Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
DIREITO DE PREFERENCIA
ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
CADUCIDADE
MATERIA DE DIREITO
NEGOCIO JURIDICO
QUALIFICAÇÃO
DECLARAÇÃO NEGOCIAL
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Sumário
I - Os elementos essenciais a comunicar ao titular do direito de preferencia, nos termos do artigo 416, n. 1, do Codigo Civil, devem abranger todos os factores do negocio capazes de influir decisivamente na formação da vontade de preferir ou não, designadamente, o preço, condições do seu pagamento e pessoa do adquirente, este ultimo nos casos de o preferente ser comproprietario ou arrendatario. II - O Tribunal, incluindo neste termo o Supremo Tribunal de Justiça, e livre quanto a indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, inclusive quanto a qualificação dos negocios e declaração de vontade.
Texto Integral
Acordam, em conferencia, no Supremo Tribunal de
Justiça:
I - A instaurou esta acção de preferencia contra os reus:
1) B e
2) C pedindo que lhe seja reconhecido o direito de preferencia na venda feita pela re ao reu, por escritura de 19 de Fevereiro de
1986, do 2 andar esquerdo do predio sito na Avenida ...., Lisboa, do qual a Autora e arrendataria habitacional e propriedade da 1 re, pois esta não lhe deu conhecimento de todos os elementos essenciais da alienação, e alegando ainda que e simulado o preço constante daquela escritura, pois o preço real foi de 1000000 escudos e não 1400000 escudos.
Contestaram os reus alegando que a Autora foram comunicados todos os elementos essenciais da venda e que o preço da alienação foi, efectivamente, de 1400000 escudos, invocando a re a caducidade do direito que a Autora pretende exercer tardiamente, pelo que improcede a acção.
Replicou a Autora e o saneador-sentença julgou a acção improcedente, absolvendo os reus do pedido.
Apelou a Autora, mas o acordão da Relação confirmou o julgado. Desse acordão traz a Autora a presente revista com as seguintes conclusões:
1-2) A recorrente não deixou caducar o seu direito de preferencia, como se ve do documento de folhas 12 na notificação a fazer a Autora, a re B deveria reportar-se a todos os elementos reais do contrato e respectivas clausulas susceptiveis de influir na formação da vontade da recorrente.
3) A re não cumpriu tal obrigação, pois a notificação não contem tais elementos reais. O telegrama refere como dia da escritura 14 de Fevereiro e esta ocorreu em 19 de Fevereiro.
4-5-6) Na sequencia desse telegrama, verificou a recorrente não estar marcada qualquer escritura no dia indicado. Não obstante, a Autora remeteu a re B essa intenção em proferir pelos valores acordados.
Impunha-se a re, não sendo verdadeiros os elementos e clausulas referidas no telegrama, que notificasse a recorrente com os elementos reais, nomeadamente a data da celebração da escritura, ja que este elemento era de grande importancia para a recorrente.
7) Carecendo tal notificação desses elementos essenciais, não podia o acordão recorrido considerar cumprido o requisito e caduco o direito da Autora, quando o mesmo esta expressamente manifestado no documento de folhas 12. Violaram-se os artigos 416 e 1410 do Codigo Civil.
Nas contra alegações o recorrido pugna pela confirmação do aresto em revista.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
II - São os seguintes os factos considerados provados:
I- A re B, como proprietaria do 2 andar esquerdo do predio sito na Avenida ..., Lisboa, vendeu-o ao reu C, por escritura de 19 de Fevereira de 1986, certificada a folhas 23 e seguintes que se da aqui como reproduzida, pelo preço de 1400000 escudos.
2- A Autora era arrendataria habitacional de tal andar, pelo menos desde o ano de 1983.
3- A Autora recusou-se a receber a carta da re, de 23 de Janeiro de 1986, junto a folhas 59, que se da aqui como reproduzida.
