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PROCURAÇÃO
FALTA DE PROCURAÇÃO
RATIFICAÇÃO DO PROCESSADO
Sumário
I - Só o advogado e a parte se encontram em posição de saber se a autorização para intervir no processo existe ou não. II - Nada existe nos autos que ateste os necessários poderes do mandatário, e porque não se encontra ao alcance deste suprir essa omissão, subscrevendo procuração e declarando ratificar o processado, deve ser a própria parte, e não quem a patrocine, notificada para os fins do disposto no n.° 2 do art.° 40.° do CPCiv.. III - Se só a parte pode remediar tal falta, é condição necessária que isso lhe seja comunicado.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
B………., L.da, propôs contra C………., Lda, acção com processo comum ordinário, pedindo a sua condenação a pagar-lhe o valor de serviços prestados que discrimina.
Citada a Ré, foi pelo Exmo. Dr. D………. junta contestação, que não vinha acompanhada de procuração a seu favor, mencionando, in fine protestar juntá-la.
A fls. 64, foi proferido despacho com o seguinte teor "Notifique a Ré para, em 10 dias, juntar a procuração em falta e ratificar o processado (art° 40°, n° 2, do CPC)".
A fls. 65 consta cópia da nota de notificação de tal despacho ao Dr. D………. .
A fls. 66 foi proferido despacho, ordenando o desentranhamento da contestação, condenando em custas o seu subscritor.
Veio então a Ré requerer a aclaração de tal despacho, dizendo, em resumo, não entender os seus fundamentos e que a situação em causa não pode ser consubstanciada como falta de mandato (procuração), mas somente de junção do documento comprovativo da existência da procuração, pelo que não entende qual o nexo de causalidade e considera ambígua e obscura a subsunção dos factos ao estatuído do n.° 2 do art.° 40 do CPC.. Com tal requerimento, juntou o Dr. D………. procuração forense subscrita pelo sócio gerente da Ré, nessa qualidade, aí declarando ratificar todo o processado.
Sobre tal requerimento incidiu o despacho de fls. 74, mantendo-o, referindo o Mmo. Juiz que o tribunal suscitou oficiosamente a questão da falta nos autos da procuração e notificou o ilustre mandatário para, em 10 dias, a juntar, o que não foi feito, e por assim ter sucedido, tal motivou o despacho proferido a fls. 66, acrescentando que o que estava em causa era a falta de procuração e não um mero despacho a ordenar a junção de um documento que se desconhecia se existia ou não.
Inconformada, interpôs a Ré o presente recurso de agravo, pedindo a admissão da contestação, terminando pelas seguintes conclusões:
1) Em 03.04.2008 o mandatário da R. foi notificado nesse qualidade "para em dez dias juntar a procuração em falta e ratificar o processado (art.º 40.a n.º 2 do CPC)";
2) Somente se pretendeu - na interpretação da R e do seu mandatário - a junção do documento comprovativo do mandato;
3) Como tal, a situação em causa nestes autos não pode ser consubstanciada em falta de mandato (procuração), mas somente de junção do documento comprovativo da existência da procuração;
4) A apresentação da contestação a juízo foi efectuada no dia 20.12.2007, via fax, conforme se pode aferir dos autos:
5) Tendo o original sido enviado por correio registado em 21.12.2007;
6) Na data da entrada em juízo da contestação, 20.12.2007, o mandatário da R. já estava habilitado de procuração forense, que foi passada nesse mesmo dia (20.12.2007), conforme se vê pela data inserta na mesma, documento que entretanto já foi junto aos autos;
7) E apenas por mero lapso, que se lamenta e se reconhece, o documento que titula a procuração não foi junto, apesar do mandatário ter protestado juntar;
8) A situação prevista no n.º 2 do art.º 40.º, é divergente do caso concreto, pois aqui estamos na presença da falta de junção aos autos do documento, sendo certo que efectivamente o mandato forense já existia ab initio e era e continua a ser válido;
9) Pelo que o mandatário quando subscreveu a contestação, já o fez no uso dos poderes que lhe tinham sido conferidos pelo mandante, agindo em nome deste e em sua representação;
10) E como tal, logo que junte aos autos o documento comprovativo do mandato judicial valido, que não foi apresentado apenas por mero lapso, deverá, salvo melhor opinião, os autos prosseguirem o seu normal procedimento, conforme douto acórdão do STJ de 16.04.1996, in colectânea de Jurisprudência, 1996, Tomo II, pag. 19, Acórdão do STA de 05.06.2002, Proc. 0532/02;
11) Ora, como já se encontra junto aos autos o documento comprovativo do mandato, devem os mesmos seguir o seu normal curso.
