CO-AUTORIA
HOMICIDIO VOLUNTARIO
OFENSAS CORPORAIS COM DOLO DE PERIGO
PARTYICIPAÇÃO EM RIXA
SENTENÇA
FUNDAMENTAÇÃO
INSUFICIENCIA DA MATERIA DE FACTO PROVADA
CONTRADIÇÃO INSANAVEL DA FUNDAMENTAÇÃO
COMPETENCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PROVAS
Sumário

I - Na comparticipação criminosa sob a forma de co-autoria e essencial uma decisão conjunta em vista da obtenção de determinado resultado e uma execução igualmente conjunta; mas não e indispensavel que cada um dos agentes intervenha em todos os actos a praticar para a obtenção do resultado, bastando que a actuação de cada um seja elemento do todo indispensavel a produção do resultado.
II - Provado que o recorrente acordou previamente com os outros arguidos ir imperdir a realização do espectaculo na sede do PSR, aceitando que na desordem a ocorrer o grilo viesse a matar algum dos contendores, com tal se confirmando; que colaborou e interveio na desordem empunhando um tubo de ferro com o qual deu uma pancada no pescoço de uma das vitimas, desta forma tomando parte na obra comum de que veio a resultar a morte de Jose Carvalho; cometeu o recorrente em co-autoria o crime de homicidio.
III - Existe o crime de participação em rixa previsto e punido pelo artigo 151 do Codigo Penal nos casos de desordens em que, resultando morte ou ofensas corporais, não se consegue afirmar qual o autor desses crimes.
IV - Provado que o recorrente e responsavel pelos crimes de homicidio e ofensas corporais, fica afastada a sua mera participação na desordem, pelo que tem de ser absolvido do crime do artigo 151 n. 1 do Codigo Penal.
V - Encontra-se fundamentado, como exige o artigo 374 n. 2 do Codigo de Processo Penal, o acordão recorrido que, na fundamentação da sua decisão, se refere a meios de prova individualizados, a declarações de certos arguidos que individualiza, a confissões parciais dos restantes, a depoimentos de testemunhas nomeadas e ainda a demais testemunhas de acusação, generalidade das testemunhas de defesa e a avaliação final da prova na sua globalidade.
VI - O indeferimento de diligencias no decurso da audiencia de julgamento e assunto que escapa a apreciação do Supremo Tribunal de Justiça, por respeitar a materia de facto.
VII - Mesmo que assim não fosse a eventual nulidade prevista no artigo 120 n. 2 d) estaria sanada por falta de arguição tempestiva (artigo 120 n. 3, a) do citado diploma).

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
No 1. Juizo Criminal de Lisboa foram julgados os arguidos:
1 - A,
2 - B,
3 - C,
4 - D,
5 - E,
6 - F,
7 - G e
8 - H, nos autos identificados, sendo
- absolvidos os arguidos F e G;
- E condenados:
O A, como autor de um crime dos artigos 131, 132-1 e 2 f), 73 e 74 do Codigo Penal e 4 do Decreto n. 401/82, de 23 de Setembro, na pena de 10 anos de prisão; como autor de tres crimes dos artigos 144-2, 73 e 74 do Codigo Penal (como os que se citarem sem indicação do diploma) - ofendidos I, J e L - nas penas de 8, 9 e 9 meses de prisão; como autor do crime dos artigos 151 - 1, 73 e 74, na pena de 8 anos de prisão e 30 dias de multa a
500 escudos dia; e, em cumulo, na unica de 12 anos de prisão e 15000 escudos de multa, esta na alternativa de
20 dias de prisão;
- O B, como autor do crime dos artigos 131,
132 - 1 e 2 f), 73 e 74, na pena de 5 anos de prisão; como autor de tres crimes do artigo 144 - 2, nas penas de 1 ano de prisão por cada um - ofendidos I, J e L - como autor do crime do artigo 151 - 1, na pena de 1 ano de prisão e 60 dias de multa a 500 escudos/dia; e, em cumulo, na unica de 7 anos de prisão e 30000 escudos de multa, esta na alternativa de 40 dias de prisão;
- O C, como autor do crime dos artigos
131, 132 - 1 e 2 f), 73 e 74 e 4 do Decreto 401/82, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão; como autor de tres crimes dos artigos 144 - 2, 73 e 74 - ofendidos I, J e L - nas penas de 7, 8 e 8 meses de prisão; como autor do crime do artigo 151 - 1, na pena de 6 meses de prisão e 20 dias de multa a 500 escudos/dia; e, em cumulo, na unica de 5 anos de prisão e 10000 escudos de multa, esta na alternativa de 13 dias de prisão;
- O M, como autor do crime dos artigos
131, 132 - 1 e 2 f), 73 e 74 e 4 do Decreto 401/82, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão; como autores de tres crimes dos artigos 144 - 2, 73 e 74, nas penas de
