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CONTRATO DE ALUGUER DE VEÍCULO DE LONGA DURAÇÃO
JUROS
NATUREZA COMERCIAL
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
RESTITUIÇÃO
VEÍCULO
Sumário
I - Nos contratos de aluguer de veículos em que o locador é uma instituição bancária, os juros a arbitrar como acessórios da indemnização são de natureza comercial e regem-se pelo disposto no art. 102° do CCom. e pelas Portarias para que remete. II - Quando o locatário é condenado, na sequência de resolução válida do contrato operada pelo locador, a restituir o veículo objecto do contrato de aluguer, nada obsta, desde que requerida, à fixação de uma sanção pecuniária compulsória, nos termos dos n°s 1 a 3 do art. 829°-A do CCiv..
Texto Integral
Pc. 10955/07.9TBMAI.P1
(apelação)
___________________________
Relator: Pinto dos Santos
Adjuntos: Des. Cândido Lemos
Des. Marques de Castilho
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Acordam nesta secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório:
B………., SA, com sede na ………., nº .., em Lisboa, instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra C………., residente na Rua ………., nº …, ……, ………., na Maia, pedindo a condenação desta:
1 - A pagar-lhe a quantia de € 2.092,05, acrescida dos juros de mora respectivos, à taxa legal (que referiu ser de 11,07% à data da propositura da acção), vencidos até 22/11/2007, no valor de € 95,22, e vincendos até integral pagamento;
2 - A pagar-lhe a quantia equivalente ao dobro do valor dos alugueres que se vencerem no dia 10 do mês a que respeitem, à razão de 278,94 por mês, desde 10/11/2007 até à efectiva restituição do veículo objecto do contrato, acrescida de juros de mora, à taxa legal;
3 - A pagar-lhe uma indemnização por perdas e danos (contratada), a liquidar “em execução de sentença”;
4 - A restituir-lhe o dito veículo;
5 – E a pagar-lhe uma sanção pecuniária compulsória, no montante de € 50,00 por dia, nos primeiros 30 dias após o trânsito em julgado da decisão final desta acção, que passará para € 100,00 por dia nos 30 dias seguintes e para € 150,00 por dia daí em diante, até integral cumprimento da respectiva condenação, ou no montante que vier a ser fixado na sentença a proferir.
Para tal, alegou, em síntese, que por contrato particular, junto a fls. 10 e segs., deu de aluguer à ré o veículo identificado na p. i., pelo prazo de 60 meses, ficando esta obrigada a pagar-lhe, mensalmente, alugueres no montante de € 139,47 (que abrangia € 115,72 de aluguer propriamente dito + € 21,99 de IVA + € 17,76 de prémio de seguro), que esta não lhe pagou o 31º aluguer nem os seguintes, que, por isso, ele, banco, resolveu o contrato comunicando-o à ré e que esta, apesar disso, não lhe devolveu o veículo, nem lhe pagou as obrigações pecuniárias a que se obrigou, constantes do aludido contrato.
A ré, apesar de devidamente citada, não contestou a acção.
Foi cumprido o estabelecido no nº 2 do art. 484º do CPC, mas o banco autor não apresentou alegações escritas.
Foi, depois, proferida sentença (fls. 39 a 44) que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré:
a) A restituir o veículo em questão ao banco autor;
b) A pagar-lhe a quantia de € 1.255,23, a título de rendas vencidas e não pagas à data da resolução do contrato;
c) A pagar-lhe a quantia de € 826,26, a título de indemnização pela não entrega do veículo à data da propositura da acção;
d) A pagar-lhe, ainda, a quantia que se liquidar em incidente ulterior relativa à indemnização devida desde a data da propositura da acção até à entrega do veículo, por perdas e danos;
e) A pagar-lhe juros de mora civis, sobre a quantia referida em b), calculados nos termos indicados na al. e) da parte conclusiva daquela;
f) E a pagar-lhe juros de mora civis, desde a citação, sobre a quantia referida em c);
Tendo a ré sido absolvida do mais que havia sido peticionado.