4- Em 29 de Janeiro de 1986, a re remeteu a Autora, que o recebeu, o telegrama fotocopiado a folhas 11 com o seguinte texto: "Informa prazo minimo legal oito dias sem direito preferencia venda meu andar 14 Fevereiro proximo. Condições: preço mil quatrocentos contos a liquidar integralmente data escritura, comprador C.
5- Em 31 de Janeiro de 1986, a Autora remeteu a re, que recebeu, a carta junta em duplicado a folhas 12, do seguinte teor: "Em resposta ao telegrama de V. Ex., datado de 29 do corrente mes de Janeiro, cumpre-me informar que ainda não deixei de estar interessado na compra do andar que ocupo de arrendamento, sito na Avenida ...., mas pelo preço que ficou ajustado de 800 contos. A pretensão constante daquele telegrama não representa mais que uma habilidade para não prejudicar apondo-me um preço que sabem em não poder satisfazer".
6- A presente acção foi instaurada em 12 de Agosto de
1986.
São estes os factos que as instancias deram como assentes.
III Para completar a materia factica, designadamente pela remissão que se fez na factualidade acima descrita em II, cumpre destacar o seguinte :
Na carta de folhas 59, de 23 de Janeiro de 1986, que a re B enviou a Autora, comunica aquela a esta que a venda do andar em causa sera pelo preço de 1400000, por escritura a celebrar em 14 de Fevereiro de 1986, com pagamento do preço a liquidar integralmente nesse acto, sendo comprador o reu C, solicitando-se que contacte com a re no prazo minimo legal, "ou seja em oito dias" (sic) caso a Autora esteja "interessada em utilizar o seu direito de preferencia" (sic o que vai entre aspas) - n. 3, em II supra.
O telegrama para a Autora, transcrito em 4, supra II, de 29 de Janeiro de 1986 e o documento de folhas 11.
A carta do teor da de folhas 12 que a Autora remeteu a re B diz claramente que, em resposta ao telegrama de 29 de Janeiro de 1986, a Autora esta interessada na compra do andar de que e arrendataria habitacional, mas pelo preço de 800 contos que ficou ajustado - n. 5, em II supra.
Com estes factos (II e III) podemos ja avançar na apreciação das conclusões da Autora recorrente.
IV - Como se sabe, o locatario habitacional de imovel urbano tem direito de preferencia na compra, sendo ao caso aplicavel o disposto nos artigos 416 e 1410 do Codigo Civil ex vi artigo 30 da Lei 46/85, de 20 de Setembro, e artigos 1 e 3 da Lei 63/77, de 25 de Agosto.
E o caso da Autora recorrente, por ser inquilina habitacional do 2º andar esquerdo, vendido pela re ao co-reu.
São dois os problemas em torno dos quais se situam as conclusões da recorrente; a) A re B não comunicou a Autora todos os elementos essenciais da proposta da venda, designadamente a data da celebração da escritura. b) Não estava caduco o direito da Autora quando esta o exerceu com a presente acção de preferencia, designadamente face ao documento de folhas 12.
Examinemos:
Para efeitos do disposto no artigo 416, n. 1, do
Codigo Civil, temos como boa doutrina que os elementos essenciais a comunicar ao titular do direito de preferencia deve abranger "todos os factores do negocio capazes de influir decisivamente na formação da vontade de preferir ou não, todos os elementos reais do contrato que pudessem ter influencia num sentido ou noutro". "Entre esses elementos figuram, em posição destacada, o preço bem como as condições do seu pagamento". O conhecimento da pessoa do adquirente deve tambem considerar-se essencial em relação ao preferente-comproprietario e quanto ao preferente-arrendatario. Assim, por exemplo, P. de Lima e A. Varela - Codigo Civil Anotado, volume III, 2ª edição, paginas 372 e 373, e anotação de A. Varela na Rev. Leg e Jur., Ano 121, paginas 361, 1ª coluna.
