Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
CADUCIDADE
PRESSUPOSTOS
DIREITO DE PREFERÊNCIA
EXERCÍCIO DE DIREITO
REQUISITOS
MATÉRIA DE FACTO
INTERPRETAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO
Sumário
I - A caducidade prevista no artigo 416, n. 2 do Código Civil é a que se verifica quando o titular do direito de preferência o perde por não responder tempestivamente à comunicação a que se refere o n. 1 do mesmo artigo. II - Para que possa dar-se, esta caducidade implica a verificação cumulativa de dois elementos: a) Ter o vendedor comunicado ao titular do direito o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato; b) não exercício do direito pelo titular, dentro do prazo de oito dias, se outro não fôr convencionado ou concedido, a contar do recebimento daquela comunicação. III - Só haverá lugar ao exercício do direito de preferência quando o seu titular é confrontado com um terceiro pretendente à aquisição onerosa do locado e com o qual o dono - senhorio tenha já acordado as cláusulas do contrato de alienação, só então havendo lugar a esse exercício, tendo o titular do direito que aceitar as condições e cláusulas que foram aceites pelo terceiro, sendo nesta substituição tal - qual que se traduz a prática daquele exercício. IV - O titular do direito de preferência só tem que desencadear o seu exercício, desde que tome conhecimento dos elementos fulcrais do negócio que são: projecto de venda e cláusulas do respectivo contrato (artigo 416, n. 1) e dos elementos essenciais da alienação (artigo 1410). V - A interpretação das cláusulas negociais é matéria em que o Supremo Tribunal de Justiça tem de acatar a decisão das Instâncias, desde que não hajam feito incorrecta aplicação dos critérios fixados nos artigos 236 e 238, ambos do Código Civil.
Texto Integral
Acordam, em conferência, neste Supremo:-
1 - A, engenheiro civil, e mulher B são arrendatários, para habitação e desde 1 de Novembro de 1970, sito na Calçada ..., em Lisboa,
Por escritura de 29 de Dezembro de 1978, lavrada no 19
Cartório Notarial de Lisboa, de folhas 104 verso a 105 verso do Livro J-3, os donos e senhorios daquele andar
(fracção autónoma designada pela letra "F"), habitado por aqueles A e mulher, C e mulher D, declararam vende-lo, pelo preço de 1250000 escudos, a E, solteiro, engenheiro, natural da freguesia e concelho de Mação e residente na ..., Lisboa.
2 - Em processo ordinário, aqueles arrendatários B demandaram estes vendedores e comprador do andar, para exercerem o direito de preferência, como tais e pelo preço declarado, na referida venda do andar pedindo que, reconhecido tal direito, sejam os réus condenados a reconhece-lo também, passando eles, autores, a ocupar no contrato a situação do réu comprador e recebendo este o preço, a sisa e despesas de escritura, que eles depositaram oportunamente (a compra do E foi isenta de sisa).
3 - Contestaram os réus, importando agora salientar apenas que arguiram a excepção da caducidade do direito dos autores por estes o não terem exercido, ou declarado que o queriam exercer, no prazo legal quando, antes da celebração da venda, o projecto desta lhes foi comunicado, por carta, pelos vendedores.
4 - Elaborada especificação e questionário, prosseguiu o processo vindo a ser proferida a sentença onde, na improcedência da excepção de caducidade e no reconhecimento do direito exercido, foi julgada procedente a acção.
Recorreram os réus pugnando apenas pela procedência da referida caducidade (a titularidade do direito não é sequer discutida).
Mas a Relação, entendendo que não houve tal caducidade, negou provimento ao recurso e confirmou a sentença recorrida.
5 - Recorrem agora os mesmos réus pedindo revista do
Acórdão da Relação que, em sua opinião, terá violado o disposto nos artigos 416, ns. 1 e 2, e 342, ns. 1 e 3, do Código Civil, porquanto:-
- tanto na sua carta-resposta à comunicação dos vendedores, como na petição inicial, o autor revela ter entendido perfeitamente que a finalidade daquela comunicação do senhorio era a de lhe dar a possibilidade de exercer o direito de preferência, considerando suficiente para poder decidir-se as informações fornecidas.
Por isso,
- com a comunicação feita, os senhorios-vendedores deram cumprimento ao disposto no n. 1 daquele artigo 416;
- competia aos recorridos alegar e provar que, dentro do prazo legal, responderam à comunicação revelando a sua vontade de exercer o direito de preferência.
Contrária é a posição dos recorridos, que defendem a negação da revista.
6 - Na sua alegação, os recorrentes levantam, ainda, uma questão prévia relacionada, ao que dizem, com a falta de registo da acção, uma vez que ela, nos termos do artigo 3 n. 1 alínea a), do Código do Registo
Predial, está sujeita a tal formalidade.
E ainda outra relacionada com a falta do pedido do cancelamento do registo de inscrição de aquisição a favor do réu-comprador F.