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Não houve contra-alegações.
O Mmo. Juiz sustentou o despacho recorrido.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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Encontram-se assentes os factos e ocorrências processuais descritos no relatório supra.
Em causa no presente agravo encontra-se a questão de saber se foi correctamente ordenado o desentranhamento da contestação.
É a seguinte a redacção do artigo 40.º do CP.Civil, epigrafado de falta, insuficiência e irregularidade do mandato:
“1. A falta de procuração e a sua insuficiência ou irregularidade podem, em qualquer altura, ser arguidas pela parte contrária e suscitadas oficiosamente pelo tribunal.
2. O juiz fixa o prazo dentro do qual deve ser suprida a falta ou corrigido o vício e ratificado o processado. Findo este prazo sem que esteja regularizada a situação, fica sem efeito tudo o que tiver sido praticado pelo mandatário, devendo este ser condenado nas custas respectivas e, se tiver agido culposamente, na indemnização dos prejuízos a que tenha dado causa.
3. Sempre que o vício resulte de excesso de mandato, o tribunal participa a ocorrência ao Conselho Distrital da Ordem dos Advogados.”
Sustenta o recorrente que o vício aí sancionado é a inexistência de mandato forense, e não a falta de junção da procuração. Vejamos.
O mandato forense é uma sub-espécie do contrato de mandato, definido no artº. 1157º do Código Civil como aquele pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra.
Por sua vez, a procuração é definida no art.º 262º, nº. 1, do mesmo código como acto pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos.
O mandato e a procuração não se confundem, podem coexistir ou andar dissociados: aquele sem esta, esta sem aquele – Ac. desta R.P. de 27/04/2006, proferido no Proc. 0631945, disponível em www.dgsi.pt.
O poder de praticar os actos é conferido ao mandatário, pelo mandante, através do mandato; a procuração apenas representa a exteriorização desses poderes (cfr. Ac. do STJ de 16/04/96, in C.J. -Acs. STJ, 1996, T. 2, pág. 22.
O contrato existente entre o advogado e o cliente é o de mandato com representação, quer haja ou não procuração constante de instrumento, o qual só é indispensável nos termos do artigo 262º, nº. 2, do Código Civil, quando tenha de revestir a forma exigida para o negócio que o procurador tenha de realizar – Ac. da R.P. de 01/06/2006, proferido no Proc. 0631913.
Há, no entanto, especiais exigências de forma quanto ao modo como se confere o mandato judicial em processo civil, constantes do artigo 35.º do CPCivil. Aí se estipula que o mandato judicial pode ser conferido por instrumento público ou por documento particular, nos termos do Código do Notariado e da legislação especial (al. a) ou por declaração verbal da parte no auto de qualquer diligência que se pratique no processo (al. b). Outros modos de exteriorização do mandato judicial não são admissíveis em processo civil.
Dito isto, é enganadora a epígrafe de “falta, insuficiência e irregularidade do mandato” aposta no art.º 40.º do CPCiv., já que o seu n.º 1 deixa expresso que do que aí se cura é da falta de procuração e da sua insuficiência ou irregularidade. Pressuposto do funcionamento do mecanismo previsto no n.º 2 do aludido art.º 40.º será, pois, a falta, insuficiência ou irregularidade da procuração, e não um qualquer vício que afecte o contrato de mandato que lhe subjaz, que de resto nem tem que ser junto aos autos. Assim sendo, exista ou não contrato de mandato válido, tenha ou não sido subscrita procuração conferindo poderes forenses ao mandatário, se ela não for junta aos autos, falta, de todo, a procuração, recaindo a hipótese sob a previsão do art.º 40.º do CPCiv. – “quod non est in actis, non est in mundo”.