Quid Juris se acontecer factualidade como a seguinte:
Sendo a autora arrendataria habitacional do andar em causa e a re B proprietaria dele que o quer vender, comunica esta por carta de 59, de 23 de Janeiro de 1986, a autora que se recusou a receber essa carta, que esta a venda esse andar pelo preço de 1400000 escudos, com escritura a celebrar em 14 de Fevereiro de 1986 sendo o preço pago integralmente nessa ocasião, havendo como comprador o reu C, solicitando a Autora, caso esteja interessada em usar do seu direito de preferencia, para a contactar no prazo de oito dias.
Posteriormente, em 29-01-1986 , a re B remeteu a
Autora (que o recebeu) o telegrama fotocopiado a folhas
11, com o seguinte texto: "informo prazo minimo legal oito dias seu direito preferencia venda meu andar 14 de Fevereiro proximo. Condições: preço mil quatrocentos contos a liquidar integralmente data escritura comprador C" - n. 4 em II supra.
Em 31 de Janeiro de 1986, a Autora remeteu a re (que a recebeu) a carta em duplicado a folhas 12, do seguinte teor: "Em resposta ao telegrama de V. Ex. datado de 29 do corrente mes de Janeiro, cumpre-me informar que ainda não deixei de estar interessado na compra do andar que ocupo por arrendamento sito na Avenida ...., mas pelo preço que ficou ajustado de 800 contos. A pretensão constante daquele telegrama não representa mais que uma habilidade para me prejudicar opondo-me um preço que sabem eu não poder satisfazer" - n. 5 em II supra.
Sendo assim, como são os factos assentes, interroga-se quid juris?
Ha que reconhecer que a re alienante comunicou a Autora preferente todos os elementos do negocio capazes de influir decisivamente na formação da vontade de preferir ou não, inclusive a pessoa do adquirente que tinha.
Não foi a data da escritura, realizada em 19 de Fevereiro de 1986 em vez de 14 de Fevereiro de 1986, elemento que tivesse influido na formação da vontade da Autora, ora recorrente.
Determinante - acrescenta-se: absolutamente determinante - foi o preço de 1400000 escudos. Pois a Autora não ia alem dos 800000 escudos, categoricamente, na sua resposta de folhas 12 ao telegrama de folhas 11.
Como o telegrama da re alienante, de 29 de Janeiro de
1986, a Autora respondeu por carta de 31 de Janeiro de
1986 (folhas 11 e 12 e ns. 4 e 5 em II supra) nos termos atras indicados, isso significa duas coisas: a) não exerceu a Autora, no prazo assinalado de oito dias, o seu direito de preferencia, cujo efeito juridico e a caducidade (n. 2 do artigo 416 do Codigo
Civil) como concluiram as instancias. Escreveu tambem
P. de Lima e A. Varela no seu Codigo Civil Anotado, volume 1, 4. edição, a paginas 392, no n. 5 da anotação: "O não exercicio do direito de preferencia dentro do prazo devido provoca a caducidade... do direito"; b) equivale a declaração (resposta) da Autora; na citada carta de folhas 12, como que a "renuncia" de preferir pelo preço comunicado de 1400000 escudos, feita de "forma clara, concludente e inequivoca". E o tribunal e livre quanto a indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, inclusive quanto a "qualificação" dos negocios e declaração de vontade.
Principio este valido não so nas instancias, mas tambem no Supremo: Professor A. dos Reis - Jurispr. Critica sobre Processo Civil, III, paginas 135 - 136.
Improcedem, assim, todas as conclusões da recorrente e não foram violados os preceitos legais invocados.
Nega-se, pois, a revista. Custas pelo recorrente.
Lisboa, 11 de Março de 1992.
Vassanta Tamba,
Brochado Brandão,
Cura Mariano.
Decisões impugnadas:
I - Sentença de 17 de Outubro de 1989 do 5 Juizo Civel de Lisboa.
II - Acordão de 14 de Março de 1991 da Relação de Lisboa.