EXECUÇÃO
FALTA DE BENS PENHORÁVEIS
Sumário

I - De acordo com o regime previsto nos arts. 833º - B, n.° 6, e 919º, n.° 1, al. c), do Código de Processo Civil, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.° 226/2008, de 20-11, se ao executado não forem encontrados bens penhoráveis e também não forem indicados, dentro dos respectivos prazos legais, nem pelo exequente nem pelo executado, e este também não pagar a dívida exequenda, a execução deve ser declarada extinta por inutilidade superveniente da lide.
II - Por força das normas transitórias constantes dos arts. 20º, n.° 5, e 22º, n.°1, segmento final, do referido decreto-lei, esta solução é aplicável aos processos de execução pendentes à data sua entrada em vigor que estejam suspensos ou que se venham a suspender ao abrigo do n.° 6 do artigo 833.° do Código de Processo Civil, excepto se, no prazo de 30 dias contados a partir daquela data ou da notificação da suspensão, se posterior, o exequente declarar por via electrónica que o processo se mantém suspenso.
III - A extinção dos processos nos termos anteriormente referidos não dá lugar a pagamento de custas nem de encargos, mas também não há lugar à restituição do que já tiver sido pago nem à elaboração da respectiva conta, nos termos do disposto no n.° 6 do art. 20º do mesmo decreto-lei.

Texto Integral

Proc. n.º 185-D/2002.P1
Recurso de Agravo
Distribuído em 07-07-2009

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto.

I – RELATÓRIO
1. Nos autos de acção executiva para pagamento de quantia certa que correm termos no ..º Juízo de Competência Cível da comarca da Maia com o n.º 185-A/2002, em que é exequente B………., S.A., e executado C………., por requerimento de 29-10-2008, certificado a fls. 22, a exequente requereu que, tendo esgotado todas as possibilidades de procurar e identificar bens penhoráveis do executado, a instância executiva fosse declarada extinta por impossibilidade superveniente da lide, devendo o executado ser condenado nas custas.
Por despacho de 31-10-2008, certificado a fls. 25, foi indeferido aquele requerimento da exequente, com o seguinte fundamento:
«Salvo o devido respeito por opinião contrária, não existe fundamento legal para a remessa dos autos à conta ou extinção da instância pelo facto de aos executados não serem encontrados bens penhoráveis (a não ser que o exequente desista da execução, sendo que, neste caso, são da sua responsabilidade as custas dos autos).»
A exequente, não se conformando com esse despacho, recorreu para esta Relação, recurso que foi admitido como agravo, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo (fls. 21).
Das alegações que apresentou e constam a fls. 3-11, a recorrente extraiu as conclusões seguintes:
1.ª - Tendo a exequente, ora agravante, esgotado todas as suas possibilidades para procurar e identificar bens penhoráveis do executado, ora agravado, bem como do seu presidente da direcção, depois do executado não ter cumprido uma sentença condenatória proferida no processo declarativo, a instância executiva deve ser julgada extinta porque se tornou impossível a obtenção de mais bens para a cobrança do crédito, tanto mais que os esforços da agravante e do tribunal se prolongaram por mais de 6 anos.
2.ª - Por outro lado, quando a instância se extingue por impossibilidade superveniente da lide, como deve ser o caso, as custas ficam a cargo do autor, salvo quando a impossibilidade ou inutilidade resultar de facto imputável ao réu, que neste caso as pagará (art. 447.º do C.P.C.).
3.ª - O não cumprimento duma sentença condenatória, bem como a inexistência de bens penhoráveis do executado, resultante de não ter angariado os meios necessários à satisfação do crédito exequendo, devem ser imputados ao executado para efeitos de determinação do responsável pelas custas decorrentes da extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide, que fica assim responsável pelo seu pagamento;
4.ª - Assim não entendendo, o douto despacho recorrido violou os arts. 447.º, 919.º e 287.º, alínea e), do C.P.C.
O executado não contra-alegou.
O tribunal recorrido manteve o despacho agravado (fls. 63).