10 meses de prisão, um ano de prisão e 9 meses de prisão - mesmos ofendidos - como autor do crime dos artigos 151 - 1, 73 e 74, na pena de 8 meses de prisão e 60 dias de multa a 500 escudos/dia; e, em cumulo, na unica de 6 anos de prisão e 30000 escudos de multa, esta na alternativa de 40 dias de prisão;
O E, como autor de tres crimes dos artigos
144 - 2, 73 e 74 e 4 do decreto 401/82, na pena de 7 meses de prisão por cada um; como autor do crime dos artigos 151 - 1, 73 e 74, na pena de 6 meses de prisão e 30 dias de multa a 500 escudos/dia, esta na alternativa de 20 dias de prisão; e, em cumulo, na pena unica de 18 meses de prisão de 15000 escudos de multa, esta na alternativa de 20 dias de prisão;
- O H, como autor de tres crimes dos artigos
144 - 2, 73 e 74 e 4 do Decreto 401/82, na pena de 8 meses de prisão por cada um - mesmos ofendidos -; como autor do crime dos artigos 151 - 1, 73 e 74, na pena de
7 meses de prisão e 30 dias de multa a 500 escudos/dia; e, em cumulo, na unica de 2 anos de prisão e 15000 escudos de multa, esta na alternativa de 20 dias de prisão.
As penas impostas aos dois ultimos - E e H - foram suspensas pelo periodo de 3 anos.
Do acordão respectivo (folhas 1012) recorreram os arguidos B, A e o Ministerio Publico.
Motivou o B:
- A co-autoria material do crime de homicidio implica o acordo previo com vista ao resultado e a execução conjunta;
- O acordão recorrido e omisso quanto aos termos e amplitude desse acordo ou decisão conjunta;
- E seria necessario que o recorrente conhecesse a adequação da faca ao resultado - possuida pelo seu co-arguido - o que não se provou;
- Encontrando-se junto a porta do P.S.R. nada poderia fazer para obstar a conduta do co-arguido A;
- Inexistem, portanto, os requisitos essenciais a incriminação do recorrente pelo crime de homicidio;
- No que respeita ao crime de homicidio deve a pena ser reduzida para proximo do seu limite minimo;
- No que respeita as ofensas corporais sofridas por I e J, não ficou provado que o recorrente fosse o seu autor, pelo que desses dois crimes deve ser absolvido;
- De qualquer forma, as penas aplicadas são excessivas, tendo inclusivamente em conta as impostas ao autor das ofensas, pelo que deverão ser reduzidas;
- Relativamente ao crime de participação em rixa, provou-se que apenas resultaram ofensas corporais em N e por I - que não podem considerar-se graves, pelo que deve ser absolvido desse crime;
- Foram violados os artigos 26, 73, 74, 131, 132, 144 e
151 do Codigo Penal.
Motivou o A:
- Ao elencar a materia de facto o acordão recorrido reportou-se a materialidade que deu como provada e outra que "não deu como provada", o que constitui ilegalidade face ao artigo 374 - 2 do Codigo de
Processo Penal, com a consequente nulidade do artigo
120 - 2, d) e 379 - a) do mesmo Codigo;
- Ao afirmar que "não deu como provado" este acervo de facto, o Tribunal expressa uma situação que tanto pode resultar da ausencia de provas como se o Tribunal não houver produzido essas provas, contra o disposto no artigo 340 do Codigo de Processo Penal.
- Refere-se a certos meios de prova aparentemente individualizados e, paradoxalmente , tambem a restante prova da acusação, da defesa e a prova na sua globalidade, o que viola o artigo 374 - 2, significa contradição insanavel na fundamentação, que, nos termos dos artigos 410 - 2, b) e 426, todos do Codigo de
Processo Penal, provoca o reenvio do processo para novo julgamento;
- A obrigatoriedade da indicação das provas visa garantir que se seguiu um processo logico e racional e na sentença não se encontram os motivos de facto que permitiram ao tribunal concluir no sentido em que o fez quanto a materialidade sobre cuja prova se pronunciou; e o Supremo Tribunal de Justiça deve pronunciar-se sobre se na sua decisão o tribunal recorrido se baseou realmente em prova existente, por ser questão de direito; e a sentença recorrida escamoteia, por ausencia de fundamentação, qual o modo pelo qual alcançou as conclusões facticas referentes a aspectos nucleares, como que o recorrente espetou uma faca no peito de Q, que a faca de ponta e mola encontrada pertencia a um tal O e foi usada por um tal P, que quando o recorrente espeta a faca no
Q o B e o M estavam junto a porta do P.S.R;
- Ao agir assim, o Tribunal, alem de violar o artigo
374 - 2, arrasta a nulidade do artigo 379, do Codigo de
Processo Penal e afronta o artigo 208 - 1 da Constituição da Republica.
