EXECUÇÃO
CANCELAMENTO DE INSCRIÇÃO
PENHORA
CADUCIDADE
REGISTO PREDIAL
Sumário

I - A caducidade dos direitos de garantia a que alude o artigo 824 do Codigo Civil refere-se a todos os que forem constituidos e registados antes da venda, quer o sejam antes quer depois do registo da penhora realizada no mesmo processo;
II - E a todos esses registos, em iguais termos e sem qualquer distinção ou diferença, se refere o comando do artigo 907 do Codigo de Processo Civil, o que significa ter de ser igual o tratamento a dar no processo a todos esses registos; pelo que,
III - Em relação aos registos posteriores ao da penhora mas anteriores a venda, o Juiz da execução da venda tem o dever de ordenar, logo que se lhe tornem conhecidos, o seu cancelamento como tera feito quanto aos registos anteriores.

Texto Integral

Acordam, em Conferencia, neste Supremo:-
A Caixa Economica de Lisboa, anexa ao Montepio Geral,
Associação de Socorros Mutuos, requereu e promoveu execução hipotecaria, para pagamento de quantia certa, contra a "PRAC - Industria e Comercio de Pre-fabricados, Lda", com sede na Quinta dos Arciprestes, em Lisboa.
Entre outros bens, foi penhorada a fracção autonoma, designada pela letra E, do predio urbano descrito na 6ª Conservatoria do Registo Predial de Lisboa sob o n.
11682, situado na Rua N a Rua Sarmento de Beiras, ns.
12 a 12-D, freguesia de Penha de França, em Lisboa.
E a propria exequente, na venda feita em hasta publica, foi a arrematante dessa fracção.
Oportunamente, o Senhor Juiz, cumprindo o disposto no artigo 907 do Codigo de Processo Civil, ordenou o cancelamento dos registos dos direitos de garantia - 1 hipoteca e 1 penhora - sobre a fracção vendida, e que, constavam da certidão de encargos junta aos autos.
Posteriormente, veio a mesma Exequente-Arrematante informar (folhas 203) que, com a efectivação do registo provisorio da aquisição viera ao seu conhecimento a existencia do registo de mais uma inscrição hipotecaria, com o n. 18500, e duas inscrições de penhora, com os ns. 5558 e 5576, sobre aquela mesma fracção vendida, registos esses feitos na pendencia desta acção executiva e anteriormente a data de arrematação.
E requereu, então, que fosse ordenado o cancelamento destas tres inscrições.
O Senhor Juiz indeferiu este requerimento, recusando-se a ordenar este cancelamento, com o fundamento de que ja tinha cumprido o disposto naquele artigo 907 relativamente ao conteudo de certidão de encargos.
Deste despacho agravou a Exequente, mas sem exito porque a Relação de Lisboa negou-lhe provimento.
Recorre agora a mesma intentando a revogação do Acordão e do despacho da 1 Instancia para ser ordenado o cancelamento das referidas inscrições ns. 18500, 5558 e
5576, porque neles se viola o disposto nos artigos 907, do Codigo de Processo Civil, e 824 n. 2, do Codigo
Civil, pois:- a ordem de cancelamento dos registos dos direitos de gozo e garantia (artigo 907) tem que estender-se, e abranger, os registos posteriores a penhora e anteriores a venda, devendo especifica-los; e o cancelamento destes torna-se necessario, a despeito da ineficacia dos actos revistados em relação ao arrematante, por razões de segurança dos direitos de terceiros e de correspondencia entre o registo e a realidade.
Não houve contra-alegações.
Colhidos os vistos, vai decidir-se.
Resulta do artigo 824 - 2, do Codigo Civil, que todos os direitos reais de garantia (so estes interessam aqui) que onerem bens vendidos em processo executivo caducam com a transmissão desses bens para o adquirente.
Isto e, todos os direitos de garantia, sejam qual for a sua origem, cuja constituição e registo sejam anteriores a venda na excução acabam, tranferindo-se para o produto da venda (n. 3 daquele artigo) os direitos dos respectivos titulares.
Com isto se relacionam as disposições dos artigos 864, designadamente as alineas b) a d) do seu n. 1, a 871, do Codigo de Processo Civil, cujo resumo significa, no fundo, a preocupação de chamar a execução todos os credores beneficiarios de direitos de garantia sobre os bens penhorados e de numa so execução reunir a apreciação de todos eles em relação (em relação) com o produto de venda. E e por esta via adjectiva que se defende os titulares desses direitos face ao facto de a venda so ser possivel uma vez e de para o seu produto serem transferidos todos os direitos cuja garantia caduca.
E isto visa satisfazer ao principio de que os bens são transmitidos (na venda em execução) para o adquirente livres de quaisquer direitos de garantia que os onerem, estabelecido no mesmo n. 2 daquele artigo 824.
Isto considerado e atento que os direitos de garantia sobre imoveis estão, em regra, sujeitos a registo
(artigo 2 - 1 alineas b) e u)), do Codigo de Registo