Afigura-se, assim, inaceitável que, tendo anteriormente sido subscrita procuração (o que aliás se não encontra, sequer, ao alcance do tribunal controlar), a falta da sua junção no prazo fixado nos termos do n.º 2 do art.º 40.º não tenha as consequências cominadas pela segunda parte do preceito, como vem sustentado pela recorrente.
Resta saber quem deve ser notificado em ordem a ser suprida a falta ou corrigido o vício e ratificado o processado, por forma a regularizar a situação, usando os próprios termos do legislador. E neste particular temos que o legislador omitiu o notificando no art.º 40.º, certamente por se ter apercebido que estão em questão hipóteses distintas, uma em que existe total omissão de intervenção processual da própria parte (falta de procuração) e outras em que já essa intervenção existiu, mas por forma deficiente. Já o n.º 3 do art.º 41.º, que previne o exercício do patrocínio a título de gestão de negócios, deixou expresso que o despacho que fixar o prazo para a ratificação é notificado pessoalmente à parte cujo patrocínio o gestor assumiu.
A intervenção de advogado sem procuração, que protesta juntar, é, até ao momento da sua junção, em tudo semelhante ao exercício do patrocínio a título de gestão de negócios. “Dá-se a gestão de negócios, quando uma pessoa assume a direcção de negócio alheio no interesse e por conta do respectivo dono, sem para tal estar autorizada” - artigo 464º do Código Civil. Na hipótese da existência de mandato sem procuração, a autorização para o mandatário intervir no processo existe, muito embora não seja nos autos conhecida. Deve, porém, notar-se que só o advogado e a parte se encontram em posição de saber se a autorização para intervir no processo existe ou não. Na perspectiva do tribunal, que desconhece as relações entre eles estabelecidas, o caso perfila-se de modo em tudo idêntico.
Porque assim é, porque numa e noutra hipótese nada existe nos autos que ateste os necessários poderes do mandatário, e porque não se encontra ao alcance deste suprir essa omissão, subscrevendo procuração e declarando ratificar o processado, parece lógico que deva ser a própria parte, e não quem a patrocine, notificada para os fins do disposto no n.º 2 do art.º 40.º do CPCiv.. Se só a parte pode remediar tal falta, é condição necessária que isso lhe seja comunicado, e não ao seu patrono, que mais não poderá fazer que efectuar diligências extrajudiciais junto da sua parte, instando-a praticar os actos necessários.
Ora, muito embora o Mmo. Juiz tivesse, a fls. 64, acertadamente ordenado a notificação da Ré para efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 40.º do CPC., verifica-se a fls. 65 que quem acabou por ser notificado de tal despacho foi o Dr. D………., e apenas este, nunca a Ré tendo para tal sido pessoalmente notificada, como tinha de o ser. Logo, nenhuns efeitos cominatórios quanto à Ré surtiu a notificação de tal despacho na pessoa do Dr. D………. . De onde que não podia o Mmo. Juiz avançar como avançou, ordenando o desentranhamento da contestação, sem que à própria Ré – que até então não teve, qua tale, intervenção nos autos - tivesse dado a oportunidade de suprir a falta de procuração verificada.
Falta que a Ré entretanto supriu, pelo que desnecessária se tornou a sua notificação para o efeito. O desentranhamento da contestação, no momento e nos termos em que foi ordenado, é indevido, não podendo manter-se.
Merece, assim, provimento o agravo, ainda que por motivos diversos dos invocados pela recorrente.
Decisão
Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação em conceder provimento ao agravo, revogando o despacho recorrido e determinando o prosseguimento dos autos com inclusão da contestação da Ré.
Sem custas, por não serem devidas.
Porto 2009/07/15
João Carlos Proença de Oliveira Costa
Carlos António Paula Moreira
Maria da Graça Pereira Marques Mira