Inconformado com a absolvição parcial da ré, o banco autor interpôs o presente recurso de apelação (a que foi atribuído efeito meramente devolutivo), cuja motivação (fls. 54 a 72) culminou com as seguintes conclusões:
“1. Não assiste razão ao Senhor Juiz «a quo» ao não condenar a R., ora recorrida, a pagar ao A., ora recorrente, os juros à taxa comercial legal sobre o valor dos alugueres em dobro como peticionado foi, nem na sanção pecuniária compulsória, como foi peticionado.
2. Atenta a falta de pagamento dos alugueres acordados, o A. na acção, ora recorrente, resolveu o contrato de aluguer de veículo sem condutor dos autos, nos termos e de harmonia com o convencionado na citada Cláusula 10ª, n° 1, das Condições Gerais.
3. Em consequência da dita resolução, ficou a R., ora recorrida, além do mais, obrigada a pagar ao A., ora recorrente, o valor correspondente aos alugueres não pagos até à data da resolução, mais um valor idêntico - face ao disposto no artigo 1045°, n° 2, do Código Civil - ao dobro do aluguer mensal, por cada mês decorrido para além da data em que a resolução teve lugar, e em que a R., ora recorrida, deveria ter restituído ao A., ora recorrente, o veículo até à data da efectiva recuperação do veículo dos autos, uma vez que, ao contrário do que o Senhor Juiz «a quo» pretende, tais montantes vencem-se mensalmente, ou seja aos dia 10 de cada mês, conforme acordado para os alugueres do contrato dos autos.
4. Atenta a operada resolução do contrato dos autos a R., ora recorrida, constituiu-se na obrigação de entregar à A., ora recorrente, o veículo automóvel dos autos, o que não fez.
5. Como dos autos consta, a R., ora recorrida, não cumpriu com o ajustado porquanto a partir do 31º aluguer, inclusive, vencido em 10.12.2006, deixou de pagar os alugueres acordados.
6. Atento o não pagamento pela recorrida R. ao A ora recorrente dos alugueres nas datas dos respectivos vencimentos, é por demais evidente que este se constituiu em mora «ex vi» da alínea a), do n° 2, do artigo 805° do Código Civil donde, nos termos e de harmonia com o n° 2 do artigo 1045° do mesmo diploma legal, assistir ao ora recorrente, A. na acção, o direito de exigir um valor idêntico ao dobro do aluguer mensal, por cada mês decorrido para além da data em que a resolução teve lugar, e em que a R., ora recorrida, deveria ter restituído ao A., ora recorrente, o veículo dos autos, acrescidos dos respectivos juros, à taxa comercial.
7. O A., ora recorrente, fundamenta o seu pedido respeitante à sanção pecuniária compulsória no disposto no artigo 829°-A do Código Civil, preceito introduzido no referido diploma legal por força do normativo do artigo 1º do Decreto-Lei 262/83, de 16 de Junho.
8. Da análise do disposto no artigo 829°-A do Código Civil, ou seja da sanção pecuniária compulsória introduzida no nosso direito pelo Decreto-Lei 262/83, de 16 de Junho, forçoso é concluir que a mesma tem ou reveste duas naturezas ou formas: uma, a de sanção pecuniária compulsória judicial, e outra, a de sanção pecuniária compulsória legal.
9. A sanção pecuniária compulsória legal, de aplicação automática, é a que se contém no nº 4 do artigo 829°-A do Código Civil, sanção pecuniária compulsória judicial a prevista no n° 1 do citado normativo legal.
10. A aplicação da sanção compulsória judicial, ou seja a qual se alude e prevista se encontra no normativo ínsito no nº 1 do artigo 829°-A do Código Civil, tem que ser fixada pelo Juiz na própria sentença condenatória cujo eventual não cumprimento atempado dá lugar à sua aplicação prática e efectiva.
11. Impõe-se, pois, a condenação da R., ora recorrida, na sanção pecuniária compulsória, aplicável ao caso dos autos.
12. Termos em que deve conceder-se inteiro provimento ao presente recurso de apelação e, por via dele, revogar-se a sentença recorrida, substituindo-se a mesma por acórdão que julgue a presente acção totalmente procedente, condenando-se a R., ora recorrida, na totalidade do pedido contra ela formulado, (…)”.
A ré não contra-alegou.
Foram colhidos os vistos legais.