2. À tramitação e julgamento do presente recurso é ainda aplicável o regime processual anterior ao Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08, porquanto respeita a acção instaurada antes de 1 de Janeiro de 2008. E por força do disposto no n.º 1 do art. 11.º do Decreto-Lei n.º 303/2007, o regime introduzido por este diploma legal não se aplica aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor, que ocorreu em 1 de Janeiro de 2008 (art. 12.º do mesmo decreto-lei).
De harmonia com as disposições contidas nos arts. 676.º, n.º 1, 684.º, n.ºs 2 e 3, e 690.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redacção aplicável, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões que o apelante extrai das suas alegações e reportadas à decisão recorrida, sem prejuízo das questões que o tribunal deva conhecer oficiosamente (art. 660.º, n.º 2, in fine, do CPC). Pelo que, dentro desse âmbito, deve o tribunal resolver todas as questões que as partes submetam à sua apreciação, exceptuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução entretanto dada a outras (art. 660.º, n.º 2, do CPC). Com a ressalva de que o dever de resolver todas as questões suscitadas pelas partes, a que alude o n.º 2 do art. 660.º do Código de Processo Civil, não se confunde nem compreende o dever de responder a todos os “argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes”, os quais, por muito respeitáveis que sejam, nenhum vínculo comportam para o tribunal, como flui do disposto no art. 664.º do Código de Processo Civil (cfr., entre outros, ANTUNES VARELA, em Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, p. 677-688; Ac. do TC n.º 371/2008, em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/; acs. do STJ de 11-10-2001 e 10-04-2008 em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ procs. n.º 01A2507 e 08B877; e ac. desta Relação de 15-12-2005, em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/ proc. n.º 0535648).
De modo que, tendo em conta os princípios antes enunciados e o teor das conclusões formuladas pela agravante, são duas as questões que integram o objecto do agravo:
1) se a inexistência de bens penhoráveis ao executado constitui motivo de extinção da instância executiva por impossibilidade legal de alcançar o seu objectivo, nos termos dos disposições conjugadas dos arts. 919.º, n.º 1, e 287.º, al. e), do Código de Processo Civil;
2) nesse caso, se as custas devidas correm por conta do executado.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II – FUNDAMENTOS
3. No que respeita à primeira questão que a agravante opõe ao despacho recorrido, trata-se de saber se, esgotadas todas as possibilidades de encontrar bens penhoráveis ao executado, ocorre uma situação de impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide que deve levar à extinção da instância executiva.
A questão foi, durante algum tempo, passível de alguma controvérsia na doutrina e na jurisprudência, mas foi, entretanto, resolvida pelo legislador, através do Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20-11, com as alterações introduzidas aos arts. 832.º e 919.º do Código de Processo Civil e a adição do art. 833.º-B.
Em resultado das referidas alterações, o n.º 3 do art. 832.º do Código de Processo Civil passou a prever que “quando contra o executado tenha sido movida execução terminada sem integral pagamento, o agente de execução prossegue imediatamente com as diligências prévias à penhora e com a comunicação do seu resultado ao exequente, não se aplicando os n.ºs 4 a 7 do artigo 833.º-B e extinguindo-se imediatamente a execução caso não sejam encontrados ou não sejam indicados bens à penhora pelo exequente”.
E o art. 833.º-B veio dispor que, se ao executado não forem encontrados bens penhoráveis e também não forem indicados nem pelo exequente, nos termos do n.º 3, nem pelo executado, nos termos do n.º 4, e este também não pagar, “extingue-se a execução” (n.º 6).
Finalmente, em consonância com aquelas novas disposições legais, o n.º 1 do art. 919.º passou a dispor, sob a al. c), que “a execução extingue-se … nos casos referidos no n.º 3 do artigo 832.º, no n.º 6 do artigo 833.º-B e no n.º 6 do artigo 875.º, por inutilidade superveniente da lide”.
E em contrário do que o tribunal recorrido declarou no despacho de sustentação, não é exacto que estas alterações não sejam aplicáveis ao presente processo. Com efeito, o n.º 1 do art. 22.º do Decreto-Lei n.º 226/2008 consignou, sobre a sua aplicação no tempo, que “as alterações ao Código de Processo Civil aplicam-se apenas aos processos iniciados após a sua entrada em vigor, salvo o disposto no n.º 6 do artigo 833.º-B, na alínea c) do n.º 1 do artigo 919.º e no n.º 5 do artigo 920.º, que se aplica aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor, nos termos do n.º 5 do artigo 20.º”.
E o n.º 5 do art. 20.º do referido decreto-lei contém uma norma transitória, relativa aos processos de execução pendentes à data sua entrada em vigor, que ocorreu em 31-03-2009 (art. 23.º), segundo a qual “os processos de execução pendentes à data de entrada em vigor do presente decreto-lei e que estejam suspensos ou que se venham a suspender ao abrigo do n.º 6 do artigo 833.º do Código de Processo Civil extinguem–se por força da aplicação do n.º 6 do artigo 833.º-B excepto se, no prazo de 30 dias contados a partir da data de entrada em vigor do presente decreto-lei ou da notificação da suspensão, se posterior, o exequente declarar por via electrónica que o processo se mantém suspenso”.
Neste caso, o exequente não só não declarou que o processo se mantivesse suspenso como manteve o seu anterior requerimento para que o processo fosse julgado extinto ao abrigo do n.º 6 do art. 833.º-B do Código de Processo Civil.
Donde se conclui, através das novas disposições constantes dos arts. 833.º-B, n.º 6, e 919.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil, aplicáveis à presente execução por força do disposto nos arts. 20.º, n.º 5, e 22.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 226/2008, que a execução deve ser julgada extinta, por inutilidade superveniente da lide.
E a norma transitória constante do n.º 6 do art. 20.º do mesmo decreto-lei também veio resolver a questão das custas pela extinção da execução. Dispondo que “nos processos pendentes à data de entrada em vigor do presente diploma e extintos por força da aplicação do n.º 6 do artigo 833.º-B, nos termos do número anterior, há dispensa do pagamento das custas processuais e de encargos que normalmente seriam devidos por autores, réus ou terceiros intervenientes, não havendo lugar à restituição do que já tiver sido pago nem à elaboração da respectiva conta”.
Sendo, pois, esta, a solução a aplicar na presente execução.

