PROPRIEDADE HORIZONTAL
PARTE COMUM
PRÉDIO
ALTERAÇÃO DA ESTRUTURA DO PRÉDIO
AUTORIZAÇÃO
CONDÓMINOS
Sumário

I - A instalação de um aparelho de ar condicionado numa parte comum do prédio, porque altera a sua estrutura inicial, trata-se de inovação e, por esse motivo, nos termos do art. 1425 do Cód. Civil, necessita da autorização da maioria dos condóminos, a qual terá de representar dois terços do valor total do prédio;
II - A instalação desse mesmo aparelho de ar condicionado numa janela da fracção, que é parte integrante desta, modifica o arranjo estético do edifício e, por essa razão, tendo em conta o disposto no art. 1422, n° 3 do Cód. Civil, necessita também da autorização da maioria dos condóminos, representativa de dois terços do valor total do prédio;
III - O arranjo estético relaciona-se com o conjunto de características visuais que conferem harmonia ao edifício no seu todo.

Texto Integral

Proc. nº 2264/06.7 TBAMT.P1
Tribunal Judicial de Amarante – .º Juízo
Apelação
Recorrente: “B………., Lda”
Recorrida: Condomínio do Prédio C……….
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Canelas Brás e Pinto dos Santos

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
A autora “B………., Lda”, com sede na Rua ………., ………., fracção “AQ”, ………., Amarante, instaurou a presente acção declarativa, com processo comum na forma ordinária, contra o réu Condomínio do Prédio denominado “C……….”, sito na Rua ………., ………., Amarante, representado pelo seu administrador, “D……….”, com sede no ………., ……, Amarante, pedindo que se:
a- declare anulada, com as legais consequências, a deliberação tomada na assembleia de condóminos realizada em 11/08/2006, quanto ao ponto 2 da ordem de trabalhos, por terem sido desrespeitadas as regras legais relativas à convocação e funcionamento daquelas assembleias e à maioria exigida para aprovação de tal deliberação;
b- condene o réu a reconhecer o direito da autora a instalar um sistema de ar condicionado na fracção “AQ”, com colocação da respectiva unidade exterior na configuração e no local a que se alude no art. 32º da petição inicial, ou noutro local das fachadas exteriores daquela fracção a designar pelo réu no prazo de vinte dias a contar do trânsito em julgado da decisão;
c- condene o réu a pagar à autora, a título de indemnização pela não aprovação ilícita da instalação de ar condicionado na fracção “AQ”, a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença.
Para tanto alega ser locatária financeira, desde 02/03/2001, da fracção autónoma designada pelas letras “AQ”, correspondente a uma área ampla sita no piso menos um do bloco A, fachadas norte, nascente e poente do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal denominado “ C……….”, sito na Rua ………., freguesia de ………., concelho de Amarante, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amarante sob o n.º 01177/990527, inscrita a propriedade horizontal sob a quota F-1 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 187.
Tal fracção autónoma está destinada, no título da propriedade horizontal, a comércio e indústria e tal está devidamente licenciado através de licença de utilização n.º ./2006.
Na referida qualidade e com a autorização e conhecimento da locadora financeira, a autora tem exercido todos os direitos próprios desta quanto à identificada fracção autónoma.
A autora possui e explora naquela fracção, desde 06/01/2006, um estabelecimento de bebidas denominado “B1……….”, o qual se encontra devidamente licenciado.
Acontece que, em Julho de 2006, devido às elevadas temperaturas que se faziam sentir, a autora instalou um aparelho de ar condicionado na referida fracção para climatização daquele estabelecimento, tendo colocado a respectiva unidade externa na parede exterior das traseiras da fracção, junto a uma pequena janela da sua arrecadação.
Passados alguns dias, a autora foi interpelada por um representante da administração do condomínio para retirar a referida unidade exterior.
Na altura, aquele representante disse à autora que a instalação do equipamento teria que ser submetida à aprovação da assembleia de condóminos, acrescentando que tal aprovação não constituiria qualquer problema uma vez que a assembleia já havia autorizado a instalação de ar condicionado noutras fracções.
A autora, em Julho de 2006, retirou a dita unidade exterior do ar condicionado e solicitou à administração do condomínio a inclusão, na assembleia-geral de condóminos que iria realizar-se em 11/08/2006, de uma proposta de aprovação da instalação do aparelho de ar condicionado na fracção “AQ”.
Tal proposta veio a constar, sob o ponto 2, da ordem de trabalhos daquela assembleia, a qual foi convocada para as 21 horas do dia 11/08/2006, mas por falta de quorum, reuniu apenas em segunda convocatória, meia hora depois, sendo que os condóminos presentes ou representados naquela reunião representavam uma permilagem de 273,1.
Quanto ao referido ponto 2, o representante da fracção “AQ” expôs a necessidade da colocação do aparelho de ar condicionado e manifestou a disponibilidade para colocar a respectiva unidade exterior onde a assembleia o entendesse.
Colocada à votação, a proposta foi reprovada com 11 votos contra, representando a permilagem de 217,38.
O representante da fracção “AQ” votou a favor da proposta e suscitou, desde logo, a ilegalidade da deliberação que acabava de ser tomada pelas razões que se encontram explanadas na acta de fls. 52 a 56.
E, posteriormente, através de carta de 18/08/2006, solicitou à administração do condomínio a convocação de uma assembleia extraordinária para revogação daquela deliberação, bem como, em consequência, para a efectiva aprovação da instalação de ar condicionado na fracção “AQ”.
Tal assembleia foi convocada para as 21 horas do dia 29/09/2006, mas por falta de quórum, apenas se reuniu, em segunda data indicada na convocatória, no dia 06/10/2006, pelas 21 horas.
Os condóminos presentes ou representados naquela reunião representam a permilagem de 361,35.
O representante da fracção “AQ” apontou, novamente, as razões para a aprovação da instalação do ar condicionado e reiterou a disponibilidade para colocar a respectiva unidade exterior onde a assembleia o decidisse.
Tendo sido colocada à votação, a proposta de revogação da deliberação em causa foi reprovada com 14 votos contra, representando a permilagem de 271,15.
A instalação do aparelho de ar condicionado é imposta pela necessidade de proporcionar condições mínimas de utilização e habitabilidade à fracção “AQ”, principalmente no Verão, levando em conta o fim a que se destina.
Nessa época do ano são muito elevadas as temperaturas que, tanto de dia, como de noite, se fazem sentir no interior da fracção e só com extrema dificuldade e sacrifício se consegue permanecer no local.
Apesar de serem utilizadas ventoinhas, as mesmas não conseguem atenuar minimamente os efeitos do calor.
Tal situação, por tratar-se de um café, contribui para diminuir drasticamente a clientela, particularmente, no período de Verão, mas reflecte-se nos restantes períodos do ano, uma vez que o sistema de ar condicionado também se destina ao aquecimento do interior da fracção, o que tudo reduz as receitas do estabelecimento.
Além disso, a instalação do ar condicionado, pelo conforto que proporciona, implica, necessariamente, o incremento da frequência do estabelecimento, com o consequente aumento das respectivas receitas, pelo que o adiamento da tal instalação também causa prejuízos à autora.
Tais prejuízos não são possíveis de serem desde já determinados, pelo que se relega a sua liquidação para execução de sentença.
A fracção em causa foi concebida, “ab initio”, para comportar, no seu interior ou exterior, aparelhos de ar condicionado.
A unidade exterior inicialmente colocada pela autora situava-se num local que nem sequer é visível da rua.
Tal unidade pode ser colocada num local onde não causa qualquer prejuízo ao edifício, às suas partes comuns ou aos demais condóminos, em condições que não afectam o equilíbrio arquitectónico e o arranjo estético do imóvel.
Trata-se de uma caixa de cor branca, com cerca de 80 centímetros de comprimento, por 25 centímetros de largura e 75 centímetros de altura, que pode ser colocada, nomeadamente, junto à porta de entrada do café, no enfiamento de uma janela da fracção “AQ”, com um afastamento de cerca de 15 centímetros da parede, em local dificilmente visível da rua, por se tratar de uma reentrância coberta do edifício.
De todo o modo, a instalação de tal unidade é uma obra de pequena dimensão e visibilidade.
Acresce que nas fracções “AS” e “AT”, sitas juntas à fracção da autora e destinadas ao mesmo fim, encontram-se instalados aparelhos de ar condicionado no exterior das mesmas, em parte comum do edifício, em condições que afectaram flagrantemente a segurança e o arranjo estético do prédio.
Tal instalação foi aprovada, por unanimidade, pela assembleia de condóminos realizada em 10/03/2005.