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II. Questões a apreciar e decidir:
Sabendo-se que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (art. 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3 do C.Proc.Civ., na redacção anterior à introduzida pelo DL 303/2007, de 24/08, atenta a data da propositura da acção) e que este Tribunal não pode conhecer de matéria nelas não incluída, a não ser em situações excepcionais que aqui não ocorrem, as questões que importa apreciar e decidir traduz-se em saber:
● Se os juros incidentes sobre o valor dos alugueres em dobro, peticionados pelo banco autor, deviam (e devem) ser os comerciais (e não os civis, como decidido na sentença recorrida).
● Se a ré devia ter sido (e, ora, deve ser) condenada na sanção pecuniária compulsória peticionada pelo banco autor.
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III. Factos provados:
Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos (que não vêm postos em causa):
1) A R. pretendia adquirir o veiculo automóvel marca OPEL, modelo ………., com a matrícula ..-..-XL, tendo para o efeito contactado a firma "D………., SA".
2) Como a dita R. não se dispusesse ou não pudesse pagar de pronto o preço do dito veículo, solicitou à dita "D………., SA", que lhe possibilitasse o aluguer do mesmo por um período de 60 meses, com a colaboração ou intervenção do ora A. para tal.
3) Na sequência do que lhe foi solicitado pela dita "D………., SA", por ela e em nome da dita R., o A. adquiriu, com destino a dar de aluguer à dita R., o referido veiculo automóvel.
4) Por documento particular, datado de 24.05.2004, o A. deu de aluguer à R. o dito veículo.
5) O prazo de aluguer foi de 60 meses, sendo mensal a periodicidade dos alugueres do montante de € 139,47 cada, incluindo já o IVA respectivo e o prémio de seguro de vida.
6) O dito preço mensal do aluguer de € 139,47 correspondia a € 115,72 de aluguer propriamente dito, mais € 21,99 de IVA à taxa aplicável e € 17,76 de prémio de seguro.
7) A falta de pagamento de qualquer dos ditos alugueres implicava a possibilidade de resolução do contrato pelo ora A., resolução que se tornava efectiva após comunicação fundamentada em tal sentido feita pelo A. à dita R., ficando esta não só obrigada a restituir ao A. o dito veículo, fazendo o A. seus os alugueres até então pagos, como tendo ainda a R. que pagar, na sede do A., não só os alugueres em mora, o valor dos danos que o veículo apresentasse, e, ainda, uma indemnização para fazer face aos prejuízos resultantes da desvalorização do veículo e do próprio incumprimento do contrato, não inferior a cinquenta por cento do valor total dos alugueres acordados.
8) De harmonia com o acordado, a importância de cada um dos referidos alugueres deveria ser paga pela ora R. ao A. postcipadamente, até ao dia 10 do mês a que respeitasse, por meio de transferência bancária para conta do A. sedeada em Lisboa.
9) Após a celebração do referido contrato, a dita R. recebeu o veículo referido, que passou a utilizar, veículo que para o efeito o A. propositadamente adquirira.
10) A R. não cumpriu com o ajustado, pois a partir do 31º aluguer inclusive, que se venceu em 10.12.2006, deixou de pagar os alugueres acordados.
11) Nos termos e condições gerais do referido contrato, o facto referido nos dois números antecedentes implicou a resolução imediata e automática do mesmo, nos precisos termos acordados, como aliás o A. o fez saber à R. por carta datada de 24.08.2007, que veio devolvida com a indicação "não atendeu".
12) O valor do veículo automóvel referido - que a R. está obrigada a restituir ao A. - é de €14.070,00.
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IV. Apreciação jurídica:
1ª questão: Se os juros incidentes sobre o valor dos alugueres em dobro, peticionados pelo banco autor, deviam (e devem) ser os comerciais (e não os civis, como se decidiu na sentença recorrida).
