentido de marcha.
Com o devido respeito, o indicado sinal estava colocado ao "centro da meia faixa do lado direito", considerando o sentido de marcha do dito reu, por cima de uma placa triangular. E, se tal sucedia, so aos condutores que circulassem por essa meia faixa era aplicavel, quer se apresentasse a direita, quer se apresentasse a esquerda de qualquer deles. A sua posição deixava claro que se destinava a regular o transito que se processasse por essa meia faixa.
Dai que o dito reu era obrigado a parar a entrada do cruzamento, (ou entroncamento como se chama no processo), antes de virar a direita, como virou. O indicado sinal lhe impunha uma tal obrigação, (artigo 4 n. 2, alinea a), 25 do Regulamento do Codigo da Estrada). Mas, para alem disso, tratava-se de uma manobra de mudança de direcção, e a lei estabelece, (artigo 11 do Codigo da Estrada), que, em caso algum, os condutores deverão inicia-la sem previamente se assegurarem de que da sua realização não resulta perigo ou embaraço para o restante trafego.
Todavia, em vez de ter esse cuidado, o reu não so não parou ao sinal "stop", como não prestou qualquer atenção ao transito que circulava, no sentido sul-norte, pela estrada 335. Se o tivesse feito o acidente não se teria dado.
Diz agora a seguradora Metropole, (pois não o fez nas instancias), que o autor não provou que o reu podia ver o sinal "stop" antes de entrar no cruzamento - e faz recair sobre um mesmo autor um tal onus.
Deve dizer-se que sobre o autor apenas recaia a prova da existencia do sinal, (e ele fe-la).
Feita essa prova, nos termos em que foi feita, desde logo resultava a possibilidade do mesmo ser visto pelo reu C. Se ele não o viu, "sibi imputat".
Todo o condutor e obrigado a respeitar os sinais de transito existentes na via.
Mas a dita seguradora vai mais longe e diz que não era exigivel ao reu C prestar atenção ao transito que se processasse na estrada 335 no sentido norte- -sul, porquanto não lhe era exigivel prever, ou contar, que o autor procedesse a uma ultrapassagem sobre um entroncamento de visibilidade reduzida.
Todavia não tem razão. Como dispõe o n. 5 do artigo 5 do Codigo da Estrada, "os condutores, ao iniciarem qualquer manobra, devem previamente certificar-se de que a mesma não compromete a segurança do transito".
Deste modo o reu C devia certificar-se, antes de entrar na estrada nacional 335, não so que não havia transito no sentido norte-sul, mas tambem que não havia transito no sentido sul-norte pela metade esquerda da faixa de rodagem, onde ia entrar.
Pode dizer-se que não era exigivel ao dito reu que preve-se a ultrapassagem feita naquele entroncamento ou cruzamento, uma vez que ele era de visibilidade reduzida.
Mas um tal argumento não colhe, porquanto se podia dizer tambem não ser exigivel ao autor prever que duma estrada sem prioridade saisse um veiculo sem prestar atenção ao transito e sem parar ao chegar ao cruzamento.
O problema não se põe, (não se pode por), em sede de inexigibilidade, porquanto ha sinais e regras de transito que foram desrespeitados por ambos os condutores.
Ambos pois, contribuiram culposamente para o acidente.
Entendem que os autores que a conduta contravencional do reu C foi mais grave do que a do autor marido, e, nessa medida, a sua culpa deve ser graduada em percentagem superior a 50%. Alegam que a via por onde circulavam tinha "prioridade absoluta" sobre a estrada dos Covões, donde vinha o reu.
Todavia não tem razão.
A prioridade que possa existir para qualquer condutor nunca e absoluta. Como dispõe o n. 1 do artigo 8 do Codigo da Estrada, os condutores que dela gozem so a poderão utilizar depois de "tomadas as indispensaveis precauções".
Mas tal preceito pressupõe o transito de veiculos em sentidos convergentes, com intercepção de faixas de rodagem. Quando os veiculos circulem em sentidos de marcha que não os obriguem a ocupar a mesma faixa de rodagem, isto e, quando a circulação seja possivel continuando cada veiculo a ocupar a faixa de rodagem destinada ao sentido em que transita, sem risco de embate, não tem aplicação uma tal regra, (Acordão da Relação de Evora, de 20 de Abril de 1978 no Boletim do Ministerio da Justiça 280-407).
No caso presente o acidente nunca se teria dado se o autor A transitasse pela meia faixa de rodagem que lhe era destinada: a meia faixa do lado direito, atento o seu sentido de marcha. O embate so foi possivel porque ele ocupava a meia faixa do lado esquerdo, não obstante ja ter "acabado de ultrapassar (o) auto-ligeiro que circulava no mesmo sentido".
Deste modo foi grave a sua culpa. Alias a infracção por ele cometida, (artigo 10 n. 5 do Codigo da Estrada), constitui uma manobra perigosa, ou, como tal, e prevista no n. 1 do artigo 61 do dito codigo.
Dai que não ha qualquer fundamento para considerar que a sua culpa tivesse sido inferior a do reu C.
Foi indispensavel a actuação ilicita de ambos para que a colisão se verificasse, e essa ilicitude e igualmente grave para cada um. E, sendo assim, bem andaram as instancias em considerar igual a culpa de cada um dos condutores.
Nos termos expostos se acorda em negar revista a ambos os recursos, com custas a cargo dos respectivos recorrentes.
Lisboa, 4 de Julho de 1991.
Pereira da Silva,
Maximo Guimarães,
Tato Marinho.