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PROCESSO SUMARISSIMO
REENVIO
Sumário
No âmbito do art. 398º do Código de Processo Penal, havendo oposição do arguido, o juiz deve devolver o processo ao Ministério Público, que deve decidir sobre a forma de processo a seguir, notificar o arguido da acusação e para, se a opção for pela forma comum, requerer, querendo, a abertura de instrução.
Texto Integral
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto
I
1. Em 26/01/2009, o Ministério Público requereu, em processo sumaríssimo, a aplicação da pena de multa de 50 dias, à taxa diária de € 5,00, e da pena acessória de inibição de conduzir veículos a motor, pelo período de 5 meses, ao arguido B………., pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.
2. Distribuído o processo, supra identificado, ao ..º juízo criminal do Tribunal Judicial de Santo Tirso, foi proferido despacho, nos termos do n.º 2 do artigo 395.º do Código de Processo Penal, considerando adequado fixar a pena de multa em 100 dias e a pena acessória em 7 meses, o qual obteve a concordância do Ministério Público.
3. Foi, depois, o arguido notificado, nos termos e para os efeitos da alínea b) do n.º 1 do artigo 396.º do Código de Processo Penal [CPP].
4. O arguido deduziu oposição ao requerimento do Ministério Público.
5. Na sequência da dedução da oposição, foi proferido o seguinte despacho:
«Atenta a oposição manifestada a fls. 77, determina-se o reenvio do processo para a tramitação sob outra forma, nos termos do artº 398º, nº1 do C.P.P..
Dando a competente baixa, remeta os autos aos serviços do M.P., para que ali seja feita a notificação ao arguido da acusação (e do prazo para requerer a abertura de instrução, caso o M.P. entenda que o processo deve seguir a forma comum – cfr.art. 398º, nº2 do C.P.P.)
«(…)».
6. Do qual o Ministério Público recorreu, com as seguintes conclusões:
«1. O primeiro impulso processual na sequência da dedução de oposição por parte do arguido cabe ao Juiz.
«2. O Juiz deverá ordenar o reenvio do processo para outra forma que lhe caiba.
«3. No processo penal português existem apenas duas formas de processo, o processo comum e os processos especiais (estes subdivididos em processo sumário, processo abreviado e processo sumaríssimo).
«4. Independentemente da opção do Juiz relativamente à forma de processo que competir, ele não pode este escolher determinar o reenvio do processo para qualquer outra fase processual.
«5. Não existe qualquer normal legal que permita ao Juiz, no caso concreto, determinar o reenvio do processo para qualquer outra fase processual.
«6. Assim, deverá o julgador ater-se ao comando legal contido no artigo 398º, n.º 1 do CPP e determinar o reenvio do processo para outra forma processual que lhe couber.
«7. Dificilmente se compreenderia que o Juiz determinasse a remessa dos autos para a fase de inquérito (sob a tutela do Ministério Público), ordenando ao Ministério Público que seguisse nesse mesmo processo uma determinada forma processual (a qual não pode deixar de determinar nos termos do comando do artigo 398º, n.º 1 do CPP).
«8. Encontrando-se o inquérito encerrado e estando o processo já distribuído como processo especial sumaríssimo, da direcção de um Juiz e, não havendo nenhuma norma que preveja que é o Ministério Público que tem de notificar o arguido do requerimento que passa a equivaler à acusação e de que lhe assiste o direito de requerer a abertura de instrução e, existindo uma norma processual penal que regula uma situação análoga e que prevê que é no âmbito da fase em que o processo se encontra que se faz tal notificação, não se vislumbra qual o fundamento que está na base do despacho proferido, por via do qual remeteu os autos ao Ministério Público, para dar cumprimento às formalidades legais do inquérito, já encerrado e ultrapassado.
«9. A apresentação do requerimento de abertura da instrução não se encontra limitada à fase imediatamente subsequente ao inquérito, podendo acontecer mesmo após os autos já se encontrarem na fase de julgamento, como acontece, por exemplo, quando cessa a contumácia.
«10. Com a actual redacção do CPP, no seu artigo 398º, n.º 2, prevê-se expressamente que o arguido pode requerer a abertura da instrução na sequência da remessa do processo para outra forma, determinada pelo Juiz.