Ambas estas faltas, arguem, impedem o prosseguimento da acção - artigos 3 n. 2 e 8, ns. 1 e 2, daquele Código.
Não têm razão.
Para além de ser discutível a obrigatoriedade do registo destas acções de preferência, acontece que esta até foi registada - vid. folhas 65.
Será que disso se esqueceram os recorrentes?
Quanto ao pedido de cancelamento do registo da aquisição pelo réu F, não tinha que ser, nem pode ser, formulado.
A aquisição por ele, ou melhor, o acto aquisitivo em que ele figura como adquirente e em que o registo ou inscrição se baseia, não está a ser impugnado na sua validade e eficácia. Pelo contrário, pretende-se que estas se mantenham, apenas com a substituição subjectiva quanto ao adquirente.
Não pode, pois, ter aqui aplicação o n. 1 daquele artigo 8.
Improcede, pois, a questão prévia.
7 - Decidindo:- a) A caducidade que aqui está em causa, e a que se limita o objecto deste recurso, é aquela de que fala o n. 2 do artigo 416 do Código Civil. Ou seja, é a que se verifica quando o titular do direito de preferência o perde por não responder tempestivamente à comunicação a que se refere o n. 1 do mesmo artigo - aplicável ex vi do artigo 3 da Lei n. 63/77.
Para que possa dar-se, esta caducidade implica a verificação cumulativa de dois elementos: a) ter o vendedor comunicado ao titular do direito o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato; b) não exercicio do direito pelo titular, dentro do prazo de oito dias, se outro não for convencionado ou concedido, a contar do recebimento daquela comunicação.
Insistem os recorrentes em que a comunicação do projecto de venda foi feita aos recorridos, em termos e condições de eles poderem exercer a preferência, mas estes não a exerceram dentro dos oito dias, como deviam.
7 - b)- Para derimir esta divergência são os seguintes elementos de facto que a Relação considerou provados:-
- Em 13 de Dezembro de 1978, o réu D, senhorio dos autores, enviou ao autor marido a carta junta a folhas 70 em que, fazendo referência a anteriores conversas entre ambos e sem indicar que tinha qualquer comprador para o andar habitado pelos autores, solicitava do destinatário informação escrita, no prazo de oito dias, sobre se estava interessado na compra do mesmo andar pelo preço de 1250000 escudos;
- Em 23 de Dezembro de 1978, o autor marido respondeu
àquela carta do réu C, escrevendo-lhe a carta junta a folhas 9 onde, notando ter recebido em 15 do mesmo mês a sua carta, o informava de que estava interessado na compra do andar que habitava e, aludindo também às conversações entre ambos havidas, solicitava daquele réu o esclarecimento da sua proposta, sobre se ele estaria mais interessado na venda do andar, completamente reparado, pelo preço de 1250000 escudos, ou antes, no estado em que se encontrava, pelo preço de
1000000 escudos, carta esta que foi pessoalmente entregue pelo autor ao réu, que a recebeu, no dia 23 de Dezembro de 1978.
8 - Em causa está o direito de preferência reconhecido ao locatário habitacional de fracção autónoma de imóvel urbano, a cujo exercicio é aplicável o disposto nos artigos 416 a 418 e 1410, do Código Civil - vid. artigos 1, n. 2, e 3, da referida Lei n. 63/77, de 25 de Agosto.
Naturalmente que só tem sentido falar-se no exercicio de um tal direito quando o seu titular é confrontado com um terceiro pretendente à aquisição onerosa do locado e com o qual o dono-senhorio tenha já acordado as cláusulas do contrato de alienação. Só então haverá lugar a esse exercicio, tendo o titular do direito que aceitar as condições e cláusulas que foram aceites pelo terceiro; e nesta substituição tal qual é que se traduz a pratica daquele exercicio. Se em interferência ou interposição negocial de terceiro a transacção é preparada, discutida e convencionada directamente entre senhorio e inquilino, então não há exercicio do direito de preferência, haverá, quando muito, apresentação e discussão de propostas e contrapropostas até se chegar ao acordo final. Mas não há preferência, ainda que possa ter sido a possibilidade legal da sua existência a determinante da negociação directa com o seu titular.
Por outro lado, o exercicio do direito de preferência pode preceder a outorga do contrato de alienação, nos termos daquele artigo 416, ou pode seguir-se-lhe, caso em que é já aplicável o referido artigo 1410.
Numa e outra hipotese, o titular do direito só tem que desencadear o seu exercicio desde que tome conhecimento dos elementos fulcrais do negócio: - de "projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato" fala o artigo 416 n. 1, dos "elementos essenciais da alienação" menciona o artigo 1410.
Idêntico sentido terão estas duas expressões.
