PROCESSO SUMÁRIO
SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
Sumário

Em processo sumário, requerida pelo Arguido a ‘suspensão provisória do processo’ no início da audiência, deve o Juiz conhecer da pretensão formulada.

Texto Integral

ACÓRDÃO (Tribunal da Relação)
Recurso e processo n.º 596/08.9 GNPRT
Em conferência na 1.ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto
1- No ..º juízo criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, no processo acima referido, foi julgado e condenado, em processo sumário, o arguido B………., pela prática de um crime de condução de veiculo em estado de embriaguês, p.p. pelos arts 292.º-1 e 69.º-1-a) do CodPenal.
Na 1.ª data designada para o julgamento em processo sumário, o arguido havia requerido a suspensão provisória do processo. Face a tal requerimento o juiz concedeu o prazo de 48 horas para ser apresentado por escrito o pedido de suspensão provisória do processo e designou para julgamento o dia 14-1-2009 (cfr fls 17). O arguido apresentou então o requerimento referido (fls 23)
Porém, por despacho de fls 41, o mesmo magistrado indeferiu o requerido

2- Inconformado, recorreu o arguido, tendo concluído a sua motivação pela forma seguinte:
Por despacho de 22-11-2008, já transitado em julgado, o tribunal recorrido admitiu a junção aos autos do requerimento apresentado pelo arguido de suspensão provisória do processo.
Por despacho datado de 19 de Janeiro de 2009, o Tribunal a quo indeferiu o que o despacho anterior já o havia expressamente admitido. Este novo despacho veio pronunciar-se no sentido da extemporaneidade do requerimento
Assim o segundo despacho violou o caso julgado formal produzido pelo despacho datado de 22 de Dezembro de 2008.
O Tribunal a quo, na sentença, deveria apenas pronunciar-se quanto aos termos propostos para a suspensão provisória do processo, isto é, quanto à sua proporcionalidade e suficiência no caso concreto.
Ao não se limitar a tal propósito, ocorreu uma nulidade na sentença, por violação do caso julgado formal nos termos da alínea c) do n.° 1 do artigo 379° do C.P.P., e como resulta do disposto no artigo 675° do C.P.C.
Termos em que deve a sentença proferida ser revogada, com todas as demais e legais consequências, aceitando-se, assim, a suspensão provisória do processo nos termos requeridos pelo arguido e aceites pelo M.P.

3- Nesta Relação, o Exmo PGA pronuncia-se pela não procedência do recurso

4- Foram colhidos os vistos legais e teve lugar a conferência

5- O despacho recorrido entendeu denegar a suspensão provisória do processo requerida pelo arguido. E para tanto disse: «No início da audiência de julgamento o arguido (...) requereu a suspensão provisória do processo, contudo, tal requerimento é extemporâneo pois foi feito num momento processualmente inadmissível, quando os autos já estavam em plena fase de julgamento, sendo que aquele instituto tem em vista precisamente evitar o julgamento, constituindo uma alternativa (ainda que sujeita aos requisitos previstos no art. 281°, n° 1 do C.P.P.) à acusação. Se o arguido pretendia evitar o julgamento por via do instituto da suspensão provisória do processo, devia tê-la requerido ao magistrado do Ministério Público, antes deste remeter os autos para julgamento e não ao juiz do julgamento - cfr: neste sentido Acórdão da Relação de Guimarães, de 29/09/2008, proferido no processo n° 1188/08.2, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrg.. Pelo exposto, indefere-se a suspensão provisória do processo por manifesta extemporaneidade do requerido, nos termos dos arts. 281°, 282° e 384°, todos do C.P.P».
Antes de tudo, importa desfazer um equívoco em que incorre o recorrente. O despacho proferido na 1.ª audiência de julgamento não formou caso julgado em relação ao mérito da suspensão provisória do processo. Na verdade, tendo o arguido suscitado em audiência tal suspensão, o juiz julgador apenas disse: «Tendo em conta o requerimento de suspensão provisória do processo, concede-se o prazo de 48 horas para apresentação por escrito da respectiva motivação e adia-se a presente audiência, prevenindo-se o caso da referida suspensão não vir a ser deferida, para o dia 14-1-2009, pelas 14 h » .Ora, manifestamente o juiz não se pronunciou sobre o mérito do pedido do arguido, antes deixou para mais tarde a pronúncia sobre a admissibilidade e a bondade da pretensão. Deste modo, não se formou caso julgado formal acerca de tal questão, pelo que nada impedia o indeferimento posterior da pretensão do arguido.