Antes de abordarmos a primeira questão colocada pelo banco autor, ora recorrente, cumpre dizer que não está aqui em causa a qualificação do contrato que o mesmo celebrou com a ré, agora recorrida, por tal já se encontrar fixado na sentença recorrida, que considerou que se tratou de um contrato de aluguer de veículo sem condutor, nos termos previstos nos arts. 1022º e 1023º do CCiv.. Este contrato, face ao que decorre dos seus termos e das condições gerais a ele anexas, constantes de fls. 10 a 12, pode definir-se como aquele em que o locador, mediante um valor a título de renda mensal, concede ao locatário, durante um período certo de tempo, o uso e a fruição de um determinado veículo automóvel [cfr. Acs. do STJ de 22/03/2007, proc. 07B708, publicado in www.dgsi.pt/jstj e desta Relação – e secção – de 17/02/2009, proc. 0827638, publicado in www.dgsi.pt/jtrp; veja-se também Pinto Furtado, in “Manual de Arrendamento Urbano”, vol. I, 4ª Ed. Act., 2007, pg. 111, que define este contrato de aluguer como aquele “onde uma parte, habilitada ao exercício desta indústria, se obriga, mediante retribuição, a proporcionar à outra o uso temporário de um veículo automóvel terrestre, sem condutor”].
E, diga-se a verdade, a sentença recorrida não podia ter ido mais além na qualificação do mesmo – com a qual, aliás, concordamos -, designadamente, com vista a classificá-lo como contrato de aluguer de longa duração «tout court», na medida em que não ficou provado – nem isso resulta inequivocamente do contrato e das ditas condições gerais – que no final do prazo do aluguer a ré/locatária poderia optar pela aquisição do veículo em referência, não obstante constar do nº 1) dos factos provados que esta pretendia adquirir essa mesma viatura, circunstância, ainda assim, insuficiente para que se possa concluir que foi precisamente isso que ela e o banco demandante acordaram para o termo/fim do contrato de aluguer [O contrato de ALD propriamente dito, previsto e regulado, pelo menos em parte, no DL 354/86, de 23/10, com as alterações introduzidas pelos DL’s 373/90, de 27/11 e 44/92, de 31/03, caracteriza-se pela aglutinação de elementos de três contratos distintos: o aluguer de longa duração de um determinado veículo; a promessa de compra e venda desse bem alugado; e, finalmente, a compra e venda do mesmo. Por isso é que também se apelida tal contrato de «contrato indirecto» - cfr. Pais de Vasconcelos, in “Contratos Atípicos”, pgs. 245 e 246 e Acs. desta Relação do Porto de 08/07/2004, CJ ano XXIX, 3, 204 e de 03/11/2005, proc. 0534720, in www.dgsi.pt/jtrp].
Também não está aqui em questão saber se o banco autor, socorrendo-se do disposto no nº 2 do art. 1045 do CCiv. [o nº 1 deste preceito reza que “se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, excepto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida”, acrescentando o nº 2 que “logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro”], podia ter pedido a condenação da ré a pagar-lhe, a título de indemnização, os montantes idênticos ao dobro do valor dos alugueres – à razão de € 278,94 por mês – que se venceram, no dia 10 de cada mês, desde 10/11/2007 e que se vencerão até à efectiva restituição do veículo, apesar de tal não ter sido previsto no contrato junto aos autos [o que se vem entendendo, no que diz respeito à responsabilidade civil decorrente do incumprimento dos contratos da natureza do dos autos, é que há, em primeiro lugar, que ter em conta o que as partes convencionaram, em segundo, que atender às normas especiais relativas ao contrato de aluguer e, finalmente, as regras gerais que versam sobre tal assunto, designadamente os arts. 406º nº 1, 432º nº 1, 562º, 563º nº 1, 564º, 566º, 799 nº 1, 762º, 798º, 800º e 810º a 812º do CCiv. – cfr. Ac. do STJ de 22/03/2007, atrás citado], pois a indemnização que aí foi acordada foi a que consta dos nºs 3 e 4 da cláusula 10ª do mesmo, sendo o teor desses números o seguinte: (3) “A resolução por incumprimento não exime o Locatário do pagamento de quaisquer dívidas em Mora para com o locador, da reparação de danos que o veículo apresente e do pagamento de indemnização à Locadora”; (4) “A indemnização referida no artigo (o correcto é número) anterior destinada a ressarcir o Locador (…) dos prejuízos resultantes da desvalorização do veículo e do próprio incumprimento em si do contrato pelo Locatário – não sendo nunca inferior a 50% do total do valor dos alugueres referidos nas Condições Particulares”. Apesar da Jurisprudência mais significativa vir entendendo que “o art. 1045º nº 2 do Cód. Civil, tem natureza supletiva e, por isso, não é aplicável num contrato de aluguer de veículo automóvel de longa duração em que tenha sido estipulada cláusula tendente a calcular a indemnização do dano que aquele dispositivo visava fixar” [cfr. Ac. do STJ de 09/05/2006, proc. 06A1018, in www.dgsi.pt/jtrp, onde estava em causa, precisamente, a questão de saber se o locador podia formular pedido idêntico ao que o banco autor formulou e ora está a ser referido apesar de existir no contrato e condições gerais a ele anexas cláusula em tudo idêntica à que atrás se mencionou; idem, Acs. do STJ de 12/09/2006, proc. 06A1990 e de 24/05/2005, proc. 05A1421, ambos in www.dgsi.pt/jstj], a verdade é que a sentença recorrida deferiu tal pretensão e condenou a ré a pagar ao banco autor a dita indemnização, tendo, nesta parte, aquela transitado já em julgado, por não ter sido impugnada, via recurso, pela demandada, nada havendo, por conseguinte, a fazer em atenção ao prescrito no nº 4 do art. 684º do CPC.