4. Mas a solução não era diferente segundo o regime legal vigente à data da instauração da execução.
Com efeito, se é verdade que, numa primeira fase, foi prevalecente o entendimento de que o facto de não serem encontrados bens penhoráveis ao executado não era motivo de inutilidade ou de impossibilidade superveniente da lide, porquanto essa falta de bens e consequente impossibilidade de penhora era reportada a um certo momento, o que não obstava que, em momento futuro, o executado viesse a adquirir bens que viabilizassem a penhora e permitissem realizar a finalidade da acção executiva (integravam-se nesta corrente EURICO LOPES-CARDOSO, em Manual da Acção Executiva, 3.ª edição, p. 673, e ARTUR ANSELO DE CASTRO, em A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 3.ª edição, Coimbra Editora, 1977, p. 260), essa doutrina veio a ficar postergada após a revisão ao Código de Processo Civil introduzida pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12-12, que alterou a redacção do n.º 1 do art. 919.º, acrescentando-lhe a expressão “ou ainda quando ocorra outra causa de extinção da instância executiva”. Assim passando a prever a possibilidade de extinção da execução não só pela satisfação da obrigação exequenda mas também por qualquer causa de extinção da instância, a que alude o art. 287.º do Código de Processo Civil, que fosse compatível com a instância executiva (art. 466.º, n.º 1, do CPC). Incluindo a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.
E assim, vinham defendendo a possibilidade de extinção da instância executiva por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, nos termos das disposições combinadas dos arts. 919.º, n.º 1, e 287.º, al. e), do Código de Processo Civil, REMÉDIO MARQUES, em Curso de Processo Executivo, p. 381; LEBRE DE FREITAS, em Código de Processo Civil Anotado, vol. III, p. 633; e LOPES DO REGO, em Comentários ao Código de Processo Civil, p. 611.
Ao nível da jurisprudência, são várias e em número claramente maioritário as decisões que perfilharam a orientação de que, não existindo mais bens em poder do executado susceptíveis de serem penhorados, a instância executiva devia ser julgada extinta, a requerimento do exequente, por virtude de se tornar impossível, por falta de bens penhoráveis, a satisfação integral do crédito exequendo. Decidiram neste sentido, entre outros: os acs. do STJ de 21-01-1997 e 06-07-2004, em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ procs. n.º 97B470 e 04A2272; e os acs. da Relação do Porto (citando apenas os mais recentes) de 11-12-2001, 15-07-2004, 15-11-2004, 30-05-2005, 02-06-2005, 27-06-2005, 02-02-2006, 16-02-2006, 16-03-2006 e 20-04-2009, todos disponíveis em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/ procs. n.º 0121492, 0433979, 0455216, 0551823, 0532773, 0552766, 0537137, 0630365, 0630645 e 2036/07.1TBVLG.P1, respectivamente, para além do acórdão citado pela recorrente, de 17-04-2007, relatado pelo Ex.mo Presidente desta mesma Secção, no Proc. n.º 1536/07-2 e publicado na CJ/2007/II/186, em que também enumera vários acórdãos das Relações de Lisboa e de Coimbra que decidiram no mesmo sentido.
A essência da questão estava em saber se a falta de bens penhoráveis constituía causa objectiva de impossibilidade da satisfação do crédito do exequente que, consequentemente, impossibilitava em definitivo a realização da finalidade da execução.
A resposta foi sintetizada pelo último acórdão citado, dizendo que “tendo o exequente esgotado todas as possibilidades de encontrar bens penhoráveis ao executado, mesmo com o auxílio do Tribunal, … a situação será de impossibilidade superveniente da lide, nos termos conjugados da parte final do n.º 1 do art. 919.º e al. e) do art. 287.º, ambos do CPC”. E acrescentou: “A obtenção de cobrança do crédito exequendo não mais será possível, não devendo a instância eternizar-se inutilmente, nada mais havendo a fazer. A solução será a declaração de extinção da instância por impossibilidade da lide”.
No mesmo sentido, o acórdão de 02-06-2005 (acima citado), justificava que “a cobrança coerciva do crédito da exequente, que se pretende obter através da execução, passa, em primeiro lugar, pela apreensão de bens da executada, através da penhora. A inexistência de bens torna inviável essa apreensão e, do mesmo passo, a continuação da lide”.
E no que respeita à aplicação do art. 287.º do Código de Processo Civil ao processo executivo, é o próprio art. 466.º, n.º 1, do mesmo código que manda aplicar ao processo de execução “as disposições reguladoras do processo de declaração que se mostrem compatíveis com a natureza da acção executiva”.
De modo que, como concluiu o acórdão desta Relação de 15-07-2004, também já antes citado, “a declaração da extinção da instância impõe-se como decorrência de uma situação que passou a impossibilitar a continuação da lide em tais circunstâncias”. Não sendo razoável que se exigisse ao exequente que aguardasse ad infinito na expectativa de que o executado viesse a adquirir novos bens para que, então, pudesse levar a final e eficazmente a execução que instaurou, mas, entretanto, levando-o irrazoavelmente a suportar o ónus das custas pelo não andamento ou suspensão da execução, nos termos do art. 51.º, n.º 2, als. a) e b), e n.º 4, do Código das Custas Judiciais, apesar de, objectivamente, não lhe serem imputáveis.
Conclui-se, assim, por conceder razão ao recorrente quanto à sua pretensão de que a instância executiva seja julgada extinta, por impossibilidade superveniente da lide.