Depois, equivoca-se o recorrente ao falar de nulidade da sentença por o juiz do julgamento, denegando aquela pretensão de suspensão provisória do processo, haver procedido ao julgamento e proferida a sentença condenatória.
Não é um caso de nulidade da sentença, designadamente da alínea c) do art. 379.º do CodProcPenal, que enuncia a nulidade de o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar. É que no próprio dia da audiência de julgamento, em 19-1-2009, o tribunal indeferiu a possibilidade da suspensão provisória do processo por «manifesta extemporaneidade do requerido», isto por despacho de fls 41, que do mesmo passo designou esse mesmo dia 19-1-20009 para a realização da audiência de julgamento.
Mas compreende-se que o recorrente invoque a nulidade da sentença, face ao disposto no art. 391.º do CodProcPenal, que prescreve que «Em processo sumário só é admissível recurso da sentença ou de despacho que puser termo ao processo».
Mas aqui, uma vez mais, há um erro de perspectiva. É que o despacho de fls 41., embora proferido no mesmo dia em que se realizou a audiência de julgamento, é autónomo em relação à própria sentença.
Entretanto, sob pena de restrição inadmissível de um direito do arguido --- o de obter uma pronúncia sobre a suspensão provisória do processo em processo sumário---, a regra da irrecorribilidade atrás enunciada não tem valor absoluto, não pode valer para decisões anteriores à sentença que deneguem direitos do arguido.
Isto dito, e porque o despacho recorrido foi proferido no mesmo dia em que se proferiu a sentença, deve entender-se que o recurso, pretendendo obviamente a declaração de nulidade da sentença, também abrange o despacho de fls 41 que, lembremos, indeferiu a pretensão anterior do arguido relativa à suspensão provisória do processo.

