BANCÁRIO RETORNADO
CATEGORIA PROFISSIONAL
RETRIBUIÇÃO
JUROS DE MORA
RECLASSIFICAÇÃO
Sumário

I - Para a reclassificação correcta de um trabalhador não
é necessário que a categoria profissional já se encontre institucionalizada durante o exercicio das funções que antecedeu a reclassificação, bastando que essas funções integrem a categoria que veio a ser institucionalizada.
II - Sobre as diferenças salariais devidas em consequência do reconhecimento em juizo de categoria mais elevada ao trabalhador (reclassificação), incidem juros de mora a partir da citação, nos termos dos artigos 805, n. 1, do Código Civil e 662, n. 2, alinea b), do Código de Processo Civil.

Texto Integral

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de
Justiça:
A, identificado nos autos, intentou no Tribunal de Trabalho de Lisboa acção com processo ordinário emergente de contrato individual de trabalho contra o Banco Pinto & Sotto Mayor, E.P., com sede nesta cidade, pedindo que o réu seja condenado a reconhecer-lhe a categoria profissional de gerente, reclassificando-o no nivel 11 desde 15 de Julho de 1982 e a pagar-lhe as diferenças salariais vencidas no montante de 585425 escudos e as vincendas e 150000 escudos respeitante à remuneração especial por gestão dos anos de 1974 a 1978, tudo acrescido dos juros de mora legais.
A fundamentar o seu pedido, alegou em sintese que foi admitido ao serviço do réu em 15 de Abril de 1970 e que em 1 de Janeiro de 1979, devido ao encerramento da filial do Banco em Moçambique, foi transferido para a sua sede em Lisboa mas sem classificação de funções, não obstante haver desempenhado naquela ex-colónia funções de gerente em várias agências do réu, tendo-lhe sido atribuido o nivel de retribuição 7, quando lhe competia a categoria de gerente e os niveis 9 desde 1 de janeiro de 1979, 10 desde 15 de Julho de 1980 e 11 desde 15 de Julho de 1982. Esclareceu ainda que a remuneração especial por gerência que pede nunca poderia ser inferior a 30000 escudos por ano, tendo em conta o montante das remunerações auferidas e as funções desempenhadas nos anos em causa.
A ré contestou negando a obrigação de pagar o pedido por entender que o exercicio de funções de gerente pelo autor não implicava o reconhecimento da categoria profissional de gerente, que não estava institucionalizada, sendo ele apenas um empregado bancário da classe "C", categoria que lhe foi mantida quando regressou a Portugal e a que corresponde o nivel
7 da retribuição. Conclui, por isso, que o autor foi correctamente classificado, reclamando injustamente a categoria de gerente e as diferenças salariais.
Realizado o julgamento, foi proferida a sentença de folhas 187 e seguintes, com o esclarecimento de folhas
202, que julgou a acção provada e procedente, excepto quanto à remuneração especial por gerência, que reduziu para 20000 escudos e quanto às diferenças salariais vencidas após a data da decisão, que omitiu, assim como em relação aos juros de mora sobre as diferenças salariais, que entendeu não serem devidas.
Inconformados com esta decisão, dela apelaram ambas as partes, vindo a ser proferido o douto acórdão da
Relação de Lisboa de folhas 235 e seguintes, que negou provimento ao recurso do réu e concedeu provimento ao recurso do autor, condenando o Banco a pagar ainda
àquele as diferenças salariais vencidas após a data da sentença - 3 de Março de 1988 - e juros de mora legais sobre todas as diferenças de remunerações devidas, a contar do vencimento de cada uma delas, confirmando quanto ao mais a sentença apelada.
Do referido acórdão pede agora revista o Banco réu, concluindo, em sintese, nas suas alegações:
1 - Não existia em Moçambique a categoria profissional de gerente, pois não se encontrava institucionalizada ou normalizada.
2 - O recorrido tinha, em Moçambique, à data em que regressou a Portugal, a categoria profissional de empregado bancário da classe "C", única que lhe foi reconhecida.
3 - Ainda que o recorrido tenha exercido em Moçambique funções de gerente, tal facto não lhe dá o direito a essa categoria em Portugal, pois qualquer categoria só
é vinculativa quando institucionalizada.
4 - O recorrente, ao integrar o recorrido nos seus quadros, classificou-o correctamente à luz do ACTV vigente em Portugal, a partir da categoria de empregado bancário da classe "C", única que havia reconhecido em Moçambique e a que estava vinculado.
5 - Não houve, assim, baixa de categoria.
6 - O recorrido não tem direito à categoria que reclama nem às diferenças salariais dela resultantes e, muito menos, aos juros peticionados.
7 - Para o caso de se vir a entender de modo diverso, então, contrariamente ao decidido, quaisquer juros que eventualmente venham a ser devidos só o poderão ser a partir do trânsito em julgado da decisão que torne certa a divida.
8 - Decidindo, como decidiu, o douto acórdão recorrido violou, entre outros, o diploma n. 1592, de 28 de Abril de 1956, as clausulas 5 e 15 do A.C.T. para o sector
Bancário de Moçambique e o n. 3 do artigo 805 do Código
Civil, pelo que deve ser revogado.