5. Concluindo:
1) De acordo com o regime previsto nos arts. 833.º-B, n.º 6, e 919.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20-11, se ao executado não forem encontrados bens penhoráveis e também não forem indicados, dentro dos respectivos prazos legais, nem pelo exequente nem pelo executado, e este também não pagar a dívida exequenda, a execução deve ser declarada extinta por inutilidade superveniente da lide.
2) Por força das normas transitórias constantes dos arts. 20.º, n.º 5, e 22.º, n.º 1, segmento final, do referido decreto-lei, esta solução é aplicável aos processos de execução pendentes à data sua entrada em vigor que estejam suspensos ou que se venham a suspender ao abrigo do n.º 6 do artigo 833.º do Código de Processo Civil, excepto se, no prazo de 30 dias contados a partir daquela data ou da notificação da suspensão, se posterior, o exequente declarar por via electrónica que o processo se mantém suspenso.
3) A extinção dos processos nos termos anteriormente referidos não dá lugar a pagamento de custas nem de encargos, mas também não há lugar à restituição do que já tiver sido pago nem à elaboração da respectiva conta, nos termos do disposto no n.º 6 do art. 20.º do mesmo decreto-lei.

III – Decisão
Pelo exposto, concedendo provimento ao agravo:
1) Revoga-se o despacho recorrido e declara-se extinta a instância executiva por inutilidade superveniente da lide, com dispensa de custas, nos termos do disposto no n.º 6 do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20-11.
2) Sem custas relativas ao agravo, dado que nenhuma oposição foi deduzida (art. 446.º, n.º 1, do CPC e art. 2.º, n.º 1, al. g), do CCJ).

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Relação do Porto, 15-09-2009
António Guerra Banha
Anabela Dias da Silva
Maria do Carmo Domingues