O que está em causa é tão-só saber se os juros devidos como acessórios de tal indemnização seriam os civis, como decidiu a sentença recorrida, ou se, pelo contrário, devem ser os comerciais, como pretende o banco apelante.
A resposta a esta questão é evidente e fácil e não pode deixar de ser favorável à pretensão deste último.
Com efeito, tratando-se, como é o caso, de um contrato de aluguer em que o locador é uma instituição bancária especialmente vocacionada para o efeito, não pode haver dúvida que estamos, objectiva e subjectivamente, perante acto de comércio – art. 2º do CCom. -, sendo que o art. 481º deste diploma considera que o aluguer é mercantil “quando a coisa tiver sido comprada para se lhe alugar o uso”, que foi exactamente o que aconteceu «in casu», como expressamente decorre do nº 3) do ponto III deste acórdão, onde consta que “o autor adquiriu, com destino a dar de aluguer à dita ré, o referido veículo automóvel”.
E relativamente aos actos de comércio são devidos, quando a eles haja lugar, como é o caso (como acessórios da obrigação indemnizatória), juros comerciais, de acordo com o estabelecido no art. 102º do CCom., segundo o qual “haverá lugar ao decurso e contagem de juros em todos os actos comerciais em que for de convenção ou direito vencerem-se e nos mais casos especiais fixados no presente Código”, acrescentando o § 1º que “a taxa de juros comerciais só pode ser fixada por escrito”, o § 2º que “aplica-se aos juros comerciais o disposto nos arts. 559º, 559º-A e 1146º do Cód. Civil” e o § 3º que “os juros moratórios legais (…), relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, (…), são os fixados em portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Justiça”.
Como os bancos estão compreendidos na previsão do § 3º daquele art. 102º, a taxa de juros a ter em consideração «in casu» - já que estes (os juros) são devidos desde a data da citação, como decidido na sentença recorrida -, é a que decorre da aplicação do disposto na Portaria nº 597/2005, de 19/07 (que revogou a Portaria nº 262/99, de 12/04), que no seu art. 1º refere que “a taxa supletiva de juros moratórios relativamente a créditos de que sejam titulares empresas comerciais, (…), nos termos do nº 3 do artigo 102º do Código Comercial, é a taxa de juro aplicada pelo Banco Central Europeu à sua mais recente operação principal de refinanciamento efectuada antes do 1º dia de Janeiro ou de Julho, consoante se esteja, respectivamente, no 1º ou no 2º semestre do ano civil, acrescida de 7%”.
Não restam, assim, dúvidas de que o banco apelante tem razão nesta 1ª questão, o que impõe que, nesta parte, se revogue o que foi decidido na 1ª instância, substituindo a dita referência a “juros de mora civis” por menção a “juros de mora comerciais”, à taxa que ficou referenciada.
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2ª questão: Se a ré devia ter sido (e deve ser agora) condenada na sanção pecuniária compulsória peticionada pelo banco autor.
Como se aludiu em I, o banco autor peticionou, em último lugar, que a ré fosse condenada no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória nos montantes de € 50,00 por dia durante os primeiros 30 dias após o trânsito em julgado da decisão final, de € 100,00 por dia nos 30 dias seguintes e de € 150,00 por dia daí em diante, até integral cumprimento da condenação/obrigação de restituição do veículo.