«11. A solução vinda de defender é a única compatível com o princípio da celeridade processual que se encontra subjacente à utilização das formas de processo especial, designadamente, o processo sumaríssimo, o qual não pode ter como consequência uma dilação processual nos casos em que o arguido não concorda com a sanção proposta pelo Ministério Público.
«12. Sem prescindir do que atrás se deixou exposto, o que se reitera apenas porque a norma em causa foi invocada no despacho recorrido, sempre se dirá que não existe qualquer fundamento legal para a decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz de Direito a quo.
«13. A decisão de determinar o envio para a forma de processo comum não contende com o princípio acusatório, uma vez que, ao fazê-lo, o Juiz não se encontra a exercer um qualquer juízo antecipado relativamente ao mérito do processo em qualquer das suas nuances ou perspectivas.»
Termina pedindo que o despacho recorrido seja revogado e substituído por outro que determine a forma processual que ao caso couber – no caso, a comum – e determine o prosseguimento dos autos para julgamento.
7. Ao recurso não foi apresentada resposta.
8. Admitido o recurso e sustentada tabelarmente a decisão recorrida, foi o apenso de recurso remetido a este tribunal.
9. Na oportunidade conferida pelo artigo 416.º, n.º 1, do CPP, o Ministério Público, nesta instância, acolhendo a tese sustentada no recurso, pronunciou-se pelo seu provimento.
10. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, não foi apresentada resposta.
11. Devendo o recurso ser julgado em conferência (artigo 419.º, n.º 3, alínea b), do CPP), colhidos os vistos, com projecto de acórdão, realizou-se a conferência.
Dos trabalhos da mesma procede o presente acórdão.
II
1. A questão posta no recurso está em saber se, deduzindo o arguido oposição ao julgamento do caso sob a forma de processo sumaríssimo, na decisão de reenvio prevista no artigo 398.º do CPP, se deve compreender que compete ao juiz decidir por outra forma de processo que lhe caiba e determinar as notificações ao arguido da acusação e para requerer a instrução, no caso de o processo seguir a forma comum.
2. Definido o objecto do recurso, dele passamos a conhecer.
2.1. Com a revisão do CPP, realizada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto (que entrou em vigor no dia 15 de Setembro de 2007), não foram alteradas as ideias centrais a que o processo sumaríssimo vem sendo reconduzido desde a sua consagração na versão primitiva do CPP de 1987. Mantêm-se as ideias de celeridade, consenso e ressocialização; mantém-se a forma sumaríssima como uma resposta às exigências de uma política criminal de diversão[1].
Na Exposição de Motivos da Proposta de Lei que esteve na origem da revisão refere-se que:
«No processo sumaríssimo introduzem-se apenas alterações pontuais, de que se destaca a possibilidade de o juiz, no caso de entender que a sanção proposta é insusceptível de satisfazer as finalidades da punição, fixar sanção diferente, com a concordância do Ministério Público e do arguido (artigo 397.º). Em alternativa, continua a prever-se a hipótese de reenvio, esclarecendo-se que ele se pode concretizar para outra forma de processo qualquer e não apenas para a comum.»
Concretamente quanto ao artigo 398.º, convocado pelo recurso:
O legislador esclareceu, no n.º 1, que, no caso de o arguido deduzir oposição, o juiz reenvia o processo para outra forma que lhe caiba e não necessariamente para a forma comum, como estabelecia a redacção anterior do artigo 398.º; se o arguido deduzir oposição, abre-se a possibilidade de o reenvio do processo para a forma processual comum ou, sendo ainda possível, para a forma de processo abreviado, equivalendo à acusação o requerimento do Ministério Público formulado nos termos do artigo 394.º
Mas não se ficou por aqui.
Sem merecer menção na Exposição de Motivos, o legislador acrescentou ainda um n.º 2 neste artigo. A norma do n.º 2 prevê que, em caso de reenvio do processo para outra forma que lhe caiba, o arguido é notificado da acusação, bem como para requerer, no caso de o processo seguir a forma comum, a abertura da instrução.