O recorrido contra-alegou defendendo o julgado, acrescentando, à cautela, no tocante aos juros de mora, que sempre haveria que condenar nestes, o recorrente a partir da citação.
O Excelentissimo Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer de folhas 283 e 284, no sentido de ser negada a revista.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
São duas as questões que vem submetidas à apreciação deste Supremo Tribunal: em primeiro lugar saber se o autor tem direito á categoria profissional de gerente e
às respectivas diferenças salariais; depois e para o caso de proceder esse pedido, saber se os juros de mora
à taxa legal que incidem sobre as diferenças de retribuições se devem contar a partir do vencimento de cada uma das prestações devidas, como se decidiu no acórdão recorrido ou somente a partir do trânsito em julgado da decisão que torne certa a divida, como pretende o recorrente.
No que respeita ao problema da reclassificação profissional, deram as instâncias como assente a seguinte matéria de facto, que nos cumpre acatar:
- O autor foi admitido ao serviço do réu em 15 de Abril de 1970 e, em 1 de Janeiro de 1979, em razão do encerramento da filial de Moçambique, foi transferido para a sede do réu em Lisboa, onde foi colocado sem classificação de funções.
- Em 29 de Junho de 1970, o autor assumiu as funções de gerente da agência do Banco réu em Mocimboa da Praia e, tendo sido promovido a classe "C" em 1 de Janeiro de
1971, manteve-se no exercicio daquelas funções até 5 de
Dezembro de 1974.
- De 13 de Janeiro a 8 de Fevereiro de 1975, o autor exerceu as funções de gerente da agência de Pemba, tendo assumido em 12 de Fevereiro de 1975 as funções de gerente da agência de Montefuez, que exerceu até 22 de
Abril seguinte.
- De 22 de Abril a 5 de Junho de 1975, o autor exerceu funções de chefia na agência de Quelimane, de que foi gerente de 10 de Setembro a 7 de Novembro de 1975, após o que passou a exercer funções de chefia (contencioso) em Maputo, que se prolongaram durante o ano de 1976, ocupando sucessivamente a chefia do contencioso, da gerência e dependência da Avenida de Angola, da chefia da Secção de Posições e Controlo e da gerência da Dependência em Polana, desde 1 de Janeiro a 16 de Fevereiro de 1977, passando a gerente da agência de
Maxixe desde 16 de Fevereiro a 30 de abril do mesmo ano.
- De 1 de Maio a 31 de Dezembro de 1977, o autor voltou a chefiar o contencioso da sede da filial em Maputo, acumulando essas funções, de 1 de Janeiro de 1978 a 30 de Setembro do mesmo ano, com as de chefia de serviços de crédito.
- Enquanto gerente das agências referidas, o autor exercia a competência hierárquica e funcional nele delegada, através da Direcção da Filial de Moçambique, pelos orgãos superiores de gestão do réu e, exercendo-a em plenitude, ocupava-se, nos periodos de tempo indicados, de tudo quanto dizia respeito à gestão comercial e administrativa do estabelcimento, respondendo inteiramente por esta e dirigindo diaria e directamente os seus trabalhadores e a marcha das operações que se desenvolviam nas aludidas agências, com perfeita autonomia.
- Como chefe dos serviços mencionados era o autor quem respondia directamente por eles, programava, organizava e ordenava as suas actividades e dirigia os respectivos trabalhadores.
- Por deliberaçâo do Conselho de Gestão do réu a que se refere a comunicaçao CRA n. 5696, de Maio de 1978, o mesmo réu resolveu atribuir aos gerentes pertencentes a antiga classe "C" o nivel 9 (19500 escudos).
- Aquando da transferência do autor para Portugal, o réu atribuiu-lhe o nivel 7 de retribuição, a que correspondia apenas 16000 escudos.
- A remuneração especial por gestão nunca poderia ter sido inferior a 10000 escudos anuais, tendo os pagamentos referentes aos anos de 1974, 1975 e 1976 sido feitos na pendencia da causa.
- O autor foi contratado em 16 de Abril de 1970 para o quadro do Banco réu em Moçambique, sendo a situação dos quadros de pessoal do banco réu a que consta dos documentos de folhas 129 a 184 dos autos.
- Perante estes factos, é incontroverso que o autor, ora recorrido, desempenhou em Moçambique as funções correspondentes à categoria profissional de gerente, tal como esta veio a ser definida no Anexo III do CCTV de 15 de Maio de 1978.
Ora conforme tem sido entendimento pacifico, os trabalhadores das agências de um Banco no Ultramar, que em consequência da descolonização foram transferidos para outra agência do mesmo Banco em Portugal, tem direito à categoria e ao nivel de retribuição correspondente às funções que exerciam nesses territórios na altura do seu regresso, visto o disposto nos artigos 21, n. 1, c) e d) e 23 da L.C.T., que proibem a entidade patronal a diminuição de retribuição e a baixa de categoria profissional. É jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal firmada em inúmeros acórdãos, de que se citam os de 18 de Janeiro de 1986,
Boletim do Ministério da Justiça, 353, 280; 22-6-89,
Processo n. 2150; 24-4-91, Processo n. 2959; e 26-6-91,
Processo n. 2793.
