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MUTUO
NULIDADE POR FALTA DE FORMA LEGAL
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
INDEMNIZAÇÃO
INFLACÇÃO
Sumário
I - As regras do enriquecimento sem causa não são aplicaveis ao caso de um mutuo nulo por falta de forma. II - Por isso, nos termos do n. 1 do artigo 289 n. 1 do Codigo Civil, a prestação a restituir em virtude da declaração de nulidade do negocio não pode ser actualizada.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
Na acção com processo ordinario que intentaram contra
A, e marido B, os autores C e mulher D, alegando terem dado de emprestimo aos reus a importancia de 1582769 escudos, com a qual a re mulher, filha deles, adquiriu um andar para sua habitação, pedem, com base na nulidade do mutuo por falta de forma, que os reus sejam condenados, solidaria ou conjuntamente, a restituir-lhes aquela importancia, acrescida de uma indemnização correspondente a diferença do valor da fracção autonoma adquirida com tal quantia.
So o reu B contestou, defendendo-se por excepção e por impugnação. Alem, invocando a prescrição do direito a restituição por enriquecimento sem causa (artigo 482 do Codigo Civil) e, aqui, defendendo estar ele apenas obrigado a restituir a quantia invocada, sem quaisquer juros ou indemnização.
Houve replica, na qual os autores responderam a materia de excepção, tendo, em seguida, o Meritissimo Juiz julgado logo no despacho saneador a acção procedente em parte,com a condenação dos reus a pagar aos autores a ajustada quantia de 1582769 escudos.
Inconformados com o assim decidido, dele apelaram os autores, mas a Relação de Evora confirmou a sentença recorrida.
E do douto acordão que assim julgou que os autores trazem, agora, a presente revista, em cuja alegação eles formularam as seguintes conclusões: a) Os autores, que são pais e sogros dos reus, entregaram-lhes 1582769 escudos, para a compra do andar que habitavam, pelo que a vontade das partes foi a de celebrarem um contrato real; b) mas o contrato não foi titulado por escritura publica, pelo que esta ferido de nulidade, nos termos dos artigos 1142, 1143 e 220 do Codigo Civil e 89 do Codigo do Notariado; c) tal nulidade tem efeito retroactivo, nos termos do artigo 289 n. 1 do Codigo Civil, preceito que "deve ser entendido de harmonia com as regras do enriquecimento sem causa" (Vaz Serra, in Revista de Legislação e Jurisprudencia, ano 102, paginas 360); d) aquele efeito retroactivo so pode significar que os autores devem ficar na mesma situação em que estavam anteriormente a celebração do contrato anulado, ou seja, receberem a quantia suficiente para adquirirem um andar identico ao que foi comprado; e) a obrigação que impende sobre os reus, em razão da declarada nulidade, e uma divida de valor e não uma divida de dinheiro, pelo que o principio nominalista e inaplicavel no caso "sub-iudice"; f) ou então, perante a indicação do fim do emprestimo,confessado pelos reus, tem de entender-se que houve estipulação em contrario daquele principio, consoante se preve no artigo 550 do Codigo Civil; g) pelo que so condenando-se os reus a entregarem aos autores a quantia correspondente ao valor do andar se evitara que os mesmos reus enriqueçam o seu patrimonio a custa dos autores; h) a subsidiariedade consagrada no artigo 474 do Codigo Civil pressupõe que a lei não faculte ao empobrecido outro meio de ser indemnizado; i) autores e reus tiveram igual culpa na falta de escritura publica, sendo, porem, caso de presumir-se a boa fe dos contratantes; j) entretanto, se o invocado contrato e nulo, como esta definitivamente decidido, não e legitimo invocar qualquer clausula do mesmo, designadamente a do não vencimento de juros; l) entre outras disposições legais, o alias douto acordão recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 289, 474 e 550 do Codigo Civil.
O recorrido, por sua vez, pronunciou-se no sentido de ser mantido o acordão recorrido.
Cumpre, então, decidir.
Deram as instancias como provada a seguinte materia de facto:
Os autores são casados, um com o outro, sob o regime da comunhão geral de bens e os reus são casados entre si sob o regime da comunhão de adquiridos.
Os autores são pais da re mulher.
Em 19 de Setembro de 1979, os reus pediram emprestados aos autores 1582769 escudos para a compra do andar onde o casal estabeleceu a sua habitação.
Na mesma data a re mulher adquiriu pelo preço de
1500000 escudos a fracção autonoma designada pela letra
X, correspondente ao 8 andar, lado direito, dum predio sito na Avenida Brasil, em Santarem, descrito na Conservatoria do Registo Predial de Santarem sob o n. 68758, a fls 169, do livro B-176, afecto ao regime de propriedade horizontal, aquisição que se encontra registada a favor dos reus pela inscrição 79228, a folhas 16 verso, do livro G-103 da mesma Conservatoria.