Por tudo isto, a autora confiou que a instalação de ar condicionado na fracção “AQ” também fosse aprovada, até porque o representante da administração do condomínio lhe comunicou que tal aprovação, em face da referida autorização precedente, não constituiria qualquer problema.
Ao reprovar a instalação de ar condicionado na fracção “AQ”, o réu discriminou, injustificada e por mero capricho, a autora, com a intenção de apenas visar esta e causando entraves e prejuízos ao exercício da sua actividade comercial, quando outros condóminos dispunham já de iguais instalações por ele aprovadas, o que tudo configura abuso de direito da parte da ré na modalidade de “venire contra factum proprium”.
Acresce que a deliberação tomada na assembleia de 11/08/2006, quanto ao ponto 2º da ordem de trabalhos, é ilegal uma vez que teve lugar na mesma data para a qual estava convocada a primeira reunião, mas que não se pôde realizar por falta de quorum, resultando violado o disposto no art. 1432, n.º 4 do Cód. Civil.
Assim, é ilegal a menção na convocatória de que não havendo a maioria legal, a reunião terá lugar, em segunda convocatória, na mesma data e após o decurso de apenas meia hora, como ilegal é a reunião que se realizou nessas condições e, por arrastamento, as deliberações nela tomadas.
Além disso, assumindo a instalação de um aparelho de ar condicionado a natureza de uma “inovação”, é necessário, para deliberar sobre a aprovação da mesma, a maioria qualificada de votos representativos de dois terços do valor do prédio, pelo que a deliberação tomada posterga o preceituado no n.º 1 do art. 1425 do Cód. Civil.
Por outro lado, o ar condicionado constitui, actualmente, um bem essencial para proporcionar um mínimo de conforto às pessoas, particularmente, no caso, para assegurar as mínimas condições de habitabilidade e utilização de um café, sob pena de a sua inexistência colocar este estabelecimento numa situação de impossibilidade de exercer a sua actividade, ou, pelo menos, de exercê-la sem dificuldades ou prejuízos, pelo que tal direito deve prevalecer sobre o direito dos condóminos a assegurar o equilíbrio arquitectónico e o arranjo estético do prédio, tanto mais que, “in casu”, este último direito pode até não ser afectado.
A ré contestou, arguindo a excepção dilatória da ilegitimidade da autora para instaurar a presente acção, sustentando que esta não é proprietária da fracção “AQ”, tendo apenas uma posição em relação à fracção em tudo semelhante à de um arrendatário, tendo aquela usurpado, nas várias assembleias de condomínio em que interveio, as funções de condómina, induzindo conscientemente em erro os restantes proprietários das fracções que compõem o prédio quanto a essa sua qualidade, o que tudo consubstancia abuso de direito e litigância de má fé.
Invocou a excepção peremptória da caducidade, sustentando que o direito da autora a instaurar a presente acção peticionando a anulação da deliberação tomada em 11/08/2006 se encontra extinto, por caducidade, por à data da propositura da presente acção estarem decorridos há muito o prazo de vinte dias sobre a data da deliberação da assembleia extraordinária, bem como o prazo de sessenta dias sobre a data da deliberação, prazos estes fixados pelo n.º 4 do art. 1433 do Cód. Civil.
Impugnou parte da matéria alegada pela autora, sustentando que nos termos do art. 5, n.º 7 do Regulamento de Condomínio do C………. a “instalação de aparelho de ar condicionado é absolutamente proibida”.
Sustentou que a autora instalou o aparelho de ar condicionado de forma oculta e dissimulada por umas sebes e sob a varanda da fracção “AE”, tendo esse aparelho sido descoberto devido ao barulho que produzia e ao facto de, em consequência do calor que emanava, ter queimado as sebes que o ocultavam.
O barulho provocado pelo referido aparelho prolongou-se durante oito dias e não permitiu aos habitantes do prédio um descanso condigno e retemperador.
Nos termos do contrato de locação celebrado, a autora declarou, perante a locatária, que o imóvel “corresponde às suas necessidades e é adequado aos fins a que se destina e que a escolha do imóvel foi por si feita e é da sua inteira responsabilidade, conhecendo o estado em que o mesmo se encontra e aceitando-o sem reservas” e que já então aquela fracção não dispunha de ar condicionado.
No mercado existem diversas soluções, talvez mais baratas, que não implicam um aparelho exterior e que não causam incómodos aos vizinhos, nomeadamente, aparelhos portáteis de ar condicionado.
No prédio em causa existem duas fracções onde foram instaladas aparelhagens de ar condicionado, com a devida autorização da assembleia de condóminos, mas que essa instalação apenas foi permitida por se tratar de um gabinete de projectos que labora em horário diurno, de segunda a sexta-feira, podendo, excepcionalmente, funcionar ao sábado do manhã, o que tudo permite aos habitantes do prédio exercerem o seu direito ao descanso.
A autora labora sete dias por semana, com horário das 8.00 horas às 0.00 horas, às sexta-feiras e aos sábados encerra às duas da manhã, e os seus funcionários ficam, pelo menos, mais uma hora, a fazer arrumações e limpezas, com todos os inerentes ruídos, o que tudo viola os direitos fundamentais dos condóminos à tranquilidade e ao repouso.
Imediatamente por cima da fracção “AQ” fica a fracção “AE“, onde reside uma pessoa com cerca de 90 anos de idade, que se encontra acamada, pelo que qualquer tipo de aparelho de ar condicionado que ali funcionasse 24 horas por dia, encostado ao tecto do estabelecimento, que é o chão da fracção “AE”, provoca graves incómodos e pode agravar o estado de saúde de quem reside nesta fracção.
No que tange à alegada falta da quorum da assembleia de 11/08/2006 e quanto à impossibilidade da assembleia reunir em segunda convocatória na mesma data, a autora esteve presente nessa assembleia, nada fez e deixou que a mesma prosseguisse, e, inclusivamente, votou a deliberação da instalação, insurgindo-se agora porque viu a sua pretensão rejeitada.
Suscitou o incidente de valor, reputando por exagerada a quantia de €15.000,00 atribuída à presente acção pela autora.
Concluiu pedindo que se:
a- absolva o réu dos pedidos formulados pela autora por falta de fundamento legal;
b- considere a autora como parte ilegítima na presente acção, uma vez que não é proprietária da fracção que ocupa, não detendo, por isso, a qualidade de condómino, absolvendo, de imediato, o réu da instância;
c- considere a actuação da autora como de má fé e se condene a mesma pela má utilização dos meios processuais, uma vez que esta bem sabe que não tem direito a recorrer a meios judiciais contra o réu para fazer valer a sua pretensão;
d- considere totalmente decorrido o prazo de caducidade de vinte dias para interpor a acção de anulação da deliberação tomada na assembleia de condomínio da 11 de Agosto de 2006 e, por esta via, considere a presente acção intempestiva, absolvendo-se, de imediato, o réu da instância e do pedido;
e- considere a deliberação tomada na assembleia de condomínio de 11 de Agosto de 2006 insusceptível de ser impugnada/anulada em virtude da mesma não ser contra a Lei, nem contra o Regulamento de condomínio previamente aprovado e em vigor neste condomínio;
f- ordene à autora que respeite o direito, constitucionalmente protegido, à saúde, ao descanso, à tranquilidade e ao sono dos condóminos residentes naquele C……….;
g- considere inexistir falta de quorum para a deliberação da assembleia de condóminos realizada a 11 de Agosto de 2006, uma vez que a obra de instalação do aparelho de ar condicionado é de pequena dimensão;
h- considere que a obra de instalação do aparelho de ar condicionado não é uma inovação;
i- considere que não existe qualquer ilegalidade no funcionamento da assembleia de condomínio em segunda convocatória, uma vez que esta refere, expressamente, a data, hora e local onde a mesma se iria realizar;
j- corrija o valor da acção, uma vez que o valor que lhe foi atribuído é demasiadamente exagerado e está em flagrante oposição com a realidade;
k- considere que os documentos juntos à douta petição inicial sob os números 4 e 7 são inaptos para produzir prova em juízo.
A autora replicou concluindo pela improcedência da excepção dilatória da ilegitimidade activa, sustentando que, enquanto locatária financeira da fracção onde tem instalado o estabelecimento comercial, é possuidora dessa fracção desde 02/03/2001, data da celebração do respectivo contrato e que nos termos do art. 10º, n.º 2, al. e) do Dec. Lei n.º 149/95, de 24/06, lhe está conferido o direito a exercer os direitos próprios do locador. Ademais, nos termos da cláusula 4ª, n.º 1, al. b) das condições gerais do contrato de locação financeira que celebrou incumbe-lhe pagar todas as despesas do condomínio relativas à fracção em causa, o que sempre tem feito. Acresce que o direito que vem exercer nos autos não contende com a propriedade da fracção, mas com o seu uso.