Predial; e ponderando que a finalidade do registo predial, apontada no artigo 1 deste Codigo, so se cumprira desde que ele corresponda a realidade, facilmente se concluira que a venda dos bens penhorados na execução imponha, com a caducidade dos direitos de garantia, o cancelamento dos respectivos registos. Sob pena, realmente, de se defraudar a finalidade do registo, por um lado, e de, por outro, se não defender a segurança dos direitos.
E perante isto poderia ser-se levado a concluir ate que esses registos deveriam, ou poderiam, ser cancelados oficiosamente pelos Conservadores nos termos da 1 parte do artigo 13 deste ultimo Codigo, dispensando-se qualquer decisão judicial nesse sentido.
Mas tal conclusão seria precipitada.
E que, afastando quaisquer duvidas, ha expressa disposição legal impondo ao Juiz da execução onde se realizou a venda o dever de, oficiosamente, ordenar que se cancelem os registos dos direitos reais que com a venda caducaram, nos termos do referido artigo 824: - cfr. artigo 907 do Codigo de Processo Civil.
Pretende-se com isto, naturalmente, manter sob controle judicial a decisão sobre a caducidade da garantia determinante do cancelamento.
Esta caducidade abrange, sem duvida, tanto os direitos de garantia cujos registos são anteriores a penhora feita na execução de venda, como os direitos, e respectivos registos, posteriores a essa penhora e certidão de encargos junta a esse processo, mas anteriores a venda e registo desta.
E a todos, em iguais termos, sem qualquer distinção ou diferença, se refere o comando (unico) daquele artigo
907. O que significa ter de ser precisamente igual o tratamento a dar no processo a todos os registos dos direitos de garantia, quer sejam anteriores, quer posteriores, ao registo da penhora do mesmo processo.
E manifesto que em relação aos registos caducados que não constam da certidão de encargos que houver sido junta ao processo, nem tenham neste referencia alguma de existencia por serem posteriores a mesma certidão e serem relacionados com outros processos, eventualmente contra o mesmo executado e relativos a creditos não, ou ainda não, reclamados na execução de venda, o Juiz de execução so podera cumprir o disposto naquele artigo
907 depois de, nesse processo, eles se tornarem conhecidos (seja por que via for); ate ai, desconhece-os e, por isso, não pode ordenar que se cancelem.
Mas logo que deles tome conhecimento, e não havendo a isso obstaculo, deve ordenar o seu cancelamento tal qual, e nos precisos termos em que, e como o fez quanto aos que eram ja conhecidos no processo.
Não ha caso julgado formal que obste a 2 ordem de cancelamento porque se trata de actos diferentes, nem pode entender-se, como se faz no Acordão recorrido, que, uma vez ordenado o cancelamento dos registos conhecidos no processo ai se contera uma implicita decisão de cancelamento de todos os registos posteriores e ali ainda desconhecidos.
Aceitar isto, e igual a admitir o cancelamento oficioso
(pelos Conservadores). E vimos ja que se não admite nesta materia este tipo de cancelamento.
Ou admitir que a ordem de cancelamento poderia ser dada em termos abstractos e genericos mesmo para os registos constantes de certidão de encargos, dada a legal equiparação de todos. E isto não e defendido, nem parece defensavel.
Repete-se: - o tratamento processual tem que ser igual para todos os registos. O que não pode ser postergado em favor de redução de burocracia (que nem se ve bem como possa ser beneficiada com a desigualdade de tratamento). Mas, se entre essa redução e a segurança dos direitos houver colisão, devera ceder a primeira, certamente.
E a ordem de cancelamento e encargo, oficioso, do Juiz de execução de venda, responsavel pela transmissão dos bens vendidos. E o que resulta mesmo do citado artigo
907.
No caso dos autos e como se viu, o Senhor Juiz de execução e venda, tendo ordenado com especificação, o cancelamento dos registos que constavam de certidão de encargos e de propria penhora, recusou-se posteriormente a emitir nova ordem de cancelamento relativamente a tres registos de direitos de garantia - uma inscrição hipotecaria e duas inscrições de penhora
- posteriores a penhora no seu processo mas anteriores a venda e de que so então, atraves de requerimento do adquirente dos bens, tomou conhecimento, com o fundamento de que esse cancelamento ja resultaria do ordenado. E teve nisso o acordo da Relação.
Pelo que deixamos dito se notara que não apoiamos, nem aceitamos a solução das Instancias, antes se entende ter razão a Recorrente.
Termos em que, no provimento agravo, se revoga o
Acordão recorrido, que confirmou o despacho da 1 Instancia, para que este seja substituido por outro que, deferindo ao requerido, ordene o cancelamento dos registos ai apontados, que ainda não estejam cancelados e desde que a isso não haja obstaculo legal.
Custas pela Recorrida, aqui e na Relação.
Lisboa, 17 de Dezembro de 1991
Joaquim de Carvalho,
Beça Pereira,
Martins da Fonseca.
Decisões impugnadas:
I - Despacho de 89.06.16 do 6º Juizo Civel de Lisboa;
II- Acordão de 90.11.27 do Tribunal da Relação de
Lisboa.