Esta pretensão não foi atendida na sentença recorrida com os seguintes fundamentos, que passamos a transcrever:
“Resolvido o contrato é obrigação da locatária proceder à sua restituição nos termos do art. 1038º al. i) do C.Civ..
Tal não significa, porém, que se trate de uma prestação de facto fungível e, como tal, que lhe seja aplicável o art. 829º-A do C.P.Civil.
Podendo a A., como pode efectivamente, obter a entrega por outros meios, tanto basta para que aquela sanção não seja admissível na situação em apreço” (v. pg. 43 dos autos).
Adiantamos já que também aqui a razão está do lado do banco recorrente e não no da decisão recorrida que, por isso, não poderemos acompanhar.
A figura da sanção pecuniária compulsória que foi introduzida no CCiv. – art. 829º-A – pelo DL 262/83, de 16/06, encontra-se prevista e regulada nos seguintes termos:
"1. Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.
2. A sanção pecuniária compulsória prevista no número anterior será fixada segundo critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar.
3. O montante da sanção pecuniária compulsória destina-se, em partes iguais, ao credor e ao Estado.
4. Quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar".
Como se exarou no preâmbulo do citado DL 262/83, a sanção pecuniária compulsória (inspirada nas «astreintes» do sistema jurídico-civilístico francês) visa “uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis” [Calvão da Silva, in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, Ed. de 1987, pg. 395, refere que «a sanção pecuniária compulsória é a ameaça para o devedor de uma sanção pecuniária, ordenada pelo juiz, para a hipótese de ele não obedecer à condenação principal”, com o que “se visa o cumprimento voluntário das obrigações, no respeito pela palavra dada e pelo princípio pacta sunt servanda, não deixa(ndo) de favorecer também o respeito a ter para com as decisões judiciais”].
O art. 829º-A prevê, no entanto, duas modalidade da espécie/figura em apreço: a sanção compulsória judicial, prevista no nº 1 (e complementada nos nºs 2 e 3) e a sanção compulsória legal, estabelecida no nº 4; a fixação da primeira tem que ser expressamente requerida pelo credor, ao passo que a segunda não carece desse requerimento nem tão-pouco precisa de ser declarada pelo tribunal, pois é de funcionamento automático e consiste na aplicação da taxa de juros fixada de modo invariável («a forfait») por aquele nº 4 (sobre estas duas modalidades vejam-se, i. a., Calvão da Silva, obr. cit., pgs. 452 a 458, Pinto Monteiro, in “Cláusula Penal e Indemnização”, pg. 131 e Acs. do STJ de 09/05/2002, proc. 02B666, in www.dgsi.pt/jstj e desta Relação do Porto de 17/06/2004, proc. 0433267, de 10/04/2003, proc. 0331354 e de 24/05/99, proc. 9959127, todos in www.dgsi.pt/jtrp].
No caso dos autos está em causa a sanção compulsória judicial, decorrendo do nº 1 daquele art. 829º-A que a respectiva aplicação depende de dois requisitos positivos e de um requisito negativo. Os positivos são: que estejam em questão “obrigações de prestação de facto infungível”, seja ela positiva ou negativa, e que o credor requeira a condenação do devedor no pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por infracção. O negativo: que a obrigação de facto não exija “especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado”, pois se tal acontecer não haverá lugar à aplicação da sanção.
Na sentença recorrida, como atrás se disse, justificou-se a não aplicação da sanção em apreço com recurso a dois argumentos: não estar na base da sua fixação “uma prestação de facto infungível” e poder o banco autor obter a entrega da viatura objecto do contrato analisado nos autos “por outros meios”.
Porém, com o devido respeito, nenhum destes argumentos é consistente.
Por um lado, porque a ré está vinculada, pela condenação de que foi alvo (e, nessa parte, já transitada), a uma obrigação de prestação de facto infungível, pois tem de (e só pode) entregar/restituir ao banco demandante o concreto veículo que este lhe deu de aluguer e não qualquer outro, sendo precisamente esta individualização pelas características próprias da coisa (individualização «in specie») que a demandada está obrigada a restituir e o facto de ter de ser ela a fazê-lo por si que distingue as “prestações infungíveis” das “prestações fungíveis”, tanto mais que o art. 207º do CCiv. define as «coisas fungíveis» como as que “se determinam pelo seu género, qualidade e quantidade, quando constituam objecto de relações jurídicas” e o art. 828º do mesmo corpo de normas estabelece que “o credor de prestação de facto fungível tem a faculdade de requerer, em execução, que o facto seja prestado por outrem à custa do devedor” [quanto às dicotomias «coisa fungível / coisa infungível» e «prestação fungível / prestação infungível», cfr. Manuel de Andrade, in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, vol. I, Almedina, 1987, pgs. 252 e 253 e Meneses Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português”, I, Parte Geral, tomo II, Coisas, Almedina, 2002, pgs. 151 a 155].