Admitindo-se, embora, que possa haver, de caso para caso, alguma variação no que deva considerar-se elementos essenciais, cláusulas do contrato que devam ser comunicadas, sempre deverá entender-se que (que) o são "todos os factos do negócio capazes de influir decisivamente na formação da vontade de preferir ou não, todos os elementos reais do contrato que possam ter importância no estabelecimento duma decisão num sentido ou noutro (conforme Acórdão deste Supremo, de
12 de Novembro de 1974, Boletim 241, página 290).
No caso da preferência na compropriedade, é considerado elemento essencial da alienação também a pessoa do adquirente (vid. Professores P. Lima e A. Varela, in Anotado, III, 2 ed., página 273). Pelas mesmas razões é essencial, ou pode ser, o adquirente na alienação de coisa locada ou arrendada, pela influência que isso pode ter na subsistência do arrendamento.
Como essencial se poderá considerar, além do preço (que o é indiscutivelmente), a forma e tempo do seu pagamento.
9 - É manifesto que a caducidade em apreço só podia ser desencadeada a partir da referida carta dirigida pelo réu C ao autor A.
Porém, interpretando o seu conteúdo como declaração negocial, diz-se no Acórdão recorrido ser "inequívoco que ela (a declaração contida na carta) constitui uma autêntica proposta de venda do mencionado andar, culminando negociações anteriores entre o réu C e o autor marido". E,"como tal, foi ela entendida por (autor marido) corte na carta que escreveu (e com que respondeu) ao mesmo réu, em 23 de Dezembro de 1978, pois, invocando as mesmas conversações, solicitava ao réu o esclarecimento da sua proposta, não tendo, assim, aceite logo esta". E entendeu a Relação que teve o autor razão em interpretá-la assim, pois
"de facto, o réu C não indicou ao autor marido o projecto de venda do andar a terceiro, nem as cláusulas do respectivo contrato ajustadas com este. A sua (do réu) declaração negocial tinha como destinatário o autor, sem interferência de terceiro.
Logo, não havia qualquer possibilidade de o mesmo autor interpretar a carta do réu como uma comunicação para aquele exercer o seu direito de preferência. Faltando todos os elementos caracterizadores de tal comunicação, a preferência e a renúncia ao seu exercício não chegam a nascer".
Estamos no campo de interpretação das declarações negociais, matéria em que este Supremo tem que acatar a decisão das Instâncias desde que não hajam feito incorrecta aplicação dos critérios fixados nos artigos
236 e 238, do Código Civil (conforme Acórdão de 10 de
Dezembro de 1985, in Boletim 352, página 317). Ou seja, aquela interpretação situa-se no plano da matéria de facto e só a captação do sentido jurídico, já no plano normativo, está sujeito a regras de legalidade, a critérios legais, caindo já no campo da matéria de direito a fiscalização de observância, da correcção do uso desses critérios.
Ora, naquele artigo 236 faz-se prevalecer o sentido objectivo da vontade negocial, sendo decisivo o sentido da declaração negocial que um declaratário normal, posto no lugar do real, possa depreender do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com tal sentido ou se o declaratário conhecer a vontade real do declarante, valendo então esta. É o dominio da interpretação objectivista reportada à impressão do destinatário, com o objectivo de protecção a este.
10 - Tendo em conta a determinação destes critérios legais de interpretação de declaração negocial e o que ficou exposto sobre o teor que deve caracterizar uma comunicação para preferência, bem como a sua distinção de uma proposta directa de venda, terá de concluir-se que a interpretação adoptada pela
Relação para a declaração contida na carta do réu C está perfeitamente correcta e de harmonia com os critérios legais.
Na realidade, nenhum declaratário ou destinatário normal daquela declaração a podia interpretar com o sentido de comunicação de projecto de venda e cláusulas de acordado contrato para exercicio do direito de preferência. Como fez o destinatário real, veria na declaração uma mera proposta de venda. Nada mais.
11 - Assim sendo, nunca tal carta podia ter o efeito de comunicação para preferência. E tanto basta para nunca se poder ter operado a caducidade do exercicio do direito de preferência de que é titular o autor, caducidade estabelecida no n. 2 do artigo 416 já referido.
Não interessa, pois, entrar na apreciação de questão de saber se a resposta do autor foi tempestiva, ou não, e se ela tinha, ou não, significado relevante para evitar a caducidade. Isso está basicamente prejudicado pela falta de comunicação do autor digo, do vendedor.
Correcto e atempado é o seu exercicio nos termos do artigo 1410 n. 1 citado.
Falta apenas dizer que não importa nada o que, anos depois, o autor diz, sobre essa carta, na petição.
Nestes termos, improcedem os fundamentos do recurso, pelo que se nega revista, com custas pelos recorrentes.
Lisboa, 26 de Maio de 1992
Joaquim de Carvalho,
Beça Pereira,
Martins da Fonseca.
Decisões impugnadas
I - Sentença de 89.04.18 do 4 Juízo Cível de Lisboa;
II- Acórdão de 91.05.02 da Relação de Lisboa.