O negocio efectuado entre os autores e os reus não foi titulado por escritura publica.
Vejamos, então:
Antes de mais ha que dizer que o acordão recorrido, na parte em que declarou nulo o contrato do mutuo celebrado, por falta de forma, de modo algum foi posto em crise.
E este, portanto, um ponto assente. Mas assente e tambem que por força do que se prescreve no n. 1, do artigo 289 do Codigo Civil, em vista da declaração de nulidade do negocio, tem de ser restituido tudo o que tiver sido prestado, ou, se a restituição em especie não for possivel, tera de ser restituido o valor correspondente.
Ora, o que os apelantes discutem, agora, e pretendem e que a restituição não deve limitar-se ao valor efectivamente mutuado, mas deve corresponder ao valor actual do andar que com o dinheiro emprestado foi adquirido.
Ha, pois, que averiguar o que e que tem de ser restituido - se so e apenas o que tiver sido prestado, se tambem, para alem disso, o correspondente a valorização do andar que foi adquirido com o dinheiro mutuado.
A Relação decidiu - e diga-se, desde ja, que decidiu bem - que ha que restituir apenas a importancia que foi mutuada, muito embora tal importancia possa valer, agora, menos do que valia quando o dinheiro foi emprestado aos reus.
Mas digamos porque e que o tribunal recorrido decidiu correctamente.
Pretendem os apelantes que no caso de um mutuo nulo por falta de forma a restituição decorrente da nulidade deve ser entendida de harmonia com as regras do enriquecimento sem causa.
E invocam o Professor Vaz Serra em defesa deste seu ponto de vista.
Mas, salvo o devido respeito, não tem razão.
Estabelece, com efeito, o citado artigo 289 n. 1, que
"tanto a declaração de nulidade como a anulação do negocio tem efeito retroactivo, devendo ser restituido tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em especie não for possivel, o valor correspondente".
E, afinal, a doutrina que se harmoniza com o velho brocardo latino "quod nullum est, nullum efectum producit".
Isto quer dizer que se o negocio foi cumprido, devem as coisas voltar ao "statu quo ante", devem as coisas ser repristinadas.
Mas este n. 1, do artigo 289 tem sido entendido de maneira diversa.
Para Vaz Serra - como dissemos - as prestações efectuadas em cumprimento de um negocio nulo ou anulavel (e depois anulado) são prestações indevidas, sendo, por conseguinte, a sua restituição uma retribuição do indevido, prevista no artigo 476 e regulada nos seus efeitos pelos artigos 479 a 481 todos do Codigo Civil - confere Revista de Legislação e Jurisprudencia, 108, paginas 71, 102, paginas 104 e
363 e 109, paginas 31.
Estando-se, portanto, perante uma restituição em numerario, deve proceder-se a sua actualização em face da depreciação da moeda.
Mas o Professor Vaz Serra, ao defender, esta posição fez tabua rasa da historia do artigo 289 e da natureza subsidiaria da restituição por enriquecimento.
Para outros, porem, a leitura que fazem do citado n. 1, do artigo 289 e a de a restituição nele prescrita abranger tudo o que tiver sido prestado, não havendo que atender as regras do enriquecimento sem causa - confere Pires de Lima in:
Revista de Legislação e Jurisprudencia, ano 97 , paginas 37, Pires de Lima e Antunes Varela, Revista de Legislação e Jurisprudencia, ano 102, paginas 253 e 377, Mota Pinto, Notas sobre alguns temas da doutrina geral do negocio juridico segundo o novo Codigo Civil, paginas 475 e Galvão Teles, Direito das Obrigações, 3 edição, paginas 139.
Em defesa, deste ponto de vista invoca-se o caracter subsidiario da obrigação de restituir por enriquecimento sem causa, inequivocamente afirmada no artigo 474 do Codigo Civil.
E invoca-se ainda a eficacia retroactiva da declaração de nulidade - como resulta do n. 1, do artigo 289 citado - em oposição ao entendimento geralmente reconhecido de o enriquecimento sem causa ter um sentido não retroactivo e actualista, o que resulta claramente dos artigos 473 e seguintes do mesmo Codigo.
E a reforçar este entendimento ha que acentuar que não ha identidade de situações entre a inexistencia da obrigação a data em que a prestação foi efectuada, caracteristica da repetição do indevido, segundo o artigo 476, e a existencia de qualquer excepção a excluir a eficacia da obrigação, suposta da restituição por nulidade do negocio - confere Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, 2 edição, paginas 381.
Por ultimo, a historia do preceito que se contem no n. 1, do artigo 289 mostra-nos seguramente que a solução preconizada pelo Professor Vaz Serra não foi querida no nosso ordenamento juridico.
Com efeito, no ante projecto do Codigo Civil, nesta parte, havia um n. 2 do artigo 289 que prescrevia que
"a obrigação de restituir (a estabelecida no n. 1) segue as normas relativas ao enriquecimento sem causa"
- Boletim n. 89, paginas 235.