Concluiu pela improcedência da excepção peremptória de caducidade de interpor a presente acção de anulação da deliberação da assembleia de condóminos de 11/08/2006, sustentando que tendo estado presente àquela assembleia, exigiu à administração do condomínio, por carta de 18/08/2006, a convocação de uma assembleia extraordinária para revogação da deliberação por inválida e ineficaz e que tendo essa carta sido recepcionada pela administração do condomínio em 21/08/2006, por razões que lhe são totalmente alheias, a assembleia extraordinária apenas foi convocada para 29/09/2006, às 21 horas, mas, por falta de quorum, apenas veio a ser realizada e deliberou na segunda data indicada na convocatória, ou seja, em 06/10/2006, pelo que tendo instaurado a presente acção em 25/10/2006 improcede a excepção de caducidade invocada.
Impugnou que a instalação do ar condicionado cause quaisquer incómodos aos condóminos, bem como parte da restante matéria alegada pelo réu em sede de contestação.
Mais concluiu pela improcedência do incidente de valor sustentando que a essencialidade da presente acção reside, em última análise, em fazer valer o direito da autora ao uso, fruição e exploração de um estabelecimento comercial que lhe pertence, nas melhores condições possíveis e sem entraves injustificados ou prejuízos desnecessários.
Frustrada a tentativa de conciliação, proferiu-se despacho saneador em que se julgou improcedente a excepção dilatória da ilegitimidade da autora para instaurar a presente acção, julgou-se improcedente o incidente de valor, fixaram-se os factos assentes e a base instrutória, dos quais a autora reclamou, mas sem sucesso.
Realizada a audiência de julgamento respondeu-se à matéria vertida na base instrutória pela forma indicada a fls. 429/441, da qual a ré reclamou, conforme acta de fls. 442/444, não tendo essa reclamação sido atendida.
Foi depois proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, declarou anulada a deliberação tomada na assembleia de condóminos realizada em 11.8.2006, quanto ao ponto 2. da ordem de trabalhos, por terem sido desrespeitadas as regras legais relativas à convocação e funcionamento daquelas assembleias e à maioria exigida para aprovação de tal deliberação, absolvendo o réu do mais peticionado.
Inconformada com esta sentença, dela interpôs recurso a autora, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. A douta sentença recorrida padece de nulidade, nos termos do disposto no art. 668, nº 1, al. d) do Cód. do Proc. Civil, por omissão de pronúncia.
2. Porquanto, “in casu”, nos arts. 47 a 49 da petição inicial, a recorrente alegou (com os fundamentos ali expostos e posteriormente demonstrados) a prevalência do seu direito a proporcionar um mínimo de conforto às pessoas – particularmente, no caso, para assegurar as mínimas condições de habitabilidade e utilização de um café que possui – e a exercer uma actividade comercial sem entraves ou prejuízos desnecessários, sobre o direito dos condóminos nomeadamente a assegurar o equilíbrio arquitectónico e o arranjo estético do imóvel em causa.
3. Bem como ali alegou que a reprovação da instalação do sistema de ar condicionado na fracção onde funciona o seu café e a consequente discriminação que a mesma traduz em relação a outros condóminos que já dispunham de ar condicionado, com a aprovação da assembleia de condóminos, configura um clamoroso abuso do direito por parte do recorrido, na modalidade de “venire contra factum proprium”.
4. Tais questões, ligadas à colisão de direitos e ao abuso de direito (arts. 335 e 334 do Cód. Civil), respeitam à causa de pedir, por visarem servir de fundamento à acção – designadamente para sustentar o direito da recorrente a instalar aquele sistema de ar condicionado – além de que poderão sempre servir como causa impeditiva para qualquer direito que o recorrido possa invocar no sentido de obstar àquela instalação.
5. Pelo que, independentemente de a assembleia de condóminos se ter ou não pronunciado validamente sobre a proposta que lhe foi submetida para aprovação de tal instalação, estas questões não podiam deixar de ser relevantes para a boa e justa decisão da causa, merecendo, por isso, indubitavelmente, a apreciação do Tribunal “a quo”, o qual, porém, esqueceu-as totalmente, não se tendo pronunciado, directa ou indirectamente, sobre as mesmas.
6. Sem prescindir, para a hipótese – que não se concede – de se não entender que a douta sentença recorrida padece da nulidade atrás invocada, então sempre se dirá que a mesma errou ao não aplicar, “in casu”, a norma contida no art. 334 do Cód. Civil.
7. Porquanto, como decorre limpidamente da factualidade provada (designadamente dos pontos C, D, E, F, R, W, AK e AL da fundamentação da sentença) e ficou claramente consignado na fundamentação da decisão de facto a recorrente convenceu-se e confiou, legitimamente e de boa fé, que a instalação do aparelho de ar condicionado na fracção onde se situa o seu estabelecimento também iria ser aprovada pela assembleia geral do recorrido, em face do que lhe foi comunicado pelo representante da administração do condomínio e porque já existiam, então, aparelhos de ar condicionado instalados nas fracções vizinhas, instalação essa que havia sido anteriormente aprovada por unanimidade, por aquela assembleia.
8. Foi com base nessa confiança que a recorrente retirou a unidade exterior do ar condicionado decorridos apenas alguns dias após a ter instalado, mantendo, porém, a instalação do equipamento no interior da sua fracção, preparada para funcionamento após aprovação (cfr. aquele ponto W), por se ter legítima e justificadamente convencido de que tinha os mesmos direitos que os condóminos vizinhos, nunca imaginando que pudesse ser discriminada em relação aos mesmos.
9. Por isso, é bom de ver que, “in casu”, o exercício, por parte do recorrido, de qualquer direito que vise impedir a instalação do sistema de ar condicionado em causa, será sempre ilegítimo, por abuso do direito, particularmente na modalidade de “venire contra factum proprium”.
10. Uma vez que tal exercício, para além de exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé (e até pelo fim económico e social do direito), sempre traduzirá uma posição jurídica em contradição clara com um comportamento anteriormente assumido pelo recorrido que traduzia uma tomada de posição vinculativa em relação a situações futuras, em violação drástica do princípio da confiança, tanto mais que, no caso, existe uma intenção manifesta de apenas visar e prejudicar a recorrente.
11. Assim, independentemente de a assembleia de condóminos se ter ou não pronunciado validamente sobre a proposta de instalação do sistema de ar condicionado em causa, o Tribunal “a quo” não podia deixar de aplicar, no caso, o regime enunciado no citado art. 334, para decidir, desde logo, pela condenação do recorrido a reconhecer o direito da recorrente a tal instalação.
12. Neste contexto, a douta sentença recorrida errou também ao não aplicar, “in casu”, a norma contida no art. 335, nº 2 do Cód. Civil.
13. Isto porque, desde logo, como é público, notório e confirmado pelas regras da experiência comum, o ar condicionado constitui actualmente um bem essencial para proporcionar um mínimo de conforto às pessoas – particularmente, no caso, para assegurar as mínimas condições de habitabilidade e utilização de um café – sob pena de a sua inexistência colocar este estabelecimento numa situação de impossibilidade de exercer a sua actividade ou, pelo menos, de exercê-la sem dificuldades ou prejuízos.
14. Ora, “in casu”, como decorre da factualidade provada (designadamente dos pontos C, U, Y, X, Z, AA, AB, AC, AD, AE, AW e AY da fundamentação da sentença) ficou plenamente demonstrada a absoluta necessidade de instalar um aparelho de ar condicionado para proporcionar condições mínimas de conforto, utilização e habitabilidade ao café da recorrente, bem como o facto de a ausência de tal equipamento provocar prejuízos, ilação que também se retira claramente da fundamentação da decisão de facto.
15. Além disso, nem sequer ficou demonstrado que a instalação de ar condicionado em causa pudesse causar qualquer prejuízo à segurança, à linha arquitectónica ou ao arranjo estético do edifício, às suas partes comuns ou aos demais condóminos, antes se podendo depreender da factualidade provada que tal prejuízo não existe (vide, designadamente, pontos Q, R, AF, AG, AT, AU e AV da fundamentação da sentença).
16. Por isso, o direito da recorrente a proporcionar o mínimo de conforto e habitabilidade ao seu estabelecimento e às pessoas que o frequentam e nele trabalham, bem como a exercer uma actividade comercial sem entraves ou prejuízos desnecessários, deverá sempre prevalecer, em qualquer caso, sobre qualquer eventual direito dos demais condóminos neste domínio, nomeadamente o de assegurar o equilíbrio arquitectónico e o arranjo estético do imóvel em questão, até porque, no caso, este direito nem sequer é afectado.