- A materia dada como provada e insuficiente para a decisão a que se chegou, o que implica o vicio previsto no artigo 410 - 2, a) do Codigo de Processo
Penal, que determina o reenvio do processo.
- Ao dar como provado que o recorrente empunhava uma faca, cujas caracteristicas não foi possivel determinar, a sentença deveria ter considerado se estava ou não provado, sob pena de insuficiencia, onde teria sido obtida a faca, quando e como teria sido usada, quando e quem a teria visto usar e que destino teve; e se tal instrumento era adequado a gerar o efeito que se diz ter provocado;
- Como se ve das actas de audiencia, foi indeferida a junção e exibição de uma fotografia do cadaver do Q, a exibição a uma testemunha das roupas que vestia a vitima, a audição do medico legista e da tecnica do laboratorio de Policia Cientifica da Policia Judiciaria, como testemunhas, a acareação entre os "socorristas" O e P e entre R e o guarda da Policia de Segurança Publica, Rego e audição da testemunha S, o que integra a nulidade prevista no artigo 120 - 2, d) do Codigo de
Processo Penal, viola o artigo 340 do mesmo Codigo e as garantias de defesa consignadas no artigo 32 da Constituição da Republica, bem como, por falta de fundamento, o artigo 97 - 4 do Codigo de Processo Penal e ainda o artigo 208 - 1 da Constituição da Republica e
340 do referido Codigo;
- Ao dar simultaneamente como provado que o recorrente era "skinhead" e acompanhava com alguns jovens que se autodenominavam "skinhead" a sentença enferma de insanavel contradição, caindo sob a alçada do artigo
410 - 2, b) do Codigo de Processo Penal.
- O crime de participação em rixa não pode cumular-se materialmente em concurso real com o de homicidio voluntario, devendo ser por este consumido, pelo que foram violados os artigos 30, 78, 79 e 151 do Codigo
Penal, alem de que tal crime pressupõe a reciprocidade entre plenos contendores situados em campos opostos, o que não e o caso dos autos, em que os arguidos estavam todos do mesmo lado, e a voluntariedade na participação;
- Face ao Decreto 401/82 e artigos 72 e 74 do Codigo
Penal, deveria ter-se escolhido medida punitiva menos grave situada abaixo do escalão determinado por metade do maximo abstracto da pena anterior a atenuação especial, para o homicidio;
- Deve ser revogado o acordão recorrido, determinando-se o reenvio do processo para novo julgamento ou, se assim não se entender e a cautela, aplicar uma pena manifestamente inferior ao limite encontrado.
Motivou o Ministerio Publico:
- O arguido B foi condenado pela co-autoria do crime de homicidio voluntario na pena de 5 anos de prisão e o arguido A na pena de 10 anos de prisão - ambos com a atenuação especial dos artigos 73 e 74 do Codigo Penal, o segundo por força do artigo 4 do Decreto 401/82, por ter 18 anos;
- E as circunstancias verificadas não permitem que a pena imposta ao B se afaste mais de 3 anos da imposta ao A;
- Foram violados os artigos 73 e 74 referidos.
Responderam:
- O Ministerio Publico a motivação dos arguidos B e A (folhas 1134 e 1159), pronunciando-se pela negação de provimento a esses recursos;
- O arguido A (folhas 1177) a motivação do Ministerio Publico, pronunciando-se pelo improvimento do recurso;
- Os arguidos M e C (folhas 1184) a motivação do Ministerio Publico e dos arguidos B e A, discordando da do Ministerio Publico e acrescentando com a do arguido A.
- O arguido B a motivação do Ministerio
Publico e os assistentes Custodio e T a do arguido A, mas fizeram-no fora de prazo
(artigo 413 - 1 do Codigo de Processo Penal e folhas
1132 - 1186 e 1132 - 1201), pelo que tais respostas não podem ser tidas em consideração.
Correram os vistos legais e teve lugar a audiencia de julgamento, cumprindo agora decidir.