Embora esta orientação se tenha mantido na 1 Revisão Ministerial, ja o não foi, todavia, na 2 - confere Rodrigues Bastos, Das Relações Juridicas, IV, paginas 36.
Nesta revisão suprimiu-se o n. 2 da disposição do Anteprojecto, o que não pode deixar de ser significativo e, alem disso, ainda se alterou a redacção do n. 1, do preceito.
Neste, onde se dizia "devendo restituir-se o que tiver sido prestado" passou a constar "devendo restituir-se tudo o que tiver sido prestado", o que - julgamos - afasta a possibilidade de actualizar, por qualquer forma, a prestação a efectuar por força da anulação.
Ora, a impossibilidade de actualização da prestação impede que se apliquem os principios que regem a repetição do indevido - artigos 476 e 479 a 481.
Sendo assim - e como diz Antunes Varela - so fazendo tabua rasa desta mundança de orientação e que se pode ver na restituição proveniente da nulidade do negocio uma repetição do indevido - Das Obrigações em Geral, volume citado, paginas 387.
E certo que o Professor Vaz Serra entende que o argumento Cristonico e, se não nulo, pelo menos, de reduzido valor.
Mas, salvo o devido respeito, não e assim.
Basta ver que, de acordo com o artigo 9 do Codigo
Civil, o sentido decisivo da lei coincidira com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada atraves do texto legal, do relatorio do diploma e dos proprios trabalhos preparatorios da lei - confere Pires de Lima e Antunes Varela, Codigo Civil Anotado, I, 3 edição, paginas 58.
Parece, portanto, poder-se concluir que a prestação a restituir em virtude da declaração de nulidade do negocio não pode ser actualizada.
E não se diga que sendo o valor do escudo actualmente muito menor do que aquele que tinha quando os autores emprestaram o dinheiro aos reus havera que encontrar o valor correspondente aos dias de hoje.
E que o 2 trecho do n. 1, do artigo 289 manda, se a restituição em especie não for possivel, entregar o valor correspondente. E esse valor seria o valor correspondente aos dias de hoje.
Mas não pode ser esse o entendimento daquele 2 trecho.
Em primeiro lugar, porque a propria disposição da lei so permite a restituição do valor correspondente desde que não seja, possivel a restituição em especie. E no caso em apreço essa restituição e possivel; ela sera feita em escudos.
E depois, estando-se perante uma obrigação pecuniaria, o seu cumprimento e regido pelo principio nominalista.
Tratando-se de uma obrigação desta natureza, dispõe o artigo 550 do Codigo Civil que o seu cumprimento - salvo disposição em contrario - faz-se em moeda que tenha curso legal no Pais, a data em que for efectuado e pelo valor nominal que a moeda nesse momento tiver.
So interessa, pois, o valor nominal, facial ou extrinseco, isto e, aquele valor atribuido ou imposto por lei as especies monetarias e que se encontra, em regra, inscrito em cada uma delas.
Este principio nominalista, que não e absoluto, pois que o proprio artigo 550 admite que se possa estipular em contrario do que no preceito se contem, afigura-se, no entanto, de adoptar.
Como dizia Manuel de Andrade, ele evita serias dificuldades de apreciação, pois não e facil determinar o coeficiente exacto da desvalorização ou valorização da moeda entre o momento da constituição e o do cumprimento da obrigação.
E depois - e esta razão e a mais importante - o criterio de actualização das prestações pecuniarias pode levar tambem a graves injustiças, tudo dependendo da aplicação que o devedor tenha dado aos bens e, em particular, a soma devida, e da aplicação que o credor teria dado a mesma soma se a tivesse tido em seu poder
- confere Teria Geral das Obrigações, n. 55 - I.
Assim, a lei, ao dispor o que se contem no referido artigo 550 impõe ao credor que seja ele a suportar eventuais prejuizos decorrentes da depreciação da moeda.
Em breve parentese diga-se que se as coisas se passassem ao contrario, isto e, se a moeda em vez de se depreciar se tivesse, antes, valorizado, os ora apelantes não aceitariam certamente que lhes fosse restituida uma importancia inferior aquela que emprestaram aos reus.
E, pois, de concluir que o acordão recorrido decidiu de modo correcto o que foi submetido a apreciação da
Relação pelos apelantes.
E não podendo ser actualizada a prestação a restituir pelos reus aos autores esta encontrada a sorte do presente recurso.
Nega-se, por conseguinte, a revista, com custas pelos recorrentes.
Lisboa, 13 de Fevereiro de 1992.
Cabral de Andrade,
Moreira Mateus,
Albuquerque de Sousa.
Decisões Impugnadas:
I - Sentença de 89.11.04 do Tribunal da Comarca de Santarem;
II - Acordão de 90.12.04 da Relação de Evora.