Conforme se alcança do despacho recorrido, perfilhou-se aí o entendimento de que em processo sumário não é possível a dedução de pedido de suspensão provisória do processo quanto os autos já estão em fase de julgamento.
Não se põe em causa a aplicabilidade da suspensão provisória do processo no caso do processo especial sumário, visto o disposto no art 384.º do CodProcPenal. Apenas está em causa saber se, entrando o processo sumário na fase do julgamento, ainda é possível requerer a suspensão provisória do processo e, questão relacionada com esta, que juiz tem competência para apreciar tal pedido.
Cabe agora interrogar a figura em causa.
O n.º 1 do art. 281.º do CodProcPenal dispõe: «1 — Se o crime for punível com pena de prisão não superior a 5 anos ou com sanção diferente da prisão, o Ministério Público, oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do assistente, determina, com a concordância do juiz de instrução, a suspensão do processo, mediante a imposição ao arguido de injunções e regras de conduta, sempre que se verificarem os seguintes pressupostos: (...)».
A suspensão provisória do processo --- que também pode ser requerida pelo arguido, como o foi o caso deste recurso ---, embora jurisdicionalizada pelo despacho de concordância do processo, aparece no nosso actual figurino jurídico-processual como uma faculdade no termo do inquérito, faculdade que, condicionada aos requisitos enunciados no art. 281.º do CodProcPenal, é bem um afloramento do principio de oportunidade, desconsiderando qualquer intervenção do ofendido ou denunciante de um dos crimes enquadráveis no n.º 1 desse normativo legal. É também uma manifestação dos princípios da diversão, informalidade, cooperação, celeridade processual, princípios estes que assumem uma importância crescente no processo penal, com o objectivo de, sempre que possível, evitar-se os julgamentos com eventuais efeitos socialmente estigmatizantes e penas potencialmente criminógenas. Por outras palavras, a suspensão provisória do processo é uma medida de “diversão com intervenção”, (Pedro Caeiro, «Legalidade e oportunidade: a perseguição penal entre o mito da “justiça absoluta” e o fetiche da “gestão eficiente” do sistema», in RMP nº 84, Out/Dez. 2000, p. 32), «sendo os tópicos político-criminais os da intervenção mínima, da não estigmatização do agente, do consenso e da economia processual» (Pedro Caeiro, ob. cit., p. 39; entre outros, Acs. do TConstitucional nº 67/2006, DR II de 9/3/2006, nº 116/2006, consultados em www.tribunalconstitucional.pt) e nº 144/2006, DR II de 3/5/2006), em que «Privilegiando o diálogo e o consenso», reconduz-se este instituto a um «quadro de ilicitude, culpa e exigências de prevenção de baixa intensidade», assim se viabilizando «o arquivamento do processo, com força de caso julgado material, sem fazer passar o arguido à fase do julgamento (art. 282.º n.º 3 do CodProcPenal)» (Ana Paula Guimarães, «Da impunidade à impunidade? O crime de maus tratos entre cônjuges e a suspensão provisória do processo», in Liber discipulorum para Figueiredo Dias, pp. 865 e 866).
Sendo evidente que essa medida está essencialmente pensada para o inquérito e para a instrução, é também aplicável, com as necessárias adaptações (“correpondentemente aplicável”, diz a lei), ao processo sumário e ao processo abreviado. Mas ao contrário do que acontece no processo comum e no processo abreviado, no processo sumário muitas vezes não se distingue claramente a fase acusatória da fase do julgamento, como logo se vê do prescrito no art. 382.º do CodProcPenal «1 — A autoridade judiciária, se não for o Ministério Público, ou a entidade policial que tiverem procedido à detenção ou a quem tenha sido efectuada a entrega do detido, apresentam-no, imediatamente ou no mais curto prazo possível, ao Ministério Público junto do tribunal competente para o julgamento. 2 — O Ministério Público, depois de, se o julgar conveniente, interrogar sumariamente o arguido, apresenta-o imediatamente, ou no mais curto prazo possível, ao tribunal competente para o julgamento (...)».
Daqui resulta também que muitas vezes o arguido nem sabe que vai ser imediatamente sujeito a julgamento, pois recebidos os autos no MP., este pode logo determinar a ida dos autos para julgamento (como de resto aconteceu “in casu”). É por isso que, ao contrário do que acontece nas outras formas processuais, não faz sentido dizer, como faz o despacho recorrido, que na fase do julgamento o arguido não pode requerer a suspensão provisória do processo. Porque, a ser assim, está-se a denegar, sem razão justificativa, um direito processual do arguido. Ou seja, na prática, quando o MP decide levar o processo para julgamento, o arguido, a sufragar-se aquele entendimento, ficará impossibilitado, antes dessa decisão e do julgamento, de requerer a suspensão provisória do processo. O que é o mesmo que dizer que afinal no processo sumário esta suspensão só muito raramente terá aplicação.
Interpretação que, como é óbvio, fere o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da Constituição, na tripla dimensão em que o mesmo se apresenta: «(1) princípio da adequação, isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); (2) princípio da exigibilidade, ou seja, as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias (tornaram-se exigíveis), porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias); (3) principio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa 'justa medida', impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos» (Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.º ed., Coimbra, 1993, p; 153 ).

Finalmente, e pelas razões que atrás enunciamos sobre a especificidade do processo sumário, entendemos que é ao juiz do julgamento, e não ao juiz de instrução --- juiz que, em boas palavras, não existe neste tipo processual --- que compete dar a concordância ou a discordância em relação áquele pedido de suspensão provisória do processo ( neste sentido o Ac RL, de 19-62007, CJ, ano XXXII, t. III, p. 139 ). Posteriormente, caso se imponha a continuação do processo para julgamento em caso de verificação de alguma das vicissitudes referidas no n.º 3 do art. 282.º do CodProcPenal, é que se poderá suscitar o impedimento a que alude o art 40.º-e) do mesmo código

6- Pelos fundamentos expostos:
I- Concede-se provimento ao recurso e assim declara-se a nulidade da sentença e revoga-se o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro em que o sr. juiz do julgamento manifeste a sua concordância ou discordância com a suspensão provisória do processo.

II- Sem custas

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Tribunal da Relação do Porto, 9-9-2009
Jaime Paulo Tavares Valério
Luís Augusto Teixeira