Por outro, por não vermos – nem resultar do contrato ou das cláusulas das suas condições gerais – qual ou quais os «outros meios» que o banco autor tem ao seu alcance para compelir a demandada a restituir-lhe a viatura em questão, já que a decisão recorrida não poderá estar a referir-se ao constante do nº 3 da cláusula 11ª das ditas condições, de acordo com o qual “sem prejuízo do estipulado no nº anterior, o Locador fica autorizado a retirar a viatura ao Locatário sempre que a sua restituição não se efective voluntariamente nos termos do nº 1 da presente cláusula, podendo para o efeito o Locador utilizar os meios que entender adequados (…)”, pois o recurso à acção directa previsto nesta cláusula (e admitido genericamente, desde que verificados determinados pressupostos, no art. 336º do CCiv.) só pode ser exercido quando o credor conhecer o local onde se encontra o bem, o que não parece ser o caso do banco demandante.
Como nenhum obstáculo legal existe à cumulação da sanção pecuniária compulsória com a indemnização arbitrada ao banco autor por causa da não entrega, pela ré, do veículo após a resolução do contrato, conforme expressamente resulta do nº 2 do citado art. 829º-A [assim, Calvão da Silva, obr. cit., pgs. 410 a 412, que expressamente refere que “porque independentes, a sanção pecuniária compulsória e a indemnização são cumuláveis”, até porque “o fim da sanção pecuniária não é o de indemnizar o credor, mas o de triunfar da resistência (do devedor), da sua oposição, indiferença ou desleixo para com o cumprimento”], temos, necessariamente, de chegar à conclusão que «in casu» deve ser fixada a pretendida sanção compulsória e, de acordo com o mesmo número, “segundo critérios de razoabilidade”.
Ora, tendo em consideração o largo tempo decorrido desde a data da resolução do contrato (24/08/2007) sem que a ré tenha restituído a viatura ao banco autor, não nos parece que os montantes reclamados por este, atrás indicados, contrariem aquele critério de razoabilidade, pelo que devem ser aqui consagrados [montantes iguais foram peticionados e arbitrados noutros processos, designadamente nos que determinaram a prolação dos Acs. do STJ de 09/05/2006 e de 24/05/2005, supra citados].
Impõe-se, deste modo, a procedência da apelação.
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Síntese conclusiva do que fica exposto:
● Nos contratos de aluguer de veículos em que o locador é uma instituição bancária, os juros a arbitrar como acessórios da indemnização são de natureza comercial e regem-se pelo disposto no art. 102º do CCom. e pelas Portarias para que remete.
● Quando o locatário é condenado, na sequência de resolução válida do contrato operada pelo locador, a restituir o veículo objecto do contrato de aluguer, nada obsta, desde que requerida, à fixação de uma sanção pecuniária compulsória, nos termos dos nºs 1 a 3 do art. 829º-A do CCiv..
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V. Decisão:
Em conformidade com o exposto, os Juízes desta secção cível da Relação do Porto acordam em:
1º) Julgar procedente a apelação e revogar a sentença recorrida na parte que vinha questionada, declarando-se que os juros que a ré tem que pagar ao banco autor, sobre a indemnização ali fixada, são de natureza comercial e de acordo com as taxas legais resultantes da conjugação do disposto no art. 102º do CCom. com as Portarias para que remete o seu § 3º e condena-se, ainda, a ré no pagamento da sanção pecuniária compulsória (que se destina, em partes iguais, ao banco autor e ao Estado) que foi peticionada e que supra ficou referenciada.
2º) Condenar a ré nas custas.
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Porto, 2009/06/23
Manuel Pinto dos Santos
Cândido Pelágio Castro de Lemos
Augusto José Baptista Marques de Castilho