A materia de facto dada como provada e a constante do acordão recorrido, de folhas 1015 a 1022 verso e de folhas 1023 verso a 1024 verso, que aqui se da como reproduzida para os efeitos legais.
(Recurso do arguido B):
Dispõe o artigo 26 do Codigo Penal que e punido como autor quem toma parte directa na execução do facto, por acordo ou juntamente com outro ou outros.
Na comparticipação criminosa sob a forma de co-autoria e essencial uma decisão conjunta em vista da obtenção de determinado resultado e uma execução igualmente conjunta; mas não e indispensavel que cada um dos agentes intervenha em todos os actos a praticar para a obtenção do resultado, bastando que a actuação de cada um, embora parcial, seja elemento de todo indispensavel a produção do resultado; e co-autora de um crime todo aquele que deu causa a sua realização, mesmo que não tenha tomado parte directa, nos seus actos de execução.
As actividades parciais de cada um dos comparticipantes reunem-se num todo, porque não são mais do que uma parte de uma obra comum; a vontade dirige-se a realização de uma empresa comum, devendo haver por parte de cada um deles a consciencia da colaboração na actividade dos demais para a realização integral do crime.
Pode merecer que um agente, por acordo, conduza outrem a levar a cabo com ele uma actividade executiva preparatoria ou facilitadora de um crime; e então, numa parte estamos em face de uma autoria mediata e na restante em face de uma autoria imediata ou material; na medida, porem, em que a determinação resultou do acordo, o autor imediato de uma actividade e autor mediato da conduta que o outro executou; e tais casos dão lugar ao conceito de co-autoria: um agente, por acordo e conjuntamente com outro ou outros, toma parte imediata na execução de um crime e estaremos perante uma hipotese de co-autoria.
A colaboração dos co-autores na realização de um crime pode iniciar-se antes do começo da execução e reveste então a forma de conceito criminoso, exigindo o previo acordo dos co-autores para a realização do crime.
Os dados que ai ficam foram recolhidos no Codigo Penal
- 4 edição do Dr. Maia Gonçalves, em nota ao artigo
26, nas Lições de Direito Penal - 2 edição, 1945, pagina 575, do Professor Cavaleiro de Ferreira e na Comparticipação Criminosa, pagina 135, e Direito Criminal, II, pagina 253, do Professor Eduardo Correia.
Ora, o recorrente B interveio na desordem ocorrida, usando um tubo de ferro, com 70 centimetros de comprimento e 2 centimetros de diametro; o falecido Q arremessou-lhe um pau, fazendo-o largar o tubo de ferro; avançou para o Q e ambos lutaram corporalmente; voltou a apanhar o tubo de ferro e com ele deu uma pancada no pescoço de L; com o mesmo bateu na porta da sede do P.S.R. para a abrirem.
O co-arguido A levava consigo uma faca, cujas caracteristicas não foram determinadas, avançou, empunhando-a com a lamina para cima e para a frente, e, estando o Q de braços abertos e a recuar, espetou-lhe a faca no peito, produzindo-lhe lesões causais da morte.
E o recorrente B sabia (como os arguidos M e C) que o A usava habitualmente armas brancas, designadamente facas de mato e de cozinha, que utilizava em conflitos com terceiros e que na ocasião usava uma faca, que podia agir como agiu, por forma a tirar a vida a algum dos opositores e, estando ciente de tal facto, admitiu tal resultado como provavel e aceitou-o; e agiu, como ficou dito, na execução do plano previamente entre todos delineado e aceite.
Resulta assim que o B tomou parte directa na execução dos factos que causaram a morte ao Q; por acordo e juntamente com os arguidos A, M e C, acordo entre eles estabelecido anteriormente aos factos levados a cabo por cada um na execução do plano que haviam traçado.
Na realidade ele acordou previamente com os ditos co-arguidos ir impedir a realização do espectaculo na sede do P.S.R., aceitando que na desordem a ocorrer o A viesse a matar algum dos contendores, com tal se conformando; e colaborou e interveio na desordem pela forma que ficou referida, dessa forma tomando parte na obra comum de que veio a resultar a morte do Q; actuando por si e aceitando como sua a actuação dos outros.
Os termos do acordo estabelecido entre os arguidos referidos são os que resultam de ter ficado provado que agiram na execução do plano previamente entre eles delineado e aceite, isto e, que os termos do plano foram os correspondentes a conduta que tiveram, pois com a sua conduta executaram o plano que haviam traçado
- "agiram na execução do plano".