2.2. «A inexistência de tal norma no texto anterior tinha dado azo a diversas interpretações, havendo quem entendesse que no caso de o processo ser reenviado para a forma comum por oposição do arguido, os autos deviam ser enviados directamente para julgamento, tendo como base a acusação formulada pelo Ministério Público (-). No entanto, levantaram-se vozes no sentido de que, desta forma, se eliminaria uma garantia de defesa do arguido, que teria obrigatoriamente de ser julgado em processo comum, uma vez que não lhe era dada a possibilidade de requerer a abertura da instrução – este arguido teria um tratamento desigual relativamente a outro arguido em relação ao qual não tivesse sido requerida a forma de processo sumaríssimo (-). O n.º 2 do artigo 398.º veio agora esclarecer esta questão.»[2]
Também Paulo Pinto de Albuquerque[3]:
«No caso de reenvio para a forma comum, o MP deve notificar de novo o arguido do requerimento/acusação para que ele possa exercer o seu direito à instrução. A Lei n.º 48/2007, de 29.8, consagrou a jurisprudência do acórdão do TRG, de 6.1.2003 (in CJ, XXVII, 1, 294).»
Dos fundamentos do referido acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 06/01/2003, salienta-se:
«Em ambos os casos de reenvio para o processo comum, e numa clara preocupação do legislador em aproveitar os actos processuais anteriormente praticados, consignou-se que o requerimento acusatório equivale à acusação (artigos 395.º e 398.º do CPP)(-).
«Ora equivalendo tal requerimento à acusação, terá de entender-se que tudo funcionará como se não tivesse sequer havido requerimento para o uso do processo sumaríssimo, retomando o mesmo a tramitação processual imediatamente subsequente à dedução da acusação (artigo 283.º do CPP).
«Assim sendo, os autos têm de regressar à entidade a quem cabe proceder à notificação da acusação ao arguido, isto é, ao Ministério Público (artigo 53.º, n.º 2, alínea c), e 283.º, n.os 5 e 6, do CPP).»
Do que nos é dado saber, a jurisprudência tem sido constante, nesta matéria.
Podendo referir-se, v. g., os acórdãos da Relação de Lisboa de 26/11/2002, de 18/03/2003 e de 21/01/2004 e os acórdãos da Relação do Porto de 14/02/2007 e de 12/03/2008, todos devidamente identificados e sumariados por Vinício Ribeiro[4].
2.3. A introdução da norma do n.º 2 do artigo 398.º, dando corpo de lei à linha jurisprudencial que vinha sendo seguida na redacção anterior do artigo, não conforta a tese sustentada pelo Ministério Público no recurso.
Por outro lado, a nova redacção do preceito, ainda mais a prejudica.
Como o reenvio do processo não ficou restringido à forma do processo comum (n.º 1 do artigo 398.º), a opção «pela forma de processo que lhe caiba» não pode deixar de caber ao Ministério Público. É ao Ministério Público que compete optar pela forma de processo.
O juiz, verificando a legitimidade e tempestividade da declaração de oposição do arguido à forma de processo sumaríssimo, deve devolver o processo ao Ministério Público, para que o Ministério Público decida da forma que o processo deve seguir, notifique o arguido da acusação e, no caso de decidir pela forma de processo comum, notifique, ainda, o arguido para requerer a abertura da instrução. Nisto se esgota a decisão de reenvio prevista no artigo 398.º do CPP, a proferir pelo juiz[5].
Razões por que o despacho recorrido não merece qualquer censura.
III
Em função do exposto, negamos provimento ao recurso e confirmamos o despacho recorrido.
Não há lugar a tributação.
Porto, 15 de Julho de 2009
Isabel Celeste Alves Pais Martins
David Pinto Monteiro
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[1] Cf. Sónia Fidalgo, «O processo sumaríssimo na revisão do Código de Processo Penal», Revista do CEJ, Jornadas sobre a revisão do Código de Processo Penal, p. 297.
[2] Ibidem, pp. 313-314.
[3] Comentário do Código de Processo Penal, 2.ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, p. 1006.
[4] Código de Processo Penal, Notas e Comentários, Coimbra Editora, 2008, p. 841.
[5] Assim se decidiu no acórdão desta relação, e secção criminal, de 12/03/2008, com o seguinte sumário na ob. cit.: «O reenvio do processo sumaríssimo, previsto no artigo 398.º do Código de Processo Penal, significa a devolução do processo ao Ministério Público, a quem compete determinar a outra forma de processo. E cabe aos respectivos serviços a notificação ao arguido do requerimento/acusação.»