17. Daí que, independentemente, mais uma vez, de a assembleia de condóminos se ter ou não pronunciado validamente sobre a proposta de instalação do aparelho de ar condicionado em causa, o Tribunal “a quo” não podia deixar de aplicar, no caso, o regime enunciado no citado art. 335, nº 2, para concluir que o direito da recorrente àquela instalação sempre deverá prevalecer sobre qualquer direito do recorrido a obstar à mesma e, em consequência, para decidir, desde logo, também por aqui, pela condenação do reconhecido a reconhecer aquele direito da recorrente.
18. Por outro lado, a douta sentença recorrida errou ao aplicar, “in casu”, as normas contidas nos arts. 1425, nº 1 e 1422, nºs 2 e 3 do Cód. Civil, além de que violou o estabelecido pelo art. 342, nº 2 do mesmo Código.
19. Em primeiro lugar, porque, ainda que se considere que a instalação de ar condicionado consubstancia uma inovação, o certo é que, no caso em análise, atendendo ao circunstancialismo factual apurado, o aparelho de ar condicionado em causa pode ser perfeitamente instalado sem que tal instalação constitua uma inovação para efeitos do disposto no art. 1425 do Cód. Civil (preceito que, como é sabido, se reporta apenas às inovações em partes comuns).
20. Com efeito, ficou plenamente demonstrada a possibilidade de se colocar o aparelho de ar condicionado numa janela ou na montra que delimita a fracção da recorrente, sucedendo que as montras e janelas, conforme entendimento da doutrina, não são consideradas partes comuns (cf. pág. 26 da sentença, bem como doutrina ali citada a este propósito), pelo que tal colocação não constitui logicamente uma inovação em parte comum, não estando, por isso, sujeita ao regime jurídico enunciado no nº 1 daquele art. 1425.
21. Depois, porque, contrariamente ao que a sentença impugnada conclui, a instalação daquele aparelho nem sequer afecta o arranjo estético do respectivo prédio, porquanto, desde logo, não foi alegada nem, consequentemente, ficou provada nos autos, qualquer factualidade que pudesse sustentar tal conclusão, sendo certo que, nos termos do disposto no art. 342, nº 2 do Cód. Civil, tal alegação e prova competia ao recorrido.
22. Ao invés, a factualidade provada leva à conclusão que tal aparelho pode ser instalado em condições que não afectam o arranjo estético do respectivo prédio e que essa instalação – em face da configuração/possibilidade de colocação que ficaram demonstradas (cf. pontos AF/AG da sentença e fotografia junta a fls. 66) e das regras da experiência comum – constitui uma obra de pequena dimensão e visibilidade, que não implica qualquer alteração de relevo às características visuais do mesmo prédio.
23. Acresce que nunca esteve aqui em causa – e efectivamente não ocorre – qualquer prejuízo para a segurança ou a linha arquitectónica do edifício em questão, além de que, no caso, a instalação de ar condicionado não foi proibida no título constitutivo da propriedade horizontal (cfr. doc. 2 junto com a p.i.) nem, posteriormente, por deliberação da assembleia de condóminos aprovada sem oposição.
24. Assim, a instalação do aparelho de ar condicionado na fracção da recorrente também não se encontra sujeita ao regime jurídico enunciado no art. 1422, nº 2, als. a) e d) e nº 3 do Cód. Civil, não estando condicionada pelos limites traçados neste preceito (impostos, como é sabido, ao direito de propriedade dos condóminos sobre a fracção de que são proprietários).
25. Por tudo, a instalação em causa não necessita nem está dependente de prévia autorização da assembleia de condóminos, o que significa que esta assembleia pronunciou-se e deliberou sobre matéria que não era da área da sua competência, pelo que tal deliberação não padece de qualquer vício de invalidade, mas antes de ineficácia, não estando, por isso, a recorrente a ela vinculada, podendo legitimamente ignorá-la e, por via disso, instalar livremente o aparelho de ar condicionado na sua fracção (cf. págs. 21, 22, 23 e 24 da sentença, bem como a doutrina ali citada a este propósito).
26. Por este prisma, não estava aqui em causa o facto de aquela assembleia ter ou não deliberado de modo formalmente válido quanto à questão que lhe foi submetida, pelo que a deliberação tomada no sentido da não aprovação da instalação do aparelho de ar condicionado em apreço, apesar de ineficaz, não deixa de traduzir a expressão da vontade colectiva daquele orgão, vinculando plenamente o recorrido.
27. Até porque, não estando tal instalação sequer dependente da aprovação da assembleia de condóminos, não faz qualquer sentido a exigência de maioria qualificada representativa de dois terços do valor total do prédio em causa, além de que já não existia, nesta perspectiva, qualquer irregularidade quanto à convocação e funcionamento destas assembleias.
28. Por isso, cumpria ao Tribunal apreciar a ilicitude ou não daquela vontade colectiva, responsabilizando o recorrido, em caso de concluir pela ilicitude da deliberação tomada, pelas consequências danosas que dela emergiram para a recorrente, sucedendo que, no caso, em face da factualidade provada, pode perfeitamente concluir-se que tal ilicitude existiu e que dela emergiram danos para o recorrente, estando totalmente preenchidos os pressupostos do instituto da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos (arts. 483 e segs. do Cód. Civil).
29. Assim, pelo exposto, sempre se impunha, “in casu”, que o Tribunal “a quo” tivesse condenado o recorrido a reconhecer o direito do recorrente a instalar o sistema de ar condicionado em causa, bem como a indemnizá-la pelos prejuízos que lhe causou em consequência da não aprovação ilícita de tal instalação.
30. De qualquer modo, sempre será de considerar que a douta sentença recorrida, ao decidir como decidiu, ofendeu os princípios da verdade material, da equidade e ainda da economia processual.
31. Isto porque o Tribunal, inexplicavelmente, após ter proferido uma decisão de facto extremamente justa e sensata, esqueceu e desperdiçou tudo o que dela se extrai de relevante, optando por uma solução jurídica meramente formal e materialmente injusta, totalmente desajustada da factualidade apurada.
32. Ora, como é sabido, com a reforma do Cód. de Proc. Civil procurou-se privilegiar a verdade material sobre a verdade formal, razão pela qual saiu reforçado o princípio do inquisitório sobre o princípio do dispositivo, o que significa que o juiz passou a ter também o poder/dever de encontrar soluções jurídicas adequadas à verdade e, por isso, à realidade da vida.
33. No caso, já se viu que tais verdade e realidade apontam (como resulta, à saciedade, do que ficou provado e do que foi consignado na decisão de facto) para a absoluta necessidade de instalar um aparelho de ar condicionado (que constitui actualmente um bem essencial particularmente para cafés) no estabelecimento comercial da recorrente e para a existência de prejuízos efectivamente causados pela ausência de tal aparelho, bem como para o facto de tal ausência se dever a uma conduta abusiva e discriminatória do recorrido.
34. Pelo que a verdade material – aqui reforçada pela equidade – e, em última análise, a justiça, exigiam outra solução jurídica, que pudesse reflectir materialmente uma boa (e justa) decisão da presente causa, não se compadecendo com o formalismo, a facilidade e a simplicidade que caracterizam a solução que foi encontrada.
35. Por outro lado, é ainda manifesto que a sentença recorrida ofendeu também o princípio da economia processual, uma vez que, para ter concluído – como concluiu na decisão final – pela anulação da deliberação da assembleia de condóminos e pela absolvição do réu dos restantes pedidos (devido à inexistência de pronúncia válida por parte daquela assembleia), podendo tê-lo feito logo no despacho saneador, pelo que bem pode dizer-se que a audiência de discussão e julgamento constituiu uma pura perda de tempo, nada tendo acrescentado de relevante para a decisão que veio a ser dada à causa.
36. Assim, por tudo, pode legitimamente concluir-se que, independentemente de a assembleia de condóminos se ter ou não pronunciado validamente sobre a proposta de instalação de ar condicionado em causa, o Mmº Juiz “a quo”, em face da relevância da factualidade provada e na senda da verdade material e da equidade, devia ter julgado procedente pelo menos a pretensão da recorrente quanto ao reconhecimento do seu direito a tal instalação, o que também devia ter ocorrido em nome da coerência e da economia processual, até para dar-se a devida sequência e utilidade à audiência de discussão e julgamento e à decisão de facto que resultou da mesma.
37. Por este prisma, a douta sentença recorrida, ao decidir como decidiu, configura ainda uma violação do art. 20 da Constituição (onde se consagra o “acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva”), do art. 2 do Cód. do Proc. Civil e mesmo do art. 8 do Cód. Civil.