Objecta, contudo, o Banco recorrente nas suas alegações que não existindo em Moçambique a categoria de gerente, por não estar institucionalizada, o simples facto de o autor haver exercido as funções próprias dos gerentes não lhe dá o direito a essa categoria, dado que uma categoria profissional só é vinculativa para a entidade patronal quando institucionalizada ou normalizada,
Mas carece de razão.
Com efeito, em relação a este ponto é abundante e pacifica a jurisprudência no sentido de que para a reclassificação correcta de um trabalhador não é necessário que a categoria profissional já se encontre institucionalizada durante o exercicio das funções que antecedem a reclassificação, bastando que essas funções integrem a categoria que veio a ser institucionalizada.
Vejam-se, entre muitos outros, os acórdãos deste
Supremo Tribunal de 10 de Outubro de 1986, Boletim do Ministério da Justiça, 360, 437 e de 29 de Abril de
1991, Processo n. 2708.
Nesta parte improcedem, pois, as conclusões da alegação do recorrente.
Resta apreciar o problema dos juros de mora, também suscitado pelo réu na revista.
Segundo a regra geral consagrada no n. 1 do artigo 805 do Código Civil, o devedor só fica constituido em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir. A interpelação judicial pode efectuar-se ou através de notificação avulsa, nos termos dos artigos 257 e 261 do Código de Processo
Civil ou pela citação do devedor para a acção, como se estatui no artigo 662, n. 2, alinea b), do mesmo
Código.
Todavia, este principio de necessidade de interpelação não é absoluto. Com efeito, conforme prescreve o n. 2 do artigo 805 há mora do devedor independentemente de interpelação se a obrigação tiver prazo certo, se a obrigação provier de facto ilicito ou se o devedor impedir a interpelação. E o n. 3 do mesmo artigo adita ainda outra excepção ao estabelecer que se o crédito for iliquido, não há mora enquanto se não tornar liquido, salvo se a falta de liquidez for imputavel ao devedor.
Perante as citadas disposições legais, duas teses se confrontam a respeito do pedido de juros moratórios formulado pelo autor: enquanto o Banco recorrente sustenta que só haverá lugar a juros de mora a partir do trânsito em julgado da decisão que torne certa a divida, no acórdao recorrido entende-se que são devidos juros sobre todas as diferenças salariais a contar do vencimento de cada uma delas, visto a obrigação de pagamento de salários ter prazo certo e assim haver mora do devedor independentemente de interpelação.
Náo aderimos nem a uma nem a outra das mencionadas teses, que se situam em polos diametralmente opostos.
Quanto à primeira, a do Banco réu, porque não estamos aqui na presença de um caso de iliquidez da obrigação.
O que se discutia era se a obrigação de pagamento de diferenças salariais existia ou não, dado ser controvertida na acção a qualificação do autor como gerente. Porém, uma vez reconhecida essa categoria ao autor, não se pode falar em iliquidez da obrigação, pela simples razão de o seu montante não ser desconhecido ou não estar por determinar, que é o que caracteriza a iliquidez. Na verdade, sempre o Banco réu teve em seu poder todos os elementos necessários para determinar com rigor o conteudo das prestações que ao recorrido competia perceber se tivesse sido reclassificado como gerente.
Mas a orientação perfilhada no douto acórdão impugnado também não nos convence. É que na hipótese "sub judice" não deparamos com uma simples obrigação pecuniária com prazo certo que o devedor não cumpriu na data do seu vencimento. O que se trata é da reclassificação profissional de um bancário retornado de Moçambique, com o consequente reflexo sobre o montante da sua retribuição. Quer dizer, a questão fulcral é a da reclassificação ou da categoria e não, directamente, a da divida.
Ora nestas circunstâncias somos levados a concluir que a lei não dispensa a interpelação, pelo que se vem a cair no principio geral do n. 1 do artigo 805, segundo o qual não há mora nem interpelação.
Logo, na hipótese dos autos são devidos juros de mora sobre as diferenças salariais a que o autor tem direito, mas a partir da citação, que vale como interpelação, e não desde o vencimento de cada uma das prestações, como se decidiu na 2 instância. Aliás no mesmo sentido, se bem que com outra fundamentação, se vem decidindo neste Supremo Tribunal, nomeadamente no recente acórdão de 8 de Maio de 1991, proferido no
Processo n. 2859, 4 Secção.
Pelo exposto e concedendo em parte a revista, alteram o acórdão recorrido na parte referente à condenação em juros de mora, decidindo que tais juros são devidos apenas a partir da citação. Em tudo o mais se confirma o mesmo aresto.
Custas pelo recorrente e recorrido na proporção de, respectivamente, 7/8 e 1/8, no recurso e na acção.
Lisboa, 2 de Outubro de 1991.
Barbieri Cardoso,
Sousa Macedo,
Roberto Valente.
Decisões impugnadas:
- Sentença do Tribunal do Trabalho do 1 Juízo, 1
Secção de Lisboa de 88.03.03;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 90.10.03.