Por outro lado, o recorrente sabia que a faca em poder do A era adequada a produzir a morte, ja que sabia que o A podia agir com ela de forma a tirar a vida a algum dos opositores, como ficou provado.
E e irrelevante que pudesse ou não obstar a conduta do
A, contando apenas que não obstou, mas antes que esteve de acordo com a conduta deste e respectivo resultado.
Vai, assim, o recorrente B (como alias os co-arguidos M e C) sob a alçada do artigo
26 do Codigo Penal como co-autores do crime de homicidio em causa.
Quanto a medida da pena (e adiantando ja materia respeitante tambem ao recurso do Ministerio Publico) ha que observar que a pena aplicavel e de 2 anos a 13 anos e 4 meses de prisão - artigo 132 - 1 e 2 f), 73 - 1 e
74 - 1 do Codigo Penal;
E elevado o grau de ilicitude das partes, ja que violadores do bem fundamental e primeiro da pessoa, que e a vida.
A culpa apresenta-se algo mitigada, atento o condicionalismo unificado, em especial a actuação do recorrente (menos grave e eficaz que a do co-arguido A) e a menor intensidade do dolo, que revestiu a forma mais benevola de eventual (artigo 14 - 3 do Codigo Penal).
Tinha a data dos factos 21 anos, idade ainda algo imatura mas ja suficiente para ter uma percepção e apreciação correcta dos factos; confessou estes, embora colocando-os sob uma versão favoravel a si; e primario.
Foi ele que deu aos co-arguidos a sugestão de irem a sede do P.S.R. para impedirem a realização do espectaculo a que ali se iria proceder.
E não podem deixar de estar presentes as necessidades de reprovação e de prevenção de crimes de homicidio voluntario, que vem grassando em Portugal, muitas vezes por forma barbara e alarmante, como se sabe atraves da imprensa e de processos que sobem a este Tribunal.
Neste condicionalismo e face ao artigo 72 do Codigo
Penal, a pena aplicada de 5 anos de prisão, bastante abaixo da media da aplicavel, afigura-se deficiente para a gravidade dos factos, pelo que deve aproximar-se mais daquela media, ficando embora abaixo dela, julgando-se, por isso, adequada e correcta a de 6 anos de prisão.
Quanto aos crimes de ofensas corporais sobre I e J, ficou provado, contra o alegado pelo recorrente, que das descritas actuações conjuntas dos arguidos B, M, C, A, E e H resultaram: Para o I as lesões descritas no auto de exame constante de folhas 120 ...; para J as lesões descritas no auto de exame de folhas 113 e 309 ...; que agiram em comunhão de esforços, querendo atingir a integridade fisica dos individuos que se encontravam no beco, sabendo todos que o B, o M, o E e o H usaram instrumentos (tubo de ferro, pau e pedras) aptos a causar lesão.
Praticou, pois, o recorrente tambem os crimes de ofensas corporais do artigo 144 - 2 do Codigo Penal por que foi condenado nas pessoas de I e J, sendo aqui de aplicar os principios acima referidos sobre a co-autoria.
A pena correspondente a esses crimes e a de 6 meses a 3 anos de prisão; por isso e tendo presente o circunstancialismo verificado e acima referido, a pena de 1 ano de prisão para cada um dos crimes de ofensas corporais, muito abaixo da media da aplicavel, não merece censura, face ao disposto no artigo 72 do Codigo Penal.
No que respeita ao crime de participação em rixa do artigo 151 - 1 do Codigo Penal, ha que saber em que consiste tal crime.
O Dr. Maia Gonçalves, no seu Codigo Penal, esclarece que ficou colmatada uma omissão que se fazia sentir, pelas dificuldades de provar quem causara as lesões corporais aquando de uma rixa, pois o simples tomar parte nesta não era incriminado pela lei anterior;
Uma rixa e uma desordem entre duas ou mais pessoas para se agredirem mutuamente; este artigo contem disposições residuais em relação aos crimes de ofensas corporais e homicidio, havendo sempre que indagar em vista de saber se não existira qualquer desses crimes, caso em que o de participação em rixa fica consumido;
Distingue-se a rixa de uma luta entre dois grupos rivais com posições definidas: se lutarem quatro pessoas, duas de cada lado, havera ofensas corporais e não rixa; tambem a rixa pressupõe que não ha acordo ou pacto previo entre os intervenientes; se esse pacto existir, estaremos no campo da comparticipação nos crimes de ofensas corporais ou de homicidio;
Se numa rixa for possivel apurar quem matou ou causou lesão corporal, esse respondera por homicidio ou ofensa corporal, todos os demais responderão por participação em rixa no caso de não lhes poder ser imputada responsabilidade (por comparticipação ou actuação paralela) no homicidio ou na ofensa corporal;
Do exposto se conclui que a novidade trazida pelo artigo 151 do Codigo Penal foi poder ainda aqueles casos de desordem em que, resultando morte ou ofensas corporais, não se conseguia apurar qual o autor desses crimes, caso em que todos os intervenientes ficavam impunes - o que algumas vezes acontecia.
E o disposto no artigo 151 veio colmatar essa brecha, mandando punir os intervenientes em rixa so pelo simples facto de nela intervirem, se não se provar a sua responsabilidade em crime de homicidio ou ofensas corporais; provando-se esta, por ela respondem e não por participação em rixa, que então fica consumida por aquela.
Ora , no caso presente, o recorrente e responsavel pelos crimes de homicidio e ofensas corporais, como se viu, pelo que fica afastada a sua mera responsabilidade, digo, a sua mera participação na desordem.
Acresce que se trata aqui de grupos rivais com posições definidas, funcionando as regras da comparticipação e não de rixa, que tambem e afastada pelo acordo existente entre os intervenientes em causa, conforme o exposto.
Não pode, pois, o recorrente B ser condenado pelo crime do artigo 151 - 1 do Codigo Penal, de que tem de ser absolvido, como todos os demais arguidos por ele condenados - A, C, M, E e H (artigo 402 - 2 a) e 403 - 3 do Codigo de Processo Penal).
(Recurso do arguido A):
O artigo 374 - 2 do Codigo de Processo Penal (como os que se referirem sem indicação de diploma) prescreve que a fundamentação da sentença consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma reposição, tanto quanto possivel completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
O acordão recorrido enumerou os factos provados, antecedendo-os das expressões:
"Deu como assente, por provada, a seguinte materia factica" e "materia complementar que o tribunal colectivo deu como assente, por provada, resultante da discussão da causa".
E enumerou as partes não provadas com a expressão: "da discussão da causa não deu o tribunal assente, por provado, que", e "Não resultou igualmente provado
(materia da contestação)":
E declarou que "fundou o Tribunal Colectivo a sua convicção":
1 - Na declaração dos arguidos F e G (que foram absolvidos);
Nas confissões parciais os restantes arguidos;
2 - No depoimento das testemunhas seguintes, as quais depuseram com rigor e isenção por forma a se terem por dignos de fe os respectivos depoimentos:
I, U, V, J, X, Z, L e demais testemunhas de acusação identificadas em auto e ainda das testemunhas de acusação e defesa A1, B1, entre outros identificados em auto e na generalidade das testemunhas de defesa:
3 - No exame de relatorios sociais, que respeitamos por bem elaborados pelo IRS;
4 - Nos exames elaborados pelo Laboratorio de Policia Cientifica;
5 - No auto de autopsia, auto de folhas 570 e depoimento da testemunha Sombreireiro (que e o perito de Medicina Legal);
6 - Nos autos de exame, de exame directo e de sanidade;
7 - Outros documentos apresentados com a contestação e avaliação final da prova na sua globalidade.
A citada disposição manda enumerar os factos provados e não provados.
Exame que "deu como provada" e "não deu como provada" e o mesmo que escrever que "deu como provada" e "deu como não provada"; o que importa e que se perceba o que deu como provado e o que deu como não provado.
E a esse respeito o acordão não oferece duvidas e nem o recorrente os sentiu.
Alias, o acordão recorrido, como se referiu acima, usou as expressões: "Deu como assente, por provada" e não
"Deu como assente, por provada" e não "Não deu o
Tribunal assente, por provado" e "Não resultou igualmente provado".
Tais expressões podem não ser as mais indicadas e perfeitas para o efeito, mas exprimem com clareza o que se pretendeu exprimir.
Não foi ai violado o artigo 374 - 2 nem, por conseguinte, cometida qualquer nulidade, designadamente as invocadas dos artigos 120 - 2 d) e 379 - a).
O artigo 340 prescreve que o Tribunal ordena a produção dos meios de prova, cujo conhecimento se lhe afigure necessario.
Ora, isso não tem relação com a referencia na sentença a não dar como provado certo acervo do facto.
A produção dos meios de prova e anterior e ao declarar na sentença não provados certos factos exprime uma situação resultante das provas produzidas, como não pode deixar de ser.
O Tribunal, na fundamentação da sua convicção refere-se, alem do mais, a meios de prova individualizados: declaração dos arguidos Francisco e
Vargas, confissões parciais dos restantes, depoimentos de testemunhas nomeadas e ainda as demais testemunhas de acusação, generalidade das testemunhas de defesa e avaliação final da prova na sua globalidade.
Tal maneira de se reprimir não deixa de conter a indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, como exige a parte final do artigo 374 - 2, que assim não foi violado.
Diga-se que não foi indicada no acordão como prova a prova na sua globalidade, antes se referiu a avaliação da prova na sua globalidade, o que e diferente.
E criticar provas concretas (declarações e depoimentos de provas individualizadas) e "demais testemunhas de acusação e generalidade das testemunhas de defesa" não constitui contradição, nos autos complemento, pelo que não se verifica ai o vicio previsto no artigo 410 - 2 b) nem, por isso, se justifica o reenvio do processo para novo julgamento (artigo 426).
O artigo 374 - 2 manda expor sucintamente os motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação das provas.
Ora, não sugere duvida que o acordão recorrido indicou, e isso so refere a disposição legal, as provas; mas ainda fez mais, replicou o respectivo valor para a convicção do Tribunal.
Quanto aos motivos, afigura-se que aqueles a que se refere a disposição legal são os motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, no singular. A decisão sera, pois, a decisão final, sendo seus motivos de facto a respectiva materia de facto e a sua qualificação e enquadramento juridico os motivos de direito.
Se os motivos se referissem a decisão de facto, coma afinal não pode deixar de ser fundamentada, então a lei deveria referir-se a decisão, no plural.
Mas, ainda que os motivos se refiram a decisão de facto, mesmo assim o acordão recorrido motivou nessa parte, declarando que os depoimentos foram quesitados com rigor e isenção por forma a terem-se por dignos de fe, que os relatorios sociais foram bem elaborados; no que respeita a exames seriam desnecessarias considerações. por o seu valor ser do conhecimento geral.
A indicação das provas visa não principalmente a fiscalização do Tribunal, por esta ser de dificil se não impossivel execução (salvo no que se refere a prova vinculada) em face da livre apreciação da prova conferida ao Tribunal pelo artigo 127, mas antes fazer incidir a atenção do Tribunal no momento de avaliar e decidir sobre as provas concretamente produzidas.
Ao Supremo Tribunal de Justiça nessa parte so e permitido intervir para verificar se ocorreu algum dos vicios constantes do artigo 410 - 2 e 3, por força do artigo 433, vicios que hão-de resultar apenas do texto da decisão recorrida, por si so ou conjugada com as regras da experiencia comum.
Conforme o exposto e embora sucintamente o acordão recorrido observou o disposto no artigo 374 - 2, pelo que não se verifica a nulidade do artigo 379 - a).
Como tambem não foi violado o artigo 208 - 1 da Constituição da Republica, pois, de acordo com o exposto, a decisão, recorrida foi fundamentada nos termos prescritos na lei - exigencia contida na disposição constitucional.
Dando-se como provado que o recorrente empunhava uma faca, cujas caracteristicas não foi possivel determinar, não era indispensavel para a decisão proferida, por se tratar de factos irrelevantes, saber onde foi obtida, quem a teria visto usar e que destino teve; e quando e como foi usada pelo arguido ficou provado; como que era adequada a produzir o efeito que produziu, resulta de que com ela, no dia e local referenciados, o recorrente matou o Q.
Não se verifica, pois, o vicio referido no artigo 410 -
2 - insuficiencia da materia de facto.
O indeferimento de diligencias no decurso da audiencia de julgamento e assunto que escapa a apreciação deste
Supremo Tribunal de Justiça, porque o Tribunal "a quo" devera agir de acordo com o disposto no artigo 30 - ordena-las se se lhe afigurassem necessarios.
Se o eram ou não, não pode este Tribunal apreciar, por isso respeitar a materia de facto, subtraida a sua apreciação.
Se o Tribunal "a quo" não as ordenou, não pode deixar de entender-se que foi porque as não julgou necessarias.
Não pode, assim, concluir-se pela nulidade prevista no artigo 120 - 2 d) nem pela violação do artigo 97 - 4.
De resto e decisivamente, mesmo que tal nulidade se tivesse verificado, ela estaria sanada nos termos do artigo 120 - 3 a), por falta de arguição tempestiva.
Não se podem, pois, considerar violados os artigos 32 e
208 - 1 da Constituição da Republica, 340, 120 - 2, d) e 97 - 4 do Codigo de Processo Penal.
Dar como provado que o recorrente era "skinhead" e que acompanhava com alguns jovens "skinhead" não constitui manifestamente contradição; o contrario e que seria anomalo. Como não constitui contradição ser do Benfica e acompanhar com benfiquistas ou ser protestante e acompanhar com protestantes ou ser catolico e acompanhar com catolicos.
Portanto, não se verifica ai o vicio apontado no artigo
410 - 2 b) - contradição insanavel.
Quanto ao crime de participação em rixa, são aqui aplicaveis, "mutatis mutandis", as considerações feitas a proposito do recurso do arguido B, pelo que desse crime tem o recorrente de ser absolvido.
O recorrente foi condenado pelo crime dos artigos 131 e
132 - 1 e 2 f) do Codigo Penal, com referencia aos artigos 4 do Decreto 401/82, de 23 de Setembro e 73 e
74 do Codigo Penal, em 10 anos de prisão.
A pena aplicavel e de 2 anos a 13 anos e 4 meses de prisão.
E elevado o grau de ilicitude do facto, por violador do bem supremo do homem, que e a vida; a culpa apresenta-se sob a sua forma mais grave de dolo directo
(artigo 14 - 1 do Codigo Penal); são prementes as necessidades de reprovação e prevenção do crime de homicidio voluntario, dada a sua frequencia no pais, como se constata atraves das numerosos processos que sobem a este Tribunal.
Por outro lado, o recorrente confessou apenas parcialmente os factos, agiu sob embriaguez parcial, mostra-se arrependido e e primario e portador de personalidade imatura e de condição media.
Tais circunstancias são de valor reduzido, salvo a da personalidade imatura, apesar, contudo, de ter ao tempo
18 anos - dois anos acima da idade em que começa a imputabilidade penal.
Agiu por forma e meio sabidamente perigoso - com faca.
Assim, perante o circunstancialismo em que os factos ocorreram, a medida da pena, em face do artigo 72 do
Codigo Penal, devera subir acima da media abstracta, embora mais proximo desta do que do seu maximo.
Por isso, se reputa adequada e correcta a pena imposta de 10 anos de prisão.
(Recurso do Ministerio Publico):
Foi o arguido B condenado pelo crime dos artigos 131, 132 - 1 e 2 f), com referencia aos artigos
73 e 74 do Codigo Penal, na pena de 5 anos de prisão.
E pretende o recorrente - Ministerio Publico - que a pena a aplicar-lhe não se afaste de tres anos da imposta ao arguido A - de 10 anos.
No recurso respeitante ao arguido B, por este interposto, ja ficou exposto que a pena a aplicar-lhe deve ser a de 6 anos de prisão.
E no recurso do arguido A que a pena adequada para este e a aplicada de 10 anos de prisão.
Desta forma sucede que se verifica a diferença de 4 anos, contra o que o digno recorrente se insurge.
Mas, a verdade e que a probidade da conduta do arguido
A foi bastante mais elevada que a da conduta do arguido B, pelo que se justifica uma diferença substancial na medida das respectivas penas.
Alem disso, nada impõe a pretendida diferença minima de tres anos.
Em tudo o mais não ha reparos a fazer ao acordão recorrido.
Nestes termos e concedendo provimento parcial a todos os recursos:
1) - Absolvem do crime do artigo 151 - 1 do Codigo
Penal os arguidos A, B, C, M, E e H;
2) - Condenam o arguido B, pelo crime dos artigos 131, 132 - 1 e 2 f), 73 e 74 do Codigo Penal, na pena de seis anos de prisão;
3) - Em consequencia, alteram as penas fixadas em cumulo, nos termos do artigo 78 do Codigo Penal, para as seguintes: a) - A - 11 (onze) anos de prisão; b) - B - 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão; c) - C - 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão; d) - M - 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão; e) - E - 14 (catorze) meses de prisão; f) - H - 18 (dezoito) meses de prisão;
4) - Mantem-se no mais o acordão recorrido, incluindo a suspensão da execução da pena dos arguidos E e H.
Da aplicação da Lei 23/91, de 4 de Julho, conhecer-se-a na 1 instancia, alem de mais para não subtrair um grau de jurisdição.
Vão os recorrentes B e A condenados a pagar, respectivamente, 4 e 8 UC, com 1/3 dessas taxas de procuradoria.
Lisboa, 29 de Janeiro de 1992.
Jose Saraiva,
Ferreira Vidigal,
Ferreira Dias,
Pinto Bastos.
Decisão impugnada:
I - Acordão de 91.06.07, do 1 Juizo, 1 Secção Criminal de Lisboa.