38. Em virtude de redundar numa solução formal totalmente inócua, sem quaisquer efeitos práticos, que afasta o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie as pretensões regularmente deduzidas em juízo pela recorrente, bem como a possibilidade de as fazer executar, podendo mesmo consubstanciar uma abstenção de julgar.
39. Ora, como é sabido, o direito à jurisdição não pode ser entendido num sentido meramente formal, não implicando apenas o direito de aceder aos tribunais para propor acções, mas também e sobretudo, o direito a uma jurisdição que conduza a resultados efectivos, individual e socialmente justos.
40. No caso, a recorrente, em 2006, viu-se forçada a reclamar em juízo o direito à simples instalação de um aparelho de ar condicionado (direito este que constitui obviamente o cerne da presente acção e a pretensão essencial da recorrente), em virtude de, como já se viu, tal instalação lhe ter sido negada, de forma abusiva e discriminatória, pelo recorrido, acabando também por peticionar a anulação da deliberação da assembleia de condóminos que lhe negou tal direito e a indemnização pelos prejuízos que daí resultaram.
41. Porém, o Tribunal “a quo”, inexplicavelmente, subvertendo o encadeamento lógico e o resultado material do processo, veio apenas a julgar procedente aquele pedido de anulação, considerando, por via disso, improcedentes as outras duas pretensões da recorrente, ou seja, restringiu-se a uma sentença puramente formal, para “emoldurar”, sem qualquer préstimo quanto à pretensão essencial da recorrente, que reflecte um resultado prático semelhante à pura ausência de decisão, equivalendo, por isso, à denegação de justiça e mesmo a uma abstenção de julgar.
42. Acresce que, como é também sabido, o entendimento material do direito de acesso à justiça como direito efectivo à jurisdição implica ainda que a resposta judicial às pretensões deduzidas tenha lugar num prazo razoável, pois uma decisão tardia pode também equivaler à denegação de justiça, além de que trata-se prevalentemente de atender ao interesse do autor (e também do réu) em não ver indevidamente prolongada uma situação de indefinição.
43. Ora, a decisão do tribunal adiou indefinidamente a solução das pretensões essenciais da recorrente – nomeadamente a de reconhecimento do seu direito à instalação do sistema de ar condicionado – deixando-a num beco sem saída ou, no mínimo, num labirinto com várias saídas mas todas elas incertas e indefinidas, com um novelo que não sabe como nem quando conseguirá desenrolar.
44. Compelindo a recorrente a voltar ao início, a andar indefinidamente à procura de uma maioria (impossível) de 2/3 dos condóminos, a instaurar mais uma acção contra várias dezenas de condóminos, a invocar e provar novamente todos os argumentos que já estão perfeitamente demonstrados na presente acção, ficando, entretanto, de mãos atadas, sujeita à humilhação e vexame de vir a suportar a (mais do que provável) futura autorização pacífica, por parte do recorrido, de outras instalações de ar condicionado no edifício em causa.
45. Assim, por tudo, sempre se impunha, no caso, independentemente de a assembleia de condóminos se ter ou não pronunciado validamente sobre a proposta em causa, que a actividade jurisdicional tivesse conduzido a resultados efectivos e justos quanto às pretensões essenciais da recorrente, devendo ter sido reconhecidos, nesta acção, os direitos inerentes àquelas pretensões, nomeadamente o direito à instalação do ar condicionado, até porque existem nos autos elementos mais do que suficientes para sustentar tal reconhecimento.
O réu apresentou contra-alegações, nas quais se pronunciou pela confirmação do decidido.
Colhidos os vistos legais, cumpre então apreciar e decidir.

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FUNDAMENTAÇÃO
Aos presentes autos, face à data da sua entrada em juízo, é ainda aplicável o regime de recursos anterior ao Dec. Lei nº 303/07, de 24.8.
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O objecto dos recursos encontra-se balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso – arts. 684 nº 3 e 690 nº 1 do Cód. do Proc. Civil -, sendo ainda de referir que neles se apreciam questões e não razões, que não visam criar decisões sobre matéria nova e que o seu âmbito é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
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As questões a decidir são as seguintes:
1. Apurar se a sentença recorrida padece da nulidade prevista no art. 668, nº 1, al. d) do Cód. do Proc. Civil (omissão de pronúncia);
2. Apurar se, no presente caso em que está em causa a colocação de um sistema de ar condicionado destinado a uma das fracções, a sentença recorrida fez errada aplicação do preceituado nos arts. 1425, nº 1 e 1422, nºs 2, al. a) e 3 do Cód. Civil.
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OS FACTOS
A matéria fáctica, tal como foi fixada pela 1ª Instância, é a seguinte:
A - A autora é locatária financeira, desde 2.03.2001, da fracção autónoma designada pelas letras “AQ”, correspondente a uma área ampla sita no piso menos um do bloco A, fachadas norte, nascente e poente, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal denominado “C……….”, sito na Rua ………., freguesia de ………., concelho de Amarante, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amarante sob o n.º 01177/990527 da referida freguesia, inscrita a propriedade horizontal sob a quota F-1 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1887.
B - Aquela fracção autónoma está destinada, no título da propriedade horizontal, a comércio e indústria e como tal está devidamente licenciada através do alvará de licença de utilização n.º ./2006.
C - Em Julho de 2006, devido às elevadas temperaturas que se faziam sentir, a autora instalou um equipamento de ar condicionado na referida fracção para climatização do estabelecimento.
D- Passados alguns dias, a autora foi interpelada por um representante da administração do condomínio para retirar o equipamento.
E- Na altura, aquele representante disse à autora que a instalação do equipamento teria que ser submetida à aprovação da assembleia de condóminos.
F- A autora solicitou à administração do condomínio a inclusão, na assembleia geral de condóminos que iria realizar-se em 11.08.2006, de uma proposta de aprovação da instalação do aparelho de ar condicionado na fracção “AQ”.
G - Tal proposta veio a constar, sob o ponto 2, da ordem de trabalhos daquela assembleia, a qual foi convocada para as 21 horas do dia 11.08.2006, mas, por falta de “quorum”, reuniu apenas, em segunda convocatória, meia hora depois, ou seja, pelas 21h30m daquele dia.
H - Os condóminos presentes ou representados naquela reunião são os identificados na respectiva acta, os quais representavam uma permilagem de 273,1.
I - Quanto ao referido ponto 2) da ordem de trabalhos, o representante da fracção “AQ” expôs a necessidade da colocação do aparelho de ar condicionado e manifestou a disponibilidade para colocar a respectiva caixa (i.e., unidade exterior) onde a assembleia assim o entendesse.
J - Colocada à votação, a proposta em causa foi reprovada, com 11 votos contra, respeitantes às fracções identificadas na acta, representando a permilagem de 217,38.
K - O representante da fracção “AQ” votou a favor da proposta e suscitou, desde logo, a ilegalidade da deliberação que acabava de ser tomada, pelas razões que então expôs e ficaram exaradas na acta.
L - E posteriormente, através de carta de 18.08.2006, solicitou à administração do condomínio, nos termos legais, a convocação de uma assembleia extraordinária para revogação daquela deliberação, bem como, em consequência, para a efectiva aprovação da instalação de ar condicionado na fracção “AQ”.
M - Tal assembleia foi convocada para as 21 horas de 29.09.2006, mas, por falta de “quorum”, apenas se reuniu na segunda data indicada na convocatória (6.10.2006, pelas 21h00).
N - Os condóminos presentes ou representados naquela reunião são os identificados na respectiva acta, os quais representavam uma permilagem de 361,35.
O - O representante da fracção “AQ” apontou novamente as razões para a aprovação da instalação do ar condicionado e reiterou a disponibilidade para colocar o respectivo aparelho (i.e., a sua unidade externa) onde a assembleia o decidisse.
P - Tendo sido colocada à votação, a proposta de revogação da deliberação em causa, tomada na assembleia de 11.08.2006, foi reprovada, com 14 votos contra, relativos às fracções identificadas na respectiva acta, representando a permilagem de 271,15.
Q - O aparelho de ar condicionado (unidade exterior) inicialmente colocado pela autora situava-se num local que nem sequer é visível da rua.
R - Nas fracções “AS” e “AT”, sitas junto à fracção da autora e destinadas ao mesmo fim, encontram-se instalados aparelhos de ar condicionado, no exterior das mesmas, em parte comum do edifício, cuja instalação foi aprovada, por unanimidade, pela assembleia geral de condóminos realizada em 10.3.2005.
S - A actual administração do condomínio do “C……….” assumiu funções, apenas, em 9 de Março de 2006 e, apenas, em 29 de Setembro de 2006, a anterior administração lhe entregou a documentação relativa ao condomínio do “C……….”.
T - A presente acção deu entrada em juízo em 25.10.2006.
U - A autora possui e explora naquela fracção, desde 6 de Janeiro de 2006, um estabelecimento de bebidas denominado “B1……….“, o qual se encontra devidamente licenciado – resposta ao ponto 1º da base instrutória.
V - A autora colocou a unidade externa do aparelho de ar condicionado na parede exterior das traseiras da fracção identificada em A – resposta ao ponto 2º da base instrutória.
W - A autora retirou a unidade exterior do aparelho de ar condicionado em Julho de 2006, passados uns dias após ter instalado aquele aparelho, mantendo a instalação do equipamento no interior da fracção, preparada para funcionamento após aprovação da deliberação da assembleia geral da ré que lhe permitisse a instalação do aparelho de ar condicionado – resposta ao ponto 3º da base instrutória.
Y - A instalação do aparelho de ar condicionado é imposta pela necessidade de proporcionar condições mínimas de utilização e habitabilidade à fracção “AQ”, principalmente durante o Verão – resposta ao ponto 4º da base instrutória.
X - Nessa época do ano são muito elevadas as temperaturas que, tanto de dia, como de noite, se fazem sentir no interior da fracção – resposta ao ponto 5º da base instrutória.
Z - Só com dificuldade e sacrifício se consegue permanecer no local – resposta ao ponto 6º da base instrutória.
AA - Apesar de serem utilizadas ventoinhas, as mesmas não conseguem atenuar os efeitos do calor – resposta ao ponto 7º da base instrutória.
AB - A não instalação do ar condicionado contribuiu para diminuir a clientela, particularmente no período de Verão, mas reflectindo-se ainda nos restantes períodos do ano – resposta ao ponto 8º da base instrutória.
AC - O sistema de ar condicionado em causa também se destina ao aquecimento do interior da fracção – resposta ao ponto 9º da base instrutória.
AD - As receitas do estabelecimento comercial, em consequência da falta do ar condicionado, têm diminuído – resposta ao ponto 10º da base instrutória.
AE - A instalação de ar condicionado, pelo conforto que proporciona, implica o incremento da frequência do estabelecimento, mormente no período de Verão e, consequentemente, o aumento das respectivas receitas – resposta ao ponto 11º da base instrutória.
AF - O aparelho de ar condicionado instalado e que a autora pretende instalar no seu estabelecimento comercial é uma caixa de cor branca, na tonalidade de branco sujo, com cerca de 80 centímetros de comprimento, 25 centímetros de largura e 75 centímetros de altura, que pode ser colocada, nomeadamente, junto à porta de entrada do café, no enfiamento de uma das janelas da fracção “AQ”, com um afastamento de cerca de 15 centímetros da parede – resposta ao ponto 14º da base instrutória.
AG - Aquele local é dificilmente visível da rua, por situar-se numa reentrância coberta do edifício, onde a unidade do ar condicionado, com a configuração indicada na resposta anterior passa despercebida – resposta ao ponto 15º da base instrutória.
AK - Perante a existência de aparelhos de ar condicionado instalados nas fracções localizadas ao lado da fracção onde se situa o seu estabelecimento comercial, a autora convenceu-se e confiou que a instalação do aparelho de ar condicionado na fracção “AQ” também iria ser aprovada pela assembleia geral da ré – resposta ao ponto 16º da base instrutória.
AL - Na sequência da instalação do aparelho de ar condicionado pela autora e da exigência de alguns condóminos em que o mesmo fosse retirado, o representante da administração do condomínio, em contacto com a autora, comunicou-lhe que, como a assembleia geral da ré tinha aprovado a instalação dos aparelhos de ar condicionado nas fracções localizadas ao lado da fracção da autora, entendia que a aprovação da deliberação que permitia instalar o ar condicionado na sua fracção não constituiria qualquer problema – resposta ao ponto 18º da base instrutória.
AM - A autora participou nas assembleias de condomínio na qualidade de condómino – resposta ao ponto 20º da base instrutória.
AN - A autora fez-se representar na assembleia de 11.8.2006, como condómino – resposta ao ponto 22º da base instrutória.
AO - Teor do documento junto aos autos a fls. 122 a 131 – resposta ao ponto 23º da base instrutória.
AP - A autora tem ocupado a fracção identificada em A e tem participado nas assembleias de condomínio e pago as despesas de condomínio com conhecimento da E………. – resposta ao ponto 24º da base instrutória.
AQ - A condómina F………., não se conformando com o alegado barulho produzido durante o seu período de descanso nocturno e até altas horas da manhã, solicitou ao administrador do condomínio que este contactasse com os ocupantes da fracção “AQ” – resposta ao ponto 27º da base instrutória.
AR - Por cima da fracção “AQ”, fica a fracção “AE”, onde residia uma pessoa de idade avançada, cerca de 90 anos, que se encontrava acamada, e que, entretanto, faleceu – resposta ao ponto 33º da base instrutória.
AS - O que consta do documento junto aos autos a fls. 51 – resposta ao ponto 35º da base instrutória.
AT - A unidade interior do ar condicionado é silenciosa – resposta ao ponto 36º da base instrutória.
AU - O tecto da fracção AQ tem isolamento – resposta ao ponto 37º da base instrutória.
AV - Os aparelhos de ar condicionado instalados nas outras fracções permanecem, algumas vezes, ligados durante a noite – resposta ao ponto 40º da base instrutória.
AW - Os aparelhos portáteis de ar condicionado só são eficazes para espaços pequenos e fechados – resposta ao ponto 41º da base instrutória.
AY - Aqueles aparelhos não são eficazes para uma área de 94,20 m2, como é o caso do estabelecimento da autora – resposta ao ponto 42º da base instrutória.
AX - Além de que provocam mais ruído do que os sistemas fixos – resposta ao ponto 43º da base instrutória.
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O DIREITO
1. A autora/recorrente, nas suas alegações, principia por invocar a nulidade da sentença recorrida nos termos do art. 668, nº 1, al. d) do Cód. do Proc. Civil, por não se ter pronunciado sobre a matéria dos arts. 47 a 49 da petição inicial em que, na sua perspectiva, suscita questões que se ligam à colisão de direitos e ao abuso do direito.
Estabelece o art. 668 nº 1 al. d) do Cód. de Proc. Civil que «é nula a sentença quando...o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar...»
Esta nulidade – omissão de pronúncia – está directamente relacionada com o comando que se contém no art. 660, nº 2 do Cód. do Proc. Civil, onde se preceitua que «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.»
“Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação” não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido: por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida; por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art. 664 do Cód. do Proc. Civil) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido não têm de ser separadamente analisadas.
Há, assim, que distinguir entre “questões”, por um lado, e “razões” ou “argumentos”, por outro, de tal modo que só a falta de apreciação das primeiras (“questões”) integra a nulidade aqui em apreciação e não a simples falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões.[1]
Volvendo ao caso dos autos verifica-se que, em primeiro lugar, a autora pediu a anulação da deliberação tomada na assembleia de condóminos realizada em 11.8.2006, por terem sido desrespeitadas as regras legais relativas à convocação e funcionamento destas assembleias e a maioria exigida para a aprovação dessa deliberação e depois, em segundo lugar, pediu que o réu fosse condenado a reconhecer-lhe o direito a instalar um sistema de ar condicionado na fracção “AQ” e a pagar-lhe uma indemnização, a liquidar em execução de sentença, pela não aprovação ilícita dessa instalação.
Sucede que o alegado nos arts. 47 a 49 da petição inicial, que se cruza com a colisão de direitos e o abuso de direito, se prende com a apreciação desta segunda pretensão que foi formulada pelo autor.
Ora, lendo a sentença recorrida logo se verifica que o Mmº Juiz “a quo” apreciou essa pretensão tendo entendido que a mesma não poderia proceder.
Nesse sentido, escreveu a fls. 478/9 que quer a primeira pretensão (que o tribunal se substitua à assembleia de condóminos e condene a ré a reconhecer o seu direito a instalar o sistema de ar condicionado na fracção “AQ”), quer a pretensão indemnizatória que lhe está associada, «têm subjacente o pressuposto de que a assembleia [de] condóminos do réu deliberou, de modo formalmente válido, quanto à questão que lhe foi submetida, de tal sorte que a vontade colectiva daquela assembleia se encontra já validamente expressa e alcançada no sentido da não aprovação da proposta de instalação do aparelho de ar condicionado na fracção “AQ”, cumprindo ao tribunal apreciar da licitude ou não dessa vontade colectiva expressa pelo órgão colegial, responsabilizando o réu pelas eventuais consequências danosas que dela emergiram para a autora caso conclua pela ilicitude da deliberação tomada.
Ora, independentemente da bondade dos argumentos aduzidos pela autora para fundamentar a ilicitude da deliberação tomada pela assembleia de condóminos no dia 11.8.2006, o certo é que a deliberação em análise não expressa a vontade colectiva da assembleia de condóminos uma vez que tal decisão foi tomada sem que estivesse reunido o necessário “quorum” deliberativo, o que tudo nos leva a concluir que tal deliberação não pode vincular o aqui réu, [nem] sequer lhe podem ser assacadas as consequências danosas que dela emergiram para a autora.
Tais consequências danosas, porque não são expressão da vontade colectiva da assembleia de condóminos, apenas, podem ser assacadas, a título individual, aos condóminos que, pessoal e/ou representados, deliberaram, em nome do órgão colectivo que integravam, sobre uma matéria sem que estivesse reunido o necessário “quorum” deliberativo, não sendo, por conseguinte, a deliberação tomada expressão da vontade colectiva daquele órgão, mas antes da vontade individual dos condóminos que não aprovaram a proposta de deliberação pelo que apenas estes podem ser responsabilizados pelas consequências danosas que dela emergiram para a autora, improcedendo por via disso o pedido indemnizatório que vem formulado nos autos contra o réu.
Por outro prisma, não pode este tribunal substituir-se à assembleia de condóminos quando este órgão colectivo ainda não se pronunciou validamente (isto é, com o necessário “quorum” deliberativo) sobre a proposta que lhe foi submetida de ser instalada o aparelho de ar condicionado na fracção “AQ“.
Aliás, pese embora a posição dos condóminos que deliberaram no sentido de não aprovar aquela proposta em 11.8.2008, não se pode excluir a hipótese de, caso a autora tivesse lançado mão do processo de jurisdição voluntária de suprimento do consentimento dos condóminos faltosos à reunião, a proposta de instalação daquele aparelho de ar condicionado acabasse por ser validamente aprovada por 2/3 do capital investido pela assembleia de condóminos, sequer se pode excluir ainda essa possibilidade.
Neste contexto, improcede também o segundo pedido formulado pela autora a fls. 11 e 12.»
Deste modo, o que se constata é que o Mmº Juiz “a quo” analisou detalhadamente a segunda pretensão formulada pela autora, tendo concluído que a mesma não pode proceder porque pressupunha que a assembleia de condóminos tivesse deliberado de modo formalmente válido, o que não ocorreu. Não pode, assim, o tribunal substituir-se à assembleia quando esta ainda não se pronunciou validamente sobre a proposta de instalação do aparelho de ar condicionado.
Consequentemente, é de concluir que o tribunal recorrido apreciou a questão que, neste segmento, lhe foi colocada, não tendo havido, da sua parte, qualquer omissão de pronúncia, uma vez que as matérias relacionadas com a colisão de direitos e o abuso de direito, alegadas nos arts. 47 a 49 da petição inicial, se tratavam tão só de argumentos esgrimidos pelo autor a favor da sua pretensão, mas cuja análise só se imporia se a deliberação tomada pela assembleia de condóminos tivesse sido formalmente válida, o que, porém, não se verificou.
Como tal, não se mostra cometida a nulidade de sentença arguida pela autora, razão pela qual, nesta parte, improcede o seu recurso.
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2. Prosseguindo, a autora sustenta no seu recurso, por um lado, que a instalação do sistema de ar condicionado pode ser efectuada sem que tal constitua uma inovação para os efeitos do art. 1425 do Cód. Civil, o qual se reporta apenas às inovações em partes comuns.
Por outro, entende que a instalação desse sistema não afecta o arranjo estético e a linha arquitectónica do prédio, pelo que também não é aplicável ao caso “sub judice” o regime jurídico previsto no art. 1422, nº 2, als. a) e d) e 3 do Cód. Civil.
Daqui decorre, na perspectiva da autora, que a instalação em causa não necessita nem está dependente de prévia autorização da assembleia de condóminos, o que significa que esta deliberou sobre matéria que não era da sua competência, sendo, por isso, ineficaz a deliberação tomada.
No art. 1425, nº 1 do Cód. Civil estabelece-se que «as obras que constituam inovações dependem da aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio.»
E depois no seu nº 2 diz-se que «nas partes comuns do edifício não são permitidas inovações capazes de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como das comuns.»
Já no art. 1422, nºs 2, als. a) e d) e 3 do mesmo diploma estatui-se o seguinte:
«2. É especialmente vedado aos condóminos:
a) Prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício;
(...)
d) Praticar quaisquer actos ou actividades que tenham sido proibidos no título constitutivo ou, posteriormente, por deliberação da assembleia de condóminos aprovada sem oposição.
3. As obras que modifiquem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício podem ser realizadas se para tal se obtiver prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio.»
Da conjugação destes preceitos resulta que as limitações aos poderes dos condóminos decorrentes do art. 1422, nºs 2 e 3 reportam-se exclusivamente às fracções dos condóminos, ao passo que as limitações a que se refere o art. 1425 respeitam às partes comuns do prédio.
Deste modo, face ao disposto no art. 1422, o condómino é livre de fazer as inovações que entenda na sua fracção, sem necessitar de autorização da respectiva assembleia, desde que as mesmas não prejudiquem a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício, não tenham sido proibidas no título constitutivo ou, posteriormente, por deliberação da assembleia de condóminos aprovada sem oposição.
Já as inovações que prejudiquem a segurança do edifício, que sejam proibidas pelo título constitutivo da propriedade horizontal ou, posteriormente, por deliberação de condomínio aprovada sem oposição, e, bem assim, as que prejudiquem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do prédio não podem ser realizadas pelo condómino na sua fracção, nem tão pouco podem ser autorizadas pela assembleia de condóminos.
Contudo, caso tal inovação se limite a modificar a linha arquitectónica ou o arranjo estético do prédio, o nº 3 do art. 1422, prevê a possibilidade de a assembleia de condóminos autorizar o condómino a realizá-la exigindo, porém, prévia autorização da assembleia, que a terá de aprovar por maioria qualificada representativa de dois terços do valor total do prédio.
Tratando-se de inovação a efectuar em partes comuns do prédio, o condómino, perante o que se dispõe no art. 1425, não poderá realizá-la, a menos que esta seja autorizada pela maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio.
Seguindo de perto a sentença recorrida, dir-se-à que enquanto nas inovações a realizar pelos condóminos nas fracções de que são proprietários vigora o princípio regra segundo o qual os condóminos são livres de realizar as inovações que entendam convenientes, apenas estando esse seu direito potestativo limitado aos casos enunciados nas alíneas a) e d) do nº 2 do art. 1422º do Cód. Civil, já em sede de partes comuns, o princípio regra é o contrário, ou seja, os condomínios não podem realizar quaisquer inovações nas partes comuns do prédio, apenas o podendo fazer mediante prévia autorização da assembleia de condóminos aprovada por maioria de 2/3 do valor total do prédio, estando esta autorização sempre limitada pelo nº 2 do art. 1425, ou seja, a assembleia não pode nunca autorizar inovações capazes de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como das comuns.
Por inovação entende-se toda a obra que constitua uma alteração do prédio tal como foi originariamente concebido, licenciado e existia à data da constituição da propriedade horizontal, sendo, assim, inovadoras as obras que modificam as coisas comuns, quer em sentido material, seja na substância ou na forma, quer quanto à sua afectação ou destino, nomeadamente económico. Essa modificação tanto pode ter como fim o de proporcionar a um, a vários ou à totalidade dos condóminos maiores vantagens ou benefícios, ou um uso ou gozo mais cómodo, como traduzir-se na supressão de coisas comuns existentes. O que releva é que seja criado algo de novo ou de diferente nas partes comuns do edifício.[2]
São, assim, inovações em parte comum a construção de uma nova garagem, a demolição de um terraço, a instalação de um pára-raios, de um sistema de ar condicionado, de um ascensor, de uma piscina.[3]
Como tal, é de considerar que a instalação de um aparelho de ar condicionado numa parte comum do prédio, porque altera a sua estrutura inicial, se trata de uma inovação para os efeitos do preceituado no art. 1425 do Cód. Civil, carecendo, por isso, da autorização da maioria dos condóminos que terá de representar dois terços do valor total do prédio.[4]
Todavia, na sequência do que foi pedido pela autora na petição inicial – que se lhe reconheça o direito a instalar um sistema de ar condicionado na fracção “AQ”, com colocação da respectiva unidade exterior no local a que se alude no art. 32 (junto à porta de entrada do café, no enfiamento de uma das janelas da fracção) ou noutro local das fachadas exteriores daquela fracção a designar pelo réu – terá também de se colocar a possibilidade de tal aparelho ser instalado não numa parte comum, mas sim na própria fracção, o que, de acordo com o estatuído no art. 1422, nºs 2 e 3 do Cód. Civil, implicaria igualmente a autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, caso essa obra inovadora modificasse a linha arquitectónica ou o arranjo estético do prédio.
Inexistem definições legais do que seja “linha arquitectónica” e “arranjo estético”, pelo que ambos se apresentam como conceitos indeterminados valorativos, sujeitos a um preenchimento casuístico.
Conforme escreve Abílio Neto (in “Manual da Propriedade Horizontal”, 3ª ed., pág. 183) «a linha arquitectónica será...o produto individualizado que resultou do exercício daquela arte (arquitectura), e que lhe confere, em maior ou menor grau, um cunho de identidade, ao passo que o arranjo estético terá a ver prevalentemente com a imagem de arte e beleza que liberta, ou, para usarmos a formulação adoptada pela jurisprudência, a primeira “significa o conjunto dos elementos estruturais da construção que, integrados em unidade sistemática, lhe conferem a sua individualidade própria e específica”, enquanto que o segundo “tem a ver com o conjunto de características visuais que conferem harmonia ao conjunto”. Em suma, no primeiro caso, há uma alteração física ou volumétrica do edifício, ao passo que no segundo há uma alteração estética.»
A questão que agora se porá é a de saber se a instalação do aparelho de ar condicionado que aqui se discute, no local indicado no art. 32 da petição inicial, que é uma janela (cfr. fotografias de fls. 66 dos autos), prejudica o arranjo estético do edifício, uma vez que seguramente não afecta a sua linha arquitectónica.
E a nossa resposta, tal como a da sentença recorrida, não poderá deixar de ser afirmativa.
Com efeito, mesmo que a autora pretenda instalar o aparelho de ar condicionado junto à porta de entrada do café, no enfiamento de uma das janelas da fracção, num local dificilmente visível da rua, por se situar numa reentrância coberta do edifício, ter-se-à que concluir que o mesmo modifica o seu arranjo estético.
É que se o arranjo estético se conexiona com as características visuais do prédio, a colocação do dito aparelho junto a uma janela, que é uma parte integrante da fracção[5] que, pela sua natureza, é visível do exterior, altera forçosamente essas características visuais, pois que tal alteração, apesar de pouco visível da rua, não deixa de ser necessariamente vista do exterior, de outros ângulos do edifício, designadamente, pelos residentes do prédio.
Por isso, a colocação desse aparelho, nestes termos, está sujeita a prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, de acordo com o preceituado no art. 1422, nº 3 do Cód. Civil.
Mas a autora na petição inicial coloca também a possibilidade de instalar o aparelho de ar condicionado nas fachadas exteriores da fracção, em local a designar pelo réu.
Sucede, porém, que as paredes exteriores, por delimitarem o perímetro da construção, sendo ainda determinantes para o estabelecimento da linha arquitectónica e para o arranjo estético do edifício, devem ser havidas, tal como as paredes mestras, como partes comuns do prédio, de tal modo que, sendo o aparelho de ar condicionado colocado nessas paredes, haveria então necessidade da autorização a que alude o já referido art. 1425 do Cód. Civil.[6]
Portanto, o que se verifica é que quer se instale o aparelho de ar condicionado numa parte comum do prédio (parede exterior), quer em parte integrante da própria fracção (janela), essa instalação está sempre dependente de prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, imposta esta, no primeiro caso, pelo art. 1425 do Cód. Civil e, no segundo, pelo art. 1422, nº 3 do mesmo diploma.
Como tal, nenhuma censura há a fazer à sentença recorrida, cuja argumentação seguimos, no tocante à forma como aplicou ao caso “sub judice” aquelas duas disposições legais.
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Continjuando, dir-se-à que era, neste ponto, que se situava o cerne do recurso interposto pela autora que pretendia, essencialmente, que se decidisse não ser necessário que para instalar o aparelho de ar condicionado fosse necessária qualquer autorização da assembleia de condóminos, de tal forma que esta, ao deliberar sobre matéria que não era da sua competência, fê-lo ineficazmente.
Não foi como se viu o caminho seguido por este Tribunal e assim subsiste o decidido pela 1ª Instância, que entendeu declarar anulada a deliberação tomada na assembleia de condóminos realizada em 11.8.2006, quanto ao ponto 2 da ordem de trabalhos, por terem sido desrespeitadas as regras legais relativas à convocação e funcionamento daquelas assembleias e à maioria exigida para aprovação de tal deliberação.
Ora, a consideração dos institutos do abuso de direito (art. 334 do Cód. Civil) e da colisão de direitos (art. 335, nº 2 do Cód. Civil), invocada pela autora na sua petição inicial, nos arts. 47 a 49, cruza-se com o segundo e terceiro pedidos que formulou (condenação do réu a reconhecer-lhe o direito a instalar um sistema de ar condicionado na fracção “AQ” e a pagar-lhe uma indemnização, a liquidar em execução de sentença, pela não aprovação dessa instalação) e, por isso, pressupunha, a nosso ver, que a deliberação tomada pela assembleia de condóminos tivesse sido formalmente válida, o que não se verificou.
Ou seja, impunha-se que a assembleia de condóminos já tivesse formado validamente a sua vontade colectiva no sentido da não aprovação da instalação do sistema de ar condicionado na fracção “AQ” para então se apreciar se os poderes conferidos a tal assembleia por força do preceituado nos arts. 1425 e 1422, nº 3 do Cód. Civil traduziram, neste caso, exercício ilegítimo de direito nos termos do art. 334 do mesmo diploma ou se o direito exercido deveria ceder perante outro considerado superior de acordo com o art. 335, nº 2.
Não havendo deliberação válida da assembleia de condóminos a negar a pretensão da autora, não há, assim, que apreciar a sua linha argumentativa assente no abuso do direito e na colisão de direitos, até porque a consideração destes dois institutos, no sentido defendido pela autora, não nos pode levar a reconhecer de imediato o direito desta a instalar o sistema de ar condicionado passando por cima daquela válida deliberação da assembleia de condóminos imposta pelos referidos arts. 1425 e 1422, nº 3 do Cód. Civil.
Nas suas alegações, a autora alude também à violação dos princípios da verdade material, da equidade e da economia processual por parte da sentença recorrida, o que de modo algum se verifica, uma vez que nesta mais não se fez do que aplicar ao caso “sub judice” o disposto nos arts. 1425 e 1422 do Cód. Civil e ainda as regras que disciplinam a convocação e o funcionamento das assembleias de condóminos, as quais, não tendo sido respeitadas, levaram à anulação da deliberação tomada em 11.8.2006 quanto à instalação do sistema de ar condicionado.
Tal como não se descortina qualquer violação do art. 20 da Constituição da República, onde se consagram o acesso ao direito e aos tribunais e o princípio da tutela jurisdicional efectiva, bem como do art. 8 do Cód. Civil, que se refere à obrigação de julgar e ao dever de obediência à lei.
Com efeito, à autora foi assegurado o acesso ao direito e o tribunal recorrido decidiu a questão que foi colocada à sua apreciação e fê-lo em obediência aos respectivos normativos legais, conforme já acima se assinalou.
Por conseguinte, não são de acolher os argumentos expendidos pela autora/recorrente nas suas alegações, impondo-se a confirmação da sentença recorrida.
Sintetizando:
- A instalação de um aparelho de ar condicionado numa parte comum do prédio, porque altera a sua estrutura inicial, trata-se de inovação e, por esse motivo, nos termos do art. 1425 do Cód. Civil, necessita da autorização da maioria dos condóminos, a qual terá de representar dois terços do valor total do prédio;
- A instalação desse mesmo aparelho de ar condicionado numa janela da fracção, que é parte integrante desta, modifica o arranjo estético do edifício e, por essa razão, tendo em conta o disposto no art. 1422, nº 3 do Cód. Civil, necessita também da autorização da maioria dos condóminos, representativa de dois terços do valor total do prédio;
- O arranjo estético relaciona-se com o conjunto de características visuais que conferem harmonia ao edifício no seu todo.
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela autora “B………., Ldª”, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da recorrente.

Porto, 20.10.2009
Eduardo Manuel B. Martins Rodrigues Pires
Mário João Canelas Brás
Manuel Pinto dos Santos

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[1] Cfr. Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 2ª ed., pág. 680; Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, reimpressão, 1984, págs. 54 e 143.
[2] Cfr. Abílio Neto, “Manual da Propriedade Horizontal”, 3ª ed., págs. 282/3.
[3] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. III, 2ª ed., pág. 434.
[4] Cfr. Ac. Rel. Porto de 2.10.1997, p. 9730438, disponível in www.dgsi.pt.
[5] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 421.
[6] Cfr. Abílio Neto, ob